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No limiar de 1991, a União Soviética encontra-se lançada no abismo. Não de fala senão de caos, de desorganização, de criminalidade e o grande pesadelo dos soviéticos é este sentimento de naufrágio, de desmoronamento e de insegurança total.
O país realizou uma colheita recorde em 1990, mas o povo não encontra nada para levar à boca. «O culpado é o sistema socialista criminoso», apregoam em total harmonia os pasquins de direita do Ocidente e da União Soviética. Propaganda refinada. Na realidade, a fome é a primeira vergasta de que se arma o capitalismo nascente na União Soviética para disciplinar os trabalhadores. A nova grande burguesia que tomou o poder trata de destruir o sistema planificado da economia, que, por consequência, ficou impossibilitado de assegurar o abastecimento normal da população das cidades. E a máfia da economia paralela, esses patrões capitalistas que se multiplicam na ilegalidade, desviam as mercadorias e especulam com a penúria.
O momento parece propício aos governos ocidentais para um pequeno número de cinismo que apaixonam os nossos arautos dos direitos humanos e do humanismo: o Ocidente porá em cena uma campanha humanitária de ajuda aos esfomeados soviéticos! É difícil acreditar que há seis anos, Reagan nos lançava violentas repreensões para que não cedêssemos diante do poder satânico soviético. Era preciso tremer diante do totalitarismo vermelho. Os atentados terroristas provavam que os primeiros destacamentos da próxima agressão já se encontravam nas nossas muralhas. Hoje, os mesmos ideólogos incitam-nos a oferecer um quilo de arroz a essa população do Terceiro Mundo que habita a União Soviética. Na Etiópia, no Sudão, em Moçambique, onde os camponeses tiveram colheitas catastróficas, dez milhões de pessoas estão ameaçadas de uma morte atroz, sem que os nossos cínicos dos direitos humanos e do humanismo mexam um dedo. Com efeito, na euforia do triunfo, o Ocidente quase não esconde que a operação «Ajuda à União Soviética» é essencialmente política: os nossos futuros parceiros capitalistas soviéticos organizam a fome em casa deles e nós, capitalistas ocidentais determinados, oferecemos graciosamente, com um pequeno esforço da nossa economia ultra perfeita, alguma coisa para alimentar essa gente cansada do socialismo. O efeito psicológico será imenso: os soviéticos render-se-ão à economia livre.
Os ex e futuros nazis que reinam na Grande Alemanha desembolsaram 800 milhões de marcos para salvar os soviéticos de morrerem à fome.(1) São os mesmos que, em 1942, organizaram o bloqueio de Leningrado, provocando a morte à fome de um 1,1 milhões de soviéticos.(2) Os media serviram-nos a história enternecedora desses antigos combatentes do exército nazi que, ao volante de camiões carregados de vitualhas, regressaram quase meio século depois àquele país que outrora haviam devastado. Desta vez, os habitantes de Leninegrado estão esfaimados pelo bloqueio comunista, riram eles. Sabor da suprema vingança: comboios de tropas alemãs velaram pela segurança dos transportes de víveres atravessando a pátria dos bolcheviques! Trata-se de humilhar até ao mais fundo da alma, toda essa geração de comunistas que combateu o fascismo como a expressão mais agressiva do capitalismo. Hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Genscher, fala da
«intensificação dos laços com a URSS nos domínios da política, da economia, da tecnologia e da cultura, etc.»(3)
Um tratado assinado em 9 de Novembro, em Bona, materializa essas intenções. Friedrich Wilhelm Christians, presidente do Deutsche Bank, participou na invasão da União Soviética, em 22 de Junho de 1941. Recentemente visitou a futura zona económica livre de Kaliningrado, onde declarou:
«Existem premissas psicológicas para uma aproximação dos nossos países».(4)
Uma nova geração de vlassovianos, esses colaboradores que seguiram o general russo Vlássov nas fileiras do exército hitleriano, apresentam-se. O economista «radical» Nicolai Chmélev declara:
«A República Federal, e depois a Alemanha unificada, poderia dirigir a ajuda internacional para o apoio à perestroika e à passagem da URSS à economia de mercado».(5)
Eco longínquo de palavras de uma outra época. Em 1943, na sua declaração de adesão ao regime hitleriano, Vlássov dizia:
«Os interesses do povo russo harmonizaram-se sempre com os do povo alemão, com os interesses de todos os povos da Europa. O bolchevismo isolou o povo russo da Europa com um muro impenetrável. Em aliança e em cooperação com a Alemanha, o povo russo deve construir uma pátria nova e feliz no seio da família dos povos da Europa livres e iguais em direitos.»(6)
Estas ideias de Vlássov são hoje veiculadas em toda a União Soviética, integradas no «novo pensamento».
O ano de 1990 viu revelar-se uma verdade para a qual cinco anos de glasnost haviam preparado os espíritos: a perestroika é uma revolução contra o Grande Outubro de 1917. Sabe-se em que contexto Lénine tinha dirigido a Revolução de Outubro. A burguesia russa continuava a guerra mundial assassina, reprimia as revoltas camponesas, fuzilava os operários comunistas e levada por diante uma campanha eleitoral em que dizia:
«Nós empenhamo-nos em reconhecer o princípio da igualdade e da democracia consequente, com a manutenção da propriedade privada e da submissão ao capital.»(7)
Hoje, o programa de Gorbatchov preconiza o restabelecimento da propriedade privada e a submissão ao capital e, proclamando bem alto a glasnost, a igualdade e a democracia, utiliza os media para ressuscitar os ideais da grande burguesia de antes de 1917. Polémica exagerada? Apresentamos provas das nossas afirmações. No XXVIII Congresso, Gorbatchov afirmou querer
«assegurar a liberdade de pensamento e libertar os espíritos» e afastar definitivamente «os dogmas e os conceitos ultrapassados».
No mesmo congresso, Gorbatchov prometeu
«uma revolução nos espíritos, um renascimento espiritual, uma renovação ideológica».(8)
Mostraremos como Gorbatchov libertou os espíritos do socialismo e do leninismo, como concede a liberdade de pensamento à CIA e aos representantes do imperialismo, como destrói os «dogmas» do combate anticapitalista.
A revolução de Outubro proclamava abertamente:
«O sistema dos sovietes é a destruição da mentira burguesa que apela à “liberdade de imprensa”, a liberdade de subornar a imprensa, a liberdade para os ricos, para os capitalistas de comprar os jornais, a liberdade de enganar assim a chamada “opinião pública”».(9)
A glasnost prepara-se para vender os jornais soviéticos ao capital estrangeiro!
A multinacional Maxwell, que já detém 40 por cento das acções do antigo jornal governamental húngaro Magyar Hiriap e do célebre jornal vespertino Eszti Heriap, está prestes a tomar o terceiro canal da televisão búlgara. Negoceia a compra de vários jornais e semanários búlgaros e vai participar nos leilões na Polónia, onde serão vendidos 119 jornais. Na antiga RDA, Maxwell tornou-se co-proprietário das edições Berliner Verlag que publicavam o jornal popular Berliner Zeitung (jornal do Partido do Socialismo Democrático, sucessor do PSUA. Na Checoslováquia trava negociações com os jornais mais populares.
«O meu grupo Mirror», declara Maxwell, «será proprietário de 49 por cento das acções do diário O Mundo dos Negócios, que aparecerá brevemente na URSS, com uma tiragem de cinco a seis milhões de exemplares e que virá a ser o equivalente russo do Financial Times. O jornal Literaturnaia Gazeta, orgulho da intelligentsia russa, pertencerá aos seus accionistas...»(10)
Comecemos por uma das mais inverosímeis constatações: a glasnost é a abertura dos jornais soviéticos aos chefes da CIA que se gabam dos seus méritos no combate «contra o stalinismo»! Como antetítulo de uma entrevista com William Colby, antigo chefe da CIA, podemos ler: «Sem os serviços de informações, a paz teria poucas possibilidades». Fica-se com a impressão de que, hoje em dia, a CIA pode falar mais francamente na União Soviética do que na Bélgica. Quando William Colby confessa na imprensa soviética ter intervindo na batalha política na Europa Ocidental, ter apoiado os partidos socialistas, ter «ajudado» à convocação de congressos, à formação de grupos de intelectuais e de jovens, à publicação de livros, os belgas ficam com matéria para reflectir.
«Trabalhei na Itália de 1953 a 1957», começa aquele que dirigiu a CIA durante a guerra do Vietname. «Travava-se então aí uma verdadeira batalha, não sangrenta, mas política, entre o partido comunista, os sindicatos comunistas, a intelectualidade comunista e os outros. Os primeiros eram apoiados pela União Soviética. A questão apresentava-se assim: a Itália vai tornar-se num país comunista? Se tal tivesse acontecido teria sido uma catástrofe para a NATO e para a própria ideia do reforço da Europa Ocidental. Estávamos resolvidos a não os deixar agir. Neste caso concreto, é verdade que não apoiámos a direita. Apoiámos o centro: os sociais-democratas, os democratas cristãos, os liberais, os republicanos, mas não a direita. Apoiámos a sua vontade de ripostar ao movimento comunista. Se a esquerda convocava um congresso, realizávamos também o “nosso”. Se eles publicavam livros, formavam grupos de jovens e de intelectuais, nós fazíamos o mesmo. Era uma luta política pela Itália, uma operação não violenta, mas mesmo assim subversiva. E alcançámos a vitória. (...) Quando penso nas mudanças na Europa de Leste, concluo que é um bom resultado das actividades que levámos a efeito nestes últimos 40 anos. Dizíamos, nos anos 40, que era necessário travar a expansão do comunismo stalinista, que a situação devia mudar por si, pouco a pouco. Este pouco a pouco durou 40 anos, mas pelo menos evitámos os perigos.
«- Acredita que a CIA se mostra activa, nos nossos dias, na Europa de Leste?
«- Fomos ultrapassados pelos acontecimentos. Numa certa época, com efeito, empreendemos alguns programas que alcançaram o objectivo. Por exemplo, a Rádio Liberdade, a Rádio Europa Livre.
«- Quer dizer que a CIA tem interesse em apoiar Gorbatchov?
«- Não é a CIA, são os Estados Unidos que têm interesse nisso.»(11)
O chefe da CIA gaba-se dos méritos da «sua» Radio Liberty? E logo a vanguarda da glasnost se apressa a consagrar uma página inteira à glória dessa estação que teve um papel precursor! O Nouvelles de Moscou fala com admiração dessa gente que não é muito diferente dos soviéticos da época de Gorbatchov, isto é, desses
«russos, ucranianos, lituanos, estónios, judeus ou georgianos que habitam a Baviera e que são empregados dos americanos, sendo que a Radio Liberty é financiada pelo Congresso americano. (...) Por que os escutamos se são como nós? Esperámos juntos por ao menos um sopro de liberdade em finais dos anos 60. Mas depois de sentirmos essa liberdade, eles ultrapassaram-nos imediatamente. Aproximaram-se do microfone da Radio Liberty e deixaram de ter medo de falar em voz alta dos valores universais, dos ideais religiosos, da liberdade económica, da democracia parlamentar e do pluralismo ideológico. Enquanto que nós só há dois anos deixámos de ter medo de falar disso. Durante esse tempo, eles tinham-se simplesmente habituado a ser homens livres.»(12)
Os jornalistas do Nouvelles de Moscou fazem assim uma confissão quase inverosímil: em 1988, graças à glasnost, deixaram de ter medo e, por consequência, começaram a falar como agentes da CIA da Radio Liberty.
E isto não constitui uma extravagância. Cada entrega dessas folhas de vanguarda deita-nos à cara os elogios ao imperialismo e aos ideais do Ocidente. Tome-se Anatoli Ribakov, tornado célebre no mundo «livre» (com algumas ajudas, certamente, do senhor Colby) pelo seu romance As Crianças da Rua Arbat, obra-prima do anti-stalinismo.
«Stáline», declara o escritor, «foi um criminoso que acedeu ao poder supremo».
Bravo, disse muito bem. Mas escutemos a sequência lógica do raciocínio do nosso grande romancista: como Stáline foi um criminoso, é preciso concordar que os conquistadores ianques, que exterminaram toda a população indígena dos Estados Unidos, foram civilizadores ansiosos de liberdade!
«Os Estados Unidos», declara o senhor Ribakov, «foram criados por homens sedentos de liberdade, a tal ponto que para encontrá-la haviam atravessado o Oceano e perdido a sua pátria e os seus próximos. Esta sede de liberdade quase se tornou um sinal genético nos americanos.»(13)
A glasnost pinta de cor-de-rosa o breve período entre Fevereiro e Outubro de 1917, durante o qual a Rússia conheceu a democracia à ocidental, quer dizer, a ditadura da grande burguesia. Kérenski, o homem-chave deste episódio, é reabilitado como vítima do «terror leninista» e as suas Memórias, publicadas no Ocidente em 1965, estarão em breve disponíveis na União Soviética. No período de Gorbatchov chama-se a isto destruir as mentiras stalinistas, restabelecer a verdade. Um jornal soviético escreve:
«Kérenski foi ministro da Justiça de Março a Maio de 1917 no governo provisório, e foi nessa altura que começou a interessar-se pelos direitos humanos, a independência dos tribunais, a liberdade de consciência, a reforma agrária, a legislação do trabalho, etc.»(14)
Nota-se o paralelo entre Kérenski e Gorbatchov, pois é em nome dos «direitos humanos», da «independência da justiça» e da «liberdade de consciência» que este último leva a cabo a sua contra-revolução. Os protagonistas da glasnost vão buscar os trapos velhos dos «direitos humanos» para cobrir um Kérenski cuja política consistia, em 1917, no prosseguimento de uma guerra imperialista criminosa. Cada mês suplementar dessa carnificina exigia uma centena de milhares de vidas humanas.
«A Rússia deve retomar as hostilidades», escreve Kérenski. «Nenhum exército pode permitir-se o luxo de se interrogar sobre o objectivo do combate. (...) Devemos dizer a simples verdade: “Deveis sacrificar-vos pela salvação da pátria”.».(15)
Após a Revolução de Outubro, Kérenski foi para Inglaterra, onde pediu que as tropas britânicas interviessem na Rússia a fim de combater o perigo bolchevique.
«Tratava-se de um apelo lançado aos Aliados para que prosseguissem a guerra na frente russa»,
escreve Kérenski nas suas Memórias.(16) E efectivamente, o exército inglês marchou contra a República Soviética acabada de nascer. Kérenski resume assim os objectivos da guerra civil começada em 1918:
«Prosseguir a guerra ao lado dos Aliados, libertar a Rússia da tirania bolchevique, restaurar o sistema democrático».(17)
Eis um homem que hoje simboliza, na União Soviética, o regresso aos valores universais da civilização!
A imprensa da glasnost acaba de reeditar um livro com 80 anos: Vekhi, Colectânea de Artigos Sobre a Intelligentsia Russa, publicado em Moscovo em 1900.(18) Lénine considerava-o na época como uma «enciclopédia da abjuração liberal». Décadas mais tarde, Soljenítsine glorificou-o como «um livro que parece chegar-nos do futuro». São precisamente os homens de Vekhi que davam o tom durante o período de Kérenski.
O Nouvelles de Moscou, jornal muito glasnost, considera-se como o continuador da obra dos liberais de antanho. O semanário escreve:
«Eles são sete: Nikolai Berdiáiev, Serguei Bulgákov, Mikhail Guerchenzon, Aleksandr Izgoiev, Bogdan Kistiákovski, Piotr Struve e Semióne Frank. A luta de classes e a revolução social são catastróficas e perigosas para a sociedade, estimam os autores da Vekhi. O materialismo ateu, o radicalismo político e a violência, a atitude niilista a respeito dos valores absolutos, o maximalismo de exigências sociais e éticas, assim como o desprezo dos interesses do indivíduo, tais são, segundo eles, os traços típicos da ideologia democrática e socialista que conduziram a sociedade russa ao impasse.»(19)
Durante meses, uma outra estrela da glasnost, a revista Temps Nouveaux, publicou longos extractos das obras mais violentamente anticomunistas dos sete «grandes intelectuais» da Vekhi.(20)
Pois, pois, a glasnost fez-nos descobrir muitas verdades: a Rússia de 1990 tem sempre um tsar em reserva. Nos bons velhos tempos, o tsar dispunha do poder absoluto e dominava a massa camponesa, não apenas pela força, mas também pelas tradições retrógradas e pelo peso secular de uma igreja ortodoxa medieval. Bem conscientes da dominação do obscurantismo sobre as massas mais atrasadas, os bolcheviques executaram o tsar Nicolau II e a sua família em Ekaterimburgo, a 17 de Julho de 1918, no momento em que as tropas brancas se preparavam para libertá-los. A família imperial, viva, seria uma bandeira em torno da qual se poderia reagrupar, em qualquer momento, a mais negra reacção.
