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O materialismo dialético como filosofia do proletariado formou-se em meados do século XIX, ao aparecer o proletariado na cena histórica como força política independente. As revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII destruíram o feudalismo nos países mais adiantados da Europa, Inglaterra e França, e aplainaram o caminho para o desenvolvimento do capitalismo. Os ideólogos da burguesia revolucionária descreviam a sociedade do futuro, ou seja a sociedade burguesa, como regime social ideal, como reino da razão. Entretanto, na realidade, este reino da razão outra coisa não era senão o reino idealizado pela burguesia. O triunfo do capitalismo significava o nascimento de novas formas de exploração e luta de classes. Stalin assinala que a revolução dos camponeses-servos liquidou a servidão e aboliu a forma feudal de exploração. Estabeleceu em seu lugar os capitalistas e latifundiários, a forma capitalista e latifundiária de exploração.
Já na primeira metade do século XIX apareceram os primeiros germes do movimento revolucionário independente do proletariado moderno. Assim, em 1831 e 1833 estalaram dois levantes de tecelões em Lyon, dirigidos diretamente contra a burguesia. Durante o período de 1830-1840, o movimento cartista, primeiro movimento político independente das massas proletárias, abarcava a maior parte dos operários ingleses.
Em meados do século XIX, o centro do movimento revolucionário transferiu-se para a Alemanha. Naquele período a Alemanha era o nó das contradições europeias. O povo alemão gemia sob um duplo jugo: de um lado, o jugo do feudalismo ainda em vigor na Alemanha, de outro, o jugo do capitalismo nascente que oprimia o proletariado e levava à ruína as massas do artesanato. Esta opressão aumentou ainda mais devido ao desmembramento político da Alemanha, dividida em várias dezenas de Estados. Esses pequenos Estados germânicos eram monarquias semifeudais, submetidos à completa arbitrariedade de grandes e pequenos déspotas. A Alemanha era um dos países mais atrasados da Europa, particularmente em comparação com a Inglaterra e a França, nos quais o capitalismo já havia triunfado. Apenas começara na Alemanha o desenvolvimento da grande indústria; o regime político da Alemanha constituía o maior freio ao desenvolvimento econômico do país.
Durante a década de 40 a Alemanha começa a aproximasse rapidamente da revolução burguesa. Nas fileiras do proletariado da Alemanha, oprimido não só pela burguesia como também pelos restos do feudalismo, desenvolvia-se o movimento de massas e as ideias comunistas receberam ampla divulgação. Em 1844 dá-se um levante de tecelões na Silésia; no ano da fome, 1847, desencadearam-se em todos os cantos do país sublevações por pão. Em vésperas da revolução de 1848 contavam-se há Alemanha 30 sociedades que compartilhavam dos pontos de vista da União dos Comunistas dirigida por Marx e Engels. Também crescia o movimento dos camponeses esmagados pelos impostos feudais e pela exploração dos usurários.
Meses antes da revolução de 1848, escrevia Marx no "Manifesto Comunista":
"Os olhares dos comunistas convergem com especial interesse para a Alemanha, pois não ignoram que este país se encontra nas vésperas de uma revolução burguesa e que esta convulsão revolucionária vai se desenvolver sob condições propícias à civilização europeia e com um proletariado muito mais poderoso do que o da Inglaterra no século XVII e o da França no século XVIII, razões que pesarão para que a revolução burguesa alemã que se aproxima não seja senão o prelúdio duma revolução proletária"(108).
Stalin assinala que graças a essas condições e a essa situação, a Alemanha foi a pátria do socialismo científico, e os chefes do proletariado alemão, Marx e Engels, seus fundadores.
O marxismo, como teoria do proletariado revolucionário, foi criado por Marx e Engels sobre a base de um profundo estudo da luta de classes do proletariado em todos os países adiantados da Europa; sobre a base da sua participação prática no movimento operário da década de 40. O marxismo aceitou, reelaborou e desenvolveu ainda mais o conteúdo precioso e progressista de todo o desenvolvimento científico e filosófico da humanidade até então. Lenin faz notar, especialmente, a importância das três fontes teóricas principais do marxismo: a filosofia alemã, particularmente a dialética de Hegel; o socialismo utópico francês (Saint Simon, Fourier) e a economia política clássica inglesa (A. Smith, Ricardo).
