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“Mas será que o respondente aceita que a filosofia do marxismo é o materialismo dialético?” – assim Lenin demandou persistentemente uma resposta direta de Bogdanov em maio de 1908, salientando decisivamente estas duas palavras chave. Não somente “materialismo”, desde que o materialismo sem a dialética nas condições contemporâneas não pode ser chamado “derrotando”, mas sim derrotado, e dialética sem materialismo é inevitavelmente transformada em uma arte puramente linguística de transformar os conceitos, afirmações, termos geralmente aceitos, de dentro para fora, há muito conhecido como sofismo. E somente dialética materialista e somente materialismo dialético, somente a unidade orgânica da dialética com o materialismo equipa o pensamento com capacidade e habilidade para criar uma imagem objetivamente verdadeira do mundo externo, com capacidade e habilidade para refazer esse mundo de acordo com as leis objetivas e tendências de seu próprio desenvolvimento. Esse é o pensamento chave de todo o entendimento de Lenin da filosofia que ele consistentemente explorou nos capítulos de seu livro brilhante.
A significância de Materialismo e Empiriocriticismo para a história de nosso século não acaba com o fato de que aqui, de uma vez por todas, chegou ao fim “uma filosofia reacionária” e suas pretensões do papel de “filosofia da ciência natural contemporânea” e “toda ciência contemporânea”. Muito mais importante foi o fato de que na polêmica com essa filosofia reacionária, Lenin claramente articulou seu próprio entendimento positivo de todos os problemas essenciais colocados diante da filosofia marxista pelos eventos da época contemporânea – a época das grandes revoluções em todas as esferas da vida humana: na economia, política, ciência e tecnologia – todo lugar formulando categoricamente os princípios fundamentais para resolver estes problemas e apresentando a lógica de como achar suas soluções. Foi necessário afirmar claro, distinta e inequivocamente para o partido, para o país e para todo o movimento trabalhador internacional de que foi somente o bolchevismo como posição estratégica e tática na revolução que tinha como sua fundamentação teórica a filosofia de Marx e Engels, e, portanto, que somente o bolchevismo era o descendente direto do trabalho dos fundadores do marxismo na política, economia política e filosofia.
Devemos insistir neste ponto porque o conteúdo deste trabalho vivamente polêmico é, algumas vezes, entendido de forma muito estreita e unilateral e, portanto, incorretamente. E isso é feito não somente pelos inimigos do marxismo revolucionário, mas também por alguns de seus “amigos”. Assim, Roger Garaudy (e ele não é o primeiro ou o único desses autores) que em seu livro Lenin(2) condescendentemente permite que Materialismo e Empiriocriticismo contenha a exposição dos básicos do materialismo em geral, mas que eles são alegadamente não as bases do materialismo especificamente marxista, desde que eles não estão conectados diretamente com a “dialética”, e assim por diante. De acordo com Garaudy, Lenin somente se interessou pela “dialética” mais tarde, durante o período de seus “Cadernos Filosóficos” e naquela época ele mudou sua atitude sobre o materialismo e idealismo, limitando substancialmente as prerrogativas de seu princípio de reflexão. Esta é uma clara falsidade em relação ao entendimento de Lenin da dialética.
A isso podemos adicionar que Lenin nunca mudou sua atitude em relação ao idealismo. Idealismo, em sua visão, sempre permaneceu um inimigo mortal tanto do movimento revolucionário como do progresso científico, um inimigo mais perigoso quando mais cuidadosamente ele apresenta a si mesmo como um amigo ou um aliado. A essência do idealismo permanece a mesma, esteja ele conectado com “deus” ou o “espírito absoluto”, o “complexo de sentimentos” ou o sistema de formas da “experiência socialmente organizada”. Em qualquer caso, é um “complexo de ideias nascida da opressão burra dos seres humanos pela natureza externa e exploração de classes, ideais que fortalecem essa opressão, que colocam para dormir a luta de classes”(3) – explica Lenin à Maxim Gorky, que na época estava encantado com a filosofia de Bogdanov.
Idealismo em qualquer de suas formas – desde a teológica até a “científica positivista” – sempre foi colocada por Lenin no mesmo nível que o resto das criações mais repugnantes do arranjo societal que foi fundado na exploração de humanos por humanos. “Ópio para o povo”, “futilidade espiritual” – essas não são só metáforas coloridas. Elas são as exata e poderosas expressões da essência da questão social. “Futilidade espiritual”, assim como a futilidade material regular, entorpece a consciência de uma pessoa, o priva da clareza sóbria, cria em sua cabeça um mecanismo ideal-psíquico de adaptação a qualquer, até mesmo as mais desumanas, condições.
É por isso que Lenin – um Comunista e um Revolucionário – tão violentamente odiava a “futilidade espiritual” de todas as sortes, todos os tipos – desde o doce Cristão até os esforços “doces e falsos” dos “criadores de deus” e “seguidores de deus”.
Muitos pessoas então (e algumas pessoas ainda hoje) não poderiam entender este calor da intolerância e indignação de Lenin causada pela abordagem coletiva (trabalho coletivo) de Bazarov – Bogdanov – Lunacharsky – Berman – Geldfand – Yushkevich – Suvorov nos Ensaios sobre a Filosofia Marxista que ele renomeou para sempre em Ensaios “Contra” a Filosofia Marxista. Este livro, na avaliação de Lenin, era “absurdo, prejudicial, filisteu e sacerdotal – todos eles, desde o começo até o fim dos galhos às raízes, desde Mach até Avenarius”(4).
Mesmo no círculo mais próximo de Lenin esta reação feroz causou espanto. “O mesmo era crítico. A revolução estava declinando. A situação precisava de uma mudança bastante drástica de tática, e mesmo assim Ilitch [Lenin] estava na Livraria Nacional, sentado lá o dia todo, escrevendo um livro filosófico" - relembrou mais tarde, após a morte de Lenin, M. N. Pokrovsky(5).
A velocidade com a qual Materialismo e Empiriocriticismo foi escrito e preparado para publicação, assim como a força de seu impacto teórico e a feroz paixão destruidora de seu estilo literário, pode ser explicação pela seguinte circunstância: naquela época Lenin era basicamente o único revolucionário marxista que entendeu a colossal significância do materialismo dialético para o destino da revolução socialista, o progresso social e científico. Ele entendeu sua significância, em primeiro lugar, pela elaboração científica real da estratégia e tática da futura luta política, sua significância para a análise concreta das condições objetivas, materialistas e econômicas de seu progresso.