Mas em 1924, na emigração tsarista, Kirill Vladímirovitch Romanov, o terceiro no ramo dos herdeiros do trono, aceitou o título de Imperador de toda a Rússia. Com a sua morte, em 1938, o filho, Vladímir Kirillovitch, torna-se Chefe da Casa Imperial da Rússia. O Nouvelles de Moscou, que vai sempre dois passos à frente de Gorbatchov, foi entrevistá-lo, em Paris, na Rua de Mondovi, onde o tsar vive sob a protecção de François Mitterrand.
«- Não se trata de estar no trono, afirma logo o velho. O fim principal da nossa existência é o de sermos úteis à nossa pátria. (...) O papel do monarca é o de um juiz supremo, colocado acima de todos os grupos e partidos políticos e que os ajuda a encontrar um terreno de entendimento.
«- Que pensa de Mikhail Gorbatchov?
«- Gorbatchov ousou empreender uma obra extremamente difícil e perigosa. Preocupo- me com ele.
«- E se ambos tivessem de trabalhar em conjunto?
«- O presidente ou o chefe do partido dirigente pode ser a mão direita da monarquia.»(21)
Assim, mesmo que a glasnost e a perestroika, levadas ao extremo, abraçassem o absurdo histórico da reentronização de um tsar na Rússia, Mikhail Gorbatchov, o homem da década de 90, o renovador do socialismo mundial, teria o seu lugar assegurado. Preparando também ele, a opinião pública para adorar os futuros tsares, a Temps Nouveaux afirma que apenas cinco por cento dos russos consideram que o castigo da família da tsar Nicolau II foi justo; para todos os outros tratou-se de um «erro trágico», ou mesmo «criminoso», verdadeira estreia do «stalinismo».(22) Segundo um outro inquérito, publicado pelo Nouvelles de Moscou, dez por cento dos inquiridos consideram a execução do tsar e da sua família indispensável, mas 77 por cento por cento exprimem o seu desacordo.(23)
E, com a ajuda do pluripartidarismo, os meios tsaristas, alimentados durante 70 anos pela pior reacção dos países imperialistas, voltam a ganhar raízes na União Soviética.
«Em Setembro último, os monárquicos encontraram-se na conferência das forças cristãs ortodoxas patrióticas. A conferência foi organizada por iniciativa ao “Renascimento Ortodoxo” (associação cristã monárquica, presidida por Vladímir Ossipov), do movimento “Assembleia dos Estados Provinciais”, cujo líder é Gueórgui Novikov, e de algumas outras organizações monárquicas. Participaram perto de 400 representantes de mais de 40 organizações, entre elas, a União dos “Vlassovianos”, a missão da Igreja Ortodoxa Russa no estrangeiro, a “Confraria Ortodoxa do Tsar Mártir Nicolau II”, assim como diferentes correntes da “Pámiat”,(24) largamente representados.»
O Nouvelles de Moscou, que relata os acontecimentos, entre outras decisões da conferência, menciona:
«A glorificação de Nicolau II e de todos os mártires russos mortos pelos bolcheviques. (...) A destruição de todos os ídolos comunistas. A conferência julgou necessário destruir todos os ídolos erigidos pelo regime soviético, para o saneamento moral da Rússia.»(25)
A glasnost aplica-se em inculcar nos soviéticos que as lutas dirigidas por Lénine e Stáline foram «imorais» e que é preciso redescobrir os valores eternos da moral cristã. E em dois tempos assiste-se à ressurreição do tsar Nicolau II. Difícil é imaginar melhor prova da aspereza e da persistência da luta de classes. A moral das classes oprimidas será sempre uma monstruosidade criminosa aos olhos de todos os homens altamente cultivados que vêem no tsarismo, no reinado do grande capital, no fascismo e no colonialismo os valores universais da moral cristã.
O pilar espiritual do tsarismo foi a Igreja Ortodoxa. É sob o manto desta religião ultra-reaccionária que tornam à vida os velhos preconceitos que sustêm o trono imperial.
Na Resolução do XXVIII Congresso do PCUS, Gorbatchov fez inscrever:
«O regime stalinista totalitário está em vias de ser ultrapassado. O diktat ideológico cede lugar à independência dos espíritos».(26)
Claro, na Igreja Ortodoxa não há diktats ideológicos!
A independência dos espíritos, cara ao senhor Gorbatchov é alimentada por fontes envenenadas. No decurso do primeiro semestre de 1990, 1241 novas comunidades religiosas foram homologadas na URSS, 759 para a Igreja Ortodoxa Russa, 268 para os muçulmanos, 76 para a Igreja Católica. Foram eleitos deputados do povo em todos os escalões 287 padres: 192 para a Igreja Ortodoxa Russa, 55 para os muçulmanos, 12 para os baptistas e adventistas, 12 para os luteranos. Foram inaugurados 33 estabelecimentos de ensino religioso nos 18 últimos meses. Desde 1988, o número de mosteiros passou de 18 para 60.(27)
A «renovação ideológica», de que se gaba Gorbatchov, exprime-se em números: Em Março de 1989, 38 por cento dos soviéticos interrogados sobre se têm inteira confiança no PCUS respondem afirmativamente; um ano mais tarde já são apenas 16 por cento. As organizações religiosas não recolhiam senão 13 por cento de incondicionais aquando do primeiro inquérito; em Março de 90, são já 37 por cento.(28) Cinco anos de glasnost trabalharam os espíritos e o ano de 1990 assiste a uma reviravolta dramática da opinião: o partido revisionista perde a sua predominância em proveito da reacção clerical.
A propaganda da religião ortodoxa, levada a cabo pela equipa Gorbatchov, não visa de modo algum o aperfeiçoamento da «moralidade», mas a erradicação das ideias comunistas. Isto está bem expresso nos comentários sobre um episódio crucial da luta de classes na União Soviética.
No início de 1922, a União Soviética foi atingida pela fome, 30 milhões de pessoas sofreram de subnutrição. O Comité Pan-Russo de Assistência às Pessoas com Fome, criado por homens próximos da hierarquia ortodoxa, serve-se da ajuda aos esfomeados para organizar as forças da grande burguesia e do tsarismo. Respondendo aos seus apelos, os americanos prometem 1,5 milhões de dólares de ajuda por mês. Através da ajuda humanitária, a reacção internacional quer vir em socorro da reacção interna. Em 23 de Fevereiro de 1922, o partido bolchevique decide remediar a fome confiscando os bens da Igreja Ortodoxa. A este propósito, o Nouvelles de Moscou publica uma «revelação».
«Em 19 de Março, Lénine enviou a V. Mólotov uma carta secreta à atenção dos membros do Politburo. Analisando os acontecimentos de Chuia, escreve: “... para nós, o período actual é não só extremamente favorável, mas é o único período em que temos 99 por cento das hipóteses de derrubar totalmente o inimigo e de assegurar por décadas as posições que hoje são necessárias. É agora e somente agora, enquanto nas regiões atacadas pela fome se come carne humana e que centenas, mesmo milhares de cadáveres se espalham pelas estradas, que podemos (e consequentemente devemos) proceder à confiscação dos valores da Igreja com a energia mais feroz e mais impiedosa sem hesitar em esmagar qualquer resistência”. (...) Em 28 de Março, o Izvéstia publica uma lista de inimigos do povo. Em primeira posição surge o patriarca Tíkhone “com todo o seu concílio”. A batalha decisiva para a qual Lénine apelava desenvolve-se em todo o país. As confiscações arrastam mais de 1500 confrontos sangrentos até final do ano. (...) Em 12 de Maio dá-se a cisão no seio da Igreja Ortodoxa Russa. Vários padres — Vvedenski, Boiárski, Belkov — intervêm contra o patriarca. (...) Em 1922, a Igreja viva — a que estava ao lado do poder — detinha realmente uma posição dominante. (...) No final de 1922, mais de oito mil pessoas foram mortas nos conflitos e fuziladas no seguimento de sentenças dos tribunais, no quadro da questão da confiscação dos bens da Igreja.»(29)
Este episódio da luta de classes é retirado do esquecimento pelo Nouvelles de Moscou, para pôr em evidência os valores universais da Igreja Ortodoxa e o seu humanismo para com os esfomeados e para fustigar o leninismo que, na luta impiedosa contra os reaccionários, se não distingue do stalinismo.
Na Ucrânia, durante a Revolução de Outubro, a burguesia e os feudais usaram a ideologia nacionalista reaccionária para levantar as massas contra o socialismo. Em 1917, a Rada Central da Ucrânia, o governo burguês, foi o centro dirigente da guerra civil contra os bolcheviques. As tendências pró-imperialistas e pró-alemãs desta burguesia eram notórias. Kérenski viu-se obrigado a confessar que os seus queridos aliados, a Inglaterra e a França, tinham assinado, em finais de 1917, um acordo secreto segundo o qual a França, após a derrota dos alemães, estabeleceria um protectorado na Ucrânia «independente», e colaboraria, para esse fim, com a Rada Central.(30) Depois de 1920, uma parte da Ucrânia foi anexada à Polónia e mantida sob a dominação dos feudais e dos burgueses. O Nouvelles de Moscou informa-nos acerca das «justas lutas nacionais» da reacção ucraniana.
«A Galícia oriental anexada pela URSS no Outono de 1939 continua a ser povoada por representantes de numerosas etnias de confissões diversas. Esta nova parte da Ucrânia soviética sofreu as purgas impiedosas do NKVD [Comissariado do Povo dos Assuntos Internos], seguiu-se a Segunda Guerra Mundial e as crueldades nazis. Depois de 1944, a propaganda soviética qualificava de banditismo e de guerrilha o que numerosos ucranianos recomeçam a chamar de guerra de libertação do povo ucraniano contra o bolchevismo. Será de espantar que as paixões se tivessem desencadeado nesta região desde a restauração da liberdade de palavra e de actividade política?»(31)
Encontramo-nos aqui face a um bom exemplo de nazifilia, erigida de maneira vantajosa em anti-stalinismo. No momento da junção da Galícia oriental à URSS, Stáline não sabia quanto tempo de trégua teria antes da inevitável agressão nazi. Uma questão de meses, segundo todas as probabilidades. O partido bolchevique tinha portanto a obrigação de depurar de maneira draconiana esta região de todas as forças fascistas que se tornariam, em caso de ocupação hitleriana, não apenas um apoio para os nazis, mas uma inestimável ajuda para identificar e depois liquidar todos os comunistas. O que constituía uma política antifascista consequente, a nova direita ucraniana toma-a como um crime.
Ora, inspirada pela glasnost, esta nova direita vai buscar velhos ídolos. Tais como Stepan Bandera, líder nacionalista ucraniano, sobre o qual a imprensa ucraniana nos revela isto:
«Stepan Bandera, líder nacionalista ucraniano que combateu ao lado dos fascistas contra o Exército Vermelho, continuou, ainda depois da guerra, alguns anos na guerrilha na Ucrânia Ocidental.»(32)
Após a sua fuga para a Alemanha, no princípio dos anos 50, o homem trabalhou para a CIA em Munique. Até ao dia em que um oficial do KGB o liquidou diante de sua casa, em 1959. O Nouvelles de Moscou chama a esta execução do chefe nazi um «acto de terror»!
De 8 a 10 de Setembro de 1989 teve lugar em Kíev o congresso da fundação do Movimento Popular da Ucrânia para a Restauração, chamado Rukh.(33) Coligação entre a direita e a extrema-direita, o Rukh tornou-se rapidamente a força dominante na Ucrânia. O seu programa comporta a reabilitação dos reaccionários de antes de 1917 e os fascistas dos anos 40 e 50. O semanário Temps Nouveaux não o esconde.
«O monumento a Stepan Bandera não é uma desmontagem, uma desideologização, uma despolitização ou uma despartidarização, mas uma mudança de ídolos. O governo ucraniano de 1917-1918 [Rada Central] é hoje apresentado como um modelos das estruturas do Estado, e o hetman Mazepa, assim como S. Petliura são promovidos a heróis nacionais.»(34)
Petliura continua a ser, fora de terras fascistas, tristemente célebre pela sua selvajaria aquando dos pogroms anti-judeus que organizou.
Um pormenor que merece atenção: o grupo trotskista de Mandel, que não falha uma, fez-se porta-voz da direita fascizante ucraniana. Publicou o texto integral do programa do Rukh, fazendo notar que
«o crescimento de um movimento nacional de massas [na Ucrânia] pode significar um avanço qualitativo na luta pelos direitos democráticos nacionais.»(!)
A intervenção de Levko Lukiánenko, um fascista que trabalhou para a CIA em Munique, diante do congresso do Rukh foi apelidada de «tempo forte» pela revista de Mandel. Retomando palavra por palavra a propaganda fascista, os trotskistas escrevem:
«A instauração do regime stalinista na Ucrânia Ocidental [1939] encontrou forte resistência popular. O movimento de guerrilha rural, muito alargado e dirigido pelos nacionalistas radicais — a insurreição armada ucraniana —, foi esmagado no início dos anos 50.»
Tal como a direita ucraniana, os trotskistas chamam «nacionalistas radicais» ao que constitui o bando fascista dirigido por Bandera.(35) Mandel publicou também o discurso do presidente do Rukh, Ivan Dratch, no II congresso. O poeta Dratch ataca a «máfia do partido comunista» e apresenta o Solidarnosc como exemplo. Os trotskistas saudaram a
«clara radicalização desta força» que exige agora a «independência total».(36)
Para conseguir a passagem pacífica ao mercado ou, mais exactamente, à ditadura da nova burguesia, é necessário antes de tudo conseguir paralisar e enfraquecer o partido comunista. O triunfo integral da democracia e do pluralismo burguês tem como condição o apagamento do partido comunista enquanto formação revolucionária.
A degenerescência, lenta mas sistemática, do partido, iniciada por Nikita Khruchov, prosseguida por Bréjnev e terminada por Gorbatchov, foi acompanhada, em todas as suas etapas transitórias, por uma barulhenta propaganda «socialista» e «comunista». Hoje, os chefes do PCUS falam de socialismo em termos que esse jesuíta reaccionário, que nos trópicos se faz passar por um filantropo socializante, não recusaria.
«Parece-me», diz Iúri Prokófiev, primeiro secretário do Partido em Moscovo, «que hoje a evolução de toda a comunidade mundial tende à opção socialista. Esta é fundada sobre os valores universais, sobre a moral e o humanismo. A opção socialista predetermina a igualdade social dos indivíduos, a possibilidade de cada um ocupar o seu lugar ao sol. Considero uma orientação comunista como a aspiração a uma sociedade ideal, aspiração eternamente própria à humanidade. Sou contra a sociedade onde uma classe se torna ditadora em relação a outra.»(37)
É difícil imaginar como ignaros tão declarados conseguiram ascender nos escalões de um partido comunista. Se houvessem lido e compreendido, nem que fosse apenas o Manifesto do Partido Comunista, teriam reconhecido o seu retrato no capítulo «O socialismo conservador ou burguês»:
«Uma parte da burguesia deseja remediar os males sociais para assegurar a existência da sociedade burguesa.
A ela pertencem: economistas, filantropos, humanitários, melhoradores da situação das classes trabalhadoras, organizadores da caridade, protectores dos animais, fundadores de ligas anti-alcoólicas, reformadores ocasionais dos mais variados.»(38)
Entre esses protectores de animais e outros vegetarianos com inclinações sociais, conta-se o braço direito do senhor Gorbatchov, Aleksandr Iákovlev. Este liberal arruma todos aqueles que não gostam do seu socialismo conservador, na «contra-revolução stalinista». Pobre Marx. Eis um resumo do pensamento de Iákovlev.
«A ideia socialista não é propriedade dos socialistas, mas sim o património de toda a humanidade. A ideia socialista apareceu por causa da imperfeição do mundo, sob a aspiração eterna do homem à justiça e à sua própria dignidade.» «A ideia socialista confrontou-se também com outro obstáculo: a contra-revolução stalinista. Era efectivamente uma contra-revolução, tanto na teoria como na prática e no conteúdo social.»(39)
Mas o profeta mais destacado deste socialismo burguês da última colheita, continua a ser o camarada presidente.