O desenvolvimento filosófico de Marx e Engels está indissoluvelmente ligado à formação de suas concepções políticas. Eram, no começo, jovens hegelianos em filosofia e democratas revolucionários e política. No processo, porém, de sua atividade político-prática, superaram o idealismo de Hegel, criaram o materialismo dialético e o comunismo científico.
Sigamos as etapas do desenvolvimento político e filosófico de Marx e Engels.
Carlos Marx nasceu a 5 de maio de 1818 em Treves, sobre o Reno. O distrito do Reno era a região mais desenvolvida sob o aspecto econômico da Alemanha daquela época. O feudalismo, no fundamento tinha sido destruído ali, durante as guerras napoleônicas.
Em 1837, Marx ingressou na Universidade de Bonn, passando e seguida para a faculdade de direito da Universidade de Berlim, terminando seus estudos em 1841. A filosofia de Hegel tinha grande popularidade entre os estudantes; existiam círculos hegelianos que eram o centro principal da luta política e filosófica na Universidade. Já em 1837, Marx entrou para um desses círculos de jovens hegelianos (Bruno Bauer e outros), que procuravam tirar da filosofia hegeliana conclusões revolucionárias e ateias. Desde o primeiro momento Marx ocupou nesse círculo a posição revolucionária e ateia mais consequente. Pertencendo aos jovens hegelianos, Marx criticava-os duramente por sua inconsequência, por seu afastamento da prática e da luta política, por sua posição arrogante ante a massa. Já no primeiro trabalho de Marx, sua tese de doutoramento: "Sobre a diferença entre a filosofia naturalista de Demócrito e a filosofia de Epicuro" revelou claramente sua superioridade sobre os demais hegelianos de esquerda.
Como ressalta Lenin, Marx mantém em sua dissertação um ponto de vista idealista, hegeliano. Contudo vê a essência da história mundial no progresso da "autoconsciência" humana, que se revela na história da filosofia e se personifica nos diversos filósofos.
Se os outros jovens hegelianos, porém, não conseguiram de forma alguma sair do círculo dos problemas religiosos, Marx dirige sua atenção para a história da filosofia naturalista e da ciência materialista. Na sua tese, Marx concede o lugar central à dialética revolucionária de Hegel e procura descer a filosofia de suas alturas nebulosas para relacioná-la com a vida social e a luta política. A filosofia, afirma, deve reformar a realidade alemã, que já não corresponde às exigências da razão.
Desejando unir sua atividade teórica com a prática política, Marx aceita em 1841 a proposta de encarregar-se da direção da "Gazeta Renana", o órgão burguês mais radical da Alemanha, então publicado e Colônia. O trabalho de Marx nesse periódico colocou-o em contato com a luta política, com os interesses políticos e materiais das diversas classes. Marx convenceu-se praticamente da completa insolvência dos julgamentos kantianos e hegelianos referentes à justiça e ao bem abstratos, ao caráter do Estado como entidade situada acima das classes, etc. Por isto, Marx começou a estudar atentamente economia política e os modernas teorias socialistas. Dotou a "Gazeta Renana" de um caráter democrático-revolucionário, motivo pelo qual ela foi fechada em 1843 pelo governo prussiano. Publicou na "Gazeta" uma série de artigos combativos sobre problemas de atualidade política (sobre a liberdade de imprensa, sobre a lei contra o roubo de lenha, etc.). Nesses artigos, Marx manifestava-se já um ardente defensor das massas trabalhadoras, qualificava a propriedade privada de roubo, condenava duramente o egoismo grosseiro das classes exploradoras. O trabalho na "Gazeta Renana" constitui uma etapa considerável no processo que conduziu Marx ao materialismo e ao comunismo.
Depois da suspensão da "Gazeta Renana", Marx foi forçado a emigrar para Paris, onde se pôs em estreito contacto com os socialistas franceses e emigrantes revolucionários alemães.
Naquela época conheceu também a "Essência do Cristianismo" e outras obras materialistas de Feuerbach. Este último exerceu grande influência na formação da concepção materialista do mundo de Marx. Contudo, Marx jamais foi um feuerbachiano completo. Purificando o materialismo de Feuerbach, criticava duramente seus defeitos: seu anti-historicismo, seu caráter metafísico, contemplativo, sua incompreensão do papel da prática revolucionária.