Aqueles infectados com a doença machista eram absolutamente inaptos para tal luta. É por isso que havia tão colossal dano para a revolução nesta variedade de “futilidade espiritual”. Todos os perigos dessa sabotagem conceitual na retaguarda do marxismo revolucionário não eram discernidas pelos “líderes” socialdemocratas contemporâneos, os “guardiões” oficiais da herança teórica de Marx e Engels. Karl Kautsky, geralmente indiferente à filosofia, não estava nem um pouco preocupado que seu jornal (“Novos Tempos(6)”) estava gradualmente se tornando em um órgão de propaganda para todos os tipos de vulgaridade positivista, e então ele publicou tudo sem qualquer discernimento. Plekhanov, entretanto, enquanto entendendo perfeitamente o desamparo filosófico e status reacionário das visões de Bogdanov e seus amigos, ainda assim não viu a coisa importante – o solo real no qual todos os disparates filosóficos especialistas estavam profundamente enraizados, ele não viu a obscuridade filosófica impassível da maioria dos cientistas naturais contemporâneos, incluindo o mais significante.
Mach, Ostwald, Pearson, Duham, Poincare, Helmholtz, Hertz – todos eram estrelas de primeiro calibre no céu da ciência natural contemporânea. É sobre eles e não sobre algum amador provinciano insignificante que Lenin achou necessário dizer diretamente e sem diplomacia (o que seria somente prejudicial em tal caso):
“Não se pode acreditar em nenhuma palavra de nenhum destes professores, capazes de realizar os trabalhos mais valiosos nos domínios especiais da química, da história e da física, quando se trata de filosofia. Porquê? Pela mesma razão por que não se pode acreditar numa só palavra de nenhum professor de economia política, capaz de realizar os trabalhos mais valiosos no domínio das investigações factuais e especializadas, quando se trata da teoria geral da economia política. Porque esta última é na sociedade contemporânea uma ciência tão partidarista como a gnosiologia.”(7).
A franca apresentação afiada e impiedosa deste fato – que era a vantagem decisiva da análise de Lenin do machismo—bogdanovismo em comparação com a crítica de Plekhanov. Plekhanov entendeu que
“dano especializado pode nos trazer aqueles ensinamentos filosóficos que, enquanto idealista em sua essência, apresentam a si mesmos como a última palavra em ciência natural [...]”(8).
E aqui ele estava absolutamente correto. Lenin estava em total acordo com ele que os machistas apresentam sua filosofia como “a última palavra em ciência natural” sem qualquer direito legítimo para fazê-lo, que isso era uma ilusão, uma autodecepção e demagogia do pior tipo.
Mas essa ilusão, infelizmente, não é sem fundamento. É a mesma ilusão daquela do resto das ilusões naturalistas da consciência burguesa. É uma tal ilusão objetivamente condicionada, uma aparência como um resultado cujas qualidades puramente sociais (e, portanto, surgindo historicamente e desaparecendo historicamente) das coisas são tomadas como sendo suas qualidades naturais (e, portanto, eternas), e as determinações dessas mesmas coisas são tomadas como sendo suas características científico-naturais...
Nisso, e não em alguma ingenuidade filosófica pessoal de Bogdanov, encontramos a força da ilusão que o influenciou. Plekhanov não viu isso. Somente Lenin viu.
Discípulos russos – e não somente russos – de Mach seriamente acreditavam que sua filosofia era a “filosofia da ciência natural contemporânea”, a “ciência natural do século XX”, e em geral a “ciência de nossa época”, filosofia de “toda ciência moderna”; que sua diferença da filosofia do “ortodoxo Plekhanov” era de que ela tinha os “métodos da ciência exata ou tão chamada ‘positiva’” (essas são todas frases de Ensaios sobre (!) a Filosofia Marxista).
É por isso que eles viram sua principal tarefa em reorientar o marxismo revolucionário junto com as linhas do “método da ciência natural” e sua aplicação na análise dos eventos sociais.
“Podemos aprender muito com Mach. Em nossa época turbulenta, em nosso país que está lavado com sangue, o que ele oferece é especialmente valioso: tenacidade calma de pensamento, estrito objetivismo de método, análise implacável de tudo que é aceito na fé, destruição implacável de todos os ídolos do pensamento” – declamam Bogdanov e seus amigos a cada passo(9).
Assim, não importa quão formalmente perfeita era a crítica de Plekhanov ao Machismo como uma filosofia terminologicamente corrigida de Berkeley, ela não causou uma impressão nem em Bogdanov nem em seus seguidores. Em algum ponto eles começaram a seriamente acreditar que qualquer coisa escrita sobre essa questão por Marx e Engels era uma expressão “semanticamente imprecisa” de sua própria filosofia. Todas as declaração de Marx e Engels alegadamente se tornaram “obsoletas”, porque elas eram expressadas na linguagem obsoleta, no léxico da tradição filosófica na atmosfera na qual eles foram formados em sua juventude. Tudo aquilo é alegadamente somente lixo verbal de sua herança – “quinquilharias verbais” da “conversa fiada” hegeliana—feuerbachiana e nada mais. É por isso que eles ainda escreveram sobre “matéria” e sobre “contradição”.
Portanto, nós devemos purificar a “genuína” filosofia de Marx e Engels deste lixo verbal, e expressar seu “núcleo racional” na linguagem da ciência contemporânea – na terminologia de Mach, Ostwald, Pearson, Poincare e outros corifeus da ciência natural contemporânea. Tudo que é “científico” em seus trabalhos será, portanto, alegadamente preservado. Plekhanov, a partir deste ponto de vista, parecia um retrógrado que não queria levar em consideração o sucesso e as conquistas da ciência natural contemporânea e os métodos científicos com a ajuda dos quais aqueles sucessos foram conquistados, ele conservadora e teimosamente preservou as fetiches verbais obsoletos. Os machistas retratavam sua própria filosofia como a filosofia “genuína” de Marx e Engels, purificada criticamente (“empiriocriticamente”) do lixo verbal.
Essa demagogia causou uma impressão nos leitores filosoficamente despreparados, especialmente desde que não era demagógico em seu propósito, mas somente um resultado da autodecepção, autosedução por “estúpidos” filosóficos, como Lenin os chamou.
Enquanto expondo essa ilusão, “Vl. Ilitch” a contrastou com o entendimento marxista do relacionamento real que existe entre filosofia, enquanto tal, e o desenvolvimento da ciência natural e as ciência do ciclo histórico. Primeiro de tudo ele determina que nem tudo que é dito ou escrito em nome da “ciência contemporânea” pode e deve ser cegamente acreditado. A própria ciência deve rejeitar algumas dessas coisas amanhã e assim como a “filosofia” em uma situação estranha. Para qualquer filosofia séria na questão da “generalização filosófica dos dados da ciência contemporânea” não existe lugar para credulidade.
