Manifesto do Partido Comunista

Karl Marx e Friedrich Engels

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Prefácios


Prefácio à Edição Alemã de 1872(2)
capa

A Liga dos Comunistas(3), uma associação operária internacional que, nas condições de então, obviamente só podia ser uma [associação] secreta, encarregou os abaixo-assinados no congresso realizado em Londres, em Novembro de 1847, da redacção para publicação de um programa teórico e prático pormenorizado do Partido. Surgiu assim o Manifesto que se segue, cujo manuscrito seguiu para Londres, para impressão, poucas semanas antes da Revolução de Fevereiro(4). Publicado primeiro em alemão, teve já nesta língua pelo menos doze edições diferentes na Alemanha, na Inglaterra e na América. Em inglês apareceu primeiro em 1850 em Londres no Red Republican, traduzido por Miss Helen Macfarlane, e na América apareceu em 1871 em pelo menos três traduções diferentes(5). Em francês, primeiro em Paris, pouco antes da insurreição de Junho de 1848(6), e recentemente em Le Socialiste de Nova Iorque(7). Está em preparação uma nova tradução(8). Em polaco, em Londres, pouco depois da sua primeira edição alemã(9). Em russo, em Genebra, nos anos 60(10). Foi traduzido para dinamarquês igualmente logo a seguir ao seu aparecimento(11).

Embora as condições muito se tenham alterado nos últimos vinte e cinco anos, os princípios gerais desenvolvidos neste Manifesto conservam, grosso modo, ainda hoje a sua plena correcção. Aqui e além seria de melhorar um pormenor ou outro. A aplicação prática destes princípios — o próprio Manifesto o declara — dependerá sempre e em toda a parte das circunstâncias historicamente existentes, e por isso não se atribui de modo nenhum qualquer peso particular às medidas revolucionárias propostas no fim da secção II. Este passo teria sido hoje, em muitos aspectos, redigido de modo diferente. Face ao imenso desenvolvimento da grande indústria nos últimos vinte e cinco anos e, com ele, ao progresso da organização do partido da classe operária, face às experiências práticas, primeiro da revolução de Fevereiro, e muito mais ainda da Comuna de Paris(12) — na qual pela primeira vez o proletariado deteve o poder político durante dois meses —, este programa está hoje, num passo ou noutro, antiquado. A Comuna, nomeadamente, forneceu a prova de que "a classe operária não pode simplesmente tomar posse da máquina de Estado [que encontra] montada e pô-la em movimento para os seus objectivos próprios". (Ver A Guerra Civil em França. Mensagem do Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores, edição alemã, p. 19, onde isto é desenvolvido(1*). Além disso, é óbvio que a crítica da literatura socialista apresenta, para os nossos dias, algumas lacunas, uma vez que só chega a 1847; é igualmente [óbvio] que as observações sobre a posição dos Comunistas para com os diversos partidos da oposição (secção IV), se bem que ainda hoje correctas nos seus traços fundamentais, estão agora, porém, já antiquadas na sua apresentação, uma vez que a situação política se reconfigurou totalmente e o desenvolvimento histórico acabou com a maioria dos partidos ali enumerados.

Entretanto, o Manifesto é um documento histórico, que já não nos arrogamos o direito de alterar. Talvez venha a aparecer uma edição posterior acompanhada de uma introdução que percorra a distância entre 1847 e os nossos dias; a presente reimpressão surgiu-nos inesperadamente e não nos deu tempo para tal.

London, 24 de Junho de 1872.
Karl Marx, Friedrich Engels


Prefácio à (segunda) Edição Russa de 1882(13)

A primeira edição russa do Manifesto do Partido Comunista, traduzido por Bakúnine, apareceu no começo dos anos 60 na tipografia do Kolokol(14). Então, o Ocidente só podia ver nela (na edição russa do Manifesto) uma curiosidade literária. Tal concepção seria hoje impossível.

Quão limitado era ainda então (Dezembro de 1847) o terreno que o movimento proletário ocupava mostra-o, do modo mais claro, o capítulo final do Manifesto: Posição dos comunistas para com os diversos partidos da oposição nos vários países. Ora aí faltam precisamente a Rússia e os Estados Unidos. Era o tempo em que a Rússia formava a última grande reserva de toda a reacção europeia; em que os Estados Unidos absorviam pela imigração o excedente da força [Überkraft] proletária da Europa. Ambos os países abasteciam a Europa de matérias-primas [Rohprodukten] e eram simultaneamente mercados de escoamento dos produtos industriais desta. Ambos os países eram então, portanto, dum modo ou doutro, pilares da ordem europeia vigente.