Em 1843, Marx escreveu sua obra "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel". Nesta obra, Marx transfere-se já para o terreno do materialismo e do comunismo; critica Hegel por seu idealismo; demonstra que Hegel apresenta de cabeça para baixo as verdadeiras relações sociais. Assim, Hegel afirma que o Estado é a manifestação da ideia absoluta. A ideia do Estado, no processo do seu desenvolvimento, engendra a família, as camadas sociais e a própria sociedade. Marx, criticando Hegel, afirma que não é a ideia, mas a massa, o povo, o fundamento do Estado. Assim como a religião, escreve Marx, não criou o homem, mas o homem criou a religião, não é o Estado que cria o povo, mas o povo que cria o Estado. Marx censura Hegel devido ao mesmo justificar a monarquia policial prussiana apresentando-a como encarnação suprema da ideia absoluta. Já na "Crítica da Filosofia do Direito de Hegel", Marx aproxima-se da descoberta do caráter de classe do Estado, de seu papel de instrumento nas mãos da classe dirigente.
Marx destaca nesta obra a importância da dialética hegeliana, ao mesmo tempo que revela seu caráter idealista, colocando-a sobre uma base materialista. Critica especialmente a conciliação dos antagonismos segundo Hegel (pela interposição dos antagonismos da terceira categoria) como um serviço teórico aos interesses da burguesia alemã que desejava um compromisso com o feudalismo. Os verdadeiros antagonismos, dizia Marx, não podem conciliar-se.
Em oposição aos jovens hegelianos, que consideravam o proletariado como uma multidão passiva e inerte, Marx assinala que a classe operária é a única capaz de reconstruir a sociedade .
"Assim como a filosofia acha seu instrumento material no proletariado, assim também o proletariado acha seu instrumento espiritual na filosofia...
"A cabeça desta emancipação é a filosofia; seu coração é o proletariado. A filosofia não pode converter-se numa realidade sem a supressão do proletariado; o proletariado não pode suprimir-se sem converter a filosofia numa realidade"(109).
Só o proletariado, assinala Marx, construindo o comunismo, realiza o sonho do filósofo, convertendo em realidade as exigências da filosofia, da razão.
Engels percorreu, no fundamental, o mesmo caminho do desenvolvimento filosófico e político de Marx. Nasceu em 28 de novembro de 1820 em Barmen, na Prússia renana. Trabalhou na oficina de seu pai, fabricante de tecidos, ficando chocado com a situação difícil dos operários. Em 1839, em suas "Cartas de Buppertal", Engels descrevia com indignação a miséria catastrófica dos tecelões alemães. Porém só criticava essa miséria sob o ponto de vista de sua desconformidade com o regime social "racional", afirmando que a causa da miséria são os métodos absurdos de administração postos em prática pelos donos das fábricas.
Já em seus primeiros anos, Engels converte-se em democrata revolucionário e publicista ativo. No outono de 1841 muda-se para Berlim afim de prestar o serviço militar. Como Marx, liga-se em Berlim a um dos círculos dos jovens hegelianos ateus e republicanos. O governo prussiano acabava de convidar Schelling, convertido já em furioso místico e reacionário, para a cátedra de filosofia da Universidade de Berlim, que até então fora ocupada por Hegel. Em suas lições, Schelling arrastava na lama Hegel e suas teorias. Em defesa de Hegel, Engels escreve vários folhetos concisos e combativos: "Schelling sobre Hegel", "Schelling e a Revelação". Nesses folhetos manifesta-se como hegeliano de esquerda e democrata revolucionário. Refuta resolutamente todo o compromisso com a monarquia, exige a liberdade de imprensa, a representação popular que deve preparar a derrocada revolucionária do feudalismo e o estabelecimento da república democrática.
Entretanto, ao mesmo tempo, criticava também Hegel pelas conclusões reacionárias de sua filosofia (justificação da monarquia prussiana, etc.). Como Marx, preconizava uma luta ativa pela transformação dos ideais filosóficos em vida prática.
Em 1842 Engels mudou-se para a Inglaterra, onde se desenvolvia naquela época o movimento cartista. Lenin escreve que Engels percorria os bairros sujos onde se abrigavam os operários; via com os próprios olhos sua miséria e desgraça; estudava todos os documentos relativos à situação e à luta do proletariado inglês. Engels tornou-se comunista. Escreve que entre as classes de indigentes da Inglaterra cresce
"... a consciência de que a revolução é impossível por via pacífica e que só a derrocada violenta das relações antinaturais existentes, a derrocada radical da aristocracia nobiliárquica e industrial, podem melhorar a situação material dos proletários"(110).
Fruto do trabalho de Engels na Inglaterra é seu famoso livro "A Situação da Classe Operária na Inglaterra", publicado em 1845. Lenin assinala que Engels demonstrou neste livro, pela primeira vez, que o proletariado é, não só uma classe que sofre, mas também que combate pela sua emancipação das cadeias do capitalismo. O socialismo só será uma força quando converter-se no objetivo da luta política da classe operária.
Ao convencer-se do papel da prática material e da luta de classes na história da humanidade, Engels rompeu com o idealismo. Como sobre Marx, Feuerbach exerceu grande influência na sua conversão ao materialismo. Engels saudou com entusiasmo o aparecimento do livro de Feuerbach "Essência do Cristianismo", porém, como Marx, jamais foi um feuerbachiano ortodoxo. Em seus trabalhos daquela época, eleva-se muito acima de Feuerbach, analisando profundamente os problemas sociais e compreendendo a luta de classes.
Engels chegou como Marx, ainda antes de trabalharem em colaboração, independentemente um do outro, ao comunismo e ao materialismo.
Marx e Engels conheceram-se inicialmente por correspondência, devido à colaboração de Engels na "Gazeta Renana", na qual publicava artigos desde 1841. O primeiro encontro entre Marx e Engels deu-se em 1842, quando Engels, a caminho da Inglaterra, visitou Marx em Colônia. Durante sua permanência na Inglaterra, Engels manteve animada correspondência com Marx.
Em 1844, de volta à Alemanha, Engels encontra-se com Marx em Paris, onde comprovam sua plena unidade de pensamento em todos os problemas de princípios e estabelecem uma amizade de trabalho e de luta de que não há exemplo na história. No processo de seu trabalho comum, Marx e Engels emanciparam-se rapidamente dos restos da anterior influência hegeliana e feuerbachiana e amadureceram como ideólogos do proletariado.
Em 1844-1845 escreveram sua primeira obra em colaboração, "A Sagrada Família", dirigida contra os hegelianos de esquerda, especialmente contra os irmãos Bauer (daí seu título). Criticando o idealismo dos hegelianos, Marx e Engels reelaboraram em bases materialistas dialética de Hegel. Descobriram as leis da dialética na realidade objetiva, na história humana; demonstraram que a verdadeira força da história humana não e o auto-movimento da ideia mas o movimento massas.
Marx e Engels afirmam que a base da atividade humana e da evolução histórica da sociedade é o trabalho. No processo do trabalho efetua-se uma ação recíproca entre o homem e a natureza. O homem modifica a natureza exterior e, em certo sentido, a cria. Por outro lado, o homem, no processo do trabalho, transforma-se à si mesmo, cria o homem. O homem não é nenhum ser abstrato como afirmava Feuerbach; é tal como se fez durante o processo histórico da atividade trabalho; na medida do desenvolvimento desta atividade, ele próprio se desenvolve e se transforma.
Marx e Engels assinalam que a religião, a família, as formas do Estado, são derivadas da produção material dos homens e não das ideias e da autoconsciência. A emancipação da humanidade da exploração pode alcançar-se por meio das forças materiais, sobre a base da luta revolucionária das massas. Marx e Engels apontam na "Sagrada Família" o papel histórico universal do proletariado como criador do comunismo. Ressaltam a dialética no desenvolvimento da sociedade capitalista que se processa pela luta dos antagonismos: a propriedade privada (que quer dizer, a propriedade capitalista) e o proletariado.
"O proletariado e a riqueza são dois antagonismos. Como tais formam um todo... Nos marcos dessas contradições, a propriedade privada representa o lado conservador, e os proletários, o destruidor. Por parte dos primeiros desenvolve-se uma ação tendente a conservar a contradição; por parte dos segundos uma ação tendente a destruí-la.
"A propriedade privada, por si própria e por seu desenvolvimento econômico, caminha para a dissolução... engendrando o proletariado...