Devemos ser especialmente cautelosos sobre qualquer coisa que os cientistas naturais e sociais escreveram e pensaram sobre a “lógica e teoria do conhecimento” da ciência contemporânea – nessa área eles não podem ser considerados especialistas. É precisamente aqui – na “epistemologia” – que não podemos “acreditar em uma única palavra” que eles dizem.
Enquanto tentava articular os métodos e abordagens que eram conscientemente usadas em sua área, eles foram forçados a usar não sua própria terminologia e fraseologia científica, mas as epistemologicamente e filosoficamente especiais. E é aqui que eles muito frequentemente envergonham-se, pois até mesmo o mais significante e inteligente deles usa a terminologia como amadores, emprestando-a, como uma regra, não da melhor e verdadeira filosofia contemporânea, mas da terminologia da moda, vulgar, “professoral” que é considerada nos círculos gerais como a mais “sendo comum”.
É assim que apareceu o que de relance se pensou ser um fenômeno “impossível”: um físico (químico, biólogo, técnico-elétrico, e assim por diante) brilhante e o mais progressista é, ao mesmo tempo, um filósofo-epistemologista superficial, vulgar e o mais reacionário. Ernst Mach é o exemplo mais típico dessa combinação paradoxal.
Não existe nada de surpreendente ou estranhou sobre esse paradoxo, pois “todo o ambiente em que vivem estes homens os afasta de Marx e de Engels, os lança nos braços da trivial filosofia oficial”(10), e como resultado até mesmo os “teóricos mais destacados se faz sentir o desconhecimento completo da dialéctica”(11), e, portanto, são incapazes de expressar a essência de seus “métodos científicos” e seus trabalhos nos termos e conceitos da epistemologia e lógica verdadeiramente científicas – materialistas dialéticas.
Não é culpa deles, mas é o infortúnio deles. A culpa reside com os filósofo-especialistas que pegam as declarações filosoficamente vagas dos cientistas naturais e se apressam em usá-las como material de construção de suas próprias construções filosóficas a fim de “confirmar” seus status “científicos”. Lenin, portanto, traça uma linha clara de princípios entre o auto entendimento lógico-epistemológico do cientista natural e aquele uso disso que é feito pelo filósofo.
É uma coisa quando a frase – “a matéria desapareceu” – é feita por um físico. Essa frase particular foi feita por um bastante importante. Em sua boca, isso é uma expressão verbal epistemologicamente vaga, filosoficamente negligente do fato real, um passo real na direção de um melhor conhecimento da realidade física, que é a única coisa que ele tem em mente. É algo diferente quando a mesma frase é encontrada na boca do representante da “filosofia professoral”. Aqui ela não é uma descrição (mesmo se for inexata) do fato científico real, mas uma expressão de uma mentira, ilusão e ficção completa, idealista, filosófica, que, na realidade, não corresponde a qualquer fato real tanto no mundo objetivo quanto no conhecimento dele.
Neste caso (assim como em qualquer outro caso similar) a tarefa do filósofo marxista, de acordo com Lenin, é identificar o fato real, pobre e inexatamente expresso nas palavras do cientista natural, e expressá-lo na linguagem filosoficamente correta, epistemologicamente perfeita; para tornar este fato filosoficamente transparente para o mesmo cientista natural, para ajudá-lo a entender este fato corretamente.
Lenin tem uma atitude bastante diferente em relação a tal filósofo-especialista que baseia seu negócio na imprecisão, descuido e credulidade do cientista que não é um filósofo, na “aproximação” filosófica das expressões do cientista. Essa é uma atitude em direção a um inimigo mortal que conscientemente especula sobre o cientista natural epistemologicamente mal informado. Aqui o tom da conversa muda.
Para estigmatizar tal cientista natural como um idealista é tão insensato e inapropriado como é inapropriado (e prejudicial para a revolução) envergonhar publicamente o camponês analfabeto e oprimido que reza para Deus pela chuva por chama-lo de aliado ideológico da ordem burocrática da nobreza aterrada, um ideólogo da reação. Mas um padre – essa é uma questão diferente. E não algum patético padre de vilarejo que compartilha com o camponês suas superstições ingênuas, mas um padre educado que sabe Latim e lê Tomás de Aquino, e talvez até mesmo Kant – um padre do status de Berdiaev – ele é o inimigo profissional do materialismo e revolução, o parasita que se alimenta da ignorância e superstição.
“[...] os filósofos idealistas agarram o menor erro, a menor falta de clareza de expressão de naturalistas famosos para justificarem a sua renovada defesa do fideísmo”(12). E eles não estão somente tentando pegar, mas provocar ativamente os cientistas naturais a cometer tais erros. Eles sem vergonha bajulam os cientistas por citarem respeitosamente suas declarações descuidadas e fazer eles pensarem que qualquer cientista natural significante automaticamente se torna a mais alta autoridade na filosofia, na teoria da cognição e lógica da investigação cientifica – isto é, precisamente na área em que o cientista conhece mal, de forma não profissional, por ouvir dizer, a partir das palavras de outra pessoa, a partir de segunda ou até mesmo décimas mãos.
De boa vontade e respeitosamente repetindo estes erros e “ambiguidades na expressão”, o filósofo positivista então cria uma ilusão de que não é ele, ele mesmo, que traz e ativamente introduz essas declarações na ciência natural, mas que ele somente tira e extrai elas da ciência natural. Este é um truque de um velho ilusionista cansado que foi plenamente expostos por Lenin, e a ilusão de novidade só é dada a este truque pela recém inventada terminologia.
É a partir daqui – a partir dessa tendência de apresentar o que é inexato como exato – que origina aqueles jargão ridículo com o qual os positivistas do século XX teimosamente tentaram expulsar e substituir a clara terminologia polida por séculos, que originou nas melhor das tradições da filosofia clássica e na qual Marx e Engels, portanto, preferiram expressar suas visões filosóficas.
Lenin impiedosamente zomba esse vício positivista de criar “novas palavrinhas” – todas aquelas “introjeções” e “coordenações principais”, “transcensus” e “empiriosímbolos”, “notais”, “segurais” e “fidedignais”(13). Essa forma de expressão só então estava se tornando (ou melhor, estava sendo introduzida como) moda, mas Lenin julgou necessário lidar com isso e acabar com ela. Ele mostrou que o único propósito disso era dar às vulgaridades idealísticas triviais uma aparência de profundidade e status “científico”.
Existe aqui talvez algo para pensar sobre aqueles autores que persistentemente tentam “enriquecer” o léxico da teoria materialista-dialética do conhecimento e lógica com os frutos da promiscuidade verbal filosófica produzida por Carnap, Ayer, Schlick e Popper – todas essas “concepções” e “denotações”, “extensionais” e “explananduns”, “postulados epistemológicos” e outros “paradigmas” – à luz (ou melhor, na escuridão) de tais “concepções precisas e comprovadas”, todos eles sonham em criar definições teóricas de conceitos mais exatos da dialética materialista, “mais efetivas e heurísticas”. Só imagine que tipo de dialética ela seria se usasse essa mistura absurda de Latim anglicizado com os dialéticos da alta Bavária e da baixa Novgorod!
Naturalmente é necessário adicionar novos termos ao léxico e sintaxe da linguagem da filosofia marxista-leninista a fim de torna-la mais rica, mais flexível e mais expressiva, isso quer dizer, a fim de torna-la mais precisa em expressar os sutis aspectos do pensamento. Devemos aprender esta arte não somente com Marx, Engels, Lenin e os clássicos da ciência natural, mas também com Herzen, Belinsky, Pushkin e Tolstói. Entretanto, este aprendizado é bastante diferente daquela regulação pedante da “linguagem da ciência” que traz o resultado oposto e torna a linguagem não somente irremediavelmente monótona, chata e cinzenta, mas em última instância também incompreensível para aqueles que não estão iniciados nos mistérios dos hieróglifos positivistas, seus “códigos” e cifras secretos.
Enquanto somente copiando as características externas da linguagem especializada da matemática e linguística, física e biologia, os filósofos positivistas criam um ilusão de “compreensibilidade” da linguagem de sua filosofia para os representantes dessas ciências. Mas, os cientistas naturais nem sempre notam que os termos emprestados então perdem sua concreticidade e são transformados em vazios verbais mesmos se eles retiverem a aparência e a glória do “determinismo e univocidade estritamente científicos”. Mentiras e demagogia, pura e simples.
E Lenin expõe essa mentira:
“Bogdánov não se dedica de modo nenhum a uma investigação marxista, mas a revestir os resultados já anteriormente obtidos por esta investigação com a roupagem de uma terminologia biológica e energética”(14).
Rotulando tais eventos concreto-históricos como crise ou luta de classes ou revolução com termos da biologia e energética (“metabolismo”, “assimilação e desassimilação”, “balanço energético”, “entropia”, e assim por diante) é um jogo verbal vazio que não adicionada absolutamente qualquer coisa nova tanto para nosso entendimento da crise quanto para nosso entendimento do metabolismo. Mas porque então Lenin reage tão rigorosamente e iradamente?
Porque esse jogo verbal vazio toma o lugar da pesquisa científica concreta. E porque o jogo vazio cria a ilusão de que com a ajuda das ciências naturais nós alcançamos um entendimento “mais profundo”, “mais amplo” e mais “filosófico” dos mesmos eventos que são discutidos na economia política e na teoria histórico-social.
Aqui não é mais diversão inocente. É uma completa desorientação lógica-filosófica do pesquisador, tanto do cientista político quanto do biólogo. O primeiro para de realizar seu trabalho, e o segundo começa a fazer o trabalho que não é seu e somente prejudica sua ocupação real. E ambos produzem não conhecimento científico, mas somente abstrações pseudocientíficas que são apresentadas como generalizações filosóficas.
Com tal entendimento de generalização filosófica, acontece que, em essência, é irrelevante se as novas descobertas das ciências naturais são traduzidas em uma linguagem específica (digamos, de física) ou se elas são recontadas na linguagem tradicional da filosofia: em ambos os casos seus conteúdos concretos evaporam. Portanto, as lições da crítica da interpretação positivista do papel da filosofia e seu relacionamento com a ciência natural foram levadas em consideração por Lenin em seus “Cadernos Filosóficos” quando ele estava desenvolvendo sua própria concepção de dialética como a lógica e teoria do conhecimento do materialismo contemporâneo.
O método de apresentação (e desenvolvimento) da dialética como uma “soma de exemplos” que ilustra já conhecidas leis e categorias dialéticas é essencialmente tão infrutífera como é o método de Bogdanov de traduzir as conclusões já disponíveis da teoria do mais-valor na linguagem da biologia e física. E esse método não é menos prejudicial se for usado não para a popularização das fórmulas gerais da dialética, mas, ao invés, para sua elaboração criativa como ciência filosófica.
Nem a filosofia nem a ciência natural se beneficiam desta tradução “palavra por palavra” dos dados científicos na linguagem da filosofia. É prejudicial porque cria e alimenta as ilusões de que filosofia não é uma ciência, e sim somente uma cópia abstrata dos dados científicos concretos disponíveis, resumidos acriticamente na linguagem formal abstrata da filosofia, e nada mais. Da mesma forma, até mesmo a dialética materialista é repensada (e essencialmente pervertida) em uma maneira tipicamente positivista. E desde que tal “dialética” é inútil para o cientista natural, ela aparece aos seus olhos como criação vazia de palavras, uma ficção abstrata, como a arte de subsumir sob esquemas universais abstratos de basicamente qualquer coisa, incluindo o último disparate da moda. É isso que desacredita a filosofia aos olhos do cientista natural, o ensina a desprezá-la com desdém e assim enfraquece a ideia de Lenin da unidade da filosofia materialista-dialética com a ciência natural.
Reduzindo a dialética à soma de exemplos, emprestadas de uma ou diversas áreas do conhecimento, fez o trabalho dos machistas de desacreditá-la muito fácil. (A propósito, até mesmo Plekhanov não entendeu este ponto.) “Não é preciso ser um especial conhecedor especialista de O Capital – escreveu um dos machistas – a fim de ver que todos os esquemas escolásticos em Marx desempenham um papel exclusivo da forma filosófica, de vestido no qual ele vestiu suas generalização indutivamente descobertas [...]”(15). Assim, dialética é entendida por Berman como sento algo como um chapéu que foi tomado da cabeça de alguém e colocado no pensamento “positivo” de Marx que não tem qualquer coisa a ver com essa “superestrutura filosófica”. Portanto, o marxismo deve ser cuidadosamente limpo de toda dialética, i.e., da fraseologia hegeliana, substituindo essa fraseologia por um “científica”, extraída por um “método puramente indutivo” dos resultados da “ciência contemporânea”.
Esse estranho entendimento da “generalização filosófica” é o que causa tal ira e agitação em Lenin. Quando a filosofia é construída sobre tais “generalizações” ela inevitavelmente se torna um fardo pesado e somente desacelera o movimento científico adiantado. A “energia” intelectual de Bogdanov e seus amigos afastou-se do caminho do marxismo revolucionário para os caminhos tortos do clericalismo e obscurantismo precisamente por causa desse entendimento positivista da filosofia como a agregação do último, conclusões “mais gerais” do conhecimento “positivo”, basicamente das ciências naturais.
Essa interpretação positivista superficial da filosofia, seu assunto, seu papel e função como parte da visão de mundo em desenvolvimento – visão de mundo científica – é axiomático para todos os amigos de Bogdanov. Para eles a filosofia era uma “tentativa de prover a figura unificada do ser” (Bogdanov), a “teoria geral do ser” (Suvorov) ou a totalidade dos “problemas que constituem o genuíno assunto da filosofia, isto é, questionar sobre o mundo como um todo” (Berman)(16). É esse “precioso sonho” de todo os machistas – criar tal filosofia, é o objetivo de todo os seus esforços.
Lenin nem se incomoda em discutir seriamente com este sonho ridículo – ele só zomba isso impiedosamente:
Bem. A “teoria geral do ser” é novamente descoberta por S. Suvórov depois de numerosos representantes da escolástica filosófica a terem descoberto muitas vezes sob as mais variadas formas. Felicitemos os machistas russos por esta nova “teoria geral do ser”! Esperemos que a sua próxima obra colectiva seja inteiramente consagrada à fundamentação e desenvolvimento desta grande descoberta!(17)
A apresentação descrita de filosofia invariavelmente solicita a ira, irritação e sarcasmo de Lenin: “palhaço! tolo!” – ele escreve às margens do livro do positivista Abel Rey se referindo à discussão do último de raciocínio analógico (“Porque não deveria a filosofia, portanto, da mesma forma, ser um síntese geral de todo o conhecimento científico [...] teoria da totalidade dos fatos que a natureza nos apresenta, o sistema da natureza, como costumava ser chamado no século XVIII, ou, de qualquer maneira, uma contribuição direta para uma teoria deste tipo”(18)). Uma avaliação que não é muito educada, mas muito inequívoca. Lenin não admitiu qualquer compromisso com positivistas neste ponto.
Ao mesmo tempo, ele considerou muito importante e necessário iluminar o leitor sobre os mais novos dados científicos da física e química sobre a constituição da matéria, isso quer dizer, apresentar ao leitor o resumo de todo o mais novo conhecimento científico, todas as realizações contemporâneas da ciência natural e tecnologia. Entretanto, Lenin nunca e em lugar algum considerou ou pensou sobre essa importante tarefa como filosofia. Mais do que isso, eles era bastante indignante quando essa tarefa era apresentada como a “filosofia moderna” no lugar da filosofia do marxismo.
Lenin clara e inequivocamente coloca a questão do relacionamento entre a “forma” do materialismo e sua “essência”, da inadmissibilidade de identificação do primeiro com o último. A “forma” do materialismo é encontrada nas ideias científico-concretas sobre a constituição da matéria (sobre o “físico”, sobre “átomos e elétrons”) e nas generalizações científicas naturais dessas ideias que, inevitavelmente, acabam sendo historicamente limitadas, voláteis, sujeita a reconsideração pela própria ciência natural. A “essência” do materialismo é encontrada na aceitação da realidade objetiva que existe independentemente do conhecimento humano e que é somente refletido nele. O desenvolvimento criativo do materialismo dialético sobre as bases das “conclusões filosóficas derivadas das mais novas descobertas da ciência natural” é, de acordo com Lenin, encontrado não na reconsideração dessa essência e não em tornar as ideias dos cientistas naturais eternas, mas em aprofundar o entendimento do “relacionamento entre conhecimento e mundo físico” que está conectado com estas novas ideias sobre a natureza. O entendimento dialético do relacionamento entre a “forma” e a “essência” do materialismo, e, portanto, o relacionamento entre “ontologia” e “epistemologia” constitui o “espírito do materialismo dialético”.
Por conseguinte – escreve Lenin resumindo a interpretação genuinamente científica da questão do desenvolvimento criativo do materialismo dialético –, a revisão da “forma” do materialismo de Engels, a revisão das suas teses de filosofia da natureza, não só nada tem de “revisionista” no sentido estabelecido da palavra, como, pelo contrário, o marxismo a exige necessariamente. Não é de modo nenhum esta revisão que reprovamos aos machistas, mas o seu procedimento puramente revisionista – trair a essência do materialismo sob a aparência de criticar a sua forma [...](19).
Lenin impiedosamente castiga essa ideia de Bogdanov—Suvorov da filosofia e a contrasta, em todos os pontos, com o entendimento que estão cristalizados nos trabalhos de Marx e Engels, e desenvolvimento o entendimento mais além.
O papel da filosofia no sistema da visão de mundo marxista (dialética-materialista) não é para construir sistemas cósmico globais de abstrações em água-régia na qual são dissolvidas todas as diferenças e contradições (por exemplo, entre biologia e economia política); seu papel é exatamente o oposto – ela existe e se desenvolve para o bem do estudo concreto real, científico real dos problemas concretos da ciência e da vida, para o bem da transformação real do entendimento científico da história e natureza. O papel da filosofia no sistema de visões de Marx e Engels é para servir a este conhecimento concreto da natureza e história. Nele, universalidade e concretude não são mutuamente exclusivos, mas um pressupõe o outro.
O materialismo dessa filosofia é encontrado precisamente em que ela orienta o pensamento científico em direção a uma apreensão mais exata dos eventos da natureza e história em toda sua objetividade, em toda sua concretude, e sua contraditoriedade dialética – em toda sua independência da vontade e consciência dos seres humanos. Entretanto, “filosofia” na versão machista—bogdanovista dá ao pensamento científico a orientação contrária. Ela direciona o pensamento humano em direção à criação de “abstrações extremas”, no meio “neutro” no qual todas as distinções, todas as oposições, e todas as contradições são extintas. É o caso tanto na matéria quanto na consciência, e no relacionamento entre matéria e consciência. E essa é a consequência direta do idealismo e seus axiomas epistemológicos. Os “elementos do mundo”, estruturas de organização” tecnológicas, “quadros lógicos”, “objetos abstratos”, “deus” e o “espírito absoluto” – são todos diferentes pseudônimos escondendo uma e mesma consciência humana idealisticamente mistificada.