Como tudo hoje é diferente! Precisamente a imigração europeia habilitou a América do Norte para uma produção agrícola gigantesca, cuja concorrência abala a propriedade fundiária europeia — a grande como a pequena — nos seus alicerces. Além disso, permitiu aos Estados Unidos explorar os seus imensos recursos industriais com uma energia e numa escala que dentro em breve terão de quebrar o monopólio industrial da Europa Ocidental até aqui, nomeadamente o da Inglaterra. Ambas as circunstâncias reagem revolucionariamente sobre a própria América. A pouco e pouco a propriedade fundiária mais pequena e média dos lavradores [Farmers](2*), a base de toda a constituição política, vai sucumbindo à concorrência das quintas gigantescas [Riesenfarms]; simultaneamente, desenvolvem-se pela primeira vez nos distritos industriais um proletariado maciço e uma concentração fabulosa dos capitais.

E agora a Rússia! Durante a revolução de 1848-49, não só os príncipes europeus como também os burgueses europeus viram na intervenção da Rússia a única salvação perante o proletariado que precisamente só então começava a despertar. O tsar(3*) foi proclamado chefe da reacção europeia. Hoje é prisioneiro de guerra da revolução, em Gátchina(15), e a Rússia forma a vanguarda da acção revolucionária na Europa.

O Manifesto Comunista tinha por tarefa proclamar a inevitavelmente iminente dissolução da propriedade burguesa moderna. Mas na Rússia encontramos, face à trapaça capitalista em rápido florescimento e à propriedade fundiária burguesa que precisamente só agora se começa a desenvolver, mais de metade do solo na posse comum dos camponeses. Pergunta-se agora: poderá a Obchtchina russa(4*) — uma forma, ainda que fortemente minada, da antiquíssima posse comum do solo — transitar imediatamente para a [forma] superior da posse comum comunista? Ou, inversamente, terá de passar primeiro pelo mesmo processo de dissolução que constitui o desenvolvimento histórico do Ocidente?

A única resposta a isto que hoje em dia é possível é esta: se a revolução russa se tornar o sinal de uma revolução proletária no Ocidente, de tal modo que ambas se completem, a actual propriedade comum russa do solo pode servir de ponto de partida de um desenvolvimento comunista.

London, 21 de Janeiro de 1882.
Karl Marx, F. Engels


Prefácio à Edição Alemã de 1883(16)

Tenho, infelizmente, de assinar sozinho o prefácio à presente edição. Marx, o homem a quem toda a classe operária da Europa e da América deve mais do que a qualquer outro —, Marx repousa no cemitério de Highgate, e sobre o seu túmulo cresce já a primeira erva(17). Depois da sua morte já não se pode mais falar de uma refundição ou complemento do Manifesto. Pelo que considero tanto mais preciso afirmar aqui de novo, expressamente, o seguinte:

O pensamento fundamental que percorre o Manifesto: que a produção económica, e a articulação social que dela com necessidade decorre, de qualquer época histórica forma a base da história política e intelectual dessa época; que, consequentemente, toda a história (desde a dissolução da antiquíssima posse comum do solo) tem sido uma história de lutas de classes, lutas entre classes exploradas e exploradoras, dominadas e dominantes, em diversos estádios do desenvolvimento social; que esta luta, porém, atingiu agora um estádio em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) já não se pode libertar da classe exploradora e opressora (a burguesia) sem simultaneamente libertar para sempre a sociedade toda da exploração, da opressão e das lutas de classes — este pensamento fundamental pertence única e exclusivamente a Marx(5*).

Já afirmei isto muitas vezes; mas é necessário, precisamente agora, que esta afirmação preceda o próprio Manifesto.

London, 28 de Junho de 1883.
F. Engels


Prefácio à Edição Inglesa de 1888(18)

O Manifesto foi publicado como plataforma da Liga dos Comunistas, uma associação de operários primeiro exclusivamente alemã e mais tarde internacional, e nas condições políticas do Continente anteriores a 1848 inevitavelmente uma sociedade secreta. Num Congresso da Liga, realizado em Londres em Novembro de 1847, Marx e Engels foram encarregados de preparar para publicação um programa prático e teórico completo do partido. Redigido em Alemão, em Janeiro de 1848, o manuscrito foi enviado para o impressor em Londres umas semanas antes da revolução francesa de 24 de Fevereiro. Uma tradução francesa saiu em Paris pouco antes da insurreição de Junho de 1848. A primeira tradução inglesa, de Miss Helen Macfarlane, apareceu no Red Republican, de George Julian Harney, Londres, 1850. Tinham também sido publicadas uma edição dinamarquesa e uma polaca.