«Nós compreendemos presentemente o socialismo», diz Gorbatchov, «como uma grande ideia cujas raízes mergulham nas bases humanistas da cultura mundial e do pensamento humano universal.»(40)
Há mais de um século, Marx e Engels tinham já posto a ridículo estas frases empoladas. E haviam rompido com os reformadores que recusavam um
«socialismo exclusivamente operário» em proveito de «um socialismo universal, o de todos os homens tomados de amor autêntico pela humanidade».(41)
Pretextando ser portador de um pensamento humano universal, Gorbatchov apresenta todas as medidas de restauração capitalista como novos passos na via para o socialismo.
«O mercado não significa a renúncia à ideia do socialismo.» «Querem assustar-nos com a propriedade privada! Eu vejo a privatização da seguinte maneira: comprar as empresas, passando pelas acções, para fazer delas empresas populares.»(42)
Como a senhora Thatcher privatizou para fazer capitalismo popular, Gorbatchov privatiza para fazer socialismo humano. O mercado no interesse do socialismo! A propriedade privada no interesse do socialismo! Poder-se-ia jurar que Gorbatchov cita, por uma vez, o Manifesto do Partido Comunista, nomeadamente a passagem em que Marx exclama:
«Comércio Livre! no interesse da classe trabalhadora (... ) O socialismo da burguesia consiste justamente na afirmação de que os burgueses são burgueses — no interesse da classe trabalhadora».(43)
A glasnost introduziu na União Soviética a liberdade de expressão nos media oficiais de todas as correntes filosóficas e políticas burguesas que existiam nos países imperialistas. Estas correntes, firmemente reprimidas no tempo de Lénine e de Stáline, desenvolveram-se com Nikita Khruchov e com Bréjnev a partir dos velhos núcleos reaccionários que se mantiveram e a partir dos contactos com o Ocidente. A propagação deliberada destas tendências liberais, conservadoras, democratas-cristãs, sociais-democratas, tsaristas, nacionalistas burguesas lançou as bases da organização de formações políticas burguesas.
Anatóli Butenko descreve bem este processo e não deixa de revelar que a sua ponta de lança é dirigida contra o leninismo.
«Em consequência da glasnost existe no país a diversidade de julgamentos e de apreciações, de opiniões e de ideias políticas. (...) Voltamos a criar o pluripartidarismo soviético, ele já existiu depois de Outubro de 1917, mas foi mais ou menos liquidado por Lénine e pelo poder dos sovietes. O pluripartidarismo, quer dizer, a participação conjunta e a competição de vários partidos políticos na gestão da sociedade, é um meio de utilizar o pluralismo de opiniões com vista a um desenvolvimento progressivo.»(44)
Mas qual era esse pluripartidarismo idílico a que um Lénine feroz teria posto fim? Nas suas Memórias, Kérenski descreve bem como, após a tomada do poder pelo partido bolchevique, em 25 de Outubro de 1917, todos os partidos foram obrigados a tomar posição numa luta de vida ou de morte. No momento em que esta guerra civil rebentou, organizou-se uma União pela Ressurreição da Rússia, que agrupava os socialistas-populistas, os socialistas-revolucionários, os homens de Plekhánov, os kadetes — membros do grande partido burguês. Eles pronunciaram-se a favor de um «governo nacional» que dirigiria o combate contra os bolcheviques e continuaria a guerra ao lado da Inglaterra e da França. Uma coligação reunindo os socialistas-revolucionários, os socialistas-populistas, os kadetes e os generais tsaristas Alekséiev e Bóldirev governou a Sibéria, a partir de Setembro de 1918. Na região do Volga, um agrupamento «democrático» semelhante travou a guerra contra os bolcheviques, com a ajuda de armas checas. Todas estas forças «democráticas», ou mesmo «socialistas», coordenaram as suas acções com as tropas do general Koltchak e Deníkine. Nesta luta impiedosa não havia meio-termo: tinha de terminar ou com a vitória dos operários e dos camponeses pobres e médios, quer dizer, com a ditadura do proletariado, ou com a vitória dos partidos tsaristas e burgueses e dos seus amigos sociais-democratas, quer dizer, com o restabelecimento integral da ditadura da burguesia, ornada com algumas sobrevivências tsaristas.
Mas Kérenski deixa entrever a última estação onde chegam todos os que embarcam no comboio da liberdade absoluta, da liberdade pura — liberdade de empresa, liberdade de venda, liberdade de comprar jornais e liberdade de explorar; democracia para as forças políticas burguesas, democracia para os nostálgicos do tsarismo. Mesmo se eles se declaram socialistas- revolucionários, acabam por abraçar os déspotas surgidos da Idade Média:
«A experiência do regime bolchevique», escreve Kérenski, «já induziu algumas pessoas a rever a sua apreciação sobre Nicolau II. (...) O antigo tsar não era de modo algum destituído de sentimentos humanos».(45)
O pluripartidarismo constitui assim um biombo atrás do qual os partidos mais retrógrados forjam as suas armas. No dia em que estejam prontos, reprimirão e esmagarão sem piedade o que resta de forças comunistas na URSS. Sobtchak, presidente do Soviete de Leningrado e fanático do pluralismo burguês, declarou:
«Se o Partido Comunista da Rússia preconiza a ditadura do proletariado, será preciso que proibamos a sua actividade. Porque o apelo a não importa qual ditadura é um apelo à violência, ao derrubamento do regime existente.»(46)
Desde há 35 anos, desde Nikita Khruchov, todos os que se aplicaram a minar a ditadura do proletariado na União Soviética, fizeram-no em nome ao anti-stalinismo e de um regresso a Lénine. Ora, contra o nome de Iossif Stáline acumulou-se todo o ódio para com o comunismo que a grande burguesia do mundo inteiro alimentou durante três décadas. No decurso dos anos 20, 30 e 40, os imperialistas ingleses e franceses, primeiro, os fascistas alemães e japoneses, em seguida, e o imperialismo americano, por fim, encontraram em Stáline um adversário firme, inabalável, arguto, inteligente. A glasnost produziu durante quatro anos folhetins anti-stalinistas onde a crítica de alguns erros serve de pretexto a um dilúvio de mentiras, de intoxicações e de preconceitos anti-socialistas. Fazendo de conta que atacavam Stáline, os fanáticos da glasnost atacavam consciente e sistematicamente todos os princípios, todos os valores, todas as tradições comunistas. Nos dois últimos anos, com crescente arrogância, estes indivíduos agitam a sua conclusão: o leninismo não se distingue em nada de fundamental do stalinismo, e o leninismo é um produto directo do marxismo. Na União Soviética vimos produzir-se a uma escala gigantesca, um fenómeno observado dezenas de vezes no seio de organizações revolucionárias no Ocidente: as boas almas que, por um breve instante, namoraram Lénine e os renegados ávidos de uma carreira normal começam geralmente por alguns nebulosos «aprofundamentos da crítica revolucionária ao camarada Stáline», para virar de seguida no sentido do anti-stalinismo militante; uma vez recolhidos nos braços tranquilizantes da burguesia, liquidam rapidamente algumas lembranças de Lénine e de Marx, tal não precisa sequer de um esforço particular.
Um jornalista do Nouvelles de Moscou descreve-nos como percorreu esse ciclo de traição. Lev Voskressenski tem a palavra:
«Estes últimos anos, o Nouvelles de Moscou lutou — com toda a sociedade — com perseverança contra o stalinismo. No presente, este deixou de ser o inimigo principal e creio ser necessário concentrar a nossa atenção sobre o fenómeno a que chamarei de “leninismo congelado”. Os velhos slogans do género “Stáline é o Lénine de hoje” ou “Lénine morreu mas a sua obra continua viva”, contêm uma parte de verdade. (...) A infelicidade é que temos dificuldade em distanciar-nos das “normas leninistas”. No entanto, foi mesmo Lénine e os seus companheiros que puseram em prática o “comunismo de guerra” que durou até que o povo se erguer a meio do ano de 1918. E esse regime continua a fazer-se sentir. Todas as taras do stalinismo — o totalitarismo, o sistema de privilégios, a interdição da liberdade de palavra, o esmagamento da dissidência — remontam aos anos 20. Foi nessa época que a Igreja foi destruída e que foram expulsos do país as melhores forças intelectuais da Rússia.»
E o seu colega Iúri Kariákine, deputado do povo da URSS, de continuar:
«Como muitos outros, passei também por essa etapa em que era contra Stáline, mas a favor de Lénine. Também li a directiva de Lénine aos executantes da operação de “subtracção” dos bens da Igreja: aproveitemos a fome na Rússia para despojar os popes e para lhes fazermos medo durante os próximos cinquenta anos. E ele diz ao mesmo tempo que não se deve ir longe de mais. Meu deus, mas trata-se de um preâmbulo ao artigo «A vertigem do êxito», onde Stáline diz a mesma coisa: não se deve ir longe demais. Se queremos realmente mudar, é preciso ir às fontes. E a nossa fonte é essa. Em cada um de nós há Marx, Engels, Lénine. E Stáline também.»(47)
É sintomático que o episódio da luta de Lénine contra a reacção clerical e feudal, quando da fome de 1922, sirva de pretexto a uma multitude de direitistas para passarem para o lado do anticomunismo militante. Tatiana Ivanova, da Temps Nouveaux, confessa-se:
«Uma ilusão a respeito de Vladimir Ilitch vivia em mim. Esta ilusão dissipou-se agora. Uma mão de homem capaz de escrever tais coisas é uma mão sangrenta. (...) Agora sinto diversamente a insistência patética dos deputados exigindo que se tirem os símbolos leninistas das salas onde se sentam.»(48)
Aleksándr Tsipko, doutor em filosofia, expõe bem o pensamento liberal dos partidários de Éltsine: a Revolução de Outubro foi um erro trágico, a vitória dos bolcheviques na guerra civil marca o nascimento do stalinismo criminoso.
«Quanto mais se toma consciência, graças à glasnost, do nosso atraso em relação aos países capitalistas desenvolvidos, quanto mais a perestroika mostra coragem em esclarecer as profundezas da nossa crise, tanto mais a população protesta no seu foro íntimo contra tudo o que se prende com a Revolução de Outubro. Milhões de cidadãos estão persuadidos de que Outubro foi um erro trágico e que a guerra civil representa o limite a partir do qual começou a degradação nacional, o deslizamento para baixo. É preciso prestar homenagem a Éltsine porque ele soube aperceber-se da necessidade da descomunização e da desideologização da nossa sociedade.»(49)
Borís Kapústine, outro doutor em filosofia, ataca os bolcheviques com a grosseria de um pope ortodoxo convertido ao nazismo:
«Um dos elementos principais do código genético do bolchevismo é a fé segundo a qual a sociedade pode ser construída e reestruturada em nome da execução de projectos idealistas. Há um outro elemento do código genético do bolchevismo: a tendência para associar os problemas sociais à imagem do inimigo».(50)
Alexandre Iákovlev revela-nos também que nada há de fortuito na liquidação sistemática do socialismo que empreendeu ao lado de Gorbatchov: do anti-stalinismo ao anti-leninismo e ao antimarxismo procede-se por pequenos passos, tendo em conta em cada etapa o grau de adesão das massas trabalhadoras aos princípios socialistas. Cada medida contra-revolucionária deve ser avançada no momento oportuno, assim que a opinião pública tenha sido suficientemente trabalhada.
Eis como Iákovlev se propõe acabar com Marx.
«Tenho em casa um manuscrito de 250 páginas: trata-se da minha análise sobre o marxismo. Toda a gente afirma que Marx criou uma doutrina sobre o homem. Não criou nada disso. Pelo contrário, ele criou uma doutrina sobre a luta de classes, doutrina genial, mas que devemos abandonar. Em política, tudo deve fazer-se no momento adequado. Não se pode ignorar a opinião pública, o estado de espírito das pessoas.»(51)
O que atrás fica dito é suficiente para compreender que a glasnost abre de facto a via à contra-revolução na União Soviética. No entanto há autores soviéticos que se exprimem ainda mais claramente sobre os processos restauradores em curso no seu país. Eles referem-se-lhes com uma raiva que nos deixa perplexos.
Mas introduziremos este capítulo sobre a contra-revolução, com um diálogo bastante surpreendente entre um jornalista da Temps Nouveaux e o senhor Ernest Mandel, apresentado como teórico da IV Internacional trotskista.
«Temps Nouveaux: Mas não é verdade que Mikhail Gorbatchov proclama que a perestroika é uma verdadeira nova revolução?
«Ernest Mandel: Sim, ele proclama-o efectivamente, e é mais uma vez muito positivo. O nosso movimento tinha defendido a mesma tese há 55 anos, qualificaram-na por esse motivo de contra-revolucionária. Hoje compreende-se melhor, na URSS e no seio de uma boa parte do movimento comunista internacional, onde estavam os verdadeiros contra-revolucionários e onde se achavam os verdadeiros revolucionários.»(52)
Traduzindo: Gorbatchov e Éltsine, tal como o venerável Trótski, são revolucionários, Stáline e os bolcheviques da época stalinista são contra-revolucionários. Mandel exprimiu aliás esta ideia com particular clareza num jornal financeiro belga:
«O reformador Éltsine representa a tendência que pretende reduzir o imenso aparelho burocrático. Deste modo segue os passos de Trótski».(53)
Por uma vez estamos de acordo com Mandel. Éltsine marcha efectivamente sobre o rasto de Trótski. E não faltará muito para que toda a gente possa dar-se conta de que o senhor Éltsine chegará ao seu destino como um dos piores reaccionários e agentes imperialistas.
Vejamos agora esta estranha peça de antologia da literatura contra-revolucionária, produzida por um doutor em história, Evguéni Bajánov, um ardoroso adepto de Éltsine.
«A estratégia económica da Coreia do Sul, de Taiwan, de Hong-Kong e de Singapura é muito atraente e vale a pena adoptá-la nas suas grandes linhas. No entanto, antes de se estar à altura de recorrer a esta nova estratégia, devemos mudar nós mesmos, o que não é possível senão graças à democratização e à glasnost. Chegado ao poder em 1959, o gabinete de Lee Kuan Yew não fez nenhuma revolução. Em geral, nem se ocupou de nenhuma reestruturação do mecanismo sócio-estatal. Nesse momento, as bases do sistema social que estamos habituados a qualificar de capitalista, já estavam lançadas em Singapura. As velhas estruturas não foram suprimidas, mas defendidas contra os sindicatos e os estudantes de tendências radicais. A esquerda trabalhava para obter a ruptura com o capital ocidental, a expropriação dos exploradores, a socialização dos meios de produção. Se os meios governantes de Singapura tivessem demonstrado fraqueza, o país teria sido dilacerado pelas lutas político-ideológicas e conhecido o caos na produção e na sociedade. Além disso, os radicais teriam podido usurpar o poder. Lee Kuan Yew esmagou a esquerda e assegurou um desenvolvimento impetuoso das forças produtivas desse Estado insular. (...) Vejamos agora o que se passa aqui. Uma tarefa completamente diferente se coloca à sociedade soviética. Esta consiste não em proteger o sistema económico em vigor, mas em proceder a uma transformação radical, revolucionária, do nosso mecanismo económico. Lee Kuan Yew só tinha de proteger o seu sistema, enquanto Gorbatchov se vê obrigado a suprimi-lo.»(54)
É isto que os revolucionários da perestroika servem hoje em dia na União Soviética. A glasnost serve para fazer passar a União Soviética para o modelo de Singapura/Taiwan. Gorbatchov deve suprimir o mecanismo económico legado pelo passado socialista. É necessário introduzir as bases do sistema que estamos habituados a chamar capitalista. (Bajánov, aliás, nomeia-as: economia de mercado, estratégia governamental hábil visando promover os sectores-chave, estimular a exportação, atrair capitais e tecnologias estrangeiras; mão-de-obra barata, controlo de todos os aumentos salariais, interdição das greves). Uma vez as bases do capitalismo firmemente estabelecidas, será preciso defendê-las sem a menor fraqueza contra os sindicatos, os estudantes radicais, os socialistas-utopistas. Belo resumo da estratégia de Éltsine, marchando decididamente sobre o rasto de Trótski.
E Mandel quer fazer-nos crer que na União Soviética de Gorbatchov e de Éltsine se compreende finalmente quem são os verdadeiros contra-revolucionários. Ora, para qualquer homem de esquerda que siga os debates na União Soviética, a questão é clara: os que saúdam a glasnost e a perestroika como uma «revolução», quer dizer, os Gorbatchov e os Éltsine mas também os Bush e as Thatcher, usam a palavra no sentido de uma «revolução» contra o socialismo, contra as conquistas dos trabalhadores. Encontraremos no texto a seguir o entendimento da revolução que têm os adeptos de Éltsine. Ouçamos o professor Leonid Vassíliev, doutor em História, autor de um longo estudo sobre Borís Éltsine,
«o líder carismático que o povo está pronto a seguir».(55)
O seu texto, que é uma ode à contra-revolução, indica com perfeita clareza a orientação do senhor Gorbatchov e, mais ainda, de Éltsine, orientação que Mandel teve o despudor de chamar revolucionária e trotskista!