"O proletariado executa a sentença que essa propriedade pronuncia contra si própria ao engendrar o proletariado... Com o triunfo do proletariado desaparece tanto o proletariado como o antagonismo que o condiciona, a propriedade privada"(111).
Assim, Marx e Engels lançaram na "Sagrada Família" os alicerces do materialismo dialético e da interpretação materialista da história.
Todavia convém observar que ainda se nota na "Sagrada Família" certa influência feuerbachiana. Marx e Engels empregam ainda a terminologia de Feuerbach (às vezes em lugar de "comunismo" dizem "humanismo"; comunidade em lugar de sociedade, etc.).
Em sua obra comum seguinte, a "Ideologia Alemã", Marx e Engels manifestam-se já materialistas e dialéticos plenamente formados, totalmente emancipados não só da influência da filosofia hegeliana e feuerbachiana, como também de sua terminologia. Esta obra foi escrita em 1845-1846, porém seus autores não encontraram um editor disposto a publicá-la, tendo sido editada recentemente na URSS em 1932. Na "Ideologia Alemã", Marx e Engels criticaram tanto os hegelianos de esquerda (Bruno Bauer e Max Stirner) como o materialismo contemplativo, abstrato de Feuerbach. Esse livro começa, diretamente, com a afirmação de que o processo material da atividade histórica dos homens é que determina sua consciência e todas as superestruturas político-ideológicas da sociedade. O primeiro ato histórico dos homens, pelo qual estes se diferenciam dos animais, escrevem Marx e Engels, não consiste em que os primeiros saibam pensar, mas sim em que começam a produzir seus meios de subsistência.
Marx e Engels destacam a influência ativa do homem sobre a natureza, o caráter social e histórico da prática humana. Descobrem os defeitos básicos de todo o velho materialismo, inclusive do de Feuerbach; seu caráter metafísico contemplativo. Nas "Teses sobre Feuerbach", escritas ao mesmo tempo que a "Ideologia Alemã", Marx assinala que até então os filósofos, de formas diversas, só tinham interpretado o mundo, enquanto a tarefa consistia em transformá-lo. Ante o materialismo abstrato e contemplativo de Feuerbach, Marx e Engels opõem o materialismo prático, comunista, que se propõe a transformar o mundo, a realizar o comunismo na prática.
Na "Ideologia Alemã", Marx e Engels formulam pela primeira vez sua teoria das formações social-econômicas (neste livro ainda as denominam "formas de propriedade"). Assinalam as formas comunal, antiga (escravista), feudal e capitalista da propriedade como etapas da evolução social, que se substituem sucessivamente uma à outra. Sobre a base do material histórico, mostram como nasce a divisão entre o trabalho físico e o intelectual, entre a cidade e o campo, a propriedade privada e as classes. Não se limitam a definição geral das classes, mas seguem a transformação concreta dessas classes e a forma revestida pela luta de classes. Cada "forma de propriedade", ou seja cada formação, distingue-se da outra pelas relações diferentes que existem entre os homens e os meios de produção. Os traços característicos de uma determinada forma de propriedade determinam o caráter da respectiva ideologia social.
Por fim, na "Ideologia Alemã", Marx e Engels destacam a lei geral que rege a transição de uma forma de propriedade à outra, a lei da revolução. Como resultado da evolução das forças produtivas chega um momento em que essas forças entram em conflito com as ralações de produção existentes, que se convertem em cadeias que impedem seu desenvolvimento ulterior. Esse conflito conduz à revolução, a substituição das relações de produção envelhecidas por outras novas.
Na "Ideologia Alemã" formula-se pela primeira vez a tese de que o proletariado chegará à criação de uma sociedade comunista mediante a conquista do poder político.
"...Cada classe que aspire governar, embora seu domínio condicione, como no caso do proletariado, a eliminação das velhas formas sociais e de governo em geral... deve, antes de tudo, conquistar o poder político"(112).
Assim, pois, na "Ideologia Alemã", Marx e Engels expõem já a tese fundamental de sua teoria revolucionária, desenvolvida brilhantemente em suas obras posteriores.