A derrota da insurreição parisiense de Junho de 1848 — a primeira grande batalha entre Proletariado e Burguesia — empurrou de novo para plano recuado, durante algum tempo, as aspirações políticas e sociais da classe operária europeia. A partir daí a luta pela supremacia voltou a travar-se, como antes da revolução de Fevereiro, apenas entre sectores diferentes da classe possidente; a classe operária ficou reduzida a um combate pelo espaço de manobra político, e à posição de ala extrema dos Radicais da classe média. Onde quer que continuassem a dar sinais de vida, os movimentos proletários independentes eram implacavelmente perseguidos e esmagados. Foi assim que a polícia prussiana conseguiu descobrir o Comité Central da Liga dos Comunistas, então sedeado em Colónia. Os seus membros foram detidos e, depois de dezoito meses de prisão, foram a tribunal em Outubro de 1852. Este celebrado "julgamento dos Comunistas de Colónia" durou de 4 de Outubro até 12 de Novembro; sete dos prisioneiros foram condenados a penas de cadeia numa fortaleza que variaram entre os três e os seis anos(19). Imediatamente após a condenação a Liga foi formalmente dissolvida pelos membros restantes. Quanto ao Manifesto, parecia desde então condenado ao esquecimento.

Quando a classe operária europeia recuperou a força suficiente para um novo ataque às classes dominantes surgiu a Associação Internacional dos Trabalhadores(20). Mas esta associação, formada com o objectivo expresso de fundir num só corpo todo o proletariado militante da Europa e da América, não pôde proclamar logo os princípios formulados no Manifesto. A Internacional foi obrigada a ter um programa suficientemente amplo para ser aceitável pelas Trades'Unions inglesas, pelos seguidores de Proudhon na França, na Bélgica, na Itália e na Espanha, e pelos lassalleanos(6*) na Alemanha. Marx, que redigiu este programa a contento de todos, confiava inteiramente no desenvolvimento intelectual da classe operária que seguramente resultaria da acção combinada e da discussão mútua. Os próprios acontecimentos e vicissitudes da luta contra o capital, e as derrotas ainda mais do que as vitórias, não podiam deixar de convencer os homens da insuficiência das suas várias panaceias favoritas e de preparar o caminho para uma inteligência mais completa das verdadeiras condições de emancipação da classe operária. E Marx tinha razão. A Internacional deixou os operários, ao dissolver-se em 1874(21), homens muito diferentes do que os tinha encontrado em 1864. O proudhonismo na França e o lassalleanismo na Alemanha estavam a morrer, e mesmo as Trades'Unions inglesas, conservadoras, embora a maior parte delas tivesse desde há vez muito cortado a sua ligação com a Internacional, iam avançando gradualmente para o ponto em que foi possível o seu Presidente(7*) dizer o ano passado, em Swansea, em nome deles, que "o Socialismo continental deixou de nos meter medo". De facto, os princípios do Manifesto tinham operado um progresso considerável entre os operários de todos os países.

E deste modo o próprio Manifesto voltou à frente de batalha. O texto alemão tinha sido reimpresso várias vezes na Suíça, na Inglaterra e na América, desde 1850. Em 1872 foi traduzido para inglês em Nova Iorque, onde foi publicado no Woodhull and Claflin's Weekly. Desta versão inglesa foi feita uma francesa em Le Socialiste de Nova Iorque. De então para cá saíram na América pelo menos mais duas traduções inglesas, mais ou menos mutiladas, e uma delas foi reimpressa em Inglaterra. A primeira tradução russa, feita por Bakúnine, foi publicada em Genebra, por volta de 1863, na tipografia do Kolokol de Hertzen; uma segunda tradução, da heróica Vera Zassúlitch, [saiu] também em Genebra, em 1882(22). Há uma nova edição dinamarquesa na Social-demokratisk Bibliotek, Copenhaga, 1885(23); uma nova tradução francesa em Le Socialiste, Paris, 1885(24). Desta última foi preparada e publicada uma versão espanhola em Madrid, 1886(25). Não contando com as reimpressões alemãs, houve pelo menos doze edições. Uma tradução arménia que estava para ser publicada em Constantinopla há alguns meses não viu a luz do dia, segundo me dizem, porque o editor teve medo de fazer sair um livro com o nome de Marx e o tradutor declinou chamar-lhe uma produção sua. Tenho ouvido falar de outras traduções em outras línguas, mas não as vi. Assim, a história do Manifesto reflecte em grande medida a história do movimento operário moderno: presentemente é sem dúvida a produção mais internacional e mais divulgada de toda a literatura socialista, plataforma comum reconhecida por milhões de operários desde a Sibéria à Califórnia.