«A revolução socialista» — começa o nosso doutor em História — «é uma curva reaccionária da sociedade que arrepia caminho em direcção à estrutura oriental clássica. Por consequência, a revolução anti-socialista, quer dizer esta curva, de novo em direcção ao progresso da humanidade inteira, que nos nossos dias se opera em numerosos antigos países “socialistas”, pode ser considerada como uma revolução autêntica, uma revolução progressista. (...) A revolução anti-socialista que hoje atravessamos, é um processo lento e prolongado de transformações chamadas a modificar radicalmente a nossa sociedade. (...) A particularidade da revolução anti-socialista reside no facto de que formalmente ninguém lhe chamará jamais de anti-socialista. Ao contrário, as transformações radicais devem efectuar-se sob o signo claramente contrário, com referências às tradições da Revolução de Outubro. E não somente porque a população não está psicologicamente pronta para uma brusca mudança de estandarte. O facto é que, igualmente, a revolução “por cima” é efectuada pelo mesmo partido todo-poderoso que, durante décadas, implantou esta mesma estrutura que agora é necessário quebrar.»(56)
Em 1991, as polémicas mais virulentas já não se referem à questão de restaurar ou não o capitalismo. É um assunto arrumado. Os burgueses recém surgidos disputam-se sobre a rapidez e o radicalismo a imprimir à marcha para a liberdade.
O XXVIII Congresso do PCUS é inovador no facto de afirmar claramente a ruptura com o socialismo e a passagem à economia capitalista. É o ponto de chegada de um movimento de degenerescência acelerada chamado perestroika.
«A própria lógica da perestroika», afirma desde logo Gorbatchov, «coloca-nos na necessidade de empreender mudanças fundamentais no sistema económico.»(57)
O restabelecimento do capitalismo faz-se segundo três eixos.
Primeiro: a economia de mercado. Como um papagaio, Gorbatchov repete a propaganda liberal acerca do triunfo universal do mercado. Mas seria de mais pedir-lhe que fosse verificar no Terceiro Mundo as «vantagens» da economia de mercado. De qualquer modo, com a perestroika a ajudar, ele vai acabar por encontrar esse Terceiro Mundo diante da sua própria porta.
«As vantagens da economia de mercado», diz Gorbatchov aos congressistas, «foram provadas à escala universal, e agora o único problema é determinar se é possível criar, no contexto do mercado, sólidas garantias sociais.»(58) «A economia de mercado é a alternativa ao sistema de comando administrativo da economia nacional que fez o seu tempo.»(59) «A passagem às relações de mercado deve constituir o principal conteúdo da radicalização da reforma económica.»(60)
Sabendo que a passagem ao capitalismo integral encontrará uma resistência popular obstinada, Gorbatchov quer utilizar o PCUS para
«um vasto trabalho de explicação com vista a tornar a sociedade pronta a adaptar-se às relações de mercado»!
O trabalho ideológico do Partido Comunista consiste em suscitar na população
«uma profunda compreensão de que a passagem ao mercado não tem alternativa».(61)
Segundo eixo: a empresa privada e a desestatização.
«Nada impede de começar desde hoje a transformar as empresas de Estado em sociedades por acções, de ceder por contrato as pequenas empresas, o comércio, de incluir na esfera da compra e venda os alojamentos, as acções e outros títulos, uma parte dos meios de produção.»(62)
«Se os camponeses não se tornarem os donos reais da sua terra, os investimentos não darão nada.»
Para abrir livre curso ao capitalismo privado na agricultura, Gorbatchov tem de afastar certas resistências no seio do partido. Daí a sua afirmação de que os kolkhozes «viáveis» poderão (por agora) manter-se, na condição de poderem enfrentar a concorrência do privado. Trata-se, diz Gorbatchov, de
«promover possibilidades iguais para todas as formas de exploração agrícola. De deixar cada uma delas demonstrar a sua viabilidade e a sua eficácia. Rejeitamos a exigência de realizar uma descolectivização total».(63)
Terceiro eixo: integração na economia capitalista mundial:
«O saneamento da economia soviética depende em grande medida do modo como se integrará no sistema de divisão internacional do trabalho.»(64)
Gorbatchov cobre este programa de restauração capitalista com uma fina camada de demagogia socializante que tem de se encontrar ao alcance de qualquer Rocard ou Mitterrand. Gorbatchov tem uma bela fórmula para a passagem do socialismo degenerado ao capitalismo integral:
«Transformar a propriedade de Estado, de burocrática que era, em propriedade social gerida pelos próprios trabalhadores.»
Como será isto feito? Os trabalhadores podem alugar ou comprar a sua empresa, ou mesmo arranjar acções. Encara-se também a propriedade privada de certos meios de produção.(65) Assim, diz Gorbatchov,
«os trabalhadores tornam-se verdadeiramente os donos dos meios de produção e dos resultados do trabalho». «O mercado deve ajudar a dar rapidamente à nossa economia uma orientação social mais marcada.» «Portanto, dirigindo-nos para o mercado, não nos afastaremos do socialismo.»(66) Recordemos que a passagem à propriedade privada das empresas, que caíram nas mãos dos directores e dos tecnocratas tanto na Jugoslávia como na Hungria, foi acompanhada de ruidosos discursos sobre a autogestão dos trabalhadores.
A partir deste congresso, Gorbatchov acelerou a corrida em direcção ao reino dos comerciantes e dos empresários.
«A escolha está feita. É a passagem à economia de mercado.»(67)
Eis a mensagem das «Grande Opções da Estabilização da Economia Nacional e da Passagem à Economia de Mercado» (uf!), que o presidente remeteu ao Soviete Supremo em Outubro de 1990. Tendo abandonado qualquer referência às ideias marxistas em economia, Gorbatchov tornou-se indigente em ideias de qualquer espécie. As suas grandes opções parecem por vezes copiadas dos manuais de economia liberal.
«A passagem ao mercado não tem alternativa. Toda a experiência mundial provou a vitalidade e a eficácia da economia de mercado. (...) Os mecanismos de auto-regulação que lhe são inerentes asseguram o equilíbrio económico com uma melhor coordenação da actividade de todos os produtores, um uso racional dos recursos humanos, materiais e financeiros.»(68)
Não são ideias mas apologias do registo thatcheriano. Sublinhemos que só uma cegueira deliberada diante da miséria e da penúria das massas do Terceiro Mundo permite esboçar este quadro lisonjeiro da selva capitalista. Só considerando a maioria da humanidade como uma quantidade negligenciável, e o desperdício, a inactividade, a sobre-exploração de centenas de milhões de homens como pouca coisa, se pode elogiar a utilização racional dos recursos pelo mercado livre.
Mas continuemos a folhear este manual do secundário que faz as vezes de «Plano de Reforma» na União Soviética.
«Para que a economia de mercado seja eficaz, importa reunir as condições essenciais seguintes.
«Liberdade máxima da actividade económica, porque o princípio essencial da economia reside no livre produtor que aumenta a sua propriedade e, dessa forma, aumenta a riqueza nacional. (...)
«Responsabilidade total das organizações econômicas e dos empresários, sendo iguais todas as formas de economia. (...)
«O desenvolvimento de uma concorrência leal implica a desmonopolização da economia nacional. (...)
«Livre formação dos preços. O controlo dos preços por parte do Estado só é admissível numa esfera limitada.»(69)
Esta ingénua profissão de fé de um Gorbatchov neófito, zeloso em matéria de liberalismo, deixa-nos uma questão: por que razões misteriosas o Ocidente, de há um tempo para cá, arruma este aluno exemplar no rol dos conservadores?
Depois do XXVIII Congresso, uma série de medidas práticas foram adoptadas para levar a cabo as decisões. Conforme um decreto do Conselho de Ministros da URSS, aprovado em Setembro de 1990, podem ser fundadas «pequenas» empresas privadas ou mistas em praticamente todos os ramos da economia nacional. Estas podem empregar até 200 pessoas na indústria e na construção, até 100 no sector dos serviços científicos, até 50 nos outros ramos da produção e até 25 na esfera não produtiva.(70)
Saindo do brejnevismo, que não conhecia nem classes nem luta de classes, a União Soviética redescobre assim os valores universais do trabalho assalariado e do capital privado. Aos novos proletários, Gorbatchov promete o mínimo vital, aos novos burgueses dividendos máximos. As «Grandes Opções» prometem aos trabalhadores «um salário mínimo real», ao mesmo tempo que levantarão «as restrições às possibilidades de ganhos» para os empresários. Enquanto que os sindicatos continuarão (!) a defender os trabalhadores, «serão fundadas uniões de empresários».(71) Mas mal a existência de classes antagónicas é reconhecida por Gorbatchov, ele impõe aos proletários que recusem a noção de luta de classes!
«Aqui», diz «ou se vê o preto ou se vê o branco. Quando acabaremos de dividir-nos em vermelhos e brancos? Nós somos um mesmo país, um mesmo povo.»(72)
As «Grandes Opções» estabelecem um prazo de 18 a 24 meses para modelar uma infraestrutura capitalista.
«Será necessário tomar medidas enérgicas com vista a desestatizar e desmonopolizar a economia, a desenvolver a livre empresa e a concorrência.»(73)
Abálkine, um dos principais arquitectos das ruínas econômicas que hoje embelezam a União Soviética, expõe os seus projectos de desestatização. A agência Novosti interroga-o.
«O custo dos fundos de produção da URSS eleva-se, segundo a opinião de Leonid Abálkine, vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS, a três mil milhões de rublos. A minha pergunta a Leonid Abálkine: quantos soviéticos têm uma ideia clara sobre o modo como deve ser efectuada a privatização?
«- Na minha opinião, duas centenas de pessoas, não mais.
«- Entre as quais o senhor?
«- Sim.»
E Abálkine explica.
«A parte da privatização é definida pela soma dos meios que a população está pronta a despender para a compra de empresas. Na minha opinião, este montante eleva-se a 150 mil milhões de rublos. A parte da propriedade privada que a população poderá comprar ao Estado constitui cerca de cinco por cento desses bens. Mas a propriedade privada, no sentido estrito do termo, é seguida da propriedade cooperativa, das sociedades por acções, do arrendamento. A amplitude da desestatização é bem mais importante que a parte da propriedade privada.»(74)
Será preciso introduzir o capitalismo de maneira planificada e ordenada a partir de cima, controlado pelas estruturas do Estado e do Partido? Ou apostar num desenvolvimento do capitalismo selvagem na base?
Oleg Bogomolov, economista de nomeada, deputado do povo da URSS, que Mandel colocava na «esquerda radical»(75) é de opinião de que falta radicalismo na orientação para o capitalismo.
«O mercado? Só palavras. Nenhum mecanismo de privatização e nenhuma garantia para as empresas foram propostos. O mercado pressupõe a liberdade de compra e venda. As mercadorias, os capitais, a terra, a habitação, a mão-de-obra são o mercado. Será este o mercado? Tenho dúvidas. Trata-se antes de um mercado limitado, mercantil, de consumo, de que já tínhamos embriões até ao presente.»(76)
Gravil Popov conta com a pressão do Ocidente para obrigar Gorbatchov a acelerar a passagem à privatização.
«Os países ocidentais devem cessar de cooperar com o actual governo e com as estruturas burocráticas do aparelho que estão votadas a morrer», diz Popov ao Nouvelles de Moscou.
E continua:
«Parece-me que o programa de passagem à economia de mercado que Gorbatchov recomendou ao Parlamento e que este por fim adoptou, não dissipou as dúvidas no mundo dos negócios. O facto de não reconhecer directamente a propriedade privada, sobretudo a da terra, não pode deixar de alarmar. Além disso, o programa não está limitado no tempo. A Senhora Thatcher levou mais de dez anos para vender duas dúzias de empresas do Estado, mas quanto tempo terá Gorbatchov para privatizar a economia de um país inteiro?»(77)
Éltsine, que preside à principal República da União Soviética, decidiu aplicar na Rússia um programa de mercado e de privatização mais radical do que o que foi adoptado por Gorbatchov para a União. O Soviete Supremo da Rússia proclamou onze regiões, entre as quais as de Leningrado, Kaliningrado, Tchita e Sakhalme, como zonas de livre empresa. Isto permite às firmas vender a maior parte dos seus produtos no estrangeiro e dispor livremente das divisas recebidas, prerrogativas que ainda se encontram nas mãos dos órgãos centrais.
«É preciso dar às pessoas a possibilidade de trabalhar livremente», declarou Éltsine.(78)
Um dos seus próximos colaboradores, Guennadi Filchine, vice-presidente do Conselho de Ministros da Federação Russa, expõe a linha de Éltsine:
«A Rússia começa a realizar o programa de passagem ao mercado. Ela está a fazê-lo sozinha — as outras 14 repúblicas não se pronunciaram ainda. As primeiras diligências nesta via serão a desestatização da economia e a privatização, que englobam o trespasse ou a venda de tudo o que hoje pertence ao Estado para a propriedade privada, por contrato ou por acções. A privatização terá lugar primeiramente no comércio e na restauração pública (lojas, grandes superfícies, cantinas, cafés e restaurantes), no domínio dos serviços (salões de cabeleireiro, lavandarias e engomadorias, casas de costura, etc...) e em seguida na construção civil (oficinas, indústria de materiais de construção) e nos transportes rodoviários. Entre 70 a 90 por cento das capacidades serão privatizadas nestes sectores. A terra torna-se também objecto de propriedade tanto nas explorações para autoconsumo como nos kolkhozes.»(79)
A propaganda para o mercado e a livre empresa é acompanhada de uma difusão da ideologia dos fortes, dos ganhadores, da elite natural. Iúri Afanássiev:
«Pela sua natureza, o movimento democrático deve apresentar interesses diferentes. Por exemplo, a segurança social para os mais fracos supõe, no quadro da democracia, a liberdade para os fortes. Aqui nunca ninguém preconizou a liberdade para os fortes: as pessoas dotadas naturalmente de espírito de iniciativa. Se se toma a democracia unicamente como a protecção dos fracos, ficaremos eternamente com “o socialismo” ao nível da pobreza».(80)
A liberdade para os fortes conduzirá, segundo os partidários de Éltsine, muito naturalmente à constituição de uma «classe média» que faz a força de todos os grandes países capitalistas.
Mas há alguns pormenores que eles pretendem esconder por agora: esta «classe média» dos países capitalistas só se expande à sombra da grande burguesia e esta alimenta-se da exploração imperialista. No entanto, não se inquietem muito com tal esquecimento: os homens da glasnost lá chegarão. Por agora concentram-se no elogio da média burguesia, dos empresários, dos gestores, dos comerciantes, dos tecnocratas e da camada superior das profissões liberais. E é ainda um doutor em história que nos ensina como a história soviética marchará às arrecuas:
«...Nem o tsar nem a burocracia soviética tiveram jamais o gosto particular pelo comerciante, a inteligentsia, o engenheiro, o operário independente altamente qualificado, o médico de renome. E eis que de repente, sem que se esperasse, nos veio a ideia de que são os indivíduos que fazem a nação, que sem eles não há nem cultura nem evolução. Sem individualidades brilhantes, originais e independentes, só há o espezinhar colectivo e os slogans berrados pela multidão. Ora, as individualidades necessitam por sua vez de um quadro apropriado que a sociedade ocidental designa desde há muito pela expressão “classe média”. Aquela que agrupa os operários altamente qualificados, os engenheiros, os investigadores, os médicos independentes e talentosos, os homens de negócios audaciosos e empreendedores, uma classe que reclama para a sua livre existência a propriedade privada, a liberdade de opinião, a liberdade de empresa, as liberdades universitárias e académicas, e que é capaz de servir de ponto de apoio à estabilidade social, ponto sem o qual a sociedade ficará sempre votada à precariedade política.»(81)
Desde Nikita Khruchov, os revisionistas pretendem que já não há classes na URSS e que, por essa razão, há um «Partido de todo o povo». Esta teoria serviu para desmantelar a ditadura do proletariado e para esconder a aquisição de privilégios pela burocracia e pelos tecnocratas. Estando o marxismo definitivamente enterrado, eis que os soviéticos descobrem hoje que o motor da história não é a luta de classes mas a bravura das individualidades brilhantes. De uma penada, os homens da glasnost enfrentam um problema teórico embaraçoso: as individualidades geniais não surgem senão no meio de uma classe média dinâmica. Logo, na sociedade sem classes que é a União Soviética, é preciso rapidamente criar uma classe de burgueses e dar-lhe a liberdade de imprensa, a liberdade de organização, a liberdade académica, a liberdade de empreender. A liberdade, pois!
Um comentador político soviético apreendeu perfeitamente a ligação entre a emergência desta nova classe de exploradores e o multipartidarismo. Na Europa ocidental, sociais-democratas e revisionistas pretendem que o multipartidarismo é sinónimo de amplitude da democracia. Os restauradores soviéticos dão-nos a entender que a propriedade privada dos meios de produção, e portanto a ditadura da burguesia, constitui o terreno indispensável à expansão do multipartidarismo. Ouçamos o senhor Kritikov.
«...A passagem para o mercado, a privatização dos bens públicos, é vantajosa para a democracia no plano da estratégia. Com efeito, dezenas de novos partidos apareceram no nosso país. Mas há uma crise geral de confiança em relação à política e aos políticos. A causa essencial reside na ausência de motivação, na ausência de uma grande classe que tem algo a proteger e, no caso contrário, a perder: falo a propósito da classe dos proprietários. O produto da política de privatização traçada pela equipa presidencial será uma grande camada de pequenos e médios proprietários, hoje inteiramente inexistente na URSS. Com o tempo, esta camada constituirá a base do liberalismo nascente. Desde que as pessoas comecem a tomar consciência dos seus interesses materiais, são imediatamente tentados politicamente a defendê-los ou a apresentá-los aos organismos electivos. Por agora falta essa vontade política. Os novos partidos políticos são menos o resultado de interesses económicos do que o resultado da contestação política. Em lugar de procurar proteger os interesses de tal ou tal camada social, procuram derrubar o monopólio do PCUS e a burocracia. É por esse motivo que não são partidos de massas. Os destinos do pluralismo político e o reforço da base da frágil democracia soviética estão directamente ligados ao êxito — ou à derrota — da política de privatização.»(82)
Raciocínio impecável. Para acabar com o socialismo, é preciso minar internamente o partido comunista, depois roer-lhe o monopólio político. A contestação política pelas forças anticomunistas pode bastar. Em seguida é preciso encorajar, por todos os meios, o desenvolvimento de uma classe de proprietários burgueses. Uma densa rede de empresas privadas é a base material do pluralismo político: vários partidos burgueses, solidamente ancorados nos interesses materiais, defenderão os interesses das diferentes fracções dos possuidores.
A passagem ao mercado e à empresa privada terá como consequência um reforço dramático do domínio que as multinacionais e os banqueiros ocidentais já exercem na União Soviética.
À medida que a crise se agrava, a nova burguesia acha-se completamente sem soluções e cada vez mais se inclina a procurar todas as respostas nos «irmãos mais velhos» ocidentais. As «Grandes Opções» afirmam:
«A passagem a um sistema económico fundado sobre as relações de mercado permitirá aliar de modo coerente a nossa economia nacional à economia mundial».
E se a economia nacional, em lugar de se aliar de modo coerente ao mundo imperialista, se submetesse a uma anarquia crescente?
«Toda a organização económica tem o direito de efectuar operações econômicas externas. As firmas estrangeiras agirão sobre o mercado interno nas mesmas condições que todos os outros produtores.»(83)
Estas frases nebulosas encobrem as lutas assassinas que as multinacionais em breve irão travar pela sua hegemonia sobre os mercados soviéticos. Os recém-chegados ao capitalismo estarão muito mal colocados para resistir-lhes.
Desde a perestroika, a União Soviética caiu numa dependência crescente face ao grande capital ocidental. Com efeito, com as exportações em queda e as importações continuamente em alta, as dívidas da URSS incham perigosamente. Só em 1990, as exportações diminuíram 12 por cento. Em 1991, pelo menos 12,5 dos 20 a 21 milhares de milhões de dólares de receitas esperadas serão empregues no pagamento das dívidas. O resto será apenas suficiente para manter o funcionamento das empresas existentes.(84)
As novas classes abastadas na União Soviética tomam já o exemplo das burguesias compradoras dos países dependentes. Estas camadas possuem dezenas de milhares de milhões de rublos com os quais não acham nada para comprar. Nikolai Chmélev, economista, deputado do povo da URSS, propõe imobilizar parte desse dinheiro vendendo aos cidadãos a terra, os alojamentos, os equipamentos industriais, acções e obrigações do Estado. Outra parte deveria ser retirada da circulação através da colocação no mercado de artigos importados de consumo ostensivo já se entrevê.
Nikolai Chmélev não vê nenhum inconveniente numa dependência crescente dos centros de decisão económica do mundo imperialista: desde que isso contribua para acelerar a passagem ao capitalismo.
«Se a ajuda ocidental for garantida por um programa verdadeiramente radical de reformas de mercado, penso que, no fim de contas, essa ajuda não será ineficaz. Caso sejam colocadas condições, elas serão seguramente na mesma linha das recomendações do Fundo Monetário Internacional para sanear a economia. O Ocidente deve ajudar a perestroika, partindo dos seus próprios interesses.»(85)
Assim, a ala direita da nova burguesia, dirigida por Éltsine, mostra um carácter nitidamente comprador.
Os meios financeiros ocidentais não escondem que a passagem ao mercado na URSS será para eles a fortuna; e a imprensa da glasnost não mostra vergonha alguma em fazer eco dos seus sonhos de conquista.
«O desenvolvimento da economia de mercado na URSS fará finalmente alargar a zona mundial da economia livre. Segundo John Phelan Junior, presidente do Conselho dos Directores da Bolsa de Valores de Nova Iorque, isso promete “novas grandes possibilidades de comércio e de investimento para os homens de negócios de numerosos países”.»(86)
Gorbatchov começou a reforma do sistema político na União Soviética sob a bandeira da democracia, a que, à partida, chamou com insistência «democracia socialista», mas que, à chegada, se transformou em democracia universal à moda ocidental. A democratização de Gorbatchov consiste, no essencial, na desmontagem das estruturas políticas (já muito debilitadas) do socialismo, para as substituir pelas estruturas da democracia burguesa. Cinco elementos marcaram esta transição.
No início de 1988, Gorbatchov lança com fervor a palavra de ordem «Todo o Poder aos Sovietes». Com este grito de ressonâncias de esquerda, Gorbatchov executa uma viragem perigosa à direita. Trata-se de deslocar o centro de decisão para fora do Partido Comunista, para os Sovietes. Gorbatchov quer utilizar o aparelho de gestão do país, mais permeável à direita pró-ocidental, contra o Partido, sobre o qual pesa sempre o risco de renascimento da corrente marxista-leninista.
Em 1988, nas Teses para a XIX Conferência do Partido, Gorbatchov insere duas ideias fundamentais.
«A orientação principal da democratização é a de restabelecer o papel e as responsabilidades dos Sovietes dos Deputados do Povo enquanto órgãos representando o povo e dispondo de plenos poderes.» «[É preciso] garantir a liberdade de designação dos candidatos à deputação.»(87)
No seu relatório à conferência, Gorbatchov explicita esta última ideia.
«(É preciso) elevar as nossas estruturas institucionais actuais ao nível do Estado de todo o povo no sentido lato do termo.»(88)
Ora, durante os anos de Bréjnev, desenvolveram-se neste «Estado de todo o povo» novas camadas burguesas que já não escondem os seus objectivos sob uma verborreia comunista. Até agora, o PCUS barrava-lhes o caminho para o poder político. Gorbatchov introdu-los nos Sovietes, ao mesmo tempo que reforçará a independência destes em relação ao partido.
Este salto qualitativo executa-o Gorbatchov cantando sempre algumas pequenas árias leninistas.
«Nós professamos a concepção leninista do partido político»,
lança ele aos comunistas ainda hesitantes, mas que, apesar de tudo, seguir-lhe-ão os passos. No entanto, sabe-se que a palavra de ordem «Todo o poder aos Sovietes» pode ser utilizada tanto pela direita como pela esquerda. Em Julho de 1917, Lénine pronunciava-se contra esta palavra de ordem, encontrando-se então os sovietes nas mãos dos reformistas: esse apelo exprimia então o apoio à aliança dos reformistas com a grande burguesia. Quando da insurreição de Cronstadt, em 1920, todos os contra-revolucionários clamavam «Todo o poder aos Sovietes», porque uma maioria antibolchevique no Soviete de Cronstadt se mostrava disposta a derrubar as orientações de Lénine. Para salvar o socialismo, Lénine teve de esmagar a revolta.
Aos olhos de Lénine e de Stáline, os Sovietes eram, essencialmente, o instrumento da ditadura do proletariado contra as antigas classes exploradoras.
«Só os trabalhadores e os explorados eram admitidos nos Sovietes, com a exclusão dos exploradores de toda a espécie»,
«A ditadura do proletariado é uma luta tenaz, sangrenta e não sangrenta, violenta e pacífica, militar e económica, pedagógica e administrativa contra as forças e as tradições da velha sociedade. (...) A ditadura é exercida pelo proletariado organizado nos Sovietes e dirigida pelo partido comunista dos bolcheviques.»(90)
Duas noções chave que exprimem com evidência o pensamento de Lénine sobre o poder dos Sovietes: o papel dirigente de um partido autenticamente revolucionário e a ditadura do proletariado. Esta última noção foi enterrada por Nikita Khruchov em 1956; quanto ao partido, depois dessa data, a lepra revisionista apodreceu-o por todos os lados. Após o Inverno brejneviano, uma mudança revolucionária continuava a ser possível na União Soviética. Mas era necessário começar pela depuração do partido e o restabelecimento do seu espírito, dos seus princípios e das suas práticas revolucionárias da época de Lénine e de Stáline.
Ora, Gorbatchov fez exactamente o contrário. Ultrapassou pela direita o partido comunista, já mortalmente atacado pelo burocratismo, o tecnocratismo e os privilégios. Deslocando o centro do poder para os Sovietes, criou uma ocasião para a direita clássica de participar no poder e de organizar-se, como permitiu à ala liberal do partido de reforçar notavelmente as suas posições. Este movimento duplo para a direita foi incarnado por duas personalidades: Sákharov, para os anticomunistas, e Éltsine, para a direita do PCUS.
Quando das eleições com múltiplas candidaturas, em 26 de Março de 1989, a direita fez uma entrada em força no Congresso de Deputados do Povo (2250 deputados) e no Soviete Supremo (544 eleitos). Limitemo-nos a assinalar aqui dois êxitos marcantes dos anticomunistas: Sákharov, esse sequaz da CIA, fez-se eleger pela Academia das Ciências. Na Lituânia, 30 dos 42 lugares são ocupados pelo movimento nacionalista-burguês Sajudis. Mandel e a sua IV Internacional saudaram estas duas penetrações da direita, titulando:
«A nomenklatura sofreu uma derrota política. A democratização ultrapassou uma etapa».
À semelhança da grande imprensa burguesa, Mandel apelidou o Sajudis de
«grande movimento popular radical-democrático e nacionalista»
e colocou Sákharov na
«esquerda radical e progressista»!(91)
Sob a bandeira do «pluralismo socialista», Gorbatchov permitiu a todas as correntes sociais-democratas, democratas-cristãs e liberais, mais ou menos toleradas no partido desde a época de Nikita Khruchov, de se exprimirem livremente e de constituírem fracções. Entre o XXVII e o XXVIII congressos, ele transformou o PCUS, de um partido revisionista que se mantinha formalmente dentro de certos princípios da época socialista, num partido parlamentar burguês, situando a sua acção no quadro de uma economia de mercado e de um pluralismo parlamentar à ocidental.
Em princípios de 1988, Gorbatchov afirma:
«O socialismo dá a possibilidade de pluralismo de opinião, de pluralismo de interesses, de pluralismo de necessidades, dá a possibilidade de assegurar a realização desses interesses e dessas necessidades.»(92)
A ficção da sociedade sem classes e do partido de todo o povo, permite saudar todas as correntes de ideias burguesas e nome do «pluralismo socialista». Víktor Aksiútchits, dirigente em 1990 do Movimento Democrata-Cristão Russo, foi membro do PCUS até 1979; continua a manter contactos com a sensibilidade democrata-cristã no seio do PCUS.(93) Nikolai Trávkine entrou no Partido em 1981. No momento da morte de Bréjnev, ele ainda crê naquilo a que chama o «ideal socialista». Gorbatchov concedeu-lhe o título de Herói do Trabalho Socialista. Em Fevereiro de 1990 continua a pensar em mudar por dentro o PCUS. Hoje dirige o Partido Democrático da Rússia e pronuncia-se pelo capitalismo sem máscara,
«uma economia de mercado e a propriedade privada».
Mantém contactos no interior do PCUS com a tendência Éltsine.(94)
Gorbatchov permitiu que se criasse no seio do PCUS uma fracção abertamente burguesa, dita «Plataforma Democrática», dirigida por Éltsine, apoiada activamente por Iákovlev, o número dois do Bureau Político, e compreendendo toda a vanguarda «radical de esquerda» (a etiqueta que os partidários da Senhora Thatcher se atribuem, os mesmos que atacam quotidianamente os conservadores soviéticos, apelidados também de stalinistas...). Sob a pressão deles e do grupo Sákharov, o PCUS riscou da Constituição os artigos 6.° e 7.°, renunciando de um gesto ao monopólio do poder e abrindo caminho ao pluralismo burguês.
O XXVIII Congresso marca a viragem para um regime político burguês integral. A partir de agora, diz Gorbatchov, o partido lutará
«no quadro do processo democrático, das eleições para os órgãos legislativos. Neste sentido, actua como um partido parlamentar».(95)
Formará coligações com os novos partidos, esses abertamente burgueses. Gorbatchov quer
«o entendimento, a acção comum, uma larga cooperação com todos os movimentos sociais de tendência progressista, no interesse da perestroika».(96)
Também na vida interna, Gorbatchov defende a social-democratização.
«O PCUS recusa resolutamente o centralismo democrático tal como se formou nas condições do sistema de comando administrativo. A democratização do partido pressupõe o direito dos comunistas à expressão em grupo das suas opiniões em plataformas.»(97)
Não tardará a constatar-se que o centralismo democrático é substituído por um lado, pelo liberalismo e, por outro, pelo autoritarismo burguês. Segue-se outra medida do mesmo género que leva à liquidação:
«É preciso assegurar a independência dos partidos comunistas das repúblicas federadas. Eles elaboram os seus próprios documentos, normativos e de programa».(98)
É o estilhaçamento interno em fracções e o estilhaçamento em 15 partidos federais independentes.
Gorbatchov fez uma última observação bastante significativa sobre o partido, que permite relativizar as contradições entre os chamados «conservadores», «centristas» e reformadores radicais, de que a imprensa, tanto soviética como ocidental, nos enche os ouvidos. Gorbatchov descreve como o Comité Central saído do XXVIII Congresso elaborou a nova orientação:
«A despeito de toda a diversidade de opiniões, do confronto de posições e mesmo de divergências, as decisões sobre todas as questões de princípio foram tomadas de forma unânime ou quase nas sessões plenárias e, sem descanso, passo a passo, temos avançado».(99)
A opção fundamental a favor do mercado, a privatização e o multipartidarismo burguês parece fazer a unanimidade ou quase, referindo-se as divergências essencialmente ao ritmo das mudanças e aos mecanismos para o seu controlo.
E no entanto o partido rebentará no decurso do congresso da «unidade em torno da perestroika». Antes do XXVIII Congresso, o chefe da fracção mais à direita, Éltsine, tinha dito:
«Defenderei a plataforma democrática que se formou no seio do partido porque, na minha opinião, ela permite realizar uma reforma radical no PCUS».(100)
Ora, pode-se constatar que desde 1987, a ala direitista do PCUS desempenha magistralmente o seu papel de vanguarda, arrastando de cada vez o conjunto do partido para a direita. Agora que o congresso do partido comunista adoptou uma plataforma de restauração do capitalismo, Éltsine pensa que é chegado o momento de avançar. Abandona o partido, acompanhado de Popov, Sobtchak, Afanássiev e por uma parte da «plataforma democrática». Éltsine apadrinha a fundação do Partido Republicano da Federação Russa.
Uma intervenção de um delegado do grupo Éltsine revela-nos que os direitistas deixaram o partido para poder representar abertamente o novo patronato e empurrar o conjunto do establishment nessa direcção:
«Perguntam-nos se queremos formar primeiro empresários e depois defender os operários contra eles. É efectivamente estas duas coisas que queremos realizar simultaneamente.»(101)
Assim, a burguesia em torno de Éltsine propõe-se promover uma classe de exploradores capitalistas, reservando-se ao mesmo tempo a defesa dos novos explorados!
Um diálogo interessante desenrolou-se entre dois homens de Éltsine, membros da «plataforma democrática», um, Lev Karpinski, decidindo ficar no PCUS, o outro, Chostakóvski, deixá-lo. O primeiro acha
«necessário ficar no PCUS para aí trabalhar no interesse da democratização do partido e da sociedade».
O segundo replica:
«O PCUS desmascarou-se definitivamente. Continua a ser o freio principal das reformas democráticas no país».
Nenhuma divergência política maior entre os dois homens, Karpinski apoia o apelo de Éltsine a formar uma aliança entre todas as forças pró-perestroika.(102) Iúri Prokófiev, membro do Bureau Político, também não tem divergências notórias com o grupo Éltsine:
«Por várias vezes tentei convencer Chostakóvski de que, no quadro do partido, o trabalho podia ser organizado de maneira mais eficaz, com melhores resultados.»(103)
O sentido de tudo isto é claro: a existência de um partido independente, abertamente capitalista e composto por antigos dirigentes do PCUS, permite aos direitistas que ficaram no partido empurrar com mais força na direcção da restauração.
Para precipitar esse movimento, os partidários de Éltsine, no interior e no exterior do partido, não recuam diante da chantagem. Assim, a Temps Nouveaux pode escrever:
«O PCUS é hoje colocado diante de uma alternativa muito dura: empenhar-se na via de um parlamentarismo civilizado (onde as expectativas são pouco brilhantes), ou conhecer a cisão, a desagregação, a autodissolução. Certos acontecimentos nos países do Leste da Europa mostram os pormenores deste processo. No nosso país, ele pode infelizmente tomar formas muito menos civilizadas. (...) Não é preciso ser profeta para predizer uma rápida aparição da exigência de proibir o partido de “vanguarda” como organização política extremista representando um perigo para o sistema democrático constitucional.»(104)
Fora do Partido Comunista vê-se agora florescer na União Soviética centenas de partidos políticos abertamente burgueses. Alguns representam apenas um clã em torno de um punhado de arrivistas. Outros foram conglomerados mal definidos, procurando unir-se em torno de velhas ideologias de antes de 1917. Outros ainda são constituídos por mercenários que se empenham em subscrever os programas dos partidos conservadores, democratas-cristãos e sociais-democratas da Europa Ocidental, na esperança de ver cair do céu um maná desse lado.
O Partido Republicano da Rússia foi criado em 27 de Maio de 1990, em Moscovo. As organizações anticomunistas «Memorial», «Aprel» e «Chtchit» aceitaram aderir colectivamente ao PDR. O Partido Democrata-Cristão constituirá uma fracção no seio do PDR. Os seus líderes: Nikolai Trávkine, Guennadi Burbulis, Lev Ponomariov, Marina Salié, Iliá Konstantinov. O seu programa apoia-se no projecto de constituição de Sákharov e contém duas noções-chave: uma economia de mercado e a propriedade privada.(105)
O Partido Democrático da Rússia concluiu um acordo com dois outros partidos que sonham com um capitalismo à ocidental: o Partido Social-democrata da Rússia, de Oleg Rumiántsev e de Aleksandre Obolenski, e o Partido Republicano da Federação Russa. Este último, formado por elementos próximos de Éltsine, elaborou
«um projecto de privatização da propriedade segundo o qual a maior parte, terra incluída, deve ser distribuída gratuitamente em partes iguais, aos cidadãos do país».(106)
Vladímir Jirinóvski preside ao Partido Liberal-Democrata, surgido do nada em Março de 1990 mas reclamando-se do partido com o mesmo nome fundado em 1906. Iremos ver as posições políticas deste senhor quando abordarmos a nova política internacional da URSS.
Os partidos democratas-cristãos nunca existiram na Rússia, mas em Abril de 1990 foi fundado com a instigação dos partidos irmãos belga e alemão, o Movimento Democrata-Cristão Russo. Víktor Aksiútchits, o co-presidente não vai lá com meias tintas:
«Há três princípios ideológicos no MDCR: o anticomunismo consequente, o espírito cristão, o patriotismo esclarecido. (...) O liberalismo europeu ocidental pode ser concebido somente graças ao cristianismo que afirma a igualdade de todos diante de Deus.»
Três responsáveis democratas-cristãos, Aksiútchits e dois padres, Viatcheslav Polossine e Gleb Iakúnine, foram eleitos deputados do povo da Rússia.(107)
Em Setembro de 1990 reuniu-se a Conferência das Forças Cristãs Ortodoxas Patrióticas na qual participaram 400 representantes de 40 organizações, entre as quais a Frente Nacional Patriótica Pamiat, que decidem preparar a
«convocação de uma Assembleia de Estados provinciais com vista a eleger um novo tsar.»(108)
Todos estes partidos burgueses continuam precários e muito fracos do ponto de vista organizacional. Desde os ataques de Nikita Khruchov contra a experiência da ditadura do proletariado na URSS, a barafunda ideológica expandiu-se progressivamente entre a população, criando aberturas para toda a espécie de correntes de ideias burguesas. No entanto, só depois de 1985 é que essas correntes reaccionárias puderam expandir-se sem entraves. O que é indicador, seja dito de passagem, da grande eficácia do combate contra as correntes burguesas levado a cabo sob Stáline.
Gorbatchov não exclui a formação de um governo de coligação com a participação de
«representantes de diferentes forças sociais e de tecnocratas».(109)
O primeiro-ministro Rijkov recebe, por essa época, uma delegação do Bloco do Centro, com o senhor Jirinóvski, do Partido Liberal-Democrata, para discutir um governo de coligação. Em Novembro de 1990, Gorbatchov e Éltsine, irmãos desavindos, anunciam um acordo para fundar um governo de unidade nacional, no qual Éltsine reclama os lugares de primeiro-ministro, de ministro da Defesa e das Finanças.(110) É evidente que a existência de um número crescente de partidos burgueses, que tomam o partido comunista entre tenazes, empurra o conjunto do establishment para a direita.
A primeira expressão do multipartidarismo foi a criação de numerosas formações nacionalistas reaccionárias, surgidas dentre a centena de nacionalidades não russas. O nacionalismo burguês é uma ideologia com profundas raízes na história de diversos povos, e é a ele que recorrem os anticomunistas de diferentes cores para criarem uma base popular.
As posições liberais das frentes populares da Lituânia, da Letónia e da Estónia são bastante conhecidas. O seu projecto de restauração integral resume-se em poucas linhas:
«A Lituânia reconheceu o direito à propriedade privada, está pronta a dar a terra aos habitantes, prepara programas de privatização e de incentivo ao capital estrangeiro.
«O governo lituano estima ser indispensável indemnizar os seus cidadãos dos bens perdidos nos primeiros anos do poder dos Sovietes. Quanto às antigas empresas do Estado, ou se tornarão privadas ou passam a sociedades por acções.»(111)
Além disso, as frentes populares das repúblicas bálticas agem como verdadeiros laboratórios do imperialismo alemão e americano. O presidente da Lituânia, Vytautas Landsbergis, declarou recentemente:
«Estamos ameaçados de uma catástrofe económica, estamos ameaçados de uma acção militar. O objectivo da minha visita aos Estados Unidos foi pedir uma forma de protecção política por parte dos EUA.»(112)
A Ucrânia caiu sob o controlo do Rukh, a formação nacionalista de direita.
«A tensão social na Ucrânia aumenta», relata a agência Novosti, «a situação económica degrada-se, exige-se cada vez mais energicamente que a Ucrânia se separe da URSS e afirme a sua soberania, o prestígio dos comunistas desce.»
Em 21 de Setembro, Viatcheslav Tchornovil, presidente do Soviete dos Deputados do Povo da Região de Lvov, assinou uma resolução confirmando a desmontagem dos monumentos de Lénine.
Em Ternopol, os militantes do Rukh fazem piquete diante do Comité Regional do PCUS para reclamar a nacionalização imediata dos bens do partido comunista. Grandes comícios fúnebres são organizados nos lugares de enterro dos elementos pró-fascistas e reaccionários, executados entre 1939 e 1941, após a integração das regiões ocidentais da União Soviética.(113)
Cerca de 140 partidos e associações formaram-se na Geórgia desde Abril de 1989. Em Março de 1990 teve lugar em Tbilissi a primeira conferência do movimento para a independência, que lançou a campanha para a eleição do Congresso Nacional, concebido como alternativa ao Soviete Supremo. Alguns partidos tomaram parte nas duas eleições, as oficiais para o Soviete Supremo e, à margem da legalidade, para o Congresso Nacional. Foi o caso do Partido Comunista, que recolheu 5,5 por cento dos votos para o Congresso e 29,57 por cento para o Soviete Supremo, classificando-se em segundo lugar. O Partido da Independência Nacional, dirigido por Tseretéli, ficou em primeiro lugar nas eleições para o Congresso, com 35,51 por cento e boicotou as eleições para o Soviete. Tseretéli declarou:
«Pensamos que a Geórgia é um país ocupado e anexado.»(114)
Mandel esteve em todos esses combates contra o movimento comunista, em nome da
«democracia pura para toda a gente».
Assim, apoiou tanto na Lituânia como na Ucrânia, a
«larga frente por objectivos nacionais e democráticos» que quer a «libertação nacional»!(115)
A boa gente que se deixou embriagar pela demagogia da «democracia pura» e que desempenha o papel de vanguarda no combate para derrubar o socialismo, depressa constatará que o seu esforço será coroado pela instauração de uma ditadura burguesa implacável. Poderão queixar-se amargamente: de qualquer modo ninguém os vai escutar. Esta experiência, como Lénine não cessou de repetir, foi vivida dezenas e dezenas de vezes no decurso dos grandes movimentos revolucionários.(116) Não se poderá portanto dizer que foi por inadvertência que os trotskistas se colocaram, em nome dessa democracia para todos, do lado da contra-revolução, fosse na Polónia, na Checoslováquia, na Roménia, na Hungria ou na União Soviética. Ora, eis que na Lituânia, precisamente, uma escritora, democrata mas antimarxista, descreve perfeitamente como intelectuais um tanto sonhadores, abriram as brechas pelas quais a extrema-direita se lançou sobre o poder.
Vidmante Jasukaityte, deputada do Soviete Supremo, diz em tom desiludido:
«O renascimento [da Lituânia] começou com a união dos cientistas e dos artistas para proteger o Báltico contra o risco de ser aniquilado pelas torres de perfuração [de petróleo]. Foi então que o acadêmico Statulevicius e o escritor Petkevicius lançaram uma iniciativa que devia levar a um primeiro êxito tangível. Muita gente boa já abandonou o Sajudis, deixando espaço a representantes agressivos das camadas médias. O intelecto e a cultura cederam à concorrência destes representantes, que tanto barulho fazem em busca de poder. Sajudis perece porque já não é alimentado pela inteligência e pela cultura. Os que subiram os degraus da escada hierárquica unicamente graças à ideologia — desta vez anticomunista — continuam tão obscuros e cruéis como os bolcheviques do pós-guerra.»(117)
Uma última nota. Para alguns a «explicação» do surto das ideologias nacionalistas na União Soviética é simples: tudo isto é devido a dezenas de anos de opressão nacional pelo «stalinismo». Esta tese não tem pés para andar.
A guerra civil na União Soviética terminou em 1921. Nas repúblicas não russas, a resistência dos feudais e dos burgueses foi particularmente feroz. Apoiando-se numa longa tradição de dominação, estas classes estavam ébrias de vingança e convencidas de que veriam em breve a restauração. Stáline e os bolcheviques mobilizaram as massas mais oprimidas para o combate contra a reacção. Alguns exageros esquerdistas não podem obscurecer em nada o carácter revolucionário e justo destas lutas. Em 1941, a influência dos reaccionários nacionalistas sobre as massas tinha diminuído fortemente. Quando Hitler agrediu a União Soviética, baseou a sua política sobre o presumível descontentamento das «nacionalidades oprimidas». Uma folha nazi, publicada em 1943, titula:
«Pelos direitos dos seus povos: as unidades de voluntários de Leste são a encarnação de mais de 160 povos que o bolchevismo incorporou à força na URSS».
E vá de explicar:
«O povo ucraniano é, pelo seu carácter próprio, oposto às frias teorias dos Sovietes, contrárias à sua natureza». «Durante longos anos, o povo do Azerbaijão levou a cabo uma guerra sangrenta contra o bolchevismo. Teve de ceder ao terror.» «Os arménios sempre tiveram mártires religiosos. Por isso é natural ver neles inimigos declarados do bolchevismo.»(118)
Mas contrariamente às expectativas nazis, as nacionalidades «oprimidas» não se juntaram de forma alguma aos fascistas. Se foram tão «aterrorizadas» por Stáline, o que as teria impedido de colaborar em massa com Hitler? Na Bélgica, como em França, a grande maioria da população aceitou o «facto consumado» da ocupação nazi. Em todas as repúblicas da União Soviética, pelo contrário, a resistência foi feroz: as massas trabalhadoras sabiam que deviam ao socialismo, ao partido bolchevique e a Stáline, a sua libertação. E a guerra antifascista comum selou ainda mais a unidade dos povos da URSS. Foram precisos 35 anos de apodrecimento revisionista para que os ideais socialistas se apagassem completamente no seio das estruturas soviéticas e que as correntes nacionalistas reaccionárias pudessem, progressivamente, reerguer-se.
A legalização efectiva dos partidos burgueses impulsionou o aparecimento de correntes reaccionárias de massas, que se exprimiram por manifestações, comícios e greves. Com a verborreia de «esquerda» que se lhe conhece, o trotskista Mandel fez o panegírico deste «acordar das massas». Declarou à imprensa soviética:
«O acordar da actividade autónoma das massas, da sua intervenção crescente na vida política, foi estimulado incontestavelmente pela glasnost e é uma vez mais muito positivo. (...) O regime burocrático não poderá ser eliminado senão por uma revolução por baixo, por acção resoluta de dezenas e dezenas de milhões de cidadãos soviéticos, antes de tudo, pelos trabalhadores.»(119)
Ora, no caos político que reina actualmente, uma parte significativa das massas, e uma fracção importante da classe operária, segue os demagogos populistas do género de Éltsine, que lutam obstinadamente pela introdução do capitalismo integral. Para ser realmente autónomo, isto é, para prosseguir os seus interesses económicos de classe e romper totalmente com a burguesia, o movimento operário deve adoptar uma política marxista-leninista. A actividade «autónoma» das massas para responder a problemas reais, que tanto excita o senhor Mandel, nem por isso deixa de ser dirigida pela contra-revolução burguesa.
À semelhança da extrema-direita e das organizações fascistas, o grupo de Mandel apoia as forças da restauração, gabando-lhes os méritos no combate contra «o regime burocrático» e «contra o stalinismo». No entanto, qualquer militante de esquerda que queira informar-se, compreende facilmente a verdadeira natureza de todos estes «freedom fighters».
Assim, a 15 de Julho de 1990, teve lugar em Moscovo uma manifestação que juntou praticamente todas as formações que, nestes últimos anos, receberam o apoio entusiástico dos trotskistas. Segundo o Nouvelles de Moscou, foi
«a mais importante intervenção antigovernamental e anticomunista destes últimos anos, organizada pelo Bloco Rússia Democrática, a Associação dos Eleitores de Moscovo, o Memorial, a Plataforma Democrática do PCUS, a União Escudo e outros. As faixas, “O PCUS para o caixote do lixo da história!”, “Compatriotas, curemos a Rússia do bolchevismo!”, “PCUS dá-nos de volta as tipografias!”, eram acompanhadas por gritos de “Abaixo o PCUS!”. Os organizadores afirmam ter reunido 400 mil pessoas. (...) Viatcheslav Golikov, membro do comité de greve dos mineiros do Kuzbass, agradeceu aos moscovitas o seu apoio: “...O governo soviético deve demitir-se, se não, os mineiros começarão uma greve política permanente”.
«O comício exprimiu a sua solidariedade para com os mineiros em greve e alguns oradores que os representavam tiveram direito às mais ruidosas ovações.»(120)
Dezenas de clubes, grupos e partidos apresentados como operários reuniram-se de 30 de Abril a 2 de Maio de 1990, em Novokuznetsk, para fundar a Confederação do trabalho. Participaram 334 delegados das principais regiões industriais da Rússia, da Bielorrússia, da Ucrânia, do Cazaquistão, do Azerbaijão, assim como uniões operárias da Letónia e da Lituânia. Este «movimento operário independente», aplaudido por Mandel, apelou entusiasticamente ao desenvolvimento do capitalismo.
«O congresso pronunciou-se claramente pelo desenvolvimento no país das relações de mercado, precisando que a transição para o mercado deveria operar-se à medida que sejam criados os mecanismos de protecção social dos trabalhadores.»(121)
Na sondagem efectuada entre mais de 500 delegados ao I Congresso dos mineiros da URSS, realizado em Junho de 1990, em Donetsk, 89 por cento dos inquiridos pronunciaram-se por uma economia de tipo capitalista! À questão: «Que tipo de economia defende?», quatro por cento preferiram uma economia planificada, 55 por cento optaram por uma economia de mercado controlada, mas com protecção social dos trabalhadores. Outros 34 por cento queriam simplesmente o mercado livre. Para 53 por cento era preciso implantar a propriedade privada das empresas tão amplamente quanto possível, enquanto 23 por cento só a querem «a título de excepção».(122)
Depois da publicação do livro de Philip Agee, Diário de um Agente da CIA, sabe-se que uma das tarefas prioritárias da CIA em todos os países é influenciar os sindicatos operários. O movimento «operário» reaccionário, controlado pela direita, teve um papel importante na queda de Allende no Chile e na derrota dos sandinistas na Nicarágua. Se o reaccionário polaco Pilsudski foi o pai do Solidarnosc, a CIA foi a mãe.
Hoje, o Ocidente espera que o movimento operário «independente» na URSS desempenhe o mesmo papel.
«No contexto do monopólio total do Estado», escreve um tal Leonid Gordon, «os colectivos de trabalhadores são suficientemente poderosos para quebrar a resistência às transformações democráticas, e isto sem recorrer à violência. Por isso, o movimento operário pode representar um dos factores mais importantes na aceleração da perestroika. Há apenas um ano, os mineiros foram dos primeiros a seguir Andrei Sákharov, intervindo pela revogação do artigo 6.° da Constituição da URSS sobre o papel dirigente do Partido. Presentemente são de novo os primeiros a reclamar a criação de um governo de coligação que goze da confiança do povo.»(123)
Nessa altura, num artigo saudando as greves dos mineiros, os trotskistas referiam em termos quase idênticos a posição de «vanguarda» adoptada por Sákharov, Éltsine, Afanássiev e Popov a favor do «multipartidarismo» e da «democratização» e contra «o artigo 6.° da Constituição». A «revolução para eliminar a ditadura burocrática», defendida por Mandel, junta-se ponto por ponto às tácticas elaboradas por Elena Bonner, a viúva de Sákharov. Compreende-se que não é por acaso que Mandel incensa Sákharov como sendo um «progressista» e um «radical de esquerda»! Eis como a viúva de Sákharov explica a estratégia da «greve geral política», tão cara ao chefe trotskista. O leitor compreenderá que, assim que Elena Bonner fala de «esquerda», designa o que comummente se chama, entre nós, de direita...
«É impossível», afirma a senhora Sákharov num comentário sobre o XXVIII congresso do PCUS, «refazer, remodelar, reformar o partido. O país está farto. (...) A esquerda apareceu em cena, tendo por ponto culminante o momento em que Borís Éltsine declarou que abandonava o partido. (...) O erro principal das forças de esquerda é o de não ter apelado ao país para apoiar os mineiros. A presença tácita da esquerda na sala colocava-a do mesmo lado que a direita. Parecia que ambas tinham igual receio do povo. Receio da rebelião, da desordem. Mas a greve política não é uma rebelião, é a única possibilidade do povo manifestar a sua vontade. As greves e as manifestações massivas nas ruas dos países do Leste europeu demonstraram-no. (...) Os eleitos do povo devem compreender eles próprios, e saber explicar ao povo, que é possível avançar sem motins nem efusão de sangue, mas para tal, o país deve desembaraçar-se do partido-monopólio, do partido-poder. (...) O partido ou os seus líderes são responsáveis por, ao fim de 70 anos, nos encontrarmos aqui. O mais importante é que o partido se tornou um obstáculo psicológico. Os bens do partido devem ser nacionalizados e o PCUS deve ser dissolvido, por decreto, não do partido, mas dos deputados do povo da URSS. Mas na sua composição actual, estes são incapazes de tomar uma tal decisão. (...) É necessário um movimento a favor das eleições antecipadas dos deputados do povo da URSS. E a greve política geral é o único meio de fazer nascer esse movimento. Andrei Sákharov considerava-a já indispensável em Dezembro. O tempo provou que ele tinha razão.»(124)
Mandel, esse alquimista das fórmulas retumbantes que servem para embrulhar os mil ingredientes da política americana, pode aprender com a viúva Sákharov como se fala claro.
Os vestígios das estruturas socialistas esfarrapam-se, os últimos valores socialistas evaporam-se, as forças capitalistas abrem caminho através dos destroços caóticos de uma economia planificada derrubada, através da selva de uma criminalidade desvairada onde pululam bandidos, mafiosos e «capitalistas da sombra».
A crise económica agrava-se todos os meses. Logo que chegou ao poder, Gorbatchov denunciou em termos virulentos a estagnação económica na época de Bréjnev. O crescimento do rendimento nacional, que era de 6,5 por cento no período de 1961 a 65 e de 7,7 por cento entre 1965 e 1970, diminuiu para três por cento em 1981-1983, nos últimos anos de Bréjnev. Do mesmo modo, a produtividade do trabalho decaiu de 3,4 e 3,2 por cento nos dois primeiros períodos para 1,4 por cento em 1981/82.(125) É intolerável, não podemos continuar a viver como antes, diz Gorbatchov, jurando que as condições de vida iriam melhorar significativamente entre 1985 e 1990. Mas, no final de 1990, o próprio primeiro-ministro Rijkov vê-se obrigado a entregar ao seu chefe um título de incompetência:
«Conhecemos uma baixa sem precedentes da produtividade. Em 1990, em relação ao ano precedente, o rendimento nacional produzido diminuiu quatro por cento e a produtividade do trabalho três por cento».(126)
Rijkov afirma que o ritmo de crescimento continuou relativamente estável em 1986/88 e que o afundamento de 1989/90 foi provocado pela improvisação e a incompetência dos restauradores impacientes. Como causa principal do «desastre» que ameaça a economia, cita a «passagem, em grande escala mas não estudada em todos os pormenores, a novos princípios de gestão».(127)
Hoje, as pessoas têm a nostalgia do tempo de Bréjnev...
«Nessa época conseguíamos sobreviver, já não é o caso com a perestroika» — ouve-se dizer cada vez mais frequentemente. «Que posso dizer?», suspira uma mulher idosa ucraniana. «Não há leite, há 500 gramas de farinha torrada por mês, tem-se direito a três caixas de fósforos, mas é impossível comprá-las. Recebo uma pensão de 76 rublos. O que se pode comprar com esse dinheiro? A fome é o que conhecemos permanentemente.»(128)
Como Gorbatchov decidiu passar à economia de mercado e à empresa privada, toda a gente sabota o sistema planificado, pondo-se cada qual a roubar e a desviar. Arranjar um capital para não faltar ao grande encontro dos novos empresários, é a palavra de ordem dos fanáticos da perestroika. Capitalistas da sombra e burocratas especulando sobre a falta de produtos de primeira necessidade fazem aumentar os preços. Acumulam fundos dos quais se servirão aquando das próximas privatizações.
A produção industrial sofreu uma queda em 1990 de 0,8 por cento. Em 19 de Dezembro, Rijkov revela um número que mostra bem a destruição provocada pela perestroika:
«Até agora, as empresas do país só concluíram 60 por cento dos contratos de fornecimento de produtos. Este número traduz uma destruição grave das ligações econômicas.»(129)
De 1988 a 1990 a produção de petróleo diminuiu dez por cento. O défice orçamental, 60 mil milhões de rublos em 90, subiu em flecha para os 250 mil milhões de rublos.
«Isto conduzirá à derrocada completa do mercado de produtos de consumo e a uma inflação galopante», diz Valentin Pavlov, ministro das Finanças.(130)
O factor principal da crise política é a desagregação de facto da União Soviética em 15 repúblicas «independentes». A Rússia, a Ucrânia, a Bielorrússia, a Moldávia, a Arménia, o Azerbaijão, a Quirguízia, o Cazaquistão decretaram a sua soberania estatal à qual se agarram sobrepondo-a a tudo. Dão a prioridade à soberania e não ao novo Tratado da União proposto por Gorbatchov. Quando à Lituânia, à Estónia, à Letónia e à Geórgia declararam logo que não assinavam o Tratado.(131)
Mas cada uma das 15 repúblicas «soberanas» rebenta por sua vez sob a pressão dos seus próprios movimentos «independentistas». Éltsine, o presidente da Federação Russa, quer assinar um «tratado federativo» com as 16 repúblicas autónomas que constituem a Federação, com as cinco regiões autónomas e os dez distritos autónomos que integram a Rússia e que, quase todos, proclamaram a sua autonomia real ou decididamente a sua independência!(132) Os «democratas» que reinam na Geórgia «independente» acabam de abolir a região autónoma da Ossétia do Sul, na base do que os ossetas se preparam para um levantamento. Na Ucrânia, sobe a tensão entre o Leste e o Oeste, mais orientado para a extrema-direita, e acontece o mesmo entre ucranianos e russos que constituem 21 por cento da população.
Gorbatchov parece ter sido ultrapassado pelos acontecimentos, e os poderes quase ilimitados que se atribuiu em nada alteraram a sua notória impotência. No princípio de Janeiro, os fascistas que presidem nos bastidores aos destinos da Lituânia intensificam com mão de mestre as suas provocações. Gorbatchov replica, lamentando
«a incompreensão e mesmo a recusa de compreender a política do Presidente»!(133)
Pela enésima vez ouvimo-lo denunciar
«actos ilegais, a própria violação da Constituição, os ataques virulentos aos direitos civis, a discriminação de pessoas pertencentes a uma outra nacionalidade, o comportamento irresponsável face ao exército».
Depois, como que a confirmar a sua inconsistência e capitulação, critica
«as acções arbitrárias da parte das tropas» e exclama: «Nem a política interna nem a política externa mudaram».(134)
Cada vitória dos nacionalistas de direita numa república intensifica as vociferações independentistas nas outras. Gorbatchov agita o espantalho da guerra e da catástrofe.
«Não podemos dividir-nos. Se começamos a dividir-nos será a guerra. Uma guerra terrível, conflitos armados. Não podemos partilhar o exército, a arma nuclear. Em geral, isso pode desembocar numa catástrofe não apenas para o nosso país mas também para o mundo inteiro.»(135)
Mas no seu novo Tratado da União, para marcar bem a ruptura com a União Soviética de Lénine e de Stáline, Gorbatchov inscreveu como primeiro princípio:
«Cada República signatária do Tratado é um Estado soberano e tem toda a plenitude do poder do Estado sobre o seu território».(136)
Mesmo que Gorbatchov consiga a adopção do seu tratado por referendo, a escalada da agitação separatista e fascista continuará.
A crise económica e política geral destruiu a confiança da população em praticamente todas as estruturas políticas do país.
A equipa de Gorbatchov, que desencadeou ela própria todas as forças anti-socialistas, constata a «derrota da perestroika».(137)
«A perestroika, em 1985, tinha por objectivo renovar o socialismo, superar as suas deformações», declara o primeiro-ministro Rijkov. «Mas não pôde cumprir as promessas devido à influência das forças destrutivas que, é hoje evidente, procuram mudar o próprio carácter do nosso sistema socialista.»(138)
Rijkov que sabe que é um político acabado, fala com toda a franqueza aos deputados.
«A perestroika destruiu numerosas estruturas antigas do Estado e do Partido. Ora, nada de eficaz foi criado em seu lugar. (...) Isso repercutiu-se imediatamente sobre a economia onde não há actualmente nem plano nem mercado. (...) O governo não podia deixar de ter isso em conta, razão pela qual o acusam até hoje de conservadorismo.»(139)
Se em Dezembro de 1989, Gorbatchov tinha a inteira confiança de 52 por cento dos soviéticos, dez meses mais tarde, esse número descia para 21 por cento.(140)
Mas a oposição de direita a Gorbatchov, os Éltsine, Popov, Sobtchak e outros Afanássiev, apesar da sua vitória impressionante nas últimas eleições para os sovietes, não têm um domínio organizado e estável das massas. As disputas entre as diferentes seitas e clãs de «democratas», as suas tiradas demagógicas, começam já a fatigar as pessoas. Um jornal próximo destes direitistas publica as críticas de um homem sem papas na língua:
«Tenho a impressão de que o único resultado das eleições foi termos substituído pulhas por idiotas».
Os soviéticos estavam fartos dos burocratas e dos seus privilégios do tempo de Bréjnev; os «democratas» fizeram-se eleger graças a mil promessas demagógicas não mantidas. Um deputado «democrata», Oleg Poptsov faz certas constatações pertinentes:
«O poder local, o mais próximo das necessidades práticas e dos problemas dos cidadãos, tornou-se a prova mais difícil para os democratas. (...) Os democratas são vulneráveis em matéria executiva. Isso decorre do facto de terem visado permanentemente o aparelho como um alvo político, desestabilizando-o e fazendo-o recuar. Mas a maldição volta-se contra o novo aparelho que os democratas têm muita dificuldade em constituir».
Uma parte da opinião pública volta as costas tanto a Éltsine como a Gorbatchov e começa a especular sobre a chegada de uma terceira força: o exército ou o levantamento popular.
«A ideia da terceira força é sintomática», continua Poptsov. «Confirma tanto o vazio na arena política como a vontade de entrega a exageros. A sociedade exausta, indigente, está à beira do desespero.»(141)
Uma vaga de delinquência abateu-se sobre o país: mata-se, viola-se, saqueia-se.
«Segundo as sondagens, o que mais inquieta as pessoas é a ausência de ordem. Significa isto que aquele que a garanta gozará da confiança da sociedade?»,(142)
pergunta-se um reputado sociólogo soviético.
Que caminho tomará a União Soviética? Num país à beira de rebentar, onde o partido dirigente se desmembra, onde a crise devasta todos os domínios da vida económica e social, as forças políticas sofrem grandes mutações (há ano e meio, Gorbatchov jurava manter o papel dirigente do PCUS...), as alianças políticas fazem-se e desfazem-se a um ritmo acelerado (em 1988 Gorbatchov era muito popular na Lituânia.).
No entanto, pode-se entrever quatro orientações políticas maiores.
Primeiro, há uma orientação política que se desenha bastante nitidamente e que pode chamar-se a linha da burguesia liberal e pró-ocidental. Os seus protagonistas são direitistas do género Éltsine, Popov, Sobtchak, Afanássiev, Chmélev, Bogomolov e Iákovlev, que outros chamam de «reformadores radicais», «progressistas» ou ainda «radicais de esquerda». Estão próximos das posições dos nacionalistas burgueses das repúblicas não russas. Todos são partidários da introdução, em ritmo forçado, da propriedade privada dos meios de produção, de um programa radical de privatizações. Além disso acreditam que a independência completa das diferentes repúblicas constitui o único meio eficaz para consolidar a burguesia liberal em todo o território da União Soviética. Vão todos muito longe na política de aproximação ao imperialismo: os seus objectivos vão desde a integração no Mercado Comum à introdução massiva de capitais estrangeiros. Mas se Éltsine e Iákovlev defendem por agora um «mercado comum» entre as 15 repúblicas «independentes», segundo o modelo da Comunidade Europeia, não é claro que os dirigentes das três repúblicas bálticas e da Geórgia se contentem com algo menos que a independência total e uma associação com a Europa ocidental.
Lembremos que os trotskistas do grupo Mandel apoiaram todos os protagonistas desta orientação liberal-burguesa e pró-ocidental, tanto os Éltsine, Afanássiev e Bogomolov como os nacionalistas-fascistas da Lituânia, da Letónia e da Ucrânia.
Foram feitos esforços para reunir todas estas forças liberais num «Fórum Democrático». O Partido Democrático da Rússia, o Partido Republicano (a antiga Plataforma Democrática de Éltsine no seio do PCUS) e o Partido Social-Democrata integraram-no, tal como os grandes tenores democráticos «independentes»: Éltsine, Popov, Sobtchak e outros. A participação das três repúblicas bálticas parecia adquirida.
«A este propósito, Iúri Afanássiev acaba de discutir várias questões nas repúblicas bálticas. Negociações preliminares tiveram lugar com a Ucrânia. Os representantes do Cazaquistão declararam-se também desejosos de participar no Fórum.»(143)
Aliás, na Rússia, Éltsine retomou a demagogia nacionalista para unir as forças reaccionárias nas repúblicas não russas. Para ultrapassar o Tratado da União, graças ao qual Gorbatchov pretende evitar a eclosão, Éltsine publicou, em Novembro de 1990, a nova Constituição da República Federativa da Rússia. A palavra socialista foi riscada, o direito à propriedade privada dos meios de produção passou a figurar; a Rússia controlará os recursos naturais no seu território e será responsável pelas forças armadas e pela política externa, dois domínios que Gorbatchov reserva à União.(144) Em Dezembro, Éltsine, na qualidade de presidente da Rússia, assinou um tratado com a Ucrânia, em que esta é considerada um Estado soberano. Seguir-se-ão tratados semelhantes com a Arménia, o Azerbaijão e a Bielorrússia, declarou Éltsine. Desta forma esforça-se para realizar o seu ideal de uma nova Comunidade entre estados soberanos, à imagem da Comunidade Europeia.(145)
Todos estes liberais têm laços estreitos e fortes com o imperialismo americano e europeu, que, no entanto, agem com muita discrição, uma vez que o desmantelamento das estruturas socialistas na URSS se mostra um assunto delicado e complicado. Durante a cimeira em Paris dos Trinta e Quatro países, em Novembro de 1990, Gorbatchov parecia um homem largamente ultrapassado pelo surto das forças de direita na URSS.
«Pela primeira vez», faz notar o Guardian, «os dirigentes ocidentais tiveram dúvidas: será que Gorbatchov é ainda o homem com quem se podia tratar eficazmente?»(146)
Jack Matlock, o embaixador americano em Moscovo, mantém relações regulares com Éltsine.
«Não podemos permitir-nos negligenciar as outras forças políticas»,
afirma um responsável dos Negócios Estrangeiros.(147) Gerald Frost, director do Institut for European Defense and Strategic Studies, próximo da senhora Thatcher, pode permitir-se falar mais claramente:
«A estrutura predominante [na URSS] é a máquina do Estado existente — o governo, a burocracia, o KGB, os sindicatos oficiais. A segunda estrutura, a mais fraca, claro, compreende as repúblicas, os novos partidos políticos e os novos sindicatos independentes. Se o Ocidente não quer prolongar a morte da primeira estrutura, então os ministros da Comunidade Europeia deveriam voltar a sua atenção para a nova estrutura do poder.»(148)
Assim, a fracção mais agressiva do mundo imperialista aceita os riscos ligados à explosão violenta da União Soviética. A balcanização da África e do mundo árabe assegurou as condições óptimas para a dominação imperialista. Depois da restauração do capitalismo na URSS, os espíritos mais imaginativos do Ocidente começam a sonhar com a sua submissão econômica e política. Gorbatchov tem portanto razão de denunciar os que se «curvam perante o estrangeiro convidando-o a resolver os nossos problemas».(149)
A segunda linha política que por agora predomina é a de um capitalismo misto numa União mantida entre as 15 repúblicas e colocada sob uma autoridade central forte, capaz de dominar os complexos processos que acompanham a passagem do socialismo ao capitalismo.
Esta linha é representada, neste momento, pela a aliança Gorbatchov—brejnevianos.
Agora que a orientação para o mercado e para a empresa privada está firmemente estabelecida, uma aproximação entre o grupo Gorbatchov e a velha burocracia brejneviana torna-se possível. Ambos temem que o estilhaçar da União em 15 repúblicas «independentes» e o esboroamento das estruturas políticas com o advento de múltiplos partidos burgueses pouco sólidos precipitem a União Soviética num ciclo infernal de guerras civis reaccionárias e de insurreições populares.
A este propósito, duas medidas fundamentais foram tomadas pelo Soviete Supremo em finais de Dezembro de 1990.
Foi adoptado um novo Tratado da União. Cada república torna-se num «Estado soberano» que desenvolverá a sua economia nas bases do mercado e das relações capitalistas, sendo liquidada no essencial a planificação central. O mercado cimentará a União, como é o caso da Comunidade Europeia. Gorbatchov julga ser essencial a manutenção da União para a emergência de empresas capitalistas vigorosas. É necessário, afirma,
«fazer de modo a que as empresas possam dinamizar as suas actividades e aumentar o seu rendimento, utilizando para o efeito as possibilidades do imenso mercado [da União]».(150)
Será preciso uma maioria de três quartos dos votos para que uma república possa tomar a opção de abandonar a União, opção que deve ser confirmada por um segundo referendo, cinco anos mais tarde. Um conselho da Federação agrupará os presidentes das 15 repúblicas e determinará as grandes opções da política interna e externa. Mas a autoridade sobre toda a União será concentrada essencialmente nas mãos do presidente, que detém o poder administrativo e executivo supremo.(151)
Em segundo lugar, a União Soviética foi dotada de um regime presidencial no qual o Conselho dos Ministros depende de Gorbatchov que, além disso, dirige o Conselho da Federação e o Conselho de Segurança. Esta criação de um poder presidencial forte, à imagem do regime americano, responde a quatro preocupações diferentes.
Primeiro, só um poder presidencial forte poderá vencer as resistências à introdução do mercado capitalista. Esta ideia está contida em bastantes comentários.
«A ideia da propriedade privada repugna à sociedade soviética, educada durante mais de 70 anos na sua negação. A resistência das estruturas esclerosadas à privatização será importante sobretudo na província. Para vencê-la, será necessário recorrer ao poder presidencial.»(152)
Em seguida, um poder presidencial forte é necessário para impor limites às 15 repúblicas «soberanas» e evitar a implosão. Trata-se de pôr fim à guerra das leis em que as decisões da União são constantemente postas em causa por leis das repúblicas.
Em terceiro lugar, o regime presidencial, aos olhos dos seus partidários, estará mais apto a manter a ordem, a pôr fim à violência política, sobretudo interétnica, e aos ataques contra as estruturas do Estado, a combater a criminalidade, a lutar contra a máfia económica. Cinquenta e três dirigentes militares, económicos e políticos, entre os quais o chefe do Estado-Maior da Forças Armadas, Mikhail Moisséiev, lançaram um apelo, em 19 de Dezembro de 1990, no qual se lê:
«Somos ameaçados por uma ditadura desastrosa de gente que não sente escrúpulos no seu desejo de possuir o território, os recursos, a riqueza intelectual e a força de trabalho do país chamado União Soviética. Sugerimos-vos que tomem imediatamente medidas contra o separatismo, contra as actividades subversivas visando o Estado, contra a instigação à violência interétnica: utilizem a lei e os poderes que vos foram acometidos».(153)
Finalmente, um regime presidencial forte poderá manter a coesão do Partido Comunista e evitar o seu desmembramento sob os golpes e os movimentos e dos partidos anticomunistas. Assim, Vladímir Kriutchkov, o chefe do KGB, lançou diante das câmaras um apelo ao combate à vaga anticomunista; atacou de seguida os serviços secretos estrangeiros que travam uma guerra secreta contra o Estado soviético e encorajam as correntes radicais.(154) Se o Partido Comunista se desmorona, a desagregação do país e as guerras civis serão inevitáveis.
A instauração de um regime presidencial forte suscitou diferentes reacções, mas uma maioria muito ampla e diversa no Soviete Supremo apoia esta mudança fundamental do regime político. O grupo Soiuz, que combatia Gorbatchov por causa da sua gestão económica desastrosa e o seu afastamento em relação ao socialismo (compreendido em grande parte na sua forma brejneviana), apoiou as medidas propostas, tal como o fez Gavril Popov, o presidente da Câmara de Moscovo, um liberal próximo de Éltsine.(155)
É notório, aliás, que a questão do poder forte divide os liberais pró-ocidentais, considerando alguns que uma restauração capitalista integral na base tem sempre necessidade de um impulso enérgico vindo de cima. Chatáline, economista próximo de Éltsine, declara:
apoio «uma gestão forte, mesmo severa, que seja capaz de reforçar o poder executivo, de criar condições favoráveis ao estabelecimento de um mercado unificado à escala de toda a União Soviética».(156)
No final houve 305 votos favoráveis ao poder presidencial forte e 36 «democratas-radicais» votaram contra. Estes últimos lançaram alguns gritos contra a ditadura. Chevardnádze, que é, com Iákovlev, o homem mais à direita da equipa de Gorbatchov, demitiu-se em 20 de Dezembro de 1990, exclamando:
«Os democratas fugiram, os reformadores escondem-se, a ditadura aproxima-se, mas ninguém sabe qual será a ditadura nem quem será o ditador».(157)
Iúri Afanássiev também crê que a União Soviética vai mal. Durante os cinco anos de perestroika, escreve, continuámos a
«delapidar as nossas reservas de ouro e de diamantes» e a apoiar «regimes políticos como os do Iraque, de Cuba, de Angola».
No final de Dezembro, os «conservadores e reaccionários do aparelho do partido, do KGB e do complexo militar-industrial» uniram-se para afirmar que os nacionalistas na Lituânia, na Letónia, na Estónia e na Geórgia têm ligações à CIA.
«Tudo isto confirma a oposição destas forças políticas à aceleração da passagem à economia de mercado»,
afirma Afanássiev, num artigo intitulado: «Caminhamos para a ditadura».(158)
Éltsine fala da ameaça de um
«autoritarismo sem limites», acrescentando: «Nem Stáline, nem Bréjnev tiveram tais competências e poderes numa base legal».(159)
Todos estes liberais, fervorosos partidários da ditadura da burguesia, espumam contra «a ditadura» considerando que a privatização radical, a divisão da União Soviética em repúblicas «independentes» e a sua integração na Europa capitalista se realizam com demasiada lentidão.
Mas qual é a relação entre o regime presidencial forte e a ditadura? Primeiro, todas as forças apoiantes da perestroika são partidárias do capitalismo e portanto da ditadura de classe dos novos burgueses. Mas na maior parte das repúblicas da União Soviética, a fracção maioritária da nova burguesia local impõe a sua hegemonia às massas trabalhadoras recorrendo ao nacionalismo de direita e à ideologia fascizante; conta obter uma independência total para exercer a sua ditadura que rapidamente poderá tomar um carácter muito violento contra os operários e as camadas mais desfavorecidas, assim como contra as minorias nacionais. Em contrapartida, a fracção da nova burguesia ligada à grande indústria, ao exército, ao aparelho de Estado central, considera que só a união das 15 repúblicas permitirá ao capitalismo desenvolver-se com dinamismo e transformar a URSS numa grande potência capitalista.
A questão é de saber se a ditadura burguesa, mantendo-se a unidade da União Soviética, poderá exercer-se essencialmente por meios económicos e políticos, como se faz nos velhos países imperialistas, ou se será preciso recorrer a formas violentas e à repressão contra as forças que ameaçam a passagem, em ordem e unidade, do socialismo ao capitalismo.
A hipótese de que a União Soviética caminha para um período de uma ditadura burguesa aberta e violenta parece-nos a mais provável. Com efeito, derrubando as últimas estruturas socialistas, os capitalistas da sombra, os burocratas e os tecnocratas tomam conta de um número crescente de meios de produção pertencentes até hoje ao Estado. Algumas centenas de milhares de novos burgueses agem com rapacidade em função dos seus próprios interesses privados. A dispersão e o fraccionamento desta classe são as suas características principais. Entretanto, uma fracção importante desta nova classe ligou-se à economia do Estado e ao aparelho de Estado. Sobe à cena como grande burguesia ligada ao que será, após a instauração do mercado e da autonomia das empresas, o capitalismo de Estado. Na situação de caos e de crise generalizada, é provável que a nova burguesia, em toda a sua diversidade, não encontre a sua unidade senão sob a protecção de um regime bonapartista.
O futuro dirá se a União Soviética tem ainda a possibilidade de se tornar uma potência capitalista independente sob a direcção de um Bonaparte saído das fileiras do partido. Mas não se pode excluir para já a possibilidade da sua divisão em múltiplos estados capitalistas dependentes, dirigidos pelos Quislings e os Jaber al-Sabah em proveito do imperialismo alemão e americano.
Na sua maioria, as nossas multinacionais preferem uma União Soviética que caminhe para o capitalismo de maneira ordenada, em unidade e com um poder forte. Uma desestabilização geral e a eclosão de múltiplas guerras civis poderiam ter consequências incalculáveis num mundo já fortemente desequilibrado. A presença de milhares de armas nucleares numa União Soviética dilacerada por guerras civis é outro pesadelo. Num país que tem estruturas socialistas com 70 anos de história, mais vale evitar uma precipitação aventureira em direcção à empresa privada.
«O passo mais importante não é a privatização», escreve o director da Associação para a União Monetária da Europa, «mas a aceitação dos direitos de propriedade privada. Só a transformação do sistema legislativo pode criar as condições prévias à iniciativa privada. Empresas novas podem ser criadas e novos empresários poderão crescer, enquanto as velhas empresas continuarão a pertencer ao Estado. Afinal de contas, economias de mercado como a Itália, a Áustria e a Espanha têm sectores públicos importantes, cujas empresas operam com êxito nas condições do mercado.» «É preciso uma privatização gradual e lenta das empresas pertencentes ao Estado.» «O que é necessário é uma reforma monetária fundamental para eliminar os excedentes monetários.»(160)
Será possível que para instaurar um poder central forte e reprimir as tendências para a desagregação e a guerra civil o exército tome o poder?
Alguns progressistas, horrorizados pelo carácter abertamente restaurador da política de Gorbatchov, esperam ver surgirem breve, no seio do exército e do KGB, forças autenticamente marxistas-leninistas e que estas, confrontadas com a anarquia e o caos generalizados, tomarão o poder para restabelecer os princípios socialistas. O próximo regime musculado poderia então ser saudado como uma viragem para o socialismo. Estas esperanças parecem-nos ilusórias.
Primeiro é pouco provável que o exército sozinho tome nas suas mãos o poder: os conflitos políticos com que a União Soviética se confronta são de tal modo complexos que o recurso a uma ditadura militar incendiará todas as lutas e fará da URSS um grande braseiro. Uma ditadura abertamente burguesa na URSS deverá sempre ligar a intervenção militar à acção política. Portanto impõe-se uma aliança entre o exército, o KGB e um partido social- democratizado.
Em seguida, a unidade sobre as questões essenciais da perestroika, que se manifesta tanto no Comité Central do PCUS como no Soviete Supremo, indica que os chefes militares não têm uma opção política fundamentalmente diferente da que Gorbatchov defende.
Atacado por um jornalista do Nouvelles de Moscou, o coronel-general Borís Gromov replica:
«Os generais, denegridos por Nuíkine, não estão menos interessados na perestroika do que ele. Empreguemos os nossos talentos, até os literários, para a consolidação das forças com vista ao desenvolvimento das mudanças em curso».(161)
O coronel-general I. Rodiónov, também ele, defendeu de modo brilhante a linha do capitalismo misto numa União Soviética forte, contra a linha do liberalismo exagerado, do desmantelamento da União e da integração no Ocidente. O coronel-general é partidário da perestroika, do mercado e da introdução progressiva da propriedade privada na economia, e do pluralismo burguês na política. Também se opõe aos «stalinistas», que não querem transigir no que toca aos princípios marxistas-leninistas. Mas o coronel-general considera que só um partido forte poderá negociar a difícil passagem ao mercado e ao capitalismo. Também se opõe ao «bolchevismo de direita», praticado pelos liberais que se preparam para desencadear a caça aos membros do PCUS e para mergulhar o país em intermináveis guerras civis interétnicas. Eis as suas teses:
«O pluripartidarismo tornou-se uma realidade. O país arrancou as suas cadeias ideológicas e políticas e procura os caminhos do renascimento. A democratização não representa um objectivo para os “democratas”, mas um meio de luta pelo poder. O seu número decresce, enquanto o PCUS muda à vista desarmada. Este último representa um perigo para alguns que temem não conseguir eliminá-lo e que se torne, aos olhos do povo, uma autêntica vanguarda política. Daí a escalada dos ataques contra o PCUS, as exigências de interditá-lo, de julgá-lo, etc. Torna-se evidente que mesmo a ameaça de uma guerra civil não travará os democratas na sua luta pelo poder. É ao mesmo tempo ridículo e amargo ver que, embora zurzindo uma análise de classe, os democratas a adoptem às escondidas. Há um ou dois anos, a “imprensa democrática” abundava em pesquisas teóricas - a de S. Andréiev e de outros - acerca da formação de uma nova classe na URSS: a nomenklatura. Agora, aponta-se a dedo o inimigo de classe. Elena Bonner di-lo abertamente: ei-los, estes parasitas que cantam a Internacional.
«Não é preciso ser génio para compreender que, uma vez chