(1724-1804): Professor em Königsberg, um dos maiores filósofos dos tempos modernos. “O traço fundamental da filosofia de Kant é a conciliação do materialismo com o idealismo, uma intima ligação entre este e aquele’' (Lénin): Se, por um lado, Kant afirmava a existência de um certo objeto, fora de nossa consciência, a que ele chamava “coisa em si”, por outro, essa “coisa em si” é incognoscível por princípio; só vem a ser perceptível ao nosso conhecimento “transcendente”. “Quando Kant admite que às nossas representações corresponde, fora de nós, certa “coisa em si”, Kant é materialista; quando declara que essa coisa é incognoscível, Kant se manifesta idealista” (Lénin): Criador do chamado “idealismo critico”, que abriu caminho à maior conquista da filosofia clássica alemã: ao desenvolvimento do idealismo dialético absoluto de Hegel. O fundo da filosofia de Kant na teoria do conhecimento é o seguinte: na base de todos os conhecimentos humanos do mundo objetivo estão a experiencia e as percepções dos sentidos. Os sentidos dão-nos a conhecer um mundo exterior real e proporcionam-nos os materiais da experiencia. A imagem que fazemos das coisas é a resultante de dois fatores: em primeiros lugar, das propriedades dos objetos que atuam sobre nossos sentidos e produzem em nós certas impressões e representações: e, em segundo lugar, do caráter particular de quem recebe essas impressões, isto é, de nossa consciência. Daí resulta que as representações que temos das coisas, tais como estas se nos apresentam, distinguem-se completamente da coisa em si isto é, da coisa tal qual existe em si e para si, em seu ser “verdadeiro”, independentemente consciência subjetiva. A “coisa em si” é, segundo Kant, incognoscível e não podemos conhecer mais do que os “fenômenos”, porque o que está na base desses fenômenos escapa à nossa experiencia (Anschaung): Dessa maneira, Kant considerava que o espaço, o tempo, a causalidade, as leis da natureza, não são propriedades da própria natureza, mas sim da capacidade cognoscitiva do homem. Kant considerava-as como anteriores à experiencia: “apriorísticas” e, como condições de roda a experiencia, “transcendentais” (daí o nome que Kant dava à sua filosofia: idealismo transcendental, — idealismo que reconhece as formas apriorísticas da consciência precederem a experiencia que é condicionada pelas mesmas): Mas como se verifica o processo do conhecimento? Vemos os objetos no espaço e percebemos os fenômenos em certa sucessão, e, portanto, no tempo. Fora do espaço e do tempo nada podemos imaginar. Para Kant, entretanto, o espaço e o tempo não são as formas objetivas do ser, mas apenas partes constitutivas a priori, do conhecimento. São independentes de toda experiência, ou, melhor, toda experiencia não é possível senão graças a eles; não passam de forma de nossa experiencia (Anschauung), de condições subjetivas de nossa sensibilidade e, por conseguinte, não se podem encontrar em nenhuma relação com as coisas em si (noumenos): E dá-se o mesmo com as formas dos conceitos ou categorias, como a causalidade ou as relações de causalidade, etc. Qualquer que seja o número de nossas observações em que o fenômeno B segue o fenômeno A, não temos nenhum direito, tal é a argumentação de Kant, de estabelecer a regra geral: A é a causa de B. Expressaríamos, assim, alguma coisa que ultrapassa em muito o conteúdo de nossas próprias percepções e das dos outros. Temos, entretanto, a consciência da necessidade e da universalidade absolutas, quando exprimimos os nossos julgamentos. A razão não estabelece, a priori, suas leis na natureza. Por outros termos, as leis naturais estendem-se unicamente ao mundo dos fenômenos que existe em nossa consciência; os noumenos (as coisas em si) não estão submetidos a essas leis. A teoria do conhecimento de Kant contem, nesse caso, dois elementos contraditórios: primeiramente, um elemento idealista subjetivo, as formas de nossa experiencia (Anschauung): espaço, tempo, categoria; em segundo lugar, um elemento realista, isto é, esses materiais indeterminados que as coisas em si nos proporcionam (outra expressão para o mundo exterior que existe independentemente de nós): Como a nossa concepção da necessidade da natureza não é aplicável no mundo dos noumenos, esse mundo pode passar para o reino da liberdade ilimitada. É nesse império que Kant coloca todos os fantasmas — como Deus, a imortalidade da alma, o livre-arbítrio, etc. — que não são compatíveis com a ideia de lei. Kant, que, na Crítica da razão pura, combateu com exito esses fantasmas, depõe as armas diante deles na Crítica da razão pratica, isto é, quando não mais se trata de vãs especulações, mas da atividade humana. Esse dualismo da filosofia de Kant determina toda a sua insuficiência. Historicamente, reflete o advento da burguesia alemã na vida política independente. Kant foi o anunciador ideológico da revolução burguesa. Mas, dado o estado raquítico da sociedade, determinado pela atrasada situação econômica e política da Alemanha prussiana de então, Kant estabeleceu o reino da liberdade nas alturas celestes da ideia abstrata. Em sua Ética, sublinha sobretudo o conceito do dever (reflexo do militarismo da antiga Prússia): Aí, também, a mesma dualidade. Do mesmo modo que, em sua teoria do conhecimento, há, entre a coisa em si e o fenômeno, entre a forma e o conteúdo, entre o infinito e o finito, um abismo intransponível, assim também há, na Ética de Kant, entre a vontade pura, moral” e a sensibilidade moral, outro intransponível abismo metafísico, de tal modo que o “imperativo categórico” de Kant (ele o formula assim: age de tal maneira que o princípio de tua vontade possa, em qualquer empo, ser um princípio da legislação geral) não sanciona formalmente senão a esterilidade do dever moral no vale de lagrimas que é a nossa terra. Seu ideal social é uma constituição burguesa sob o domínio da razão, tendo como ponto culminante a ideia da paz eterna sobre a base de uma sociedade das nações. O caráter estritamente burguês dessa “razão’' já ressalta do fato de Kant se ter pronunciado pela liberdade, igualdade e independência mais completas de todos os cidadãos perante a lei; mas considerou os “empregados de um comerciante ou um artesão”, os servidores privados, os assalariados, os camponeses que pagam o censo, e “todas as mulheres” - em suma, todos os que recebem de outrem “alimentação e proteção" -, não como cidadãos (Staatsbürger), mas como associados do Estado (Staatsgenossen): Esse caráter limitado é,, naturalmente, condicionado historicamente. Em fins do século passado, os revisionistas, no seio da social-democracia, apoiando-se na Ética de Kant, pretenderam “completar” o marxismo com o kantilismo. Kant, pela primeira vez no século XVIII, fez tentativas para interpretar a natureza do ponto de vista de seu desenvolvimento, chegando a ser um dos coautores da chamada hipótese de Kant-Laplace sobre a origem do sistema solar. Obras principais: Crítica da razão pura, 1781; Prolegomenos a toda metafisica futura que poderá apresentar-se como ciência, 1783; Crítica da razão prática, 1788; Crítica da força do julgamento, 1790. Obras Completas de Kant: editadas pela Preussische Akademie der Wissenschaften, Berlim, 1911.