Contudo, quando foi escrito não lhe odiamos ter chamado um Manifesto Socialista. Em 1847 entendia-se por socialistas, de um lado, os aderentes aos vários sistemas utópicos — owenistas em Inglaterra, fourieristas em França, já reduzidos ambos à condição de meras seitas, e que estavam a morrer gradualmente; do outro lado, os mais variados charlatães sociais, que por toda a espécie de remendos pretendiam remediar, sem qualquer perigo para o capital e o lucro, todas as espécies de gravames sociais; [eram,] em ambos os casos, homens que estavam fora do movimento da classe operária e que procuravam apoio de preferência junto das classes "educadas". Todo e qualquer sector da classe operária que se tivesse convencido da insuficiência de meras revoluções políticas e tivesse proclamado a necessidade de uma mudança social total, esse sector chamava-se a si próprio comunista. Era um tipo de comunismo puramente instintivo, tosco, cru; mas já punha o dedo na chaga e teve a força bastante entre a classe operária para produzir em França o comunismo utópico de Cabet, e na Alemanha o de Weitling. Assim, em 1847, o socialismo era um movimento da classe média, e o comunismo um movimento da classe operária. O socialismo era, pelo menos no Continente, "respeitável"; o comunismo era precisamente o oposto. E como a ideia que tínhamos desde o princípio era de que "a emancipação da classe operária tem de ser obra da própria classe operária"(26), não podia haver dúvidas sobre qual dos dois nomes tínhamos de adoptar. E o que é mais: estamos, e sempre estivemos, longe de o repudiar.

Embora o Manifesto seja nossa produção conjunta, considero-me obrigado a declarar que a proposição fundamental que forma o seu núcleo pertence a Marx. Essa proposição é: que, em qualquer época histórica, o modo predominante da produção económica e da troca, e a organização social que dele necessariamente decorre, formam a base sobre a qual se constrói, e só a partir da qual pode ser explicada, a história intelectual e política dessa época; que, consequentemente, toda a história da humanidade (desde a dissolução da sociedade tribal primitiva, detendo a terra em posse comum) tem sido uma história de lutas de classes, de conflitos entre classes exploradoras e exploradas, entre classes dominantes e oprimidas; que a história destas lutas de classes forma uma série de evoluções na qual se alcançou hoje um estádio em que a classe oprimida e explorada — o proletariado — não pode atingir a sua emancipação do jugo da classe dominante e exploradora — a burguesia — sem emancipar, ao mesmo tempo e de uma vez por todas, toda a sociedade de qualquer exploração e opressão, de quaisquer distinções de classes e lutas de classes.

Já alguns anos antes de 1845 estávamos ambos a aproximar-nos gradualmente desta proposição que, na minha opinião, está destinada a fazer pela história o que a teoria de Darwin fez pela biologia. Até que ponto eu tinha progredido independentemente em direcção a ela é a minha Situação da Classe Operária em Inglaterra(8*) que melhor o mostra. Mas quando voltei a encontrar Marx, em Bruxelas, na primavera de 1845, já ele a tinha formulada e apresentou-ma em termos quase tão claros como aqueles em que aqui a expus.

Do nosso prefácio comum à edição alemã de 1872 cito o seguinte:

[Engels transcreve aqui o segundo parágrafo e a primeira frase do terceiro do referido prefácio. Depois conclui:]

A presente tradução é do Sr. Samuel Moore, o tradutor da maior parte do Capital, de Marx. Revimo-la em comum, e eu acrescentei algumas notas explicativas de alusões históricas.

London, 30 de Janeiro de 1888.
Frederick Engels


Prefácio à Edição Alemã de 1890(27)

Desde que o acabado de mencionar(28) foi escrito, voltou a ser precisa uma nova edição alemã do Manifesto, e passaram-se também muitas coisas com o Manifesto que há que referir aqui.

Uma segunda tradução russa — de Vera Zassúlitch — apareceu em 1882, em Genebra; o prefácio para ela foi redigido por Marx e por mim. Infelizmente, perdi o manuscrito original alemão; tenho, portanto, que retraduzir do russo, com o que o trabalho não ganha nada(29).