O ponto chave de toda a estratégia do ataque machista contra a filosofia do marxismo foi encontrado em sua tentativa de dividir a unidade viva da dialética materialista como a teoria do desenvolvimento e como a teoria do conhecimento e lógica por primeiro separar “ontologia” da “epistemologia” e então por justapor as duas, assim matando a própria essência da dialética como ciência filosófica. O cálculo era simples: com tal divisão o entendimento materialista do mundo seria fácil de identificar com um “retrato do mundo” científico natural concreto e historicamente limitado, com o “físico”, e com base em atribuir ao materialismo todas as falhas e enganos de tal “ontologia”. A mesma operação então poderia ser desempenhada, por outro lado, na “epistemologia” materialista ao identifica-la com uma mais nova concepção científica natural do “intelectual”. Essa identificação da filosofia com um resumo generalizado dos dados científicos permitiu apresentar a questão de tal maneira a sugerir que a própria ciência natural dar à luz ao idealismo. Atribuir o idealismo à ciência natural é destruir a singularidade da filosofia, sua abordagem aos fenômenos, e seu sistema de conceitos. Lenin expõe as raízes dessas intenções ao mostrar concretamente o que constitui o “espírito principal do materialismo” da ciência natural contemporânea que dá luz ao materialismo dialético.
De acordo com Lenin, a questão da generalização filosófica (e, portanto, da introdução em um sistema de conhecimento filosófico) não é o último dos resultados enquanto tal, “dados positivos” enquanto tal, mas precisamente o desenvolvimento do conhecimento científico, o processo dialético da apreensão concreta, mais profunda e mais compreensiva dos processos dialéticos do mundo material, pois não é improvável que amanhã a ciência natural estará ela mesma avaliando os últimos resultados “negativamente”. Lenin pensa sobre a revolução na ciência natural a partir das posições da filosofia materialista-dialética e chega à conclusão geral de que o conteúdo objetivo do conhecimento científico pode ser fixado e avaliado somente a partir das posições da teoria materialista-dialética do conhecimento que revela a dialética da verdade objetiva, absoluta e relativa, e a “ontologia” está conectada tão próxima da “epistemologia” quanto as categoria que expressam a natureza dialética da verdade estão conectadas com a dialética objetiva.
É impossível incluir o “negativo” no entendimento do “positivo” sem a abordagem “epistemológica” à “ontologia” do conhecimento científico, sem, ao mesmo tempo, perder a unidade dos opostos (e isso é exatamente o que a dialética faz). A generalização filosófica genuinamente científica deve consistir, de acordo com Lenin, em “elaboração dialética” de toda a história do desenvolvimento do conhecimento e atividade prática, em entender as realizações da ciência em todo o contexto histórico de tal desenvolvimento. É a partir dessas posições que Lenin abordou a questão do relacionamento entre filosofia e ciência natural em Materialismo e Empiriocriticismo, “Cadernos Filosóficos” e “Sobre o Significado do Materialismo Militante”. Os machistas estavam contando com desacreditar o materialismo rasgando suas verdades do contexto histórico.
O positivismo considerou (e ainda considera) epistemologia a partir de posições análogas. Sua intenção é opor a epistemologia como uma ciência “estrita e exata” à dialética materialista como ciência filosófica e, nisso, ela quer criticar a dialética à luz de tal “epistemologia”. Vemos essa intenção já no título do livro de Berman – dialética à luz da teoria contemporânea do conhecimento. Essencialmente, não é uma teoria do conhecimento em qualquer sentido real. É novamente a coleção de “últimos dados” da pesquisa em psicologia, psicofisiologia, fisiologia dos órgãos da percepção, e por último – lógica matemática, linguística e assim por diante. Entendimento e uso desses dados isolados da “ontologia”, da lei geral do desenvolvimento da natureza e sociedade foi o que permitiu a oposição entre tal “epistemologia” e dialética.
Lenin mostra claramente a incompatibilidade da “epistemologia” escolástica dos machistas e a teoria genuinamente científica do conhecimento – a teoria do estudo real do mundo real por pessoas reais (e não por um “sujeito epistemológico” imaginado), usando a lógica real do desenvolvimento da ciência, a lógica real da produção e acumulação da verdade objetiva. Sua questão real – todo o processo historicamente (dialeticamente) em desenvolvimento do conhecimento objetivo do mundo material (mundo dos fenômenos científicos naturais e histórico-sociais) pelo ser humano societal, o processo de reflexão desse mundo na consciência do ser humano e humanidade. O processo, o resultado, e o objetivo absoluto o qual é a verdade absoluta. O processo implementado por bilhões de pessoas, por centenas de sucessivas gerações. O processo que é a cada passo checado pela prática, experimentos, fatos e que é realizado nos resultado da totalidade de todas as ciências concretas (“positivas”) e materializada não somente e não apenas nos mecanismos neurofisiológicos do cérebro, mas também na forma de tecnologia, indústria, na forma das realizações político-sociais reais, conscientemente realizadas pelas forças revolucionárias sob a liderança de sua vanguarda intelectual e política – o partido.
Lógica como uma ciência filosófica do pensamento é entendida por Lenin como sendo um ensino sobre aquelas leis necessárias, gerais e objetivas (independente da vontade e consciência humana) que se aplicam igualmente ao desenvolvimento da natureza e sociedade, assim como ao desenvolvimento da totalidade do conhecimento humano, e não somente ao pensamento, entendido como processo mental-subjetivo ocorrente nas profundezas do cérebro e mente, pois as leis específicas do pensamento são estudadas não na filosofia, não na dialética, mas na psicologia, fisiologia da atividade do sistema nervoso superior, e assim por diante. Estas leis gerais agem no conhecimento com a força da necessidade objetiva, quer realizemos ele ou não; estas leis em última instância alcançam a consciência individual também. Portanto, as leis do pensamento no seu limite, em sua tendência coincidem com as leis do desenvolvimento, enquanto tal, e lógica e teoria do conhecimento – com teoria do desenvolvimento. Mas, de acordo com Bogdanov (Berman, Carnap, Popper), lógica é a reflexão dos “dispositivos”, “métodos”, “regras” subjetivas que são conscientemente aplicadas pelo pensamento que não está cientificamente ciente daquelas profundas regularidades e padrões que fundamentam o conhecimento.
Lenin viu a tarefa da dialética como lógica e teoria do conhecimento ao tornar estas leis gerais disponíveis à consciência de cada indivíduo pensante – para ensiná-lo a pensar dialeticamente.
E se entendemos a “teoria do conhecimento” e lógica (teoria do pensamento) desta forma – em uma forma leninista, quer dizer, materialista-dialética – então não há razão para temer que a aplicação consistente da ideia da coincidência da dialética com a lógica e a teoria do conhecimento levaria a “subestimar a significância da filosofia como uma visão de mundo” ou seu “aspecto ontológico” (isto é, objetivo). Estar com medo disso é entender a epistemologia não de acordo com Lenin, mas de acordo com Mach e Bogdanov, e lógica – de acordo com Carnap e Popper, isso quer dizer, como ciências que são limitadas em seu estudo pelos fatos da consciência, seus “fenômenos da consciência enquanto tal” específicos (indistintamente individual ou “coletivamente organizado”) e que estão preocupados somente com o mundo externo enquanto ele está representado na consciência...
No começo do século, Lenin era o único marxista que entendeu e apreciou toda a grande significância de visão de mundo da epistemologia e lógica. A significância não entendia ou apreciada por Kautsky, por Plekhanov e pelo resto dos marxistas.
Machistas estavam lendo O Capital (até mesmo traduziram ele para o russo), mas eles não notaram que no processo de desenvolvimento dos conceitos neste trabalho científico está “aplicado” uma “teoria do conhecimento” específica, uma lógica específica do pensamento – dialética materialista. E eles não notaram isso por uma razão muito simples – porque eles emprestaram seu entendimento da “teoria do conhecimento” de Mach.
A teoria e lógica genuínas do conhecimento científico em Marx e Engels é dialética materialista (e somente materialista!) como uma ciência das leis gerais do desenvolvimento da natureza, sociedade e pensamento humano. Essa é a verdadeira ideia central de todo Materialismo e Empiriocriticismo – a tese que expressa toda a essência do livro. Poderia servir como uma epígrafe e como uma conclusão final, um resumo, mesmo que a tese foi somente formulada em, mais ou mais, uma forma citável por Lenin depois dos “Cadernos Filosóficos”.
“Em O Capital, são aplicados a uma ciência a lógica, a dialética e a teoria do conhecimento [três palavras não são necessárias: são uma e a mesma coisa] de um materialismo que recolheu tudo que há de precioso em Hegel e o fez avançar”(20). “Dialética é a teoria do conhecimento do marxismo (e Hegel). Este é o “aspecto” da questão (não é um “aspecto”, mas a essência da questão) a qual Plekhanov, para não falar de outros marxistas, não prestou atenção”(21). “A lógica não é a ciência das formas exteriores do pensamento, mas das leis de desenvolvimento de ‘todas as coisas materiais, naturais e espirituais’ [...]”(22).
Estas formulações surgiram como uma conclusão final àquela longa luta que Lenin liderou por muitos anos contra machistas e contra interpretações vagas e oportunistas da filosofia pelos teóricos da Segunda Internacional. Eles são o resumo do maior desenvolvimento criativo da filosofia do materialismo dialético. Nestas formulações, encontramos expresso a própria essência do entendimento de Lenin da dialética, seu assunto, seu problema, seu papel e função como uma parte do desenvolvimento da visão de mundo científica. Assim, não é apenas uma “questão de lado”, não somente “um dos aspectos” de tal entendimento.
A falta de entendimento dessa circunstância decisiva mesmo hoje leva alguns marxistas ao caminho de reconsiderar o entendimento de Lenin da “questão”, expressa em seu clássico entendimento deste conceito como conceito fundamental de toda a filosofia materialista-dialética, e não somente como uma parte de sua “epistemologia”. Assim, mesmo hoje lemos que a definição de Lenin é incompleta e insuficiente, de que tem um “caráter epistemológico estreito”, que expressa somente o “aspecto epistemológico unilateral”, e, portanto, ela alegadamente precisa ser “expandida” e “suplementada com um aspecto ontológico amplo”. Estes aparentemente inocentes “suplementos” e “extensões” são, na verdade, direcionados contra a própria “essência” (e não o “aspecto”) da questão, contra a essência do entendimento de Lenin da questão.
O significado dessas tentativas é claro: retratar Materialismo e Empiriocriticismo – este trabalho clássico sobre filosofia do materialismo dialético que explorou de forma geral todos os contornos importantes e problema de toda essa ciência – como um livro que é dedicado a apenas um (e não o mais importante) “lado da questão”, somente “epistemologia”, somente este círculo alegadamente “estreito” de questões que Lenin teve que responder devido a condições específicas das polêmicas com algumas escolas de segunda linha do idealismo subjetivo... Entendido desta maneira, Materialismo e Empiriocriticismo, com todas as suas definições está privado de toda significância filosófica geral fora de seu debate especializado, e o que é privado de significância é o livro que em última análise expos todo tipo de idealismo e não simplesmente o tipo subjetivo especial.
Em seu ensaio “Sobre a Significância do Materialismo Militante” Lenin delegou aos filósofos marxistas a tarefa de “seguir as questões que são estendidas pela mais recente revolução na ciência natural”. Sem completar esta tarefa, o materialismo militante “não pode ser de modo nenhum nem militante nem materialismo”(23).
A união dos filósofos e cientistas naturais, de acordo com Lenin, pode ser forte e voluntária somente sob a condição de que é mutuamente benéfica e mutuamente excluir qualquer tentativa de forçar os resultados da filosofia na ciência e os resultados da ciência na filosofia. Tal união, tal cooperação voluntária no trabalho de conhecer o mundo é possível somente com o entendimento de Lenin da dialética.
Ao mesmo tempo, Lenin sublinhou que “sem uma sólida fundamentação filosófica não há ciência da natureza nem materialismo que possa suportar a luta contra a investida das ideias burguesas e o restabelecimento da concepção burguesa do mundo”(24).
Nessas condições nenhum filósofo marxista tem o direito de se consolar em que a física (e as ciências naturais em geral) estão “em qualquer caso” alegadamente movendo espontaneamente junto (mesmo que de má vontade e “para trás”) as linhas do pensamento dialético, as linhas do conhecimento (reflexão) materialista-dialético da realidade objetiva sem dar a si mesmo o correto autorrelato, mas satisfeito com o incorreto passado pelos positivistas.
E aqui (e não somente na política) toda a admiração pelo movimento adiante espontâneo, toda a diminuição da intencionalidade e sua grande significância para o progresso significa na prática somente a permissão da intencionalidade idealista-reacionária e sua influência na “espontaneidade” – no final, isso significa o aumento da confusão epistemológica nas cabeças dos cientistas.
Assim, Lenin prova que se o cientista natural não usa a dialética materialista intencionalmente, isso é a mesma forma como foi usada por Marx e Engels, então ele irá inevitavelmente, apesar de sua tendência espontânea em direção a isso, ocasionalmente deslizar, escorregar, trombar no idealismo, no pântano do obscurantismo semi-científico (positivismo) toda vez que estiver diante dele um fato (um sistema de fatos) que contém uma dificuldade dialética, contradição dialética, e, portanto, uma reflexão correta deste fato em um conceito, um sistema de conceitos.
E, enquanto ele vê nesta contradição dialética não uma forma correta de reflexão da realidade objetiva na consciência, mas somente uma ilusão nascida das “especificidades da consciência enquanto tal”, qualidades específicas do cérebro ou “linguagem” – ele não irá se libertar completamente da escravidão vergonhosa ao idealismo e obscurantismo.
Naturalmente, o cientista natural permanece o participante ativo na “revolução da ciência natural”, a revolução técnica-científica. A lógica dos fatos irá, no final, puxá-lo para fora do pântano. Mas a que custo?
Pelos mesmos custos que deixar plenamente claro ao mundo na participação dos machistas nos eventos revolucionários de 1905 e especialmente 1917. Existiram ações ridiculamente esquerdistas (objetivamente despreparados e, portanto, fadados ao fracasso) e, seguindo inevitavelmente eles ocorreram retiradas em pânico para posições há tempos abandonadas, e completa perplexidade nas condições das situações dialeticamente tensas no verão e outono de 1917, e as caricaturas Proletkult (пролеткультовская) da “revolução cultural”, e o dano causado à economia do país pela influência da “teoria do equilíbrio” de Bogdanov e muitas, muitas outras coisas que não pode ser descritas neste ensaio, mas necessitam um livro inteiro.
Revolução ainda é revolução, seja ocorrendo no “organismo” político-social de um grande país ou no “organismo” do desenvolvimento contemporâneo da ciência natural. A lógica do pensamento revolucionário, a lógica da revolução é a mesma em ambos os lugares. E esta lógica é chamada dialética materialista. Portanto, nós nem ao menos precisamente de duas palavras separadas, não somente duas (ou até mesmo três) ciências separadas – dialética materialista é o mesmo que lógica e o mesmo que teoria do conhecimento do marxismo-leninismo.
Este é o principal ponto de Materialismo e Empiriocriticismo, se ele é lido à luz de toda história consequente do desenvolvimento político e intelectual na Rússia e em todo o movimento revolucionário internacional da classe trabalhadora. A história mostrou claramente, e aí seu veredicto não pode ser apelado, para onde liderou e ainda lidera o caminho de Lenin e para onde lidera os caminhos tortuosos do bogdanovismo, os caminhos da revisão dos princípios da lógica revolucionária a partir das posições do positivismo – esta filosofia do parasitismo verbal dos resultados prontos do trabalho mental de outra pessoa.
Felizmente, as coisas hoje não são como costumavam ser no começo do século, quando muitos cientistas naturais estavam sob a influência hipnótica desta demagogia positivista. Hoje, já, um grande número de cientistas naturais, e não somente em nosso país, se tornam aliados conscientes da dialética de Lenin, e esta união está se tornando mais ampla e mais forte, apesar de todos os esforços dos sacerdotes do positivismo (sobre os esforços em danificar esta união não devemos esquecer). Esta união é indestrutível e o dever dos filósofos é torna-la mais ampla e mais forte. Este é o principal testamento de Lenin, a principal lição de seu livro imortal.
Notas de rodapé:
(1) Possui graduação em farmácia pela UFPR e é mestre em educação pela UFPR. Participa dos Grupos de Pesquisa: Núcleo de Pesquisa Educação e Marxismo (NUPE-Marx/UFPR), na linha Trabalho, Tecnologia e Educação; e Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPR), na linha Estudos Marxistas em Saúde. Contato: marcelojss @ gmail.com (retornar ao texto)
(2) [Ilienkov refere-se ao livro Lénine, publicado em 1968 em Paris pela editora PUF – M.S.] (retornar ao texto)
(3) LENIN, Vladimir Ilitch. Полное собрание сочинений [Obras Completas] t. 48, 5.ed. Moscou, 1970, p. 232. (retornar ao texto)
(4) LENIN, Vladimir Ilitch. Полное собрание сочинений [Obras Completas] t. 47, 5.ed. Moscou, 1970, p. 151. (retornar ao texto)
(5) “Под знаменем марксизма” [“Sob a Bandeira do Marxismo”], n.2, 1924, p. 69. (retornar ao texto)
(6) [Neue Zeit – M.S.] (retornar ao texto)
(7) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 259. (retornar ao texto)
(8) Plekhanov, Georgi Valentinovich. Сочинения [Obras] t. 17, Moscou, 1925, p. 99. (retornar ao texto)
(9) [Ilienkov não provê a citação. Essa citação particular é da introdução de Bogdanov para a tradução russa da grande obra de Mach: BOGDANOV, Alexander Alexandrovich. Что Искать’ русскому читателю у Эрнста Маха? [O que o leitor russo pode encontrar em Ernst Mach?], In: MACH, Ernst. Анализ ощущений [Análise das Sensações] Moscou, 2005. – E.P.] (retornar ao texto)
(10) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 200. (retornar ao texto)
(11) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 201. (retornar ao texto)
(12) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 215. (retornar ao texto)
(13) [Ver, por exemplo, LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 35. – E.P.] (retornar ao texto)
(14) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 248. (retornar ao texto)
(15) BERMAN, J. Диалектика в свете современной теории познания [Dialética à Luz da Epistemologia Moderna]. Moscou, 1908, p. 17. (retornar ao texto)
(16) [Citações de Ensaios sobre a Filosofia Marxista – E.P.] (retornar ao texto)
(17) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 253. (retornar ao texto)
(18) LENIN, Vladimir Ilitch. Remarks in Books – Modern Philosophy of Abel Rey (Paris, 1908). In: Complete Works t. 38, p. 469. (retornar ao texto)
(19) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Materialismo e Empiriocriticismo: Notas Críticas Sobre uma Filosofia Reaccionária. Lisboa: Editorial Avante, 1982, p. 191. (retornar ao texto)
(20) LENIN, Vladimir Ilitch. Plano da Dialética (Lógica) de Hegel. In: Cadernos Sobre a Dialética de Hegel. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011, p. 201, tradução modificada. (retornar ao texto)
(21) LENIN, Vladimir Ilitch. On the Question of Dialectics. In: Complete Works t. 38, p. 360, tradução modificada. (retornar ao texto)
(22) LENIN, Vladimir Ilitch. Cadernos Sobre a Dialética de Hegel. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011, p. 102. (retornar ao texto)
(23) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Significado do Materialismo Militante. In: Obras Escolhidas t. 3. 2.ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2004, p. 567. (retornar ao texto)
(24) LÉNINE, Vladimir Ilitch. Significado do Materialismo Militante. In: Obras Escolhidas t. 3. 2.ed. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 2004, p. 567. (retornar ao texto)
Inclusão | 21/12/2013 |