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Há uma continuidade ideológica do “Manifesto Comunista” (1848) ao “Programa de Transição” (1938), continuidade que também pode ser observada, inclusive no nível organizacional, na história que vai desde a Primeira Internacional (1864) até a Quarta de Trótski, da mesma forma que Lenine acompanhou e protegeu a vitalidade do marxismo sem atenuantes ou revisões; As suas luitas contra os reformistas e os centristas da Segunda Internacional, travadas sob a inspiração dos escritos dos clássicos, não podem e não devem ser esquecidas.
a) O "Manifesto Comunista" contém uma análise inestimável das leis que regem o desenvolvimento da sociedade capitalista à luz do materialismo histórico. A sociedade sem classes não é produto da mente febril de nenhum teórico ou líder político, mas da maturidade das forças produtivas dentro do capitalismo, é uma necessidade histórica. A política revolucionária interpreta esta realidade objetiva e está condicionada a ela.
O "Manifesto" sustenta que a história da sociedade humana é a história das luitas de classes, a expressão social da rebelião das poderosas forças produtivas contra as relações de produção que buscam estrangulá-las. Fora de Marx e Engels, outros historiadores, particularmente burgueses, falaram das classes sociais em luita e descreveram os seus combates; O mérito inquestionável dos fundadores do socialismo científico (argumentaram que a descoberta das leis de desenvolvimento da sociedade capitalista permitia transformar o socialismo de utopia em ciência) consiste em ter demonstrado que o proletariado, com características e interesses próprios e totalmente diferenciado das demais classes sociais, é a classe revolucionária por excelência, ou seja, pode desenvolver conscientemente uma política revolucionária, que por ser tal só pode ser independente em relação às demais classes, inclusive aquelas que actuam como os seus temporários aliados, que é o único que pode cumprir a tarefa de enterrar o capitalismo e com ele a sociedade de classes. O proletariado pode efectivar as tendências mais poderosas que se agitam na realidade em que vivemos porque nada tem a defender do passado pré-capitalista (em nenhum momento de sua luita propõe um retorno ao passado como parte da pequena burguesia faz) e não tem interesses que o levem a salvaguardar o actual regime, é desprovido de qualquer forma de propriedade dos meios de produção. O seu papel revolucionário decorre do lugar que ocupa no processo produtivo e não, em última análise, da sua maior ou menor pobreza, ou do seu nível cultural; o capitalismo em desenvolvimento deu à luz o seu próprio enterrador.
O antagonismo entre a burguesia e o proletariado é um antagonismo irreconciliável que tem como eixo os interesses materiais conflitantes; pode-se dizer que, finalmente, gira em torno do destino da mais-valia. Esse antagonismo leva ao esmagamento do capitalismo, que só pode ser concebido como baseado na exploração e opressão da classe trabalhadora, à ditadura do proletariado (ditadura destinada a destruir os remanescentes burgueses) e ao desaparecimento das classes. Esse é o caminho que a história percorre. As tentativas de conciliar os interesses das classes antagônicas, de harmonizar os interesses burgueses e proletários, são uma espécie de armadilha armada com a intenção, consciente ou não, de deter a marcha da história, acabam invariavelmente por submeter o proletariado à voracidade e astúcia burguesas, busca bloquear o caminho do poder para a classe trabalhadora. A política que parte da utopia da identidade ou harmonia dos interesses das classes sociais em conflito ─ política que visa mitigar ou eliminar esta luita ─ é contrarrevolucionária e nada tem a ver com o "Manifesto Comunista". Pode-se acreditar que todos aqueles que se dizem marxistas ─ e são dos mais diversos matizes ─ permanecem fiéis ao "Manifesto" e isso não é evidente, porque as discrepâncias entre as tendências revolucionárias e as reformistas e revisionistas já são claramente percebidas nos problemas que dizem respeito ao ABC dos princípios, ou seja, o “Manifesto”. Trótski, nos seus comentários sobre este documento básico da política revolucionária, aponta que "aos reacionários hipócritas, aos liberais doutrinários e aos democratas idealistas (que buscam justificar uma suposta harmonia de classes com teorias sobre o "bem-estar comum", " a unidade nacional” e “as verdades eternas da moralidade”) foram adicionados, desta vez dentro do movimento operário, os chamados revisionistas, ou seja, os partidários da revisão do marxismo no espírito de colaboração e reconciliação das classes. Finalmente, em nossos dias, os desprezíveis epígonos da Internacional Comunista (os estalinistas) seguiram o mesmo caminho, já que a política das chamadas "frentes populares" (colaboração dos partidos operários com a burguesia vermelha) procede inteiramente negando as leis da luita de classes. Apesar de as contradições de classe serem exacerbadas na era do imperialismo e de confirmarem irrefutavelmente a tese central do "Manifesto Comunista", é precisamente agora que o Estalinismo está atolado na sua política de "coexistência pacífica" e de cooperação com imperialismo, negando assim a luita de classes e tudo o que Lenine ensinou. O estalinismo não só nega a luita de classes, mas também nega a ditadura do proletariado, onde pode defende um entendimento com a burguesia e, se chegar ao poder, insiste em salvaguardar o regime de propriedade privada. Foi o que aconteceu no Chile com a Unidade Popular, uma espécie de frente popular que abriu caminho para o golpe do gorila fascista; Assim está a fazer-se em Portugal, onde fecha o caminho dos explorados ao poder, pretende travar mobilizações e defender os privilégios capitalistas e imperialistas, através dum governo de coligação com a burguesia, que se torna um foco de conspirações são os últimos recursos de que dispõe a burguesia diante da ascensão revolucionária das massas. A esse respeito, Trótski escreveu o seguinte, em agosto de 1936, à seção holandesa da Quarta Internacional: “A questão das questões, no momento, é a da frente popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como uma questão tática ou também como uma manobra técnica que lhes permite entregar-se às suas mesquinharias à sombra da frente popular. Na realidade, a frente popular é a questão central da estratégia de classe do proletariado de nosso tempo. Ele oferece os melhores critérios para distinguir o bolchevismo do menchevismo. Em escala mundial, o estalinismo coloca-se como um sério obstáculo à consumação da revolução proletária e o faz para salvar o capitalismo através da sua aliança com partidos políticos que de alguma forma expressam os interesses burgueses. Na Itália, busca um entendimento com a Democracia Cristã e entra num governo de coalizão que o máximo que pode oferecer são reformas mornas, que ele chama de "compromisso histórico". Na França, rejeita qualquer possibilidade de estabelecimento dum governo formado polo bloco dos partidos operários (PS e PCF) e persiste nas suas investidas contra os populistas. Certamente é nos países atrasados que nascem com mais frequência formas mal disfarçadas de desastrosas frentes populares, sob a sombra de abordagens tipicamente mencheviques: impossibilidade material de consumar a revolução proletária. O pretexto para abandonar a luita de classes é nada menos que a opressão imperialista. É claro que o imperialismo exerce a opressão nacional e não exclusivamente de classe, mas também é claro que essa opressão nacional acentua a luita de classes em vez de atenuá-la. A luita contra o imperialismo só pode sair vitoriosa como um dos objetivos da revolução liderada polo proletariado, o que significa que as massas são arrancadas do controle das suas direções nacionalistas e reformistas, ou seja, através da luita política, que é a mais alta expressão da luita de classes.
A revolução nos países atrasados não é uma revolução puramente socialista (basta dizer que deve cumprir tarefas democráticas), mas será realizada polas massas exploradas não proletárias (camponeses, sectores majoritários da classe média e, às vezes, sectores da burguesia nacional). Isso não significa que tais secções sociais sejam capazes de cumprir tarefas democráticas e menos ainda socialistas, mas que sejam obrigados a assumir atitudes de repúdio ao imperialismo, a algumas das suas manifestações e ao Estado indígena que é seu instrumento), sob a liderança da classe trabalhadora, o que se torna uma das condições essenciais para a vitória da revolução. A opressão imperialista é nacional e não puramente classista, mas acentua, longe de atenuar, a luita de classes, pois suscita a urgência de tornar efetiva a direção nacional do proletariado, que só poderá ser efectiva se a derrota política dos partidos das outras classes segue o deslocamento para as posições proletárias do grosso das massas.
A política de frente popular (colaboração de classes) é uma criação típica do estalinismo contrarrevolucionário. Foi concebido para cooperar com as chamadas democracias burguesas contra o fascismo, que vinha acompanhado (isso após o "terceiro período") da tese de que mesmo nos grandes países capitalistas a revolução social não era possível porque a democracia ainda precisava ser fortalecida e derrotar o fascismo, o que permitiu assumir a possibilidade duma transição pacífica da democracia para o socialismo. Durante a Revolução Espanhola, defendeu a tese de "primeiro vencer a guerra e depois dedicar-se às transformações económicas e sociais".
Nos países atrasados, em que um dos objetivos da revolução é a libertação nacional, a mobilização das massas exploradas (nem sempre trabalhadoras) impõe-se sob a direção política do proletariado (do seu partido), que se realiza no quadro da a frente única anti-imperialista (ver resoluções do II e IV congressos da I. C.(1) em "Documentos" nº 20), uma tática que demonstrará às massas a inconsistência e a traição das direções nacionalistas burguesas e, assim, transformará a classe trabalhadora em líder. A frente revolucionária anti-imperialista (revolucionária porque dirigida polo proletariado e que difere da palavra de ordem anti-imperialista sob o comando burguês nacionalista) nada tem a ver com a frente popular, porque não supõe uma colaboração de classe com a burguesia e menos que o proletariado abandone a sua estratégia e os seus métodos de luita; É, antes, a subjugação das massas oprimidas e exploradas polo imperialismo ao proletariado. O Programa de Transição diz: “Não há lugar para a Quarta Internacional em nenhuma frente popular. Opõe-se irredutivelmente a todos os grupos políticos ligados à burguesia. A sua tarefa é a destruição da dominação do capital, o seu objectivo é o socialismo, o seu método é a revolução proletária.
Actualmente, os trotskistas dos países capitalistas metropolitanos, a França, por exemplo, opõem a frente única proletária à política de frente populista dos partidos comunistas e socialistas. Os pablistas(2) (LCR da França) unem-se à frente populista apoiando a União de Esquerda, atitude fortemente repudiada pela OCI (Organização Comunista Internacionalista).
Marx e Engels referem-se ao proletariado (o componente mais importante das forças produtivas) que fará a revolução social (para isso deve tornar-se o líder da maioria nacional), ou seja, a classe social organizada como tal. Os clássicos sabiam perfeitamente que os trabalhadores resistem instintivamente aos exploradores capitalistas desde o momento em que existem como tais, que começam por ser organizados por um setor da burguesia quando precisam do apoio dos explorados para esmagar os seus adversários; só depois, a partir da sua experiência cotidiana, é que desenvolvem a sua consciência de classe, que supõe o conhecimento das suas tarefas históricas e dos meios disponíveis para realizá-las. O "Manifesto" estabelece uma premissa de transcendência: o proletariado organizado como classe significa organizado como partido político, do que se deduz que esta é a expressão máxima da consciência de classe; mas, outra cousa, a vitória da revolução operária e a sua posterior consolidação não podem ser esperadas se a vanguarda proletária não estiver presente. As posições sindicalistas, anarquistas e todas as manifestações revisionistas que surgiram recentemente e que defendem a substituição do partido político por outras organizações da mais diversa índole, porque é mais fácil e cómodo estruturá-las e porque podem oferecer garantias contra a perigo de degeneração burocrática, etc. são estranhos ao marxismo e, como ensina a experiência, acabam se tornando sérios obstáculos no caminho da libertação de classe.
Trótski, da mesma forma que Lenine, defendeu com paixão e intransigência a tese anterior do "Manifesto" e isso é, sem dúvida, fundamental. O partido, fortemente organizado em torno dum programa revolucionário, capaz de conjugar com sucesso a firmeza estratégica com a ductilidade na manobra táctica (esta última, quando não se refere ao fim estratégico, desemboca no oportunismo), tornou-se a preocupação básica da sua actividade. A afirmação do Manifesto encontra sua expressão máxima no Programa de Transição que sustenta que a actual crise da humanidade pode ser reduzida à crise da vanguarda revolucionária do proletariado, o que significa que para os marxistas o trabalho básico e mais importante do nosso tempo reside na construção do partido político, apesar de todos os obstáculos que se possam encontrar neste caminho.
O "Manifesto" afirma que o proletariado, para se libertar, deve tornar-se a classe dominante. O Estado, segundo o marxismo, nada mais é do que um administrador dos interesses gerais da classe dominante; Engels analisa o seu nascimento no momento em que a sociedade se divide em classes contraditórias. Esta teoria do Estado foi confirmada pola experiência da Comuna de Paris (1871)(3), que demonstrou que a classe obreira não se limita a apoderar-se do aparelho de Estado, mas que o transforma profundamente desde o primeiro dia. Da mesma forma que o proletariado é a única classe social da história que fará a revolução não para estruturar uma sociedade proletária, mas para se dissolver como classe, a ditadura do proletariado também deve desaparecer, importando a extinção do Estado como é conhecido sob o capitalismo.
Esta teoria marxista do Estado foi submetida a uma revisão radical polo estalinismo, que sustenta que uma sociedade sem classes é compatível com o fortalecimento do Estado como instrumento repressivo contra a oposição revolucionária e proletária. A burocracia desenvolveu um Estado que está longe de ser identificado com o Estado-Comuna.
O “trotskismo”, inventado pola troika Zinoviev, Kamenev, Stalin (1924) foi colocado como rótulo em alguns supostos desvios que levariam a um renascimento do antigo trotskismo (ou a revolução permanente, que é o mesmo), era “uma das variedades do menchevismo”, caracterização completada por Zinoviev (mais tarde, juntamente com Kamenev, formaria ocasionalmente um bloco com Trótski contra Stalin) com a sua conhecida afirmação de que o trotskismo constitui “um processo aberto do revisionismo e mesmo a liquidação do leninismo, e por Kamenev quando diz que "Trótski tornou-se o elemento dirigente da pequena burguesia no nosso partido". Essas acusações e a de que o trotskismo constitui um "desvio social-democrata" serão válidas até a década de 1930.
Como a Oposição de Esquerda(4) foi destruída e eliminada do PC. O trotskismo foi acusado de adoptar uma linha contrária aos interesses dos trabalhadores, a serviço do imperialismo, e chegou a acusá-lo de ser uma agência do fascismo e do capitalismo monopolista. Em 1929, no 16º congresso do PCUS, Stalin declarou: "Hoje o grupo trotskista é um grupo antiproletário, anti-soviético e contra-revolucionário que se preocupa em informar a burguesia sobre os assuntos de nosso Partido." Esta foi a resposta à incansável campanha trotskista contra a degeneração burocrática do partido bolchevique(5). Em 1930, o Bórgia(6) do Kremlin ─ assim Trótski chamava Stalin, considerando que as suspeitas e até acusações de que este poderia ter contribuído para o envenenamento de Lenine ─ não eram totalmente infundadas: "O trotskismo é o destacamento de vanguarda da burguesia contrarrevolucionária que lidera a luita contra o comunismo, contra o poder dos trabalhadores, contra a construção do socialismo na URSS”.
Não se pode esquecer que a Oposição de Esquerda desde suas primeiras manifestações estruturou-se em torno do lema da defesa incondicional da URSS.