Depois de escrever a "Ideologia Alemã", Marx e Engels, como assinala este último no prólogo de seu livro "Ludwig Feuerbach", começaram a dedicar-se a sua tarefa fundamental: transformar em ação a teoria revolucionária por eles estabelecida — a criação de uma organização comunista internacional. Mantinham já havia tempo contacto com uma das mais notáveis organizações utópico-comunistas, a "União dos Justos", cujo centro estava em Bruxelas. Essa entidade trabalhava para estender-se a diversos países. Em 1846, Marx e Engels aderiram a essa União que, sob sua direção, começou a converter-se no primeiro partido comunista internacional. Por sua sugestão, a "União dos Justos" trocou seu nome em 1847 pelo de "União dos Comunistas", adicionando como palavra de ordem o lema do proletariado: "Proletários de todos os países, uni-vos!" Criaram-se seções e organizações dessa "União dos Comunistas" na França, Alemanha, Inglaterra, Bélgica e demais países, da Europa.
Na "União dos Comunistas" Marx e Engels desenvolveram uma luta encarniçada pelo comunismo científico e contra as diversas tendências do socialismo pequeno-burguês imperantes no movimento operário da época. Na luta contra essas tendências, desenvolveram o comunismo científico, o materialismo dialético e histórico. Sob este aspecto é particularmente importante a obra de Marx intitulada "Miséria da Filosofia", escrita em 1847 como resposta ao livro de Proudhon "Filosofia da Miséria". Nessa obra, Marx desmascara o caráter pequeno- burguês utópico das doutrinas políticas e econômicas de Proudhon, e põe a nu a base dessas doutrinas, o idealismo hegeliano vulgarizado. O pequeno-burguês Proudhon não negava a propriedade privada em geral. Pugnava apenas pela destruição do "lado mau" do capitalismo, a exploração, e por conservar seu "lado bom", a tendência à igualdade que se radica no intercâmbio, na divisão do trabalho, etc. e por reconstruir a sociedade de modo que cada produtor recebesse em troca do seu produto um valor igual em outro produto. Portanto, Proudhon quis estabelecer na terra um regime "ideal", uma simples sociedade mercantil, com uma igualdade absoluta dos produtores, sem exploração nem capitalistas.
Marx ridicularizava cruelmente essa utopia idealista de Proudhon. Marx escreve que os homens não estão em condições de transformar espontâneamente o regime social. Cada nova geração humana encontra as forças produtivas conquistadas pelas gerações anteriores. A tais forças produtivas correspondem também determinadas relações de produção entre os homens.
"O moinho movido a braço, diz Marx, engendra a sociedade com os senhores feudais à frente; o moinho a vapor, a sociedade dos capitalistas industriais"(113).
Seguindo neste aspecto as pegadas de todos os economistas burgueses, Proudhon considerava a forma capitalista da sociedade uma forma natural e perpétua. Marx, em compensação, demonstra o caráter histórico das relações sociais, que se transformam por meio de revoluções feitas em consonância com a evolução das forças produtivas.
Marx desmascara a falsificação realizada por Proudhon da dialética de Hegel, particularmente de sua lei fundamental: a unidade dos contrários. Distinguindo na unidade dos contrários um lado bom e outro mau, Proudhon propõe rejeitar o mau e conservar o bom. Marx demonstra que isto significa desprezar em geral toda a contradição e renunciar a dialética. A existência dos polos contraditórios, sua luta e sua interpenetração mútua é a essência do movimento dialético. Inclusive a escravidão, diz Marx, desempenhava, numa determinada fase da evolução, um papel progressista. A anarquia da produção e a concorrência, inevitáveis no regime capitalista, desempenharam também durante certo período um papel progressista, facilitando o desenvolvimento da técnica.
Em 1847, Marx e Engels escrevem, por resolução da "União dos Comunistas", o primeiro programa no mundo verdadeiramente científico e revolucionário do partido proletário comunista, o "Manifesto do Partido Comunista". O "Manifesto" publicou-se em fevereiro de 1848, dias antes da revolução de fevereiro na França. O "Manifesto do Partido Comunista", escrito numa linguagem evidentemente combativa, assinala com clareza o caminho que a classe operária deve seguir para emancipar-se. Lenin, referindo-se ao "Manifesto", escreve que
"este livrinho, apesar de suas poucas páginas, vale por volumes inteiros; seu espírito continua vivendo e impulsionando até nossos dias todo o proletariado organizado e combatente..."(114).
No "Manifesto Comunista", Marx e Engels expõem sua doutrina em forma definitivamente acabada; nele já se notam todos os aspectos, todas as partes integrantes da teoria revolucionária de Marx e Engels. No "Manifesto", lançam-se as bases da teoria da ditadura do proletariado:
"... o primeiro passo da revolução operária sera a ascensão do proletariado ao Poder.
"O proletariado valer-se-á do poder para ir despojando paulatinamente a burguesia de todo o capital, dos instrumentos de produção, centralizando-os nas mãos do Estado, quer dizer, do proletariado organizado como classe dirigente, procurando fomentar por todos os meios e com a maior rapidez possível as energias produtivas"(115).
A concepção revolucionária do mundo de Marx e Engels, continuou a desenvolver-se depois da publicação do "Manifesto Comunista". Marx e Engels, em todas as suas obras econômicas, históricas e filosóficas posteriores, continuaram cultivando sua doutrina tanto em extensão como em profundidade. Assim, sobre a base da crescente experiência das lutas de classes do proletariado, desenvolveram e concretizaram o elemento fundamental do marxismo: a teoria da ditadura do proletariado. Assimilando as lições da revolução de 1848-1849, Marx destaca em 1852 o que de novo e decisivo foi introduzido na teoria da luta de classes. Esta novidade é o reconhecimento de que a luta de classes do proletariado deve conduzir inevitavelmente ao estabelecimento da ditadura do proletariado, e essa ditadura é a condição indispensável para a destruição das classes em geral e para o estabelecimento de uma sociedade sem classes. Marx assinala, além disso, que o proletariado, ao conquistar o Poder, deve romper, desfazer a máquina governamental burguesa, substituindo-a pelo Estado proletário. Depois de estudar a experiência da Comuna de Paris, primeira forma de ditadura do proletariado, embora incompleta e de pouca duração, Marx mostra com que deve o proletariado substituir a máquina governamental burguesa desfeita, revela os traços fundamentais do Estado proletário. Em sua "Crítica do Programa de Gotha", Marx deu uma característica acabada, por sua profundidade e força, da ditadura do proletariado como uma época histórica completa, na qual, sob a direção do Estado da classe operária, efetua-se a transformação revolucionária do capitalismo em comunismo.
Da mesma maneira, Marx e Engels desenvolveram e concretizaram todos os demais aspectos de sua teoria, baseando-se na prática da luta revolucionária e do desenvolvimento das ciências concretas. Na sua "Introdução à Crítica da Economia Política", Marx formula a teoria das forças produtivas, das relações de produção, do modo de produção. A grandiosa obra de Marx, "O Capital", que faz época na história da humanidade e que constitui uma verdadeira enciclopédia, uma formidável síntese de todos os conhecimentos humanos, não é só uma obra econômica, mas também uma das maiores obras filosóficas. No "Capital", Marx aplicou e elaborou, em toda plenitude, seu método revolucionário: a dialética materialista. "O Capital" é o melhor expoente da unidade entre o histórico e o lógico na ciência. O caminho lógico de investigação de Marx, desde as categorias simples da economia mercantil até à análise do processo de produção do capitalismo em geral, reproduz, de forma "emancipada de casualidades", o caminho histórico da formação, desenvolvimento e morte do capitalismo.
"O Capital" de Marx, diz Lenin, começou por analisar as relações mais simples da sociedade mercantil, com relações vistas pelas massas e com as quais tropeçam milhões de vezes: o intercâmbio de mercadorias. Marx descobre nesta "célula" da sociedade burguesa os germes de todas as contradições do capitalismo. Acentua como a evolução das contradições, que já existem na mercadoria, condiciona a formação do capitalismo, a transformação da simples economia mercantil em economia capitalista; revela que o desenvolvimento e o aprofundamento ulteriores das contradições do capitalismo vão preparando, inevitavelmente, a morte do capitalismo e sua substituição pela forma superior comunista.
Marx expõe em seu "O Capital" a história da formação social capitalista; descobre as leis do seu nascimento, crescimento e morte; aponta a conexão e o condicionamento mútuos da base econômica, da superestrutura política e da ideologia do capitalismo. "O Capital" constitui uma fonte inesgotável de ideias e pensamentos, tanto para o historiador e o filósofo como para o economista e o técnico. Marx explica como agem as leis gerais da história humana nas condições do capitalismo; a forma concreta que adotam; assinala, particularmente, que as contradições entre as forças produtivas e as relações de produção adotam na sociedade capitalista a forma de contradições entre o caráter social da produção e o caráter individual da apropriação da produção. A expressão fundamental dessa contradição é a luta de classes entre o proletariado e a burguesia. Marx põe em relevo o papel da luta de classes como força motriz do desenvolvimento e morte do capitalismo.
Lenin aprecia da seguinte maneira o valor da grande obra de Marx para a filosofia:
"Se Marx não deixou uma Lógica (com maiúscula), deixou em compensação uma Lógica do "Capital"... Em "O Capital" estão aplicadas como uma só ciência a lógica, a dialética e a teoria do conhecimento do materialismo (não há necessidade de três palavras: é uma e a mesma coisa) que toma o que Hegel tem de precioso e o faz marchar para diante"(116).
Engels, ao criticar o vulgar materialista e positivista Dühring em sua formidável obra "Anti-Dühring", proporciona uma exposição sistemática das três partes integrantes do marxismo: a filosofia, a economia política e o socialismo. Sobre a base de uma série de exemplos tomados dos campos mais diversos da natureza, da sociedade e da ciência. Engels populariza e desenvolve no "Anti-Dühring as leis fundamentais da dialética materialista, examina os problemas mais importantes do marxismo, como, por exemplo, o papel da violência na história, a igualdade, etc. A solução que Engels deu a esses problemas foi adotada e aperfeiçoada por Lenin e Stalin.
Em seu livro, "Ludwig Feuerbach", escrito em 1888, já após a morte de Marx, Engels faz o resumo da luta filosófica sua e de Marx. Nesta obra faz uma análise concisa e acabada da dialética de Hegel e de todo o materialismo pré-marxista; apresenta o valor histórico e a limitação da filosofia de Feuerbach. Em "Ludwig Feuerbach", Engels deu a formulação clássica ao problema fundamental da filosofia, o problema da relação entre o ser e o pensar, que dividia a filosofia em dois campos, o materialista e o idealista. A indicação de Engels de que a burguesia já tinha rompido com os grandes interesses teóricos e de que o único legítimo sucessor da filosofia clássica alemã é a classe operária tem uma importância extraordinária.
Engels dedicou-se durante mais de vinte anos ao estudo das ciências naturais. Em sua "Dialética da Natureza", que deixou sem terminar, propunha-se a investigação (e chegou a fazê-la em parte) do evolução histórica das ciências naturais e da filosofia, das leis gerais da dialética, bem como a dar uma classificação dialético-materialista às ciências, a examinar criticamente, sob o ponto de vista do marxismo, as diversas ciências naturais.
A morte de Marx obrigou Engels a dedicar-se à terminação de "O Capital" e à direção de todo o movimento operário, privando-o da possibilidade de terminar a obra projetada. Contudo, mesmo assim a "Dialética da Natureza" tem um valor enorme para as ciências naturais. Toda a evolução posterior das ciências naturais confirmaram plenamente as teses e os prognósticos principais de Engels.
Stalin acentua que o marxismo não é um dogma: é uma ciência viva que se desenvolve. Na época do imperialismo e da revolução proletária, o marxismo foi desenvolvido e enriquecido pelos grandes continuadores de Marx e Engels: Lenin e Stalin.
Notas de rodapé:
(108) Marx e Engels. Manifesto Comunista, página 69. Edição "Problemas". Buenos Aires, 1941. (retornar ao texto)
(109) Marx. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Obras de Marx e Engels, tomo I, página 412, edição russa. (retornar ao texto)
(110) Engels. Cartas da Inglaterra. Obras de Marx e Engels, tomo 273, edição russa. (retornar ao texto)
(111) Marx e Engels. A Sagrada Família. Obras, tomo III, páginas 54-55, edição russa. (retornar ao texto)
(112) Idem. A Ideologia Alemã. Obras, tomo IV, página 24, edição russa. (retornar ao texto)
(113) Marx. Miséria da Filosofia. Edição russa, 1937, página 78. (retornar ao texto)
(114) Lenin. Frederico Engels. Obras, tomo I, página 437, edição russa. (retornar ao texto)
(115) Marx e Engels. Manifesto Comunista, página 52, edição "Problemas". Buenos Aires, 1941. (retornar ao texto)
(116) Lenin. Cadernos Filosóficos. Edição russa, página 241. (retornar ao texto)
Inclusão | 23/12/2015 |