Diz assim:

A primeira edição russa do Manifesto do Partido Comunista, em tradução de Bakúnine, apareceu no começo dos anos 60 na tipografia do Kolokol. Naquela altura, uma edição russa deste escrito tinha, para o Ocidente, quando muito, o significado de uma curiosidade literária. Hoje, uma semelhante concepção não é mais possível. Como era limitado o âmbito que o habitat [Verbreitungsgebiet] do movimento proletário tinha ao tempo da primeira publicação do Manifesto (Janeiro de 1848)(1) — mostra-o da melhor maneira o [seu] último capítulo: "Posição dos comunistas para com os diversos partidos oposicionistas". Faltam aí, antes de tudo, a Rússia e os Estados Unidos. Era o tempo em que a Rússia formava a última grande reserva da reacção europeia e em que a emigração para os Estados Unidos absorvia as forças excedentárias do proletariado europeu. Ambos os países abasteciam a Europa de matérias-primas e serviam, simultaneamente, de mercados de escoamento para os seus produtos industriais. Ambos apareciam, portanto, desta ou daquela maneira, como suportes da ordem social europeia.

Hoje, como tudo isso mudou! Precisamente a emigração europeia possibilitou o desenvolvimento colossal da agricultura norte-americana, o qual, pela concorrência, abalou nos seus alicerces tanto a grande como a pequena propriedade fundiária na Europa. Deu simultaneamente aos Estados Unidos a possibilidade de encetar a exploração dos seus abundantes recursos industriais, e, decerto, com tanta energia, e em tal escala, que, num curto [espaço de] tempo, isso teve que pôr fim ao monopólio industrial do Ocidente europeu. E estas duas circunstâncias reagiram também sobre a América numa direcção revolucionária. A propriedade fundiária pequena e média do lavrador [Farmer] que trabalha para si — a base de toda a ordem política da América — sofreu cada vez mais a concorrência dos lavradores-gigantes, enquanto, simultaneamente, se formava pela primeira vez, nos distritos industriais, um proletariado numeroso, a par de uma fabulosa concentração dos capitais.

Passemos à Rússia. Ao tempo da revolução de 1848-49, não só os monarcas europeus mas também os burgueses europeus viam na intervenção russa a única salvação perante o proletariado que só então se começava a aperceber das suas forças. Proclamaram o tsar chefe da reacção europeia. Hoje, ele fica sentado em Gátchina como prisioneiro de guerra da revolução, e a Rússia forma a vanguarda do movimento revolucionário da Europa.

A tarefa do Manifesto Comunista era a proclamação do declínio inevitavelmente iminente da propriedade burguesa hodierna. Na Rússia, porém, nós encontramos — a par da ordem capitalista que se desenvolve com [uma] pressa febril e da propriedade fundiária burguesa que só agora se começa a formar — mais de metade do solo na propriedade comum dos camponeses.

Pergunta-se, então: pode a comuna de camponeses russa — essa forma, sem dúvida, já muito desagregada da originária propriedade comum do solo — transitar imediatamente para uma forma comunista superior da propriedade fundiária, ou tem ela, antes, que passar pelo mesmo processo de dissolução que no desenvolvimento histórico do Ocidente se exibe?

A única resposta hoje possível para esta pergunta é a seguinte. Se a revolução russa se tornar o sinal para uma revolução operária no Ocidente, de tal modo que ambas se completem, então, a propriedade comum russa hodierna pode servir de ponto de partida para um desenvolvimento comunista.

Londres, 21 de Janeiro de 1882.

Uma nova tradução polaca apareceu, por esse tempo, em Genebra: Manifest Komunistyczny(30).

Mais tarde, apareceu uma nova tradução dinamarquesa na Socialdemokratisk Bibliotek, København, 1885. Infelizmente, ela não é inteiramente completa; algumas passagens essenciais que parecem ter levantado dificuldades ao tradutor foram omitidas e, de resto, observam-se também, aqui e ali, vestígios de falta de cuidado que sobressaem tanto mais desagradavelmente quando se examina o trabalho quanto [é certo que] o tradutor, com um pouco mais de esmero, poderia ter realizado algo de excelente.

Em 1886, apareceu uma nova tradução francesa em Le Socialiste, de Paris; é a melhor aparecida até aqui.

A partir dela, foi, no mesmo ano, publicada uma versão espanhola, primeiro, em El Socialista de Madrid e, depois, como brochura: Manifiesto del Partido Comunista por Carlos Marx y F. Engels, Madrid, Administración de El Socialista, Hernán Cortés 8.

Como curiosidade, refiro ainda que, em 1887, foi oferecido a um editor de Constantinopla o manuscrito de uma tradução arménia; o bom do homem não teve contudo a coragem de publicar qualquer coisa que tinha à frente o nome de Marx e achou que seria melhor que o tradutor se declarasse ele próprio como autor, o que ele no entanto recusou.

Depois de ora uma ora outra das traduções americanas, mais ou menos incorrectas, terem sido várias vezes reimpressas em Inglaterra, apareceu finalmente uma tradução autêntica no ano de 1888. É do meu amigo Samuel Moore, e foi mais uma vez revista por nós os dois em conjunto, antes da impressão. O título é: Manifesto of the Communist Party, by Karl Marx and Frederick Engels. Authorized English Translation, edited and annotated by Frederick Engels, 1888, London, William Reeves, 185 Fleet St. E. C. Retomei algumas das notas desta edição na presente [edição].

O Manifesto tem tido uma carreira própria. Saudado entusiasticamente no momento do seu aparecimento pela vanguarda, então ainda pouco numerosa, do socialismo científico (como provam as traduções referidas no primeiro prefácio), foi em breve empurrado para segundo plano pela reacção iniciada com a derrota dos operários de Paris em Junho de 1848 e, por fim, declarado proscrito e banido "segundo a lei" pela condenação dos Comunistas de Colónia, em Novembro de 1852. Com o desaparecimento da cena pública do movimento operário que datava da revolução de Fevereiro passou também o Manifesto para segundo plano.

Quando a classe operária europeia se fortaleceu de novo suficientemente para uma nova arremetida contra o poder das classes dominantes surgiu a Associação Internacional dos Trabalhadores. Tinha por finalidade fundir todo o operariado militante da Europa e da América num único grande corpo de exército. Não podia, por isso, partir dos princípios consignados no Manifesto. Tinha de ter um programa que não fechasse a porta às Trades Unions inglesas, nem aos proudhonianos franceses, belgas, italianos e espanhóis, nem aos lassalleanos(9*) alemães. Este programa — os considerandos para os Estatutos da Internacional — foi traçado por Marx com uma mestria que até Bakúnine e os anarquistas reconheceram. Para a vitória final dos princípios apresentados no Manifesto Marx confiava única e exclusivamente no desenvolvimento intelectual da classe operária, tal como este tinha necessariamente de resultar da unidade de acção e da discussão. Os acontecimentos e as vicissitudes da luta contra o capital, e ainda mais as derrotas do que os êxitos, não podiam deixar de mostrar claramente aos combatentes a insuficiência das panaceias em que até aí criam e de lhes tornar as cabeças mais receptivas a uma profunda inteligência das verdadeiras condições da emancipação dos operários. E Marx tinha razão. A classe operária de 1874, quando da dissolução da Internacional, era completamente diferente da de 1864, quando da sua fundação. O proudhonismo, nos países românicos, o lassalleanismo específico na Alemanha, estavam moribundos, e mesmo as Trades Unions inglesas, então profundamente conservadoras, caminhavam gradualmente para o ponto em que foi possível o presidente(10*) do seu congresso de Swansea, em 1887, afirmar em nome deles: "O socialismo continental deixou de nos meter medo." O socialismo continental que, porém, já em 1887 era quase só a teoria proclamada no Manifesto. E assim a história do Manifesto reflecte até um certo grau a história do movimento operário moderno desde 1848. Presentemente ele é sem dúvida o produto mais amplamente divulgado, mais internacional, de toda a literatura socialista, o programa comum de muitos milhões de operários de todos os países desde a Sibéria à Califórnia.

E, contudo, quando ele apareceu, não lhe poderíamos ter chamado um manifesto socialista. Em 1847 entendia-se por socialistas duas espécies de pessoas. De um lado, os seguidores dos diversos sistemas utopistas, em especial os owenistas em Inglaterra e os fourieristas em França, ambos os quais já então estavam reduzidos a meras seitas moribundas. De outro lado, os mais variados charlatães sociais, que com as suas diversas panaceias e com toda a espécie de remendos queriam eliminar os males sociais sem magoar minimamente o capital e o lucro. Em ambos os casos: pessoas que estavam fora do movimento operário e que, ao invés, procuravam apoio junto das classes "cultas". Em contrapartida, aquela parte dos operários que estava convencida da insuficiência de meros revolucionamentos políticos, [e] exigia uma reconfiguração profunda da sociedade, essa parte chamava-se então comunista. Era apenas um comunismo apenas mal desbastado, apenas instintivo, por vezes algo grosseiro; mas era suficientemente poderoso para engendrar dois sistemas do comunismo utópico, em França o "icário" de Cabet, na Alemanha o de Weitling. Em 1847, socialismo significava um movimento burguês, comunismo um movimento operário. O socialismo, pelo menos no Continente, era apresentável [salon-fähig], o comunismo era precisamente o contrário. E como já nessa altura éramos muito decididamente da opinião de que "a emancipação dos operários tem de ser obra da própria classe operária", nem por um instante podíamos estar na dúvida sobre qual dos dois nomes escolher. E desde então nunca nos passou pela cabeça rejeitá-lo.

"Proletários de todos os países, uni-vos!". Só poucas vozes responderam quando gritámos ao mundo estas palavras, faz agora 42 anos, nas vésperas da primeira revolução de Paris na qual o proletariado avançou com reivindicações próprias. Mas a 28 de Setembro de 1864 uniam-se proletários da maioria dos países da Europa ocidental na Associação Internacional dos Trabalhadores, de gloriosa memória. É certo que a própria Internacional só viveu nove anos. Mas que está ainda viva a eterna união [Bund] dos proletários de todos os países por ela fundada, e mais pujante do que nunca, disso não há melhor testemunho do que precisamente o dia de hoje. Porque hoje(31), dia em que escrevo estas linhas, o proletariado europeu e americano passa revista às suas forças de combate mobilizadas pela primeira vez, mobilizadas num único exército, sob uma única bandeira e para um objectivo próximo: o dia normal de oito horas de trabalho, a estabelecer por lei, que já o Congresso de Genebra da Internacional em 1866(32) e de novo o Congresso Operário de Paris de 1899(33) haviam proclamado. E o espectáculo do dia de hoje abrirá os olhos aos capitalistas e aos senhores fundiários de todos os países para que hoje os proletários de todos os países estão de facto unidos.

Pudesse Marx estar ainda ao meu lado, para ver isto com os próprios olhos!

London, 1 de Maio de 1890.
F. Engels


Prefácio à (terceira) Edição Polaca de 1892(34)

O facto de se ter tornado necessária uma nova edição polaca do Manifesto Comunista dá ensejo a várias considerações.

Primeiro, é digno de nota que o Manifesto, recentemente, se tenha, em certa medida, tornado um barómetro do desenvolvimento da grande indústria no continente europeu. Na medida em que se expande num país a grande indústria, cresce também na mesma medida entre os operários desse país a ânsia de esclarecimento sobre a sua posição como classe operária face às classes possidentes, alarga-se entre eles o movimento socialista e aumenta a procura do Manifesto. De modo que não só o estado do movimento operário, mas também o grau de desenvolvimento da grande indústria, se podem medir com bastante exactidão em todos os países pelo número de exemplares do Manifesto que circulam na língua de cada país.

Assim, a nova edição polaca indica um progresso decidido da indústria polaca. E que este progresso teve lugar na realidade, desde a última edição publicada há dez anos, disso não pode haver dúvidas. A Polónia russa, a Polónia do Congresso [de Viena](35), tornou-se o grande distrito industrial do Império Russo. Ao passo que a grande indústria russa está esporadicamente dispersa — uma parte junto do golfo da Finlândia, outra parte no centro (Moscovo e Vladímir), uma terceira nas costas do mar Negro e do mar de Azov, e outras ainda repartidas por outras zonas —, a polaca está concentrada num espaço relativamente pequeno e desfruta das vantagens e das desvantagens resultantes desta concentração. As vantagens reconheceram-nas os fabricantes russos seus concorrentes, quando reclamaram protecção alfandegária contra a Polónia, apesar do seu ardente desejo de transformar os Polacos em Russos. As desvantagens — para os fabricantes polacos e para o governo russo — revelam-se na rápida difusão de ideias socialistas entre os operários polacos e na crescente procura do Manifesto.

Mas o rápido desenvolvimento da indústria polaca, que deixa para trás a russa, é pelo seu lado uma nova prova de vitalidade inesgotável do povo polaco e uma nova garantia da sua iminente restauração nacional. A restauração de uma Polónia forte e independente, porém, é uma causa que não diz respeito só aos Polacos — diz-nos respeito a todos. Uma colaboração internacional sincera das nações europeias só é possível se cada uma destas nações for, em sua casa, perfeitamente autónoma. A revolução de 1848, que, sob a bandeira proletária, acabou por apenas deixar que os combatentes proletários fizessem o trabalho da burguesia, também impôs a independência da Itália, da Alemanha e da Hungria, por meio dos seus executores testamentários, Louis Bonaparte e Bismarck; mas a Polónia, que desde 1792 fez mais pela revolução do que estas três juntas, a Polónia deixaram-na entregue a si própria quando em 1863(36) sucumbiu ao poderio russo, que lhe era dez vezes superior. A nobreza não pôde manter nem reconquistar a independência da Polónia; para a burguesia esta é, hoje, pelo menos indiferente. E, contudo, é uma necessidade para a cooperação harmoniosa das nações europeias(11*).

Só o jovem proletariado polaco a pode conquistar, e nas suas mãos ela está bem preservada [aufgehoben]. Pois os operários de todo o resto da Europa precisam tanto da independência da Polónia como os próprios operários polacos.

London, 10 de Fevereiro de 1892.
F. Engels


Prefácio à Edição Italiana de 1893

Ao leitor italiano(12*)

A publicação do Manifesto do Partido Comunista coincidiu quase com o 18 de Março de 1848, o dia das revoluções de Milão e Berlim, as quais foram levantamentos armados das duas nações ocupando o centro — uma do continente, a outra do Mediterrâneo; duas nações até então enfraquecidas pela divisão e pela discórdia no interior, e que por conseguinte passaram à dominação estrangeira. Se a Itália estava submetida ao imperador da Áustria, a Alemanha sofria o jugo, indirecto mas não menos efectivo, do tsar de todas as Rússias. As consequências de 18 de Março de 1848 livraram tanto a Itália como a Alemanha desta vergonha; se, de 1848 a 1871, estas duas grandes nações foram reconstituídas e de certo modo devolvidas a si próprias, foi, como Karl Marx dizia, porque os homens que abateram a revolução de 1848 foram, mal-grado seu, os seus executores testamentários.

Por toda a parte a revolução de então foi obra da classe operária; foi esta que levantou as barricadas e que pagou com a vida. Mas só os operários de Paris tinham a intenção bem determinada de, derrubando o governo, derrubarem o regime da burguesia(13*).

Mas, por profundamente conscientes que estivessem do antagonismo fatal que existia entre a classe deles e a burguesia, nem o progresso económico do país nem o desenvolvimento intelectual das massas operárias francesas tinham atingido o grau que teria tornado possível uma reconstrução social. Em última análise, portanto, os frutos da revolução foram colhidos pela classe capitalista. Nos outros países — na Itália, na Alemanha, na Áustria, na Hungria —, os operários, de começo, mais não fizeram do que levar ao poder a burguesia. Mas num(14*) país o reino da burguesia é impossível sem(15*) a independência nacional. Por isso, a revolução de 1848 tinha de arrastar consigo a unidade e a autonomia das nações que até então lhes faltara — da Itália, da Hungria, da Alemanha. A da Polónia seguir-se-á por sua vez.

Portanto, se a revolução de 1848 não foi uma revolução socialista, aplanou o caminho, preparou o solo para esta última. Com o impulso dado em todos os países à grande indústria, o regime burguês tem criado por toda a parte, nos últimos quarenta e cinco anos, um proletariado numeroso, concentrado e forte. Criou [élevé] assim, segundo a expressão do Manifesto, os seus próprios coveiros. Sem a sua autonomia e unidade restituídas a cada nação europeia, nem a união internacional do proletariado nem a cooperação pacífica e inteligente destas nações para fins comuns poderiam consumar-se. Imaginem uma acção internacional e comum dos operários italianos, húngaros, alemães, polacos, russos nas condições políticas de antes de 1848!

Assim, as batalhas de 1848 não foram travadas em vão; os quarenta e cinco anos que nos separam dessa etapa revolucionária também não foram para nada. Os frutos amadurecem, e tudo o que eu desejo é que a publicação desta tradução italiana do M[ani]f[esto] seja de tão bom augúrio para a vitória do proletariado italiano como a publicação do original o foi para a revolução internacional.

O Manifesto Comunista presta plena justiça à acção revolucionária do capitalismo no passado. A primeira nação capitalista foi a Itália. O termo da Idade Média feudal, o limiar da era capitalista moderna, está assinalado por uma figura colossal(16*). É um italiano — Dante, ao mesmo tempo o último poeta da Idade Média e o primeiro poeta moderno. Hoje, como em 1300, uma nova era histórica se destaca. Produzir-nos-á a Itália o novo Dante que assinalará a hora do nascimento desta era proletária?

London, 1 de Fevereiro de 1893.
Friedrich Engels