As perseguições e os enormes expurgos que coincidiram com o assassinato de Kirov tiveram como complemento necessário uma temerária campanha antitrotskista: “O trotskismo”, dizia-se, “deixou de ser uma corrente política dentro da classe operária, é um bando sem princípios e sem ideologia de sabotadores, agentes de desvio e delatores, espiões, assassinos, um bando de inimigos jurados da classe obreira, um bando a soldo dos serviços de inteligência de Estados estrangeiros”. Na “História do PCUS” lê-se: “Os bukharinitas(7) degeneram em políticos de duas caras. Os trotskistas de dupla face degeneram num bando de guardas brancos, assassinos e espiões. Nesta mesma síntese de falsificações históricas, os trotskistas são descritos como "monstros", "resíduos da raça humana", "pigmeus contrarrevolucionários", "praga dos guardas brancos", "lacaios miseráveis dos fascistas". Jean-Jacques Marie, no seu livreto intitulado "Trotskismo"(8), observa que: "Hoje, os historiadores e panfletários estalinistas definem o trotskismo aproximadamente da mesma maneira que o fizeram de 1927 a 1934".
“Léo Figueres (diretor de”Cahiers du Comunisme(9)”, a revista política e teórica do CC do PC” francês, Red. 1 que registrou na referida publicação correspondente ao mês de outubro de 1968 um artigo intitulado “Trotskismo, oportunismo.. afirma que o trotskismo é uma "ideologia da pequena burguesia", "uma forma de anticomunismo" e especifica: "não se justifica tratar os trotskistas como hitlerianos", fórmula que em "Le trotskys mec'estantiléninisme(10)" é apresentada assim: "Não eram indistintamente agentes de Hitler, 30 anos atrás. Falsificando as teses essenciais do trotskismo, L. Figueres afirma que "desenvolve a tese de que os Estados capitalistas e os Estados socialistas se colocam no mesmo plano, e que, em ambos casos, uma”revolução” é indispensável para derrubar a “classe dominante”.
Os anarquistas e democratas, que quase invariavelmente terminam como os esteios do imperialismo “democrático”, têm a sua própria concepção do trotskismo, para eles nada mais é do que o estalinismo às avessas ou o gémeo deste último. O velho comunista iugoslavo Anton Ciliga escreveu: “Trótski e os seus partidários encontram-se intimamente ligados ao regime burocrático da URSS, a fim de levar uma luita até suas últimas consequências contra este regime... Trótski é, no fundo, o teórico dum regime do qual Stalin é o executor”.
O ex-oposicionista Victor Serge ("Memórias dum revolucionário(11)"), ao explicar o seu rompimento com Trótski diz: "O trotskismo dá provas duma mentalidade simétrica à do estalinismo contra o qual é dirigido e acaba destruído".
O anarquismo é uma tendência ultra-esquerda tipicamente pequeno-burguesa (liberalismo de extrema-esquerda), temporariamente revivida após as grandes explosões de 1968 na Europa, constituiu, da mesma forma que o foquismo e o terrorismo individual, uma reação da esquerda, mas negativo, contra o caráter contrarrevolucionário e conservador da burocracia estalinista que se apoderou e degenerou os partidos comunistas.
Enquanto para o marxismo (ver Manifesto Comunista) a classe social revolucionária por excelência na nossa sociedade é o proletariado (as demais classes sociais oprimidas e exploradas podem assumir atitudes revolucionárias contra a ordem das cousas, mas em última análise são conservadoras porque têm interesses que defendem no capitalismo ou na herança recebida do passado), para o anarquismo, se nos lembrarmos do que escreveu o russo Miguel Bakúnine, as forças revolucionárias fundamentais são constituídas polas camadas mais empobrecidas da população, particularmente polo lumpemproletariado e polos estudantes ( Os pablistas(12) encontraram a "nova vanguarda" na pequena burguesia intelectualizada, porque dizem que Mandel descobriu o novo papel que os intelectuais desempenham na produção).
O anarquismo começou falando da "abolição de toda exploração e toda opressão política ou legal, governamental ou administrativa, ou seja, a abolição de todas as classes polo nivelamento de todos os bens e a destruição do seu último muro, o Estado. Observemos o do nivelamento dos bens económicos que se completou com a palavra de ordem do "nivelamento das classes". O marxismo, ao contrário, fala duma sociedade sem classes (do desaparecimento das classes sociais, o que supõe um grande desenvolvimento das forças produtivas que pode permitir a satisfação ilimitada de todas as necessidades, o que está muito longe do nivelamento de necessidades e satisfações. A fórmula do comunismo é: de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades. É claro que o objetivo do comunismo não pode ser alcançado no dia seguinte à revolução (o anarquismo, ao propor essa ilusão, torna-se uma utopia), será necessário promover, de forma insuspeitada, o desenvolvimento das forças produtivas; a ciência será colocada a serviço da humanidade e não das forças destrutivas. Na sociedade de transição, que exige necessariamente a presença da ditadura do proletariado, a moeda e os salários ainda prevalecerão (incentivos económicos e não de outra natureza), mas desaparecerão gradativamente, à medida que as forças produtivas se desenvolverem.
Para o marxismo, a revolução, a passagem duma sociedade a outra, constitui um processo histórico determinado polo desenvolvimento das forças produtivas, é um fenómeno objectivo, independente da vontade dos protagonistas da história. Para o anarquismo, a revolução é basicamente um acto voluntarista, e também o nivelamento de bens e necessidades; tudo reside nas transformações decretadas. Conhecemos teorias ultraesquerdistas igualmente voluntaristas, que se reduzem todas à declaração de revolução, de guerra prolongada, etc., representadas polo MIR e polo ELN.
Para os anarquistas, o estado é sinónimo de maldade e escravidão e não, como diz o marxismo, um produto histórico da sociedade dividida em classes sociais: um instrumento da classe dominante para manter o povo em estado de sujeição, opressão e exploração das classes dominadas. “Um Estado sem escravidão, aberta ou encoberta, é impensável, por isso somos inimigos do Estado. O que significa "o proletariado se torna classe dominante"? (Bakúnine, "Estatismo e Anarquia"). Os anarquistas sustentam que a revolução destrói automaticamente qualquer Estado e até repudiam o Estado operário, gostam de se intitular "comunistas libertários", em oposição aos marxistas, a quem qualificam de "comunistas autoritários".
Para o marxismo, a necessária ditadura do proletariado (necessária para esmagar a burguesia e direccionar todos os recursos materiais e políticos para o comunismo) não significa a perpetuação do assalariado no poder, mas o seu progressivo enfraquecimento e dissolução na sociedade por medida da desenvolvimento das forças produtivas e atenuação da luita de classes. A Revolução Espanhola(13) (a Espanha foi um dos grandes baluartes do anarquismo) desferiu um rude golpe no anarquismo. A CNT-FAI fazia parte do governo burguês "republicano".
O marxismo também defende o desaparecimento do Estado (o comunismo será uma sociedade sem classes sociais, ou seja, sem Estado), mas o comunismo não pode se instaurar no mesmo dia da insurreição, ele concretizará a sua vitória na ditadura do proletariado. Desistir da luita pola ditadura do proletariado significa desistir da luita pola revolução socialista.
O trotskismo e Lenine analisaram as condições em que o estado operário pode degenerar e até que ponto esse estado operário degenerado constitui um obstáculo ao advento do comunismo. Lenine, analisando o estado operário que emergiu da insurreição de outubro, escreve: “O estado operário é uma formulação teórica. Em primeiro lugar, temos na verdade um Estado operário com a particularidade de o país não ser dominado pola população trabalhadora, mas sim pelos camponeses; e, em segundo lugar, um Estado operário com deformação burocrática”.
Se o marxismo considera essencial a construção do partido do proletariado, o anarquismo é inimigo de todos os partidos e até da política, que, como sabemos, constitui o ápice da luita de classes.
Para os anarquistas, estalinistas e trotskistas são a mesma cousa: filhos legítimos do marxismo e do bolchevismo, ambos igualmente autoritários e estatistas. Para ilustrar a sua tese, frequentemente citam os eventos sangrentos de Kronstadt em 1921(14). Como é sabido, os marinheiros, incluindo alguns anarquistas, se rebelaram em Kronstadt, e coube a Trótski ordenar ao Exército Vermelho que esmagasse os insurgentes contra o estado operário. Mesmo no nosso tempo, referir-se aos acontecimentos ingratos continua sendo um golpe dirigido contra a Quarta Internacional, contra o trotskismo e contra o leninismo.
Trótski (todos os inimigos do bolchevismo consideram que Kronstadt constitui uma grave acusação contra o criador do Exército Vermelho e que destrói todas as suas teorias e as suas críticas ao estalinismo), que teve a oportunidade de explicar o alcance das ações de Kronstadt no segundo congresso da I. C. Juvenil (14 de julho de 1921), escreveu um artigo sobre isso em janeiro de 1921. Começa por notar que os seus acusadores constituíram uma verdadeira "frente popular", que inclui desde anarquistas a católicos, democratas de todos os matizes e o renegados do trotskismo. Por que exatamente Kronstadt é invocado?, ele se pergunta, se durante a revolução os bolcheviques tiveram conflitos com os cossacos, com os camponeses, até mesmo com certos grupos de trabalhadores (os trabalhadores dos Urais, organizados em corpos de voluntários no exército de Koltchak). Esses conflitos baseavam-se no antagonismo entre os trabalhadores como consumidores e os camponeses como produtores e vendedores de pão. O campo perseguido teve a sua influência no Exército Vermelho: “Nos anos da guerra civil, foi necessário mais duma vez desarmar os regimentos dos descontentes”.
Trótski caracteriza os eventos em Kronstadt da seguinte forma: “O levante de Kronstadt não foi mais do que um episódio na história das relações entre a cidade proletária e a cidade pequeno-burguesa; Este episódio só pode ser compreendido se for observado em conexão com a marcha geral do desenvolvimento da luita de classes no curso da revolução. Na longa lista de outros movimentos e levantes pequeno-burgueses, Kronstadt destaca-se apenas pola sua aparência sensacionalista. É uma fortaleza marítima, abaixo da própria Petrogrado. Durante o levante, proclamações foram lançadas e o rádio colocado em acção. Socialistas-revolucionários e anarquistas, que estavam com pressa para Petrogrado, enriqueceram o levante com frases e gestos”nobres”. Todo esse trabalho deixou as suas marcas no papel. Com a ajuda desse material “documental”, ou seja, de rótulos falsos, não é difícil construir em torno de Kronstadt uma lenda muito mais exaltada do que a aura revolucionária que cercava o seu nome em 1917... Anarquistas, mencheviques, liberais esforçam-se para apresentar o assunto como se, no início de 1921, os bolcheviques tivessem virado as suas armas contra os mesmos marinheiros de Kronstadt que haviam assegurado a insurreição de outubro”.
Colocar todos os de Kronstadt sob o nome comum de “revolucionários” constitui uma arbitrariedade. Entre os interditos marítimos, notam-se três camadas políticas: os revolucionários proletários, alguns com um passado sério de luitas e temperamento revolucionário; a maioria intermediária, sobretudo de origem camponesa, e uma camada de reacionários, filhos de culaque(15), lojistas e padres. “A história da insurreição do encouraçado Potemkin baseia-se nas relações recíprocas entre essas três camadas, ou seja, na luita das camadas extremas, proletárias e pequeno-burguesas, para exercer influência dominante sobre a camada camponesa média”. A composição política do soviete de Kronstadt refletia a composição social da guarnição e das tripulações. Desde o verão de 1917, a direção do soviete pertencia ao partido bolchevique, que contava com a maior parte dos marinheiros e incluía muitos revolucionários que passaram pola ilegalidade, saindo do trabalho forçado. “Mas os bolcheviques representavam, se bem me lembro, mesmo durante os dias da insurreição de outubro, menos da metade do soviete. Mais da metade era formada por socialistas-revolucionários e anarquistas. Os mencheviques não existiam em Kronstadt e eles a odiavam. Os socialistas-revolucionários oficiais, é claro, não tiveram uma atitude melhor para com ela... Eles contavam com a parte camponesa da frota e com a guarnição. Quanto aos anarquistas, representavam o grupo mais heterogêneo.
Havia, no meio deles, verdadeiros revolucionários do tipo Jukode Jelezniakovi, mas eram indivíduos isolados, intimamente ligados aos bolcheviques. A maioria dos “anarquistas” em Kronstadt representavam as massas pequeno-burguesas da cidade e, por causa do seu nível revolucionário, eram inferiores aos socialistas-revolucionários de esquerda. O presidente do soviete era um não-partidário, "simpatizante do anarquismo", no fundo um funcionário mesquinho, inteiramente educado, anteriormente indiferente às autoridades czaristas e depois à revolução." Tendo como pano de fundo essa característica social e política de Kronstadt, a guerra civil mudou a sua fisionomia até se tornar incognoscível. “Sim, Kronstadt escreveu uma página heróica na história da revolução; mas a guerra civil começa despovoando-a sistematicamente e também toda a frota báltica. Já nos dias da insurreição de outubro, destacamentos de marinheiros de Kronstadt foram enviados para ajudar Moscovo... Desde o final de 1918, e em qualquer caso até 1919, as frotas do Báltico e de Kronstadt entraram em colapso total. Tudo de qualquer valor foi retirado e jogado no sul, contra Denikine. Se os marinheiros de Kronstadt de 1917-18 estavam consideravelmente acima do nível do Exército Vermelho e formavam a armadura dos seus primeiros destacamentos, da mesma forma que a armadura do regime soviético em numerosas províncias, os marinheiros que permaneceram em Kronstadt "em paz" até ao início de 1921, sem terem sido utilizados em nenhuma das frentes da guerra civil, encontravam-se, em regra, consideravelmente abaixo do nível médio do Exército Vermelho e havia uma grande percentagem de elementos completamente desmoralizados. Resta acrescentar que na frota do Báltico,”voluntários letões e estonianos que tinham medo de ir para a frente e se preparavam para retornar às suas novas pátrias burguesas: Letónia e Estónia” foram colocados entre os marinheiros. Esses elementos eram radicalmente hostis ao poder soviético, o que eles manifestaram perfeitamente durante os dias da insurreição de Kronstadt.
Alguns lembram que Trótski não levou em conta os manifestos e outros documentos dos insurgentes de Kronstadt e ele respondeu que sabe que o carácter dum partido é determinado muito mais pola sua composição social, o seu passado, as suas relações com as diferentes classes e camadas sociais que polas suas declarações verbais e escritas, especialmente no momento crítico da guerra civil. Anarquistas e socialistas-revolucionários apoiaram a resistência dos camponeses às medidas do comunismo de guerra (exigindo pão para as cidades que nada ofereciam aos homens da terra). “Se, no período anterior, os trabalhadores haviam empurrado os camponeses para frente, os camponeses agora estavam puxando os trabalhadores para trás. É somente após essa mudança de mentalidade que os brancos atraem parcialmente os camponeses e até os semi-trabalhadores-semi-camponeses dos Urais. É deste mesmo estado de espírito, ou seja, da hostilidade para com a cidade que se alimenta o movimento de Makhno, que detém e assalta os comboios destinados às fábricas, às fábricas e ao exército vermelho, destrói os caminhos-de-ferro, extermina os comunistas, etc Makhno chama isso de luita anarquista contra o "Estado". Com efeito, era a luita do pequeno proprietário exasperado contra a ditadura do proletariado. Um movimento semelhante está ocorrendo em várias províncias, especialmente Tambov, sob a bandeira dos "socialistas-revolucionários"... Somente um homem com um espírito completamente novo pode ver nas quadrilhas de Makhno ou na insurreição de Kronstadt uma luita entre os princípios abstractos do anarquismo e do socialismo de estado... Opuseram-se ao proletariado, eles buscaram, sob todas essas bandeiras, fazer retroceder a roda da revolução”.
O ponto alto do movimento anarquista na Rússia foi a epopeia do movimento camponês de Makhno, que se desenvolveu na Ucrânia a partir do outono de 1918. O jovem militante organizou os seus primeiros grupos armados, incluindo as suas primeiras operações contra as tropas fantoches das Potências Centrais, o hetman Skoropadsky. No final de 1918, tinha 1.500 homens sob o seu comando e, no início de 1919, organizou um congresso no território por ele controlado que designou uma espécie de governo regional, o soviete militar revolucionário de operários, camponeses e insurgentes. No final de fevereiro, Makhno faz contato com o Exército Vermelho e se conecta, equipado. As suas unidades recebem comissários políticos até o nível regimental, mas mantêm o seu título de exército insurgente e a sua bandeira negra. Enquanto se prepara uma ação militar conjunta contra o exército de Denikine, a capital de Makhno, Guliaie-Polié, torna-se o centro político do anarquismo russo com a chegada de Volin, ex-editor do Nabat de Kiev, banido polos bolcheviques, e por Arshinov, um teórico de Moscovo. Esses dous elementos ocuparam posições importantes no movimento makhnovista.
Houve numerosos contactos, atritos e luitas entre os insurgentes e os bolcheviques. Em meados da década de 1920, quando a ameaça das tropas brancas de Wrangel paira sobre a Ucrânia. Bela Kun, Frúnze e Gussev assinaram um novo acordo com Makhno em nome do Exército Vermelho. Após a vitória contra Wrangel, os insurgentes são obrigados a se submeter ao estado operário, resistem e são esmagados. Em Kronstadt foi lançada a palavra de ordem de "sovietes sem comunistas", na qual os socialistas-revolucionários e anarquistas rapidamente assumiram e que só poderia servir como uma transição da ditadura do proletariado para a restauração capitalista. O levante de Kronstadt teve, portanto, um caráter contrarrevolucionário. Kronstadt estava politicamente isolado, particularmente com referência a Petrogrado, isolamento que precipitou a sua derrota militar.
Victor Serge apontou que a adoção da NEP em 1920 e não em 1921 teria evitado o levante de Kronstadt, o que equivale a reconhecer que no fundo dos acontecimentos estava o descontentamento da pequena burguesia contra o comunismo de guerra. Sabe-se que Trótski defendeu a adopção de novas medidas económicas, diferentes do comunismo de guerra (que mais tarde seria chamado de NEP) desde o início de 1920. Ao longo de 1921, Lenine reconheceu mais duma vez que a obstinação do Partido em manter o métodos de comunismo de guerra foram um grande erro. Trótski respondeu a Serge indicando que para apaziguar os insurgentes não bastava dar-lhes conhecimento dos decretos da NEP, sobretudo porque não tinham um programa consciente, alimentavam-se dum estado de profundo mal-estar e descontentamento. "O regime da NEP só poderia apaziguar os camponeses gradualmente e, depois dos camponeses, a parte descontente do exército e da frota."
Lembremos que o velho episódio de Kronstadt é usado por alguns para combater a Quarta Internacional. Estes eventos decorreram em simultâneo com o X Congresso do PCUS, tendo influenciado a adopção das suas resoluções. A guerra civil começou em maio de 1918 com a revolta da Legião Checoslovaca e se espalhou rapidamente. Os 50.000 tchecos sob o comando francês, juntamente com os voluntários russos, marcharam para o oeste, ocupando Cheliabinsk, Omsk, etc. O sucesso da empreitada levou os aliados a intervir em conjunto: tropas franco-inglesas desembarcaram em Murmansk no início de junho, depois de Arkhangelsk, onde 12.000 soldados estavam estacionados com a missão de "proteger" a região contra um ataque alemão. Enquanto os guerrilheiros ucranianos, organizados polos bolcheviques Piatakov, Eugenia Bosch, Kotziubinski(16), cercavam as tropas alemãs na Ucrânia, os aliados, sob o pretexto de apoiar os tchecos, desembarcaram cem mil homens em Vladivostok em agosto. No Sul, o general monárquico Denikine formou um exército de voluntários que forneceu com armas e munições do governo britânico, que também enviou uma missão militar. Em setembro, o primeiro sucesso soviético: Trótski, à frente do 50º Exército Vermelho, derrotou os tchecos e recapturou Kazan. Em novembro de 1918, o almirante Koltchak liderou as forças antibolcheviques como um todo.
Durante 30 meses de luita implacável, os bolcheviques experimentaram inúmeras derrotas, mas acabaram vencendo. Os vencedores de outubro foram generosos: um de seus primeiros atos foi abolir a pena de morte. O general Krasnov, que se revoltou no dia seguinte à vitória de outubro, foi libertado, junto com outros oficiais, em liberdade condicional para não pegar em armas contra o regime soviético. “Tamanha generosidade custou caro: esses homens formaram os quadros dos exércitos brancos nos meses seguintes” (“O Partido Bolchevique”, P. Broué).
Após a revolta dos oficiais estudantis, Trótski disse ameaçadoramente: "Não entraremos no reino do socialismo com luvas brancas e sobre parquet encerado."A Cheka, organizada polo Comitê Militar Revolucionário do Soviete de Petrogrado sob a liderança de Dzerjinsky, tornou-se uma comissão extraordinária em dezembro para combater a contra-revolução e a sabotagem”. Desenvolve a sua actividade e começa a sacudir a partir de março, aquando da ofensiva alemã; a repressão piorou a partir de julho: os socialistas revolucionários assassinaram Volodarski, os aliados desembarcaram no norte.
O ex-socialrevolucionário Savinkov organiza uma revolta em Iaroslavl. Os líderes do Soviete dos Urais ordenam a execução, na noite de 17 de julho de 1918, do czar e a sua família. Em 30 de agosto, o bolchevique Uritsky é assassinado.
Lenine é gravemente ferido na saída duma reunião numa fábrica por um tiro da terrorista social revolucionária Dora Kaplan. O Comitê Executivo Central do Soviete decide responder ao "terror branco" com o "terror vermelho", sendo este último um terror de classe. "A Cheka", declara Latsis, "não julga, bate". "Não fazemos guerra a indivíduos isolados, exterminamos a burguesia como classe." Os bolcheviques foram forçados a adotar o Terror Vermelho, e a experiência ensinou-os que a clemência é uma traição ao processo revolucionário.
A "Comissão Extraordinária de Combate à Contrarrevolução, Especulação e Crime entre Funcionários", ou polícia secreta, tinha o título abreviado de "Comissão Extraordinária", o seu nome Cheka é formado polas iniciais desta comissão em russo: Chrezvichainaia Komissiia(17). Foi estabelecido em 20 de dezembro de 1917. A Cheka tornou-se a força de segurança do estado e sobreviveu até hoje sob vários nomes, como OGPU, NKVD, MVD, MGB, KGB.
“Agora que os trabalhadores são acusados de mostrar crueldade na guerra civil, dizemos, educados pola experiência: a clemência para com as classes inimigas seria a única ofensa imperdoável que a classe trabalhadora russa pode cometer neste momento. Luitamos no nome do bem maior da humanidade, no nome da regeneração da humanidade, para tirá-la da escuridão e da escravidão” (Trótski). Por seu lado, Lenine apontou: “As nossas falhas não nos assustam. Os homens não se tornam santos porque a revolução começou. As classes trabalhadoras oprimidas, bestializadas, mantidas à força na miséria, na barbárie, durante séculos, não podem fazer a revolução sem cometer erros... O cadáver da sociedade burguesa não pode ser encerrado num círculo e enterrado. O capitalismo derrubado apodrece, decompõe-se no nosso meio, infestando o ar com as suas próprias substâncias, envenenando a nossa vida: essa cousa que é velha, podre, morta, apega-se a tudo que é novo e fresco, vivo por milhares de fios e laços”.
Em março de 1918, Trótski foi nomeado comissário de guerra e estava convencido de que a revolução não venceria se não conseguisse ter um verdadeiro exército moderno, disciplinado, educado, dirigido por um verdadeiro Estado-Maior de especialistas. O decreto sobre o treinamento militar, elaborado por Trótski, lembra que um dos objetivos essenciais do socialismo é “libertar a humanidade do militarismo e da barbárie dos conflitos sangrentos entre os povos”. Mais de 30.000 técnicos militares das fileiras czaristas foram empregados, supervisionados por comissários políticos que eram militantes bolcheviques.
O comunismo de guerra nasce, então, das próprias necessidades da guerra. Era preciso mobilizar e controlar todos os recursos do país: sob a pressão da necessidade, a indústria foi nacionalizada sem que “os trabalhadores tivessem tido tempo de passar pola escola de controle operário. O provisionamento e o equipamento, as armas são os imperativos absolutos. O comércio privado desaparece totalmente; Para alimentar os soldados e os homens da cidade, destacamentos de trabalhadores armados requisitam o grão dos campos. Os camponeses pobres estão organizados contra os culaques (camponeses ricos) em defesa do regime. As receitas orçamentárias não entram em vigor e o governo não tem o aparato necessário para a arrecadação de impostos: a impressão das cédulas funciona ininterruptamente. Uma inflação gigantesca aumenta as dificuldades que só a violência aguçada permite superá-las. Logo os salários, é claro, bem abaixo do mínimo alimentar estrito, são pagos em espécie” (Broué). Deutscher, biógrafo de Trótski e em certo momento membro da Oposição, observa que nessa situação há uma ironia gesticulante: "o controle total do governo, a supressão do mercado, o desaparecimento da moeda, o nivelamento das condições de vida parecem as do programa comunista não nasceu do desenvolvimento das forças produtivas, mas do seu colapso. Nada mais é do que o nivelamento da miséria, próximo do retorno à barbárie(18). A insurreição dos Socialistas Revolucionários de Esquerda (julho de 1918) marca o fim do sistema multipartidário soviético. Os bolcheviques estão praticamente sozinhos nos sovietes. O poder soviético está afirmado e também a ditadura de ferro do PC, como disse Zinoviev. Os bolcheviques sempre sustentaram que a ditadura do proletariado era dirigida contra o inimigo de classe e que os partidos operários deveriam gozar de liberdades essenciais. O Conselho Nacional dos Socialistas Revolucionários, em maio de 1918, declara-se favorável à intervenção estrangeira, “para fins puramente estratégicos e desenvolve uma vasta acção terrorista contra os quadros directivos do partido do governo. Alguns líderes mencheviques pareciam estar comprometidos com os Guardas Brancos.
Em 14 de junho de 1918, o Comitê Executivo dos sovietes votou a resolução defendida por Sosnovsky excluindo das suas fileiras os Socialistas Revolucionários de Direita e Centro e os Mencheviques por causa da sua aliança com os contra-revolucionários. Os Socialistas Revolucionários de Esquerda se dividiram após a insurreição de julho: os militantes que desaprovavam a aventura organizaram os grupos “Comunistas Revolucionários” e “Comunistas Populistas”, tendo tentado manter a aliança dos Socialistas Revolucionários de Esquerda com os bolcheviques.
A revolta de Kronstadt coincidiu com a adoção polo X Congresso do PC (março de 1921) duma mudança radical na política económica conhecida como Nova Política Económica (NEP). A NEP caracteriza-se pola supressão das medidas de requisição, que foram substituídas polo imposto progressivo em espécie (camponeses entregavam uma parte da sua produção e ficavam com o restante), pola restauração do livre comércio (comércio interno, entendido) e polo ressurgimento do mercado, o retorno à economia monetária, a tolerância da média e pequena indústria privada e a convocação, sob o controle do Estado operário, ao investimento estrangeiro.
O X Congresso, sempre actuando nas difíceis condições da época, foi obrigado a rever momentaneamente uma das teses fundamentais do bolchevismo: o centralismo democrático, que implica o direito de formar fracções dentro do Partido. Da mesma forma, as atividades dos “partidos socialistas” foram reprimidas. O estalinismo perpetuou essas medidas para promover o monolitismo organizacional e o centralismo burocrático.
Para concluir, diremos que o episódio de Kronstadt também é usado por aqueles que negam o caráter do Estado russo como um Estado operário e afirmam que ele rapidamente se tornou capitalista. De acordo com esses elementos, Trótski prestou um grande desserviço ao movimento revolucionário ao oferecer cobertura esquerdista para a brutalidade do estalinismo e do bolchevismo. De acordo com essa tese, a cousa certa a fazer seria Trótski se juntar aos desordeiros de Kronstadt. Essa abordagem foi feita, principalmente, polo grupo inglês que editou a “Socialist Review” na década de 1960 e que acabara de romper com a Socialist Labour League, então membro do Comitê Internacional para a reconstrução da IV Internacional e que agora leva o nome de Comitê Organizador.
Lenine, depois de outubro, apontou que a ditadura do proletariado mostrou muitas características do estado burguês e antes da sua morte luitou energicamente contra as deformações burocráticas (a luita contra os abusos da burocracia justifica a existência dos sindicatos sob o estado operário, encarregados de continuar luitando em defesa dos trabalhadores) O estalinismo hipertrofiou essas deformações. Trótski caracteriza o estado soviético como um estado operário degenerado.
O pablismo(19), ao se referir aos demais estados operários, faz uma diferenciação formal e sutil e diz que são estados operários deformados, isso porque não tendo nascido duma revolução proletária, poderiam ter degenerado e aparecer já deformados. Trótski refere-se à deformação burocrática e não a qualquer outra cousa.
b) A sustentada e importante luita dos bolcheviques contra o reformismo e o social-chauvinismo da Segunda Internacional, luita da qual Trótski também participou, culminou na organização da Terceira Internacional (1919) e que, quando constituída, foi declarada a herdeira do verdadeiro marxismo e da política já desenvolvida pola Primeira Internacional de Marx e Engels. A Internacional Comunista está longe de tentar criar uma nova doutrina, uma certa variante do socialismo, polo contrário, nada mais faz do que desenvolver os princípios teóricos, políticos e organizativos propostos polos clássicos; A I. C. não começou por se autodenominar leninista, mas marxista, pois para ela a continuidade do socialismo científico era nada menos que o seu ponto de partida. A I. C. foi concebida como um instrumento da revolução mundial.
O trotskismo reivindica como parte do seu programa as teses, resoluções, etc., que foram aprovadas nos primeiros quatro congressos da I. C. (1919 ─ 1922), não apenas porque foram realizadas durante a vida de Lenine e sob sua liderança ou porque Trótski havia sob seu comando ou participou da redação dos documentos mais importantes, mas porque nessas reuniões foram lançadas as bases da política e organização revolucionária leninista que nós, trotskistas, agora levantamos como a nossa bandeira. Os documentos dos quatro primeiros congressos da I. C. foram utilizados pola oposição de esquerda na sua luita contra o estalinismo e coube aos trotskistas divulgá-los, quebrando assim o boicote à burocracia do Kremlin. As teses e resoluções contemplam os seguintes aspectos:
─ Luita contra o revisionismo e o social-chauvinismo, volta ao autêntico marxismo revolucionário. Grande parte do material dá a impressão de que a liderança russa procurou educar e treinar os quadros da nova organização. Qualquer surto reformista foi rejeitado e, na oposição, o caminho insurrecional foi destacado. A preocupação inicial da I. C. não era apenas criar secções em todos os países, mas converter os partidos comunistas em organizações de massas, para que as conduzissem à conquista do poder político. A vitória de outubro foi seguida por uma poderosa avalanche revolucionária em escala internacional.
Tendências comunistas apareceram nos partidos social-democratas e alguns partidos como um todo se declararam a favor da Terceira Internacional. Este afluxo maciço para a novíssima organização teve como contrapartida o aparecimento de desvios reformistas na política e um liberalismo excessivo no plano organizativo. O rápido crescimento dos partidos comunistas ameaçava enfraquecê-los ideológica e organizacionalmente, a quantidade prejudicava seriamente a qualidade. O I. C. considerava urgente eliminar dos partidos comunistas todo o lixo social-democrata, ou seja, bolchevizá-los de forma enérgica. Para o efeito, obedeceu à aprovação das “21 condições de admissão à I. C.(20)”. Naturalmente, o Partido Comunista Russo emergiu como um modelo (falando de programa e organização).
A Internacional era sobretudo uma Internacional europeia (é verdade que podia ostentar como ornamento a presença nos seus congressos de delegados de alguns países latino-americanos e de outras regiões atrasadas) porque permanecia apavorada com o esquema de que o socialismo era um problema de "países civilizados” e porque para ela, o problema colonial e nacional praticamente não existia. Por outro lado, alguns elementos de ultraesquerda, fortemente influenciados por Rosa Luxemburgo, sustentavam que na era do capitalismo decadente a autodeterminação das nações oprimidas e todo o problema nacional eram reacionários, uma capitulação à burguesia. Tomou como dogma a conclusão esquemática de "O Capital" no sentido de que as metrópoles capitalistas apontam o caminho do seu desenvolvimento para os países atrasados.
A Terceira Internacional tem o mérito indiscutível de ter integrado os problemas coloniais e nacionais na política revolucionária internacional, à qual deu atenção preferencial, não só por ter lançado as bases da política revolucionária em países atrasados, mas também por ter constituído partidos políticos revolucionários em regiões atrasadas. Os congressos da I. C. estudaram e discutiram a estratégia e a táctica da luita de libertação nacional. Nos II e IV congressos, em particular, foram aprovadas teses sobre a questão nacional e colonial e sobre a frente anti-imperialista, que se tornaram a base das propostas do trotskismo sobre a matéria.
Da mesma forma que a frente única operária (frente entre os partidos obreiros) foi estabelecida nas metrópoles para demonstrar aos trabalhadores, no campo da prática cotidiana, que a social-democracia não pode deixar de trair o programa da luita anticapitalista e polo socialismo, ou seja, os interesses históricos do proletariado; Da mesma forma, foi aprovada a táctica da frente única anti-imperialista para os países atrasados, a fim de demonstrar às massas que a burguesia nacional não tem outra escolha senão trair o programa de libertação nacional, o que abre a possibilidade do proletariado tornar-se o líder das maiorias do país. Os documentos da III Internacional excluem qualquer capitulação possível do partido revolucionário perante a burguesia ou frentes populares.
─ Antes da Quarta, a Internacional Comunista foi estruturada como um único partido mundial, como o Partido da Revolução Socialista Mundial. A revolução do nosso tempo foi concebida como uma unidade internacional, fazendo parte dela tanto a revolução nas metrópoles quanto a que ocorre nas colónias e semicolónias. Desta forma, a separação e oposição entre países altamente desenvolvidos e coloniais, entre países maduros e imaturos para o socialismo, carece de validade, a partir do momento que fazem parte dum capitalismo em declínio. A revolução por etapas, um dos pilares do estalinismo, necessita da oposição entre os países capitalistas e aqueles que apresentam ─ segundo ele ─ traços pré-capitalistas predominantes.
─ A Internacional Comunista dos primeiros anos funcionou dentro das normas do centralismo democrático e como um partido mundial do qual os partidos comunistas, incluindo o da Rússia, não eram mais do que secções nacionais. A preeminência da organização de Lenine e Trótski foi consequência da sua grande experiência adquirida numa revolução vitoriosa e da sua enorme e indiscutível influência teórica e política. A Internacional Comunista, em certa medida, estruturou-se à imagem e semelhança do partido russo e este fez tudo ao seu lado para que as outras secções se elevassem à mesma altura, para que pudessem conduzir a revolução nos seus diferentes países. A IV Internacional defende esse patrimônio e incorpora-o ao seu próprio arsenal.
O estalinismo, tendo abandonado o programa revolucionário do bolchevismo, não podia deixar de prostituir e minar internamente a organização estruturada de acordo com os princípios leninistas. A vida interna dos diferentes partidos comunistas reduzia-se a cumprir docilmente as instruções dadas polo Kremlin e as diretorias eram expurgadas e nomeadas de acordo com os desejos e necessidades da burocracia termidoriana. A I. C. deixou de ser o Partido Mundial da Revolução Socialista para se tornar um instrumento dócil nas mãos dos donos do poder soviético, instrumento que funcionou perfeitamente sempre que a diplomacia moscovita deu uma guinada ou concordou em se livrar de elementos comunistas opositores. No período estalinista, a “bolchevização” dos partidos comunistas significava acentuar a sua burocratização e expurgar os opositores. Desta forma, a Internacional deixou de ser um partido revolucionário para concluir, obedecendo à necessidade dos governantes russos de agradar ao imperialismo, sendo dissolvida.
O estalinismo esqueceu o princípio leninista de que um estado operário pode concluir acordos com os governos burgueses, acordos que não podem comprometer ou mesmo obrigar os partidos comunistas dos países capitalistas pactuados a apoiar a classe dominante. Durante o período estalinista, os partidos comunistas apoiaram e sustentaram esta ou aquela burguesia de acordo com os giros da diplomacia soviética.
─ Como todos os escritos e pregações de Lenine, Trótski e o bolchevismo (neste caso deve-se incluir Stalin), a I. C. dos quatro primeiros congressos parte da certeza de que a conquista do poder polo proletariado em outubro de 1917 nada mais é do que o início da revolução socialista mundial, que este é o objetivo fundamental e que da sua concretização depende a consolidação da revolução russa e a estruturação da sociedade sem classes.
A reação estalinista opôs à estratégia da revolução mundial a concepção contrarrevolucionária do socialismo num único país (claro que não em qualquer país, mas na Rússia, à qual se aplica um curioso messianismo), construído dentro das fronteiras nacionais, aproveitando apenas os próprios recursos e independentemente do destino do movimento revolucionário mundial. Nessa concepção, não se trata mais de fazer a revolução internacional, mas de usar o movimento comunista para preservar a URSS de toda agressão bélica, pois assim estaria assegurada a longo prazo a construção duma sociedade sem classes. A esta premissa juntava-se a astúcia de que numa competição económica muda e cronologicamente indeterminada seria possível demonstrar a superioridade do socialismo sobre o capitalismo (só faltava acrescentar, para tornar mais escandaloso o abandono do marxismo, que a burguesia convencida da sua inferioridade, apressar-se-ia a sair de cena) e tínhamos diante de nós a convivência pacífica entre imperialismo e socialismo (esgotados todos os esforços para que a convivência fosse cooperação, ou melhor, submissão ao imperialismo). Trótski precisava usar os documentos dos quatro primeiros congressos da I. C. na sua luita básica pola continuidade da linha política da Terceira Internacional, e pola futura construção da Quarta Internacional e para manter alta a bandeira do leninismo e preservá-la de toda degeneração.
A ideia revisionista de socialismo num só país que se acomodava às massas cansadas da luita, à pressão reaccionária interna e internacional e, sobretudo, ao abandono da revolução mundial como actividade central da I. C., foi exposta por Stalin e Bukhárine no final de 1924, até então também falavam em subordinar o destino da revolução russa ao destino da revolução internacional. Em 20 de dezembro de 1924, Stalin publicou o seu artigo “A Revolução de Outubro e a Tática dos Comunistas” no Pravda, onde se lê: “o desenvolvimento económico e político desigual dos países capitalistas tornou possível quebrar o sistema capitalista mundial nos seus”elos mais fracos” e, portanto, a vitória do socialismo”. Já não falava da revolução internacional como factor determinante para a vitória do socialismo na Rússia e apenas se referia à aliança operário-camponesa como condição para “o triunfo definitivo do socialismo, desde que a força dirigente dessa aliança seja o proletariado”.
A tese de Stalin baseava-se na validade da lei do desenvolvimento desigual na estabilização do capitalismo (reconhecida pola I. C. em 1925), na estabilização do Estado e da economia soviética (que se expressava na superação da crise das tesouras, na consolidação interna do Estado e no seu reconhecimento de jure polas maiores potências mundiais).
Em agosto de 1915, Lenine escreveu que a lei do desenvolvimento desigual determinou o triunfo inicial da revolução (que deve ser entendido como a tomada do poder e a adopção das primeiras medidas) em alguns países ou em apenas um. Mas Lenine não falou do triunfo definitivo do socialismo num único país.
Em 1918, isto é, após a vitória de outubro, Lenine resumiu o seu pensamento assim: "Se a revolução alemã não estourar, estamos perdidos".
Para Marx, Engels, Lenine e Trótski era evidente que "A revolução comunista só pode vencer como revolução mundial". Os dous primeiros tinham certeza de que 'Os franceses vão começar (a revolução), os alemães vão terminar'. O prognóstico não é válido pola ordem em que os diferentes países participarão da revolução, mas porque aponta a sua necessária projecção internacional. Parece a Trótski que o socialismo num país é uma utopia reacionária: “O marxismo afirma que a sociedade socialista só pode ser fundada no mais alto nível económico alcançado sob o capitalismo; Como isso é dado atualmente polo desenvolvimento global da economia e pola divisão internacional do trabalho em que esse desenvolvimento se baseia, a pretensão de alcançar o socialismo com”recursos nacionais” equivale a perseguir uma utopia reacionária. A realização socialista só pode ser concebida em escala mundial. O socialismo num país foi negado pola história, a URSS teve que agir empiricamente na direção oposta. Essa utopia reacionária forçou a destruição da I. C. e, nessa medida, causou um dano horrível à revolução mundial.
O maoísmo, estalinista de ponta a ponta, defende a teoria do socialismo num só país, como uma resposta não marxista ao boicote ao imperialismo e à URSS.
c) Em setembro de 1927 e assinado por 13 membros que constituíam a Oposição de Esquerda (Trótski, Rakovsky, Radek, Smilga(21), I.N. Smirnov, Valentinov(22), Serebriakov, Preobrazhensky, Eltzine(23) e "alguns outros ex-bolcheviques"), a plataforma da Oposição ao Comitê Central do PC russo seja aceito como base duma nova política do Partido. A divulgação do documento foi proibida sob pena de expulsão e prisão. O XV Congresso do PC russo (1927) aprovou a expulsão da Oposição, que recorreu ao VI congresso da CI (1928) e a medida punitiva foi por ela ratificada.
O estalinismo executava a sua guinada à direita e a Oposição, às vésperas do XV Congresso e retomando as palavras de Lenine, apontava que o Estado havia deixado de servir aos interesses dos trabalhadores e camponeses e que começava a se mover de acordo com os desejos do culaque., do nepman e do burocrata. A Oposição alertou para o perigo: 'essas forças são tão poderosas que podem empurrar a nossa máquina governamental e económica na direção errada e até mesmo finalmente tentar ─ a princípio de forma velada ─ tomar o volante da máquina'.
A plataforma aponta que, ao mesmo tempo, "a influência do aparelho de Estado" e "a deformação burocrática do Estado operário" aumentam diariamente. Trótski caracteriza a URSS como um estado operário degenerado, dentro do qual a excrescência burocrática foi tomando conta do aparato estatal a ponto de deslocar a vanguarda proletária.
Diante do ameaçador fortalecimento, como consequência da NEP, do culaque e do nepman e da maior separação das 'tesouras' que representa a disparidade de preços agrícolas e industriais, a Oposição invocou o que Lenine disse como uma bandeira que apontava o caminho do socialismo.
"Só podemos considerar garantida a vitória do socialismo sobre o capitalismo e a sua durabilidade quando o poder do Estado proletário, depois de ter suprimido definitivamente a resistência dos exploradores e ter assegurado a sua total submissão e a sua própria solidez, reorganizar toda a indústria com base na produção colectiva em larga escala e a mais moderna técnica (baseada na eletrificação de toda a economia). Só assim será possível às cidades fornecer ao campo atrasado e indistinto a ajuda radical, técnica e social que cria a base material para um enorme aumento da produtividade do trabalho agrícola e rural, incentivando os proprietários de pequenas terras polo exemplo e polo seu próprio interesse, mudar para a agricultura colectiva em grande escala baseada em máquinas”.
Partindo da nacionalização dos meios de produção como "passo decisivo para a reconstrução socialista", o desenvolvimento das forças produtivas e "o predomínio dos elementos socialistas sobre os capitalistas, juntamente com a melhoria de todas as condições de existência da classe trabalhadora". Uma série de medidas práticas são propostas em favor da classe trabalhadora: “Cortar na raiz qualquer propensão a estender a jornada de 8 horas... Não tolerar nenhum abuso no emprego de trabalhadores ocasionais...; o problema mais imediato é elevar os salários a um nível que corresponda menos ao aumento obtido na produtividade do trabalho etc.”
Os sindicatos passaram a não defender os interesses dos seus filiados, como denunciou o XIV Congresso: “Os sindicatos eram frequentemente incapazes de realizar o seu trabalho, manifestando certa parcialidade e às vezes adiando a sua tarefa mais importante e principal, a de defender os interesses económicos das massas por eles organizadas e elevar o seu nível material e espiritual por todos os meios possíveis”. A Oposição sustenta que "o trabalho dos sindicatos deve ser julgado em primeiro lugar polo grau em que eles defendem os interesses económicos e culturais dos obreiros, dentro das limitações industriais existentes". As medidas práticas propostas tendiam a efetivar a democracia sindical e respeitar a vontade das bases: "Eleições efectivas, publicidade, responsabilidade perante os filiados devem constituir a base do trabalho sindical."
As propostas da Oposição sobre a questão agrária adquirem importância e virulência; a linha leninista opunha-se à política que procurava agradar ao culaque. "A produção em pequena escala", diz Lenine, "cria o capitalismo e a burguesia constantemente, dia após dia, hora a hora, elementar e em grandes proporções." A Oposição aponta para a alternativa histórica; “Ou o Estado proletário, contando com o alto desenvolvimento e eletrificação da indústria, consegue superar o atraso técnico de milhões de pequenas e diminutas indústrias, organizando-as na base do colectivismo e de vastas unidades, ou o capitalismo, com a força que recruta no campo minará as bases do socialismo na cidade”. Justifica a tática leninista: "Poder concluir uma aliança com o camponês médio sem renunciar por um momento à luita contra o culaque e sempre contando solidamente com o lavrador pobre". A Plataforma ataca a posição defendida por Stalin-Bukhárine, que pode ser resumida da seguinte forma: “Colocamos as nossas esperanças para a indústria agrícola no camponês 'forte', isto é, basicamente, no culaque. Ignorar ou negar abertamente o caráter pequeno-burguês da propriedade e da indústria camponesa, o que significa um desvio da posição marxista para as teorias dos socialistas-revolucionários... A criação de teorias desintegradoras para mostrar que "O culaque e as organizações dos culaque não terão nenhuma possibilidade de vitória de qualquer maneira, porque a estrutura geral da evolução do nosso país é predeterminada pola estrutura da ditadura do proletariado."
O bloco Stalin-Bukhárine foi atacado com a genial ideia de Lenine de que “somente a combinação de ambos os planos (cooperativo e eletrificação) poderia garantir a transição para o socialismo. O estalinismo opõe o plano cooperativo à eletrificação.
A Plataforma de Oposição propunha a industrialização "rápida o suficiente para garantir uma solução num futuro próximo" para os problemas da indústria, da classe trabalhadora, da agricultura e da defesa. A abordagem é baseada na seguinte citação de Lenine: "A única base material do socialismo é uma vasta indústria mecanizada capaz de reorganizar a agricultura." Esta política deve ser acompanhada polo aumento sistemático dos “elementos socialistas, cooperativos e estatais, . . . anulando, subordinando e transformando os elementos económicos pré-socialistas (capitalistas e pré-capitalistas)”.
O plano quinquenal (1927-31), que tinha como positivo "a perspectiva fundamental da direcção económica que actualmente prevalece na sua vertente mais sistemática e completa", foi censurado por ser muito parcimonioso e pessimista (prevê o crescimento da produção anual de 4 a 9%, "que é a taxa de desenvolvimento das indústrias capitalistas em períodos de grande progresso") e acrescenta a Plataforma; "Na realidade, estão trabalhando contra o socialismo." Não refletia “a gigantesca vantagem (sobre a economia capitalista) que supõem a nacionalização da terra, dos meios de produção, dos bancos e dos órgãos centrais de administração, ou seja, as vantagens derivadas da revolução socialista”.
Mais tarde, sob a pressão do desenvolvimento da economia soviética, o estalinismo apropriou-se das ideias contidas na “Plataforma da (para a Oposição)” sobre a rápida industrialização e coletivização do campo e colocou-as em prática de forma além de brutal e burocrática, descarregando sobre as massas todo o peso duma transformação convulsiva.
Trótski apontou como conquistas fundamentais e irreversíveis a nacionalização dos meios de produção e a economia planificada, pilares da sociedade futura.
Não se tratava, na verdade, de integrar o socialismo, fosse qual fosse a época e, portanto, fosse qual fosse o passo (Bukhárine lançara o seu gracejo pequeno-burguês sobre a marcha rumo ao socialismo a “passo de caracol”). O ritmo de crescimento da economia foi fundamental se levarmos em conta que a revolução não tira um país do mercado mundial e que é nesse mercado que o socialismo tem que demonstrar a sua superioridade. “Na longa luita que nos espera entre dous sistemas sociais irreconciliavelmente hostis – o capitalismo e o socialismo – o resultado será finalmente decidido pola produtividade relativa do trabalho em cada um dos dous sistemas. E isso será medido no mercado pola relação entre os nossos preços domésticos e os preços mundiais” (Plataforma). Os oposicionistas lembraram que Lenine alertou sobre a iminente "prova que o mercado russo e o mercado internacional teriam de passar, ao qual nos encontramos subordinados, com o qual nos encontramos vinculados e do qual não podemos nos separar".
A Revolução de Outubro preconizou o desaparecimento do Estado e a sua profunda transformação desde o momento da conquista do poder polo proletariado, conforme ensinam a experiência da Comuna e a doutrina marxista. A desburocratização é um dos aspectos fundamentais desse processo e só pode ocorrer dentro das seguintes características: 'sob o socialismo, os funcionários vão deixar de ser burocratas... Deixarão de ser burocratas na medida em que introduzirmos, não só o princípio eleitoral, mas também o princípio do pagamento segundo o tipo de salário médio do trabalhador, bem como a substituição das instituições parlamentares por instituições ativas, isto é, por instituições que ditam as leis e as põem em prática" (Lenine). A Oposição observa não só que o Estado deixa de servir aos interesses dos operários e camponeses, mas que a burocratização cresce ameaçadoramente: “Sob o contínuo desenvolvimento relativo da nova burocracia e do culaque e a sua aproximação com a burocracia, sob a falsa orientação dos nossos líderes em geral, o culaque e o nepman, embora privados de direitos eleitorais, ainda são capazes de influenciar o pessoal administrativo e a política.” A resposta incluiu, entre outras, as seguintes medidas:
“Adotar uma forma política de luita contra os funcionários e engajar-se nessa luita como Lenine faria para torná-la uma luita real, destinada a conter as aspirações exploradoras da nova burguesia e do culaque através do sólido desenvolvimento da democracia proletária no partido, nos sindicatos e nos sovietes.
Como base para a vivificação dos sovietes, elevar a actividade de classe dos trabalhadores, obreiros rurais e camponeses pobres e médios.
"Converter os sovietes urbanos em verdadeiros órgãos do poder proletário e em instrumentos para a introdução das grandes massas de trabalhadores na tarefa da administração do trabalho socialista: realizar, não em palavras, mas em actos, o controle dos sovietes da cidade nos comitês executivos provinciais e nos órgãos subordinados a esses comitês”.
A Plataforma observa que "o desenvolvimento dum chauvinismo de grande potência e dum espírito nacionalista em geral, tudo isso encontra a sua expressão mais mórbida no problema agravado pola desaceleração do ritmo geral do desenvolvimento socialista, a ascensão da nova burguesia na cidade e no campo, o fortalecimento da intelectualidade burguesa, o aumento do burocratismo nos órgãos do Estado, o mau regime do Partido.
Tal política era a própria negação do leninismo, que proclamava o direito das nacionalidades até mesmo de se separarem dum determinado Estado. “A tarefa dos comunistas nas nacionalidades atrasadas ou recém-despertadas deve ser conduzir o processo de despertar nacional ao longo dos caminhos do socialismo soviético. Devemos atrair as massas trabalhadoras para o trabalho económico e cultural construtivo, principalmente promovendo o desenvolvimento da língua e das escolas locais e a nacionalização do aparato soviético” (Plataforma).
Eu defendo o PC russo como "o instrumento fundamental da revolução proletária" e como "o partido dirigente da I. C.", a Oposição convocou-o a criticar sem medo os seus próprios erros, a descobrir os seus lados mais sombrios, a contemplar claramente o perigo de degeneração efectiva, a fim de adoptar as medidas oportunas para preveni-la. "Isso sempre foi feito durante a vida de Lenine, que constantemente nos alertou contra a degeneração num 'partido de pedantes'." Na revista que se debruça sobre a situação do Partido, verifica-se que a evolução da sua estrutura social é prejudicial para a maioria dos trabalhadores das indústrias, muito mais sombria no caso da "composição social dos órgãos dirigentes "; que o burocratismo excessivo ameaça destruí-lo (o burocrata já não considerava o PC da célula à direção, mas vice-versa, de cima para baixo), acabando com o partido de massas e o centralismo democrático; que “estes últimos anos assistiram a uma abolição sistemática da democracia interna do PC... A eleição genuína dos oficiais está a desaparecer na prática. Os princípios organizacionais do bolchevismo são distorcidos a cada passo. A constituição do partido está sendo sistematicamente modificada para aumentar os direitos dos que estão no topo e diminuir os dos núcleos localizados na base”; a disciplina revolucionária foi substituída pola "obediência submissa"; a luita interna foi adulterada e estrangulada; o poder real da casta burocrática cresceu em detrimento do resto do partido. A Oposição declarou a sua decisão de luitar pola unidade. “A nossa missão é preservar a todo custo a unidade do Partido, opor-se à política de cisões, amputações, exclusões, expulsões, etc.; mas ao mesmo tempo garantir ao Partido o seu direito de discordar e decidir livremente, no quadro desta unidade, todas as questões que se apresentem”.
A Oposição exigiu o retorno à democracia interna, a proletarização do aparato partidário (maioria de operários industriais).
A lamentável situação do Partido piorava no que diz respeito à juventude: “A educação internacionalista dos jovens trabalhadores é cada vez mais relegada para segundo plano. Todas as tentativas de crítica são reprimidas e processadas. Para ocupar os cargos dirigentes da organização juvenil comunista, o aparato do Partido exige acima de tudo”obediência” a ele e hostilidade à Oposição”.
A burocracia antileninista disse que a Oposição se entregava cegamente à carta da revolução internacional e que nada fazia para fortalecer a Rússia soviética para que pudesse defender-se contra os inimigos estrangeiros; que nada mais era do que uma falsificação da "Plataforma". O perigo de agressão armada imperialista, de 1917 até hoje, tem sido constante, embora ziguezagueante. Ontem como hoje, somente a revolução proletária vitoriosa em outros países pode acabar com o perigo. “Não é apenas provável, mas inevitável, que os países capitalistas façam guerra contra a União Soviética. Lutar contra este perigo, ganhar o máximo de tempo possível fortalecendo a União Soviética e consolidando o proletariado revolucionário internacional, deve ser uma de nossas primeiras tarefas práticas. Somente uma revolução proletária vitoriosa nos países mais importantes poderia acabar definitivamente com esse perigo. Trótski levantou a defesa incondicional da União Soviética.
A oposição dizia que na China se aplicava a tática menchevique da revolução democrática burguesa (submissão do proletariado a uma suposta burguesia "revolucionária", descoberta por Stalin, Bukhárine, etc.) Uma das condições para a vitória da revolução liderada polo proletariado ocorreu com a insurreição dos camponeses. A doutrina leninista de que a revolução só pode ser realizada pola união dos operários e camponeses contra a burguesia é aplicável a todos os países atrasados. Isso supõe a independência do PC contra os nacionalistas. Stalin parou de criticar Chiang Kai-shek e forçou os comunistas a obedecê-lo.
Lenine disse que a guerra imperialista e Outubro "iniciaram uma era de revolução mundial", o que não significa que o poder possa ser tomado a qualquer momento; a tendência pode mudar. Em alguns ramos da produção, em alguns países, a produção do capitalismo "moribundo" pode alcançar uma restauração parcial e até mesmo um certo desenvolvimento parcial das suas forças produtivas, sem que isso signifique uma renovação do imperialismo, como apontam Mandel e companhia. A teoria antimarxista do socialismo num só país parte da suposição de que a estabilização do capitalismo continuará indefinidamente.
d) A Conferência Internacional reunida em 1938, quando o mundo caminhava sob o signo do fascismo e da guerra, aprovou o Programa de Transição elaborado por Trótski. Uma prévia deste documento é encontrada no programa de ação dos bolcheviques-leninistas preparado em 1934.
O Programa de Transição marca um marco notável na continuação da política leninista, através dele projecta-se a própria essência da III Internacional; Ao mesmo tempo, faz um balanço crítico da experiência revolucionária mundial, na medida em que incorpora os seus ensinamentos ao arsenal do proletariado.
A estrutura do Programa de Transição conforma-se com uma das grandes conquistas da I. C. na sua luita sistemática contra o reformismo da social-democracia: "Ao invés do programa mínimo dos reformistas e centristas, a I. C. situa a luita polas demandas concretas das necessidades do proletariado, por um sistema de reivindicações que, no seu conjunto, organize o proletariado e constitua as etapas da luita pola ditadura do proletariado, cada uma das quais dá a sua expressão juntamente com as necessidades das amplas massas, ainda que essas massas ainda não ocupam inconscientemente o terreno da luita pola ditadura do proletariado. (Tese sobre tática, III Congresso da I. C.).
Desta forma, supera-se a divisão do programa social-democrata em mínimo e máximo, que acabou por reduzir a luita ao estreito quadro do primeiro; estrutura que correspondeu ao período de ascensão do capitalismo. O programa máximo continha o programa da sociedade socialista que deveria ser realizado indefinidamente e se limitava a ser simplesmente uma expressão de bons votos. O programa mínimo continha o plano das reivindicações imediatas a serem feitas dentro da sociedade capitalista, feito que definiu a sua característica de reformas. A social-democracia acabou por abandonar a luita polo socialismo e reduziu toda a sua actividade a remendar o vetusto edifício capitalista.
Trótski escreveu o referido documento para indicar o caminho que deveria levar à superação do tremendo atraso do factor subjectivo da revolução, ou seja, tornar possível e, isto adquire grande importância, o método que possa permitir aos explorados, a partir das suas necessidades actuais, as suas limitações e até mesmo preconceitos, caminhando para a conquista do poder político, meta da estratégia revolucionária no período actual. A tudo isto devemos acrescentar que estas são as bases que serviram para a constituição da Quarta Internacional, ou seja, que estabelece a perspectiva dentro da qual se estruturou. Um programa, como diz o próprio Trótski, é um prognóstico que precisa ser confirmado polos acontecimentos. O Programa de Transição resistiu com sucesso ao teste dos acontecimentos e a sua perspectiva é válida até o triunfo da revolução internacional. As considerações apontadas permitem-nos manter os critérios que não se pode reivindicar da Quarta e do trotskismo se renunciarem ao Programa de Transição, que é o caso do pablismo(24) revisionista.
“O Programa de Transição ─ nota curiosamente Pierre Franck ─ ainda não é o que se pode chamar o programa da Quarta Internacional; Este é constituído polo conjunto de ensinamentos da luita polo socialismo desde as origens do movimento operário, não está escrito na forma dum único documento, mas encontra-se em diferentes textos essenciais (os clássicos do marxismo, os quatro primeiros Congressos da I. C., documentos fundamentais da Oposição de Esquerda e da Quarta Internacional)”. Desta forma pueril (pode-se dizer também que junto com o "Manifesto Comunista" existem outros documentos valiosos e principiológicos da pena dos clássicos do marxismo e do próprio movimento revolucionário, sem que isso nos autorize a sustentar a estranha ideia de que este ainda não é o programa do movimento revolucionário mundial pretende justificar o abandono do documento redigido por Trótski para servir de base de princípios para a IV Internacional. Em outro lugar lemos: "Dada a sua natureza (que natureza? seja dito que é um documento programático e de princípios, Red.), o Programa de Transição "não pode e não deve ser considerado intangível na sua letra. A experiência mostrou que os revisionistas (de Shachtman a Pablo-Mandel) o que eles fizeram, a pretexto de complementar o programa, interpretaram rectificar algumas das suas passagens consideradas por eles como não essenciais, é desvirtuar a sua verdadeira natureza. Quando dizem que “o Programa de Transição ainda não é o que se pode chamar de programa da Quarta Internacional”, os revisionistas expressam a sua decisão de substituí-lo por outros documentos. A atividade e a organização fora do Programa de Transição invariavelmente levaram a posições anti-trotskistas. A nossa fidelidade ao Programa de Transição separa-nos dos pablistas e outras seitas minúsculas, é uma diferença de princípios e não uma questão secundária.
No plano internacional, o Comitê Organizador (pola reconstrução da IV Internacional) defende como próprio o Programa de Transição, sublinhando assim que luita pola continuidade do trotskismo internacional.
O Programa de Transição sintetiza as ideias básicas do movimento e desde a sua adopção tornou-se o centro de disputas e cisões ideológicas; Desnecessário dizer que é a mais poderosa força aglutinadora dos trotskistas, circunstâncias que vêm confirmar seu caráter de efectivo programa da Quarta Internacional.
Seria um absurdo considerar o Programa de Transição como um mero catálogo de demandas, que como tal sempre estará incompleto e superado polos acontecimentos. O seu significado está em vincular indissoluvelmente a luita cotidiana dos operários com a conquista do poder; fornece um método para não virar as costas às massas e às suas necessidades imediatas e para evitar cair no reformismo. Polo seu método, o Programa de Transição é insubstituível como instrumento da revolução proletária.
“É necessário ajudar as massas ─ diz o Programa ─, no processo de luita diária, a encontrar a ponte entre as suas reivindicações actuais e o programa da revolução socialista. Essa ponte deve se constituir num sistema de reivindicações transitórias, partindo das condições actuais e da consciência de amplas camadas da classe obreira e levando a uma mesma conclusão: a conquista do poder polo proletariado”.
Seguindo as linhas mestras do Programa de Transição, os trotskistas bolivianos elaboramos o nosso próprio programa que resume a teoria da revolução na Bolívia; O conhecimento e assimilação do primeiro documento permitiu-nos compreender a realidade do país e superar os esquemas abstratos da revolução puramente socialista, processo no qual a Tese Pulacayo tem a sua importância. A evolução política do proletariado e mesmo as suas características como movimento sindical devem muito ao Programa de Transição.
O Programa de Transição começa observando que “a premissa económica (objetiva) da revolução proletária há muito atingiu o ponto mais alto que pode atingir sob o capitalismo. As forças produtivas da humanidade pararam de crescer. Vimos que essa ideia, parte integrante do marxismo, já foi exposta na "Plataforma da Oposição(25)". Como ensinou Marx, um regime social não sai de cena sem primeiro ter esgotado todas as suas possibilidades de desenvolver as forças produtivas, se estas continuarem a crescer não pode haver revolução social, todas as tentativas nesse sentido conduzirão ao utopismo. O desenvolvimento das forças produtivas deve ser entendido como um fenómeno global e integral da economia, não se reduzindo o problema a exceções, progressos parciais ou em determinadas linhas do processo produtivo. O mandelismo(26), eixo central do chamado Secretariado Unificado e que reivindica o trotskismo, começa por abandonar esta premissa fundamental, para ele, o imperialismo descobriu caminhos que lhe permitem aumentar ainda mais as forças produtivas. A partir deste momento, o Programa de Transição carece de justificativa.
Tendo amadurecido além das premissas objetivas da revolução, a burguesia lançou mão das suas últimas cartas para evitá-la: o fascismo, o reformismo norte-americano de tipo New Deal ou as frentes populares, que consistem em submeter o proletariado à política burguesa (Espanha de 1936(27), Chile de Allende, por exemplo).
Até que ponto esta conclusão do Programa de Transição pode ser aplicada à Bolívia? Pode-se dizer aqui, também, que as condições objetivas estão maduras para uma revolução liderada pola classe trabalhadora? O próprio Trótski, ao referir-se ao caso russo, ajuda-nos a dar a resposta: se considerarmos a Bolívia como um país isolado (esta forma de colocar a questão é anticientífica e violenta para a realidade histórica) certamente não o é; mas não se pode ignorar que faz parte da economia capitalista mundial, isso sem esquecer as suas características nacionais, e as forças produtivas consideradas internacionalmente estão extremamente maduras para a revolução. Também sob pressão dos países avançados, amadurecemos aos trancos e barrancos para a revolução social. É a partir dessa consideração que parte a concepção da revolução no nosso tempo como um todo mundial e de caráter socialista (a revolução nos países atrasados, que apresenta notáveis particularidades, faz parte dela). Esta ideia, que se mantém fiel ao leninismo, choca-se violentamente com as teorias estalinistas, maoístas e nacionalistas, que partem do pressuposto de que o mundo está dividido entre países maduros e não maduros para a revolução socialista. Segundo eles, nos países atrasados, o proletariado terá um papel importante no processo revolucionário (para alguns será bucha de canhão e para outros poderá até ter influência política) e poderá até se hegemonizar, mas não poderá agir contrariamente à “burguesia revolucionária ou progressista” porque é uma revolução democrática, porque as forças produtivas nacionais não amadureceram para mais nada. Os maoistas, os nacionalistas e os seus seguidores falam de luita armada, de guerra prolongada, mas consideram que todos estes meios de luita conduzem a um governo popular, democrático e anti-imperialista, mas de modo algum a um governo da classe trabalhadora, porque isso significaria ignorar a etapa burguesa e ignorar o pouco desenvolvimento das condições objetivas.
O Programa de Transição estabelece a premissa de que “a situação política mundial do momento caracteriza-se, sobretudo, pola crise histórica da direção do proletariado”. Assim se resume toda a experiência revolucionária mundial, a falência e traição da Segunda e Terceira Internacionais, consideradas como direções tradicionais do proletariado, o retorno à barbárie que significam os regimes fascistas, etc. O que essa premissa significa? Que enquanto as forças produtivas começaram a se desintegrar porque são muito maduras, as condições subjectivas da revolução proletária, isto é, o partido político, o desenvolvimento da consciência de classe, caracterizam-se polo seu pouco desenvolvimento, pola sua extrema imaturidade, o que que dá um caráter trágico ao nosso tempo. O programa revolucionário existe, mas ainda não conseguiu penetrar nas massas de maneira geral, pois elas permanecem prisioneiras da sua direção tradicional. “O principal obstáculo para transformar a situação pré-revolucionária (assim se caracterizou a situação política mundial no momento em que a Quarta Internacional, G.L., foi estabelecida) numa situação revolucionária consiste no caráter oportunista da direcção proletária, a sua mesquinha covardia, a sociedade burguesa e a ligação traiçoeira que mantém com ela (com a sociedade burguesa) na sua agonia.
Passam-se em revista as convulsões sociais do momento, as grandes mobilizações de massas em torno de objetivos imediatos, mas que não levam ao fortalecimento da vanguarda revolucionária, praticamente inexistente em quase todos os países, a tarefa revolucionária do momento é, portanto, colocar de pé o Partido Mundial da Revolução Socialista, ajudar as massas a superar politicamente as suas antigas direções, romper a camisa de força do parceiro (democracia e stalinismo). A conclusão: "a crise da direção do proletariado, que se tornou uma crise da civilização humana, só pode ser resolvida pola Quarta Internacional“. Criar uma nova Internacional supõe que haja a convicção de que as direções tradicionais não podem mais retomar o caminho revolucionário, que renunciaram definitivamente ao marxismo e ao leninismo, que passaram para as trincheiras contrarrevolucionárias da burguesia. Tal é uma das teses fundamentais do trotskismo, evidenciada no momento de se tornar uma direção revolucionária mundial. Mais tarde, o revisionismo pablista (cujos herdeiros são os epígonos agrupados no chamado Secretariado Unificado) jogaram essa afirmação ao mar e abriram as portas do balcão para que penetrasse a ilusão sobre as possibilidades revolucionárias do estalinismo. Tampouco podem ser considerados leais ao trotskismo aqueles que descobrem em cada movimento de massas lideranças pequeno-burguesas e nacionalistas chamadas a desempenhar um papel revolucionário (quando dizemos revolucionário queremos dizer que são capazes de enterrar o capitalismo e apontar a perspectiva de construção da novo sociedade), como no caso dos pablistas com referência ao castrismo e as inúmeras manifestações de nacionalismo em países atrasados. A intransigente luita pola construção do Partido Mundial da Revolução Socialista, como única direção revolucionária, projecta no nosso tempo a batalha que então travava a Internacional Comunista. O revisionismo pablista, da mesma forma que a ultraesquerda à qual aderiram os renegados da Quarta Internacional, busca substitutos para a classe trabalhadora, que, sem especificar, consideram anormalmente retardada na sua evolução
política. Nada mais significa a teoria da 'nova vanguarda', eixo central de todas as suas especulações. Eles planejam construir o partido revolucionário não dentro da classe trabalhadora, mas através do controle da 'nova esquerda', que nada mais é do que a massa estudantil, e para isso adoptam os métodos de acção dos grupos terroristas e foquistas(28): o seu objetivo é impressionar essa 'nova vanguarda', despertar dela, com ações exemplares e armadas, a adormecida classe trabalhadora. No longo prazo, o partido dos trabalhadores será construído como consequência duma operação de invasão da “nova vanguarda”, que resultaria na adequação do proletariado a um molde classista que lhe é estranho.
Não se trata simplesmente da capitulação momentânea dos pablistas ante a pequena burguesia, ante as suas ideias e preconceitos (isso como consequência dos acontecimentos de maio de 1968 na França etc.), mas do abandono teórico do marxismo e do Programa de Transição, através da reafirmação das teses fundamentais do socialismo científico. Mandel (Germain(29)) não só descobriu o neocapitalismo, o trotskismo instintivo de alguns líderes populistas e pequeno-burgueses, como também desenvolveu a tese duma nova valorização do lugar ocupado pola força de trabalho intelectual no processo de produção, premissa de onde partem todos os disparates pablistas, como se depreende duma carta de Weber, ideólogo da LCR francesa.
Rejeitando todas as posições sectárias e ultraesquerdistas, a Quarta Internacional declara a sua disposição de se colocar à frente da luita dos trabalhadores por reivindicações imediatas relacionadas às suas condições de vida e trabalho, mas não para permanecer no quadro estreito do reformismo, mas antes para guiar as massas, para ajudá-las a se aproximar da conquista do poder político. Este é o objectivo das reivindicações transitórias. A IV Internacional foi constituída para derrubar o capitalismo e não para reformá-lo. “O objetivo estratégico da Quarta Internacional não consiste em reformar o capitalismo, mas em derrubá-lo. O seu objectivo político é a conquista do poder polo proletariado para realizar a expropriação da burguesia”. No entanto, isso não significa que os revolucionários possam se isentar do “trabalho mundano cotidiano”, mas sim que essa luita deve ser travada em “união indissolúvel com os objetivos da revolução”.
A pressão das direções tradicionais da classe trabalhadora e mesmo das camadas mais vastas e atrasadas das massas pode acabar por separar a batalha por modestas reivindicações imediatas do grande objectivo estratégico da conquista do poder. Este perigo é permanente até mesmo para os militantes que se dizem trotskistas e trabalham no nível sindical. Deve-se entender claramente que aqueles que caem neste desvio afastam-se das diretrizes tácticas e estratégicas da Quarta Internacional. “A Quarta Internacional não rejeita as exigências do antigo programa”mínimo” na medida em que conservam alguma força vital. Ela defende incansavelmente os direitos democráticos dos trabalhadores e as suas conquistas sociais, mas realiza esse trabalho dentro duma perspectiva correcta, real, ou seja, revolucionária. Na medida em que as reivindicações parciais ─ "mínimos" ─ das massas entram em conflito com as tendências destrutivas e degradantes do capitalismo decadente ─ e isso acontece a cada passo ─, a Quarta Internacional patrocina um sistema de reivindicações transitórias, cujo significado é o de voltar-se cada vez mais aberta e resolutamente contra as bases do regime burguês. O antigo "programa mínimo" é constantemente superado polo Programa de Transição cujo objectivo consiste na mobilização sistemática das massas para a revolução proletária.
A seguir, elenca-se uma série de demandas transitórias, que certamente não esgotam o repertório a esse respeito, e muitas delas foram incorporadas às Teses de Pulacayo, o que nos permitiu acumular uma rica experiência sobre a sua aplicação na luita cotidiana das massas.
A escala salarial móvel com referência ao custo de vida e não a outros factores, como taxas de produção, por exemplo, acabou se tornando uma reivindicação geral e nessa medida pode constituir o eixo duma mobilização revolucionária de toda a classe, ou seja, política, exigindo do governo o seu ditado para todo o país. A reivindicação generalizada encontra resistência da burocracia sindical que a impede de se concretizar. Os congressos e ampliações dos setores operários mais importantes aprovam-na, mas no momento da acção os burocratas encontram meios de ocultá-lo.
O que se deve ensinar aos trabalhadores é que uma reivindicação transitória ainda não é socialismo, mas serve para fazer avançar os explorados na sua marcha rumo ao poder. A escala móvel ensina a responder às constantes manobras patronais-governo que buscam anular os aumentos salariais conquistados após inúmeras batalhas e diminuir constantemente os salários reais, como a forma mais fácil de aumentar a parte da mais-valia que os capitalistas se apropriam. A palavra de ordem só pode prosperar quando os trabalhadores descobrirem o segredo da sua exploração sob o regime capitalista e se convencerem de que o Estado é um simples administrador dos interesses da classe dominante considerada como um todo, quando as ilusões sobre seu caráter de independência das classes em luita são dissipadas (os regimes democráticos têm muitos recursos para dar essa impressão). Alguns argumentam que é um objetivo inatingível, e é por isso que estão inclinados a acreditar que é sinônimo de socialismo. Nada mais errado, a escala móvel pode ser imposta por uma poderosa mobilização. Na Inglaterra
foi estabelecido que para cada ponto de preços médios, será concedido um aumento de salários na proporção de 0,96 centavos.
As reivindicações transitórias mais importantes e actuais, que são aquelas que estão directamente relacionadas às condições de vida, exigindo o trabalho educativo constante do Partido, acabam sendo levantadas polo movimento de massas. Temos um exemplo claro com o que acontece com a escala móvel de jornada de trabalho, que é, sem dúvida, a resposta mais adequada e revolucionária ao problema agudo e crescente do desemprego. O lema já foi lançado no texto da Tese Pulacayo, mas até agora não conseguiu arrebatar os sectores mais amplos da classe. Há um obstáculo a superar: empregadores e diferentes governos opõem o espantalho do fechamento de empresas a qualquer demanda trabalhista considerada excessiva. Além disso, nas fábricas têxteis tem sido possível os trabalhadores realizar procedimentos típicos dos empresários, como obtenção de empréstimos bancários, reduções de impostos, liberações de todos os tipos, etc., isso porque foram convencidos de que as fábricas podem fechar as suas portas devido às difíceis condições económicas e até mesmo à concorrência de produtos estrangeiros mais baratos. Já houve casos de lideranças sindicais que se opuseram à recontratação de trabalhadores demitidos arbitrariamente, sob o argumento de que isso poderia agravar as dificuldades económicas da empresa. É fácil entender que nesse ambiente é quase impossível cogitar a redução da jornada de trabalho na mesma proporção do número de desempregados.
O Programa de Transição dá aos sindicatos a importância que merecem, rejeitando assim as doutrinas de ultra-esquerda que dizem que essas organizações estão fora de lugar. Seria um erro defender a estruturação de sindicatos puramente revolucionários. O trabalho deve ser feito dentro das organizações de massas, mesmo que sejam dirigidas por reformistas e prevaleçam preconceitos de vários tipos dentro delas. Como sustenta o marxismo, o partido revolucionário busca dirigir politicamente os sindicatos por meio das suas células de militantes, por isso combate sistematicamente as burocracias sindicais reformistas ou estalinistas. “As tentativas sectárias de criar ou manter pequenos sindicatos”revolucionários” como uma segunda edição do Partido significam a renúncia à luita pola direcção da classe trabalhadora. É necessário afirmar aqui como um princípio inabalável: o auto-isolamento covarde fora dos sindicatos de massas equivale a trair a revolução, é incompatível com pertencer à Quarta Internacional. Desta forma, supera-se o erro que significou a criação da Internacional Sindical Vermelha: o objetivo é alcançar a liderança política das organizações de massas, que só pode ser efectivada através da acção cotidiana do partido revolucionário no seio dos explorados.
Os sindicatos, como canais de mobilização das massas, com orientação revolucionária (sindicalmente falando, a classe trabalhadora boliviana estruturou-se em torno da Tese de Pulacayo como eixo) é o que chamamos de sindicalismo revolucionário, que nada tem a ver com a tendência que com o mesmo nome fez a sua aparição à escala internacional e que pretende substituir o partido como instrumento da revolução proletária por organizações sindicais.
A advertência do Programa de Transição contra todo fetichismo sindical é importante, isso porque nas nossas próprias fileiras existe o perigo permanente dum desvio deste tipo:
Os sindicatos não possuem e, polos seus objetivos, a sua composição e a natureza do seu recrutamento (o sindicato é uma forma elementar de frente única de classe, onde, dentro duma ampla democracia, convivem as diferentes tendências operárias e setores apolíticos, etc., G.L.), não podem aceitar um programa revolucionário acabado; por isso não podem substituir o Partido. A criação de partidos revolucionários nacionais, seções da Quarta Internacional, é o objetivo central do período de transição.
Mesmo como canais de mobilização, os sindicatos apresentam enormes limitações, não compreendem o grosso dos trabalhadores e, a certa altura, as camadas que aderiram recentemente à luita são marginalizadas deles, apresentam muita rigidez e peso organizacional nos seus movimentos. Nos momentos mais agudos da luita de classes é necessário organizar comitês de fábrica e sovietes, capazes de conter e orientar a maioria dos explorados. “Os sindicatos, mesmo os mais poderosos, não cobrem mais do que 20 a 25% da classe trabalhadora, que não é arrastada para a luita senão esporadicamente em períodos de crescimento excepcional do movimento operário. Neste momento é necessário criar organizações ad hoc que abranjam toda a massa em luita: os comitês de greve, os comitês de fábrica e, finalmente, os sovietes.
Também não se pode ignorar que os sindicatos geram tendências conciliatórias que luitam por um entendimento com a classe dominante.
Os comitês de fábrica, os sovietes, que incluem as classes trabalhadoras que o sindicato não é capaz de cobrir, transformam-se em quadros de massa. Estas organizações, desde o seu aparecimento, colocam a dualidade do poder, essencialmente “transitória porque contém em si dous regimes inconciliáveis; o regime capitalista e o regime proletário.”
Os trabalhadores suportam diariamente o boicote dos patrões e as suas reivindicações são rechaçadas com o argumento, supremo para os donos do poder e dos meios de produção, da perda constante das empresas. As autoridades e os trabalhadores são enganados com o sistema de contabilidade dupla, uma para o pagamento de impostos e outra para o cálculo de dividendos. O segredo comercial é considerado parte inerente da sacrossanta propriedade privada capitalista e diante dele param os estadistas mais ousados. Os trabalhadores têm o direito de saber como funcionam as empresas, quais são os seus lucros e o destino que lhes é dado. A luita pola abolição do segredo comercial, a exposição dos livros de contabilidade, têm importância na luita polas reivindicações imediatas e adquirem também um enorme significado educativo.
O controle obreiro para o Programa de Transição tem o significado de revelar o segredo do funcionamento das empresas capitalistas, das suas fraudes, combinações, da sua relação com os órgãos estatais. Não visa integrar-se passivamente na administração empresarial, colaborar com a burguesia, mas utilizar os dados obtidos para promover a luita dos trabalhadores; outra cousa, o controle operário pode se tornar “a escola da economia planificada. Pola experiência do controle, o proletariado se preparará para dirigir a indústria nacionalizada quando chegar a hora... Se a abolição dos segredos comerciais é a condição necessária do controle operário, esse controle representa o primeiro passo no caminho da liderança socialista da economia.”
Na Bolívia temos uma rica experiência de controle operário e que foi muito além das projeções do Programa de Transição. A Tese Pulacayo falava do controle operário nas minas que eram ocupadas polos trabalhadores e nesse sentido ganhava a perspectiva de tornar-se a administração exercida pola própria classe trabalhadora, que inevitavelmente deveria levantar com extraordinária nitidez o problema do poder. A ocupação das minas e o controle operário dentro delas levaram diretamente à ditadura do proletariado. A rosca(30) foi quem percebeu plenamente o que significava essa luita e por isso fez tudo ao seu alcance para frustrá-la. Na prática, o controle colectivo dos trabalhadores e a tendência à gestão empresarial foram estrangulados polo MNR, estabelecendo o controle individual, burocratizado e politicamente controlado dos trabalhadores com direito de veto. No entanto, mesmo essa fórmula imperfeita de controle dos trabalhadores tornou-se repetidamente um canal de poder duplo. O próprio MNR, cedendo às pressões do imperialismo, não teve escolha a não ser destruí-lo. Mais tarde, em 1971, o controle operário foi elevado a um nível político superior e como um mecanismo aperfeiçoado, desta vez sob a fórmula duma administração majoritariamente operária do Comibol(31), o que inevitavelmente colocaria a questão do destino do poder político.
A luita pola nacionalização dos meios de produção não se coloca como uma totalidade a ser reivindicada sob o regime capitalista; A luita pola nacionalização dos setores fundamentais, dos bancos, por exemplo, que têm influência decisiva em todo o mecanismo de produção, pode ser viável.
A nacionalização por si só não é socialismo e quando é executada polos governos burgueses é um passo dado no caminho do capitalismo de estado. As nacionalizações dão resultados favoráveis e correspondem aos interesses dos trabalhadores apenas quando "o próprio poder do Estado passa das mãos dos exploradores para as mãos dos trabalhadores". “A exacerbação da luita do proletariado – ensina o Programa de Transição – significa a exacerbação dos métodos de resistência do capital”. Os capitalistas e o Estado contam com a polícia, o exército e as quadrilhas de mercenários para subjugar os trabalhadores com fogo toda vez que eles ganham as ruas de forma ameaçadora. O fascismo, para tomar o poder, segue o caminho da destruição física das organizações operárias, distingue-se por organizar grupos de choque fortemente armados. Em tempos de acirramento da luita de classes, toda greve, toda disputa trabalhista tende a tornar-se o prelúdio da guerra civil. A Quarta Internacional aponta a única resposta revolucionária: organizar piquetes de greve e destacamentos armados dos trabalhadores, neutralizar as forças repressivas, bloquear o caminho para o fascismo. Armar os trabalhadores não significa constituir pequenos núcleos para substituir a classe e fazer a revolução no seu nome ou desencadear a “guerra popular” ou algo semelhante, mas criar pontos de apoio bélico para facilitar a marcha das massas ao poder.
Inspirados nas lições do Programa de Transição, ensinamos os sindicatos a se armarem e traduzimos o lema em realidade em repetidas ocasiões.
Quando o Programa de Transição fala da “aliança dos trabalhadores e camponeses” refere-se à necessidade da união da luita do trabalhador nas cidades e do trabalhador (assalariado) no campo, a partir do momento que os seus interesses são indissociáveis . "O Programa das reivindicações transitórias dos trabalhadores industriais é também, com tais ou tais mudanças, o programa do proletariado agrícola." Isso pode ser aplicado à zona leste de Santa Cruz, onde já existe um proletariado agrícola.
Ao mesmo tempo, o programa refere-se à urgência de o proletariado liderar a pequena burguesia das cidades (artesãos e pequenos comerciantes) e a pequena burguesia das aldeias (camponeses e pequenos proprietários). Reivindicações especiais e transitórias devem ser feitas para a pequena burguesia do campo e das cidades. Quando o programa diz que "as particularidades do desenvolvimento nacional de cada país encontram a sua expressão mais viva na situação dos camponeses...", deixa claro que a caracterização da massa camponesa e a elaboração dum programa concreto para ela é necessário. No caso boliviano, é essa tarefa que deve ser cumprida.
O Programa de Transição adverte que “a expropriação dos expropriadores não significa a expropriação forçada de artesãos e pequenos comerciantes”, refere-se, antes, à necessidade histórica de expropriar os meios de produção actualmente concentrados nas mãos da burguesia.
A Quarta Internacional foi fundada às vésperas da segunda guerra imperialista e coloca a classe trabalhadora em guarda contra a política traiçoeira e chauvinista e a cooperação com o imperialismo que tanto a social-democracia quanto o estalinismo da Terceira Internacional levaram a cabo. “Desde que o perigo de guerra assumiu um aspecto concreto, os estalinistas, superando em muito os pacifistas burgueses e pequeno-burgueses, tornaram-se os campeões da chamada”defesa nacional”.
Caracteriza a 2ª Guerra Mundial como imperialista e, portanto, sustenta que a política leninista deve ser aplicada contra ela. “A burguesia imperialista domina o mundo. É por isso que a próxima guerra, no seu caráter fundamental, será uma guerra imperialista. O conteúdo fundamental da política do proletariado internacional será, portanto, a luita contra o imperialismo e a sua guerra. O princípio fundamental dessa luita será: "O principal inimigo está no nosso próprio país" ou "A derrota do nosso próprio governo (imperialista) é o mal menor".
A guerra imperialista deve ser transformada em guerra civil, dentro desta perspectiva levanta uma série de reivindicações:
Fazer o possível para que homens e mulheres, a partir dos dezoito anos, falem sobre a guerra, (nos EUA, havia sido levantada a verificação dum referendo).
"O controle dos obreiros sobre a indústria de guerra é o primeiro passo na luita contra os traficantes de guerra."
Ao lema reformista de impostos sobre os lucros da indústria de guerra, oponha-se "o slogan: confisco dos lucros e expropriação das empresas que trabalham para a guerra".
"Nem um homem, nem um centavo para o governo burguês!" “Total independência das organizações trabalhistas do controle da polícia militar!”
“Abolição da diplomacia secreta”.
“Treinamento militar e armamento dos operários e camponeses sob o controle imediato dos obreiros e lavradores. Escolas para a formação de oficiais oriundos das fileiras dos trabalhadores e selecionados polas organizações operárias”.
"Substituição do exército permanente por milícias populares ligadas às fábricas, às minas e ao campo."
“Desmascarar a mentira”democrática” e estalinista sobre “desarmamento”, “neutralidade” e “defesa da pátria”.
Os países coloniais e semi-coloniais "atrasados" podem sempre, como a experiência tem confirmado, aproveitar a conjuntura da guerra imperialista para "se livrar do jugo da escravidão". Neste caso, a guerra é emancipatória, progressiva e deve ser apoiada polo proletariado internacional, usando os seus próprios métodos e não os canais dos governos burgueses ou formando um bloco com eles, como aconselhavam os estalinistas. Esta posição, como todo o programa sobre a guerra, resume os ensinamentos e experiências do movimento marxista mundial.
“O dever do proletariado internacional será ajudar os países oprimidos em guerra com os opressores. Este mesmo dever estende-se também à URSS e a qualquer Estado operário que surja antes ou durante a guerra. A derrota de qualquer governo imperialista na luita contra um Estado operário ou um país colonial é o mal menor”.
“Os trabalhadores dum país imperialista não podem ajudar um país anti-imperialista através do seu governo, quaisquer que sejam as relações diplomáticas entre os dous países num determinado momento. Se os governos se encontram numa aliança temporária, que pola sua própria natureza pode ser incerta, o proletariado do país imperialista deve permanecer na sua posição de classe em relação ao seu governo e apoiar o seu "aliado" não imperialista por meio dos seus métodos, isto é, polos métodos da luita de classes internacional (agitação a favor do estado operário e do país colonial, não só contra os seus inimigos, mas também contra os seus pérfidos aliados; boicote e greve em certos casos, renúncia ao boicote e à greve em outros.etc.”)
Nesta tática fundamental e profundamente leninista, encontramos uma indicação da atitude do proletariado em relação aos governos nacionalistas burgueses dos países atrasados. Sabemos que alguns "trotskistas" seguem o estalinismo na sua táctica de defender um país atrasado fazendo causa comum e apoiando, às vezes até incondicionalmente, os governos burgueses nacionalistas, acabando assim por garantir a derrota do movimento anti-imperialista. O objectivo é ajudar o proletariado indígena a se tornar a direção das massas do país atrasado:
“Sem deixar de apoiar o país colonial e a URSS na guerra, o proletariado não se apoia, de forma alguma, com o governo burguês do país colonial ou com a burocracia termidoriana da URSS. Polo contrário, mantém a sua total independência política tanto contra um como contra o outro. Ao ajudar uma guerra justa e progressista, o proletariado revolucionário conquista as simpatias dos trabalhadores das colónias e da URSS, afirmando assim a autoridade e a influência da Quarta Internacional e pode, portanto, ajudar melhor a queda do governo burguês no país colonial e da burocracia reacionária na URSS”.
Aqueles que capitulam à burguesia nacional, sob este ou aquele pretexto, nada têm a ver com a Quarta Internacional. O capítulo dedicado ao “governo operário camponês” merece alguns esclarecimentos. Há, particularmente no nosso meio, muita confusão sobre esse slogan. O POR o elevou desde os seus primeiros momentos e entendendo-o invariavelmente numa das suas vertentes, como o "nome popular da ditadura do proletariado", que foi utilizado neste sentido polos bolcheviques após outubro de 1917, conforme lido no Programa de Transição. Durante o terceiro período(32), o estalinismo falou duma ditadura dos trabalhadores e camponeses, mas o fez, como em todas as partes do mundo, no seu esforço para ressuscitar a velha fórmula de Lenine da "ditadura democrática revolucionária dos trabalhadores-camponeses". Alguns ultraesquerdistas, nas suas críticas ao POR, tentaram confundir o nosso slogan com as propostas bolcheviques de antes de 1905.
O significado da palavra de ordem do governo operário-camponês, quando tratado antes de tudo como uma explicação para as massas, consiste no facto de que coloca "em primeiro plano a ideia da aliança do proletariado da classe camponesa posta na base da atividade revolucionária e do futuro" Estado. A este respeito já não pode haver a menor dúvida, trata-se do proletariado arrastando os camponeses atrás de si / nada mais.
O “governo operário-camponês” também pode ser concebido como o produto duma coalizão de representantes pequeno-burgueses do proletariado e que só iria “acelerar e facilitar” a ditadura do proletariado. Esta variante é usada para fins educacionais, para demonstrar às massas a incapacidade dos partidos pequeno-burgueses de estabelecer tal governo. "A experiência da Rússia demonstra e a experiência da Espanha e da França confirma novamente que mesmo nas condições mais favoráveis os partidos da democracia pequeno-burguesa (social-revolucionários, social-democratas, estalinistas, anarquistas) são incapazes de criar um governo operário e camponês, isto é, um governo independente da burguesia”. Na tarefa de emancipar o proletariado da velha direção, a palavra de ordem dum governo operário e camponês pode ser muito importante.
O Programa de Transição fala da possibilidade teórica ─ que já está impossibilitando que a conclusão se aplique corriqueiramente a todos os casos ─ de que em condições excepcionais os partidos pequeno-burgueses vão mais longe do que gostariam no caminho da ruptura com a burguesia: ” Não é possível negar categoricamente a priori a possibilidade teórica de que sob a influência duma combinação muito excepcional de circunstâncias (guerras, derrotas, colapso financeiro, ofensiva revolucionária das massas, etc.) os partidos pequeno-burgueses, sem exceção dos estalinistas, podem ir mais longe do que queriam no caminho da ruptura com a burguesia. Em todo caso, uma cousa é certa: não há dúvida de que mesmo que essa variante improvável se concretize em algum lugar e um governo operário-camponês ─ no sentido acima indicado ─ fosse constituído, não representaria mais do que um curto episódio no caminho para a verdadeira ditadura do proletariado.”
Nenhuma das demandas transitórias pode ser plenamente realizada “com a manutenção do regime burguês”. A incorporação na luita de camadas cada vez maiores das massas e até ontem não mais atrasadas, coloca o problema de criar organizações que possam dirigi-las. Essas organizações são os sovietes (não importa o nome que adotam na prática cotidiana), caracterizados por se tornarem a única autoridade para os explorados e por proporem a dualidade de poder. A criação destas organizações corresponde a uma necessidade urgente de organização e luita das camadas sociais postas em movimento. É o caminho que a revolução percorre.
O curto capítulo dedicado aos países atrasados sintetiza magistralmente a teoria da revolução permanente.
Não basta dizer que os países atrasados são aqueles que não cumpriram importantes tarefas democráticas (ao nos limitarmos a essa descrição sociológica, entende-se que esses países devem ser considerados isolados da economia mundial, como universos autossuficientes, etc.), deve-se acrescentar que “eles vivem nas mesmas condições de dominação mundial do imperialismo”, factor decisivo que modifica a estrutura desses países e obriga-os a mover-se de acordo com as leis da economia capitalista internacional. O carácter particular do seu desenvolvimento também determina a política particular do proletariado indígena: “O seu desenvolvimento tem um caráter combinado: reúnem ao mesmo tempo as formas económicas mais primitivas e a última palavra da técnica e da civilização capitalistas. Isto é o que determina a política do proletariado dos países atrasados: são forçados a combinar a luita polas tarefas democráticas mais elementares de independência nacional e democracia burguesa com a luita socialista contra o imperialismo mundial. Nem todas as tendências políticas concordam com essa abordagem. Objeta-se que agora a luita pola libertação nacional só pode ser formulada e os objetivos socialistas adiados para um futuro indeterminado, para não perder aliados e não assustar a burguesia nacional ou seu substituto pequeno-burguês.
As reivindicações democráticas e socialistas não se separam por etapas históricas, mas o pleno cumprimento das primeiras permite que se tornem socialistas, devido, sobretudo, à ditadura do proletariado: As reivindicações democráticas, as reivindicações transitórias e as tarefas da revolução socialista não divergem na luita por etapas históricas, mas surgem imediatamente umas das outras. Consequentemente, o Programa de Transição é plenamente aplicável nos países atrasados, devido à capacidade do proletariado de se dotar duma política independente. O programa aponta a revolução agrária (expropriação do latifúndio) e a libertação nacional como tarefas centrais nos países atrasados. Tarefas que devem estar estreitamente ligadas entre si e o programa democrático não podem ser simplesmente rejeitados, será necessário sustentá-lo para mobilizar as massas majoritárias e permitir que o proletariado se torne a sua direção política.
Duas deformações distorcem a abordagem trotskista: o desvio nacionalista que luita para que o proletariado seja subordinado aos governos nacionalistas e o ultraesquerdismo que esquece as particularidades nacionais (necessidade de cumprir tarefas democráticas) e as particularidades da revolução em países atrasados, para assimilá-las ao puramente socialista.
A vitória do fascismo na Alemanha é apresentada como consequência da política criminosa da social-democracia e do Comintern: “Nunca houve uma catástrofe semelhante na história. O proletariado alemão foi eliminado sem luita polo inimigo; Foi destruído pola covardia, pola abjeção, pola traição dos seus próprios partidos."
Trotski confirma que a "preparação molecular da revolução" em curso não se torna um movimento porque a vanguarda não oferece um novo programa e bandeira. “É extremamente difícil para os trabalhadores dos países fascistas se orientarem nos novos programas. A verificação dum programa faz-se pola experiência do movimento de massas, que falta em países de despotismo totalitário”. É necessário um trabalho sustentado de propaganda para preparar o futuro. Mesmo neste caso, a nefasta táctica da frente popular é rejeitada.
As palavras de ordem democráticas cumprem um papel de mobilização e unificação dos trabalhadores, logo que o movimento comece devem ser vinculadas ao programa de transição.
Nós, bolivianos, temos alguma experiência de actividade revolucionária sob governos despóticos, determinados a destruir totalmente as organizações operárias. A presença da vanguarda revolucionária, movendo-se com dificuldade em se esconder, impulsiona a luita política ao dar às massas orientação e experiência acumulada ao longo de muitas décadas de atividade.
A URSS é caracterizada como um estado operário degenerado, consequência do longo isolamento da revolução vitoriosa: “O aparelho do estado operário entretanto sofreu uma degeneração completa, transformando-se de instrumento da classe operária, em instrumento de violência burocrática contra a classe trabalhadora e, cada vez mais, em instrumento de sabotagem da economia”. A degeneração do estado operário refuta a teoria do socialismo num só país.
Essa caracterização tem sido uma das mais combatidas e controversas nas abordagens trotskistas. Todo desvio e todo revisionismo tiveram como referência esse problema, certamente um dos mais importantes do movimento revolucionário contemporâneo.
Em 1929 teve lugar um acontecimento que pôs à prova a defesa incondicional da URSS e permitiu a emergência de posições contrárias a essa abordagem. Chiang-Kai-Shek tentou expulsar oficiais soviéticos que dirigiam a ferrovia Transiberiana através do território chinês, o que teria isolado o porto de Vladivostok. O Estado soviético encarregou o Exército Vermelho de fazer valer os seus direitos, decorrentes dum tratado. Nessa ocasião, Trotski publicou o seu panfleto "A Defesa da URSS e a Oposição de Esquerda(33)", onde expôs sistematicamente uma das teses fundamentais do trotskismo e da Quarta Internacional. A defesa incondicional da URSS (incondicional porque não está subordinada à mudança na política da burocracia ou à sua substituição no poder, etc.) não deve ser interpretada como reconhecimento dos benefícios do governo estalinista ou como subordinação à sua vontade. mas sim como a defesa das conquistas fundamentais da revolução (a nacionalização dos meios de produção e a economia planificada) que servirão de base para a construção da sociedade comunista. A derrota da URSS seria uma das maiores perdas para a revolução internacional e é isso que impõe a necessidade urgente da sua defesa. O método de defesa da URSS é o método da luita revolucionária do proletariado internacional.
Por volta dessa época, alguns opositores do estalinismo desenvolveram a teoria do “imperialismo soviético” e que, portanto, era correto trabalhar para a sua derrota, argumento que será repetido mais adiante. Os maoístas levaram esta teoria a extremos insuspeitados, para eles a URSS é uma potência imperialista; Portanto, apresentar a sua defesa é uma atitude contrarrevolucionária.
Após a revolução de Outubro, alguns social-democratas (Otto Bauer, Kautsky, etc.) apresentaram propostas no sentido de que a Rússia soviética havia acabado como capitalismo de estado. Posteriormente, Urbahns desenvolveu a teoria do capitalismo de estado na URSS; na crise da Quarta Internacional, esses argumentos foram repetidos várias vezes.
Durante a crise de 1939, a facção americana de Shachtman e Burnham expressou o seu desacordo com a caracterização de Trotski da URSS e com a sua defesa incondicional. Surgiram teorias sobre a restauração do capitalismo, a transformação da burocracia em classe social, etc. (Os meios de produção permanecem nas mãos do estado operário degenerado e não se tornaram propriedade da burocracia).
O posadísimo(34), que leva à caricatura de demencial as posições revisionistas do pablismo, agora sustenta que a Rússia é um estado operário, assim como emergiu da vitória de outubro de 1917.
A burocracia é essencialmente contra-revolucionária, passou para as trincheiras burguesas, razão pola qual os PP.CC. estalinistas não podem ser retificados internamente na sua política. Esta premissa é o que determina a necessidade de criar uma nova Internacional e partidos revolucionários leninistas em cada país "a burocracia torna-se cada vez mais o órgão da burguesia mundial dentro do estado operário. O desvio pablista reviu esta conclusão, que é um dos fundamentos do programa trotskista, já dissemos que advoga a possibilidade do P.C. desempenhar um papel ainda revolucionário. Com esse argumento, utilizou o entrismo “sui generis” nos PP.CC., o que, na prática, significou a perda de alguns quadros trotskistas. Esse entrismo não deve ser confundido com aquele realizado nos partidos socialistas e que, na época, era defendido polo próprio Trotski, continua válido o seguinte prognóstico sobre o estalinismo encontrado no Programa de Transição: “(a burocracia) ou demolir a nova forma de propriedade e devolve o país ao capitalismo, ou a classe trabalhadora... esmaga a burocracia e abre caminho ao socialismo”. A revolução internacional salvará a URSS do perigo de se perder como possibilidade duma sociedade sem classes.
Por todas as considerações anteriores, a tarefa central na URSS (que deve ser estendida aos demais países do bloco soviético e onde o PC estalinista está no poder) consiste "no derrube da burocracia termidoriana", ou seja, na realização da revolução política. Trata-se da classe trabalhadora deslocando do poder a burocracia que nasceu como um tumor dentro do partido trabalhista. Já entramos no período da revolução política. Aqueles que se colocam na cauda do estalinismo, aqueles que semeiam ilusões sobre as suas possibilidades revolucionárias, nada têm em comum com a Quarta Internacional.
O Programa de Transição aponta as palavras de ordem que podem ajudar os trabalhadores a se mobilizarem contra a burocracia, a ganharem confiança nas suas próprias forças: “luita contra a desigualdade social e a opressão política. Abaixo os privilégios da burocracia! Abaixo o Stakhanovismo!... Mais salários iguais para todas as formas de trabalho!”; liberdade de sindicatos e comitês de fábrica, liberdade de reunião e de imprensa, a fim de contribuir para o renascimento e desenvolvimento da democracia soviética; expulsão da "burocracia e da nova aristocracia dos sovietes". O programa sustenta que essa luita deve levar à legalização dos partidos que seriam considerados partidos soviéticos. Revisão da economia planificada no interesse de produtores e consumidores. "A política internacional conservadora e contrarrevolucionária da burocracia deve ser substituída pola política do internacionalismo proletário." "Abaixo a diplomacia secreta!"
O trotskismo distancia-se do oportunismo sem princípios e também do sectarismo que resiste a realizar um trabalho revolucionário no seio das massas.
Notas de rodapé:
(1) Nota do tradutor: Internacional Comunista ou Terceira Internacional. (retornar ao texto)
(2) Seguidores de Michel Pablo. (retornar ao texto)
(3) Nota do tradutor: ver a este respeito o Prefácio à Edição Alemã de 1872 do Manifesto Comunista. (retornar ao texto)
(4) Nota do tradutor: leia uma boa introdução histórica neste link: Breve história da Oposição de Esquerda. (retornar ao texto)
(5) Nota do tradutor: leia uma antologia estalinista sobre Trótski e o movimento antiburocrático a este respeito: Trotsky e o Trotskismo. Textos e Documentos. (retornar ao texto)
(6) Nota do tradutor: Trótski refere-se a Alexandre VI, nascido Rodrigo de Borja (espanhol) e mais conhecido por Rodrigo Borgia (italiano) (Xàtiva, Valência, 1 de janeiro de 1431 – Roma, 18 de agosto de 1503). Foi o 214º Papa da Igreja Católica, de 11 de agosto de 1492 até a data da sua morte, foi o segundo papa valenciano da história, depois de seu tio Calixto III. (retornar ao texto)
(7) Nota do tradutor: Adeptos de Bukhárine. (retornar ao texto)
(8) Le Trotskisme, Paris, Flammarion, 1970. (retornar ao texto)
(9) Nota do tradutor: Cadernos do Comunismo. (retornar ao texto)
(10) Nota do tradutor: “O cara trotskista é antileninista”. (retornar ao texto)
(11) Nota do tradutor: Leia a introdução em espanhol neste link. (retornar ao texto)
(12) Ver a nota anterior sobre o assunto. (retornar ao texto)
(13) Nota do tradutor: Veja uma antologia de escritos sobre anarquismo e anarquistas durante a Revolução Espanhola nesta ligação: La Revolución Española, 1936-39 (archive.org). (retornar ao texto)
(14) Leia a entrevista com Lenine neste link do Marxists Internet Archive em inglês. (retornar ao texto)
(15) Uso da forma aconselhada no dicionário galego Estraviz. (retornar ao texto)
(16) Nota do tradutor: Leia a importante obra do historiador Pierre Broué (Privas, Ardèche, 8 de maio de 1926-Grenoble, Isère, 26 de julho de 2005), Os Julgamentos de Moscovo, aqui (em PDF em espanhol). (retornar ao texto)
(17) Nota do tradutor: Чрезвычайная Комиссия. (retornar ao texto)
(18) Nota do tradutor: para uma resenha sucinta, porém muito valiosa, leia a obra deste historiador: A Revolução Inacabada (1917 - 1967). (retornar ao texto)
(19) Ver a nota anterior sobre o assunto. (retornar ao texto)
(20) Leia a Tese de doutorado de Ede Ricardo de Assis Soares sob o título A REVOLUÇÃO ABANDONADA: OS COMMUNISTAS, A III INTERNACIONAL, A CRISE DOS ANOS VINTE E O MOVIMENTO DE OUTUBRO DE 1930, apresentada na Universidade da Bahia, Salvador, 2021. (retornar ao texto)
(21) Leia uma entrevista muito interessante com a filha do revolucionário letão: Interview with Tatiana Smilga-Poluyan (Entrevista com Tatiana Smilga-Poluyan) da página de International Committee of the Fourth International (Comitê Internacional da Quarta Internacional - ICFI). Também de grande interesse é o artigo Дух оппозиции (O Espírito da Oposição) assinado por Maria Bakhareva em Русская жизнь (Vida Russa) em russo. (retornar ao texto)
(22) Pode ser que o revolucionário boliviano tenha se enganado. De facto, houve um personagem chamado Nikolai Valentinov, mas ele não era um dos proeminentes oposicionistas de esquerda da época. No entanto, devo salientar que outro importante oposicionista foi Aleksandr Konstantinovich Voronsky (em russo: Алекса́ндр Константи́нович Воро́нский; 8 de setembro de 1884 [antigo calendário 27 de agosto] ─ 13 de agosto de 1937), que julguei ser meu dever apontar nesta tradução. (retornar ao texto)
(23) Boris M. Eltsine (1875 ─ 1937), membro do partido em 1899, bolchevique em 1903, presidente do soviete de Ekaterinoslav em 1917 e membro do executivo dos sovietes de toda a Rússia. Foi desde 1923 um dos líderes da Oposição de Esquerda. Sobre o seu papel no "centro", cf. Victor Serge, "Memórias dum revolucionário" (Seuil, 1951), p. 265, 280, 334. (retornar ao texto)
(24) Leia a nota anterior sobre o assunto. (retornar ao texto)
(25) Leia a obra do historiador Pierre Broué no MIA em espanhol: Os trotskistas na URSS (1929-1938), principalmente os capítulos A oposição em 1928 e A crise da oposição em 1929. (retornar ao texto)
(26) Partidário de Ernest Mandel. (retornar ao texto)
(27) Ver A Revolução e a Guerra na Espanha - Pierre Broué em co-autoria com Émile Temine (em espanhol). (retornar ao texto)
(28) Nota do tradutor: o foquismo é uma teoria revolucionária proposta pola primeira vez por Amadeu Bordiga, mas desenvolvida por Régis Debray, e realizada pola primeira vez por Che Guevara. Para uma compreensão do pensamento guevarista sobre o valor do Foco Revolucionário ver: Партизанская война как метод (em russo) [Guerrilha como método] e DIARIO DEL CHE EN BOLIVIA (no MIA em espanhol). (retornar ao texto)
(29) Ernest Germain foi um dos pseudónimos usados por esse pensador ao longo da sua vida. (retornar ao texto)
(30) Na Bolívia, camarilha, grupo político ou social que trabalha em benefício próprio. (Existe uma magnífica página web boliviana sobre os grandes empresários mineiros (referidos em espanhol boliviano como La Rosca) que pode ser consultada para saber mais aqui. (retornar ao texto)
(31) Corporação Mineira da Bolívia, (COMIBOL) é uma empresa encarregada de administrar a cadeia produtiva da mineração estatal na Bolívia. (retornar ao texto)
(32) Leia o livreto de Trotski sobre este período stalinista: O “Terceiro Período” dos Erros da Internacional Comunista. (retornar ao texto)
(33) O panfleto pode ser acessado em espanhol através deste link: “La URSS en guerra”. (retornar ao texto)
(34) Corrente trotskista (a Quarta Internacional Posadista) liderada polo dirigente argentino Juan R. Posadas. A loucura posadista chega a teorizar um suposto socialismo intergaláctico (sic.!!!): o u t r a esquerda: A Internacional Posadista: Socialismo Intergaláctico. Do líder argentino pode ser interessante de ler para o curioso, A função histórica das Internacionais. (retornar ao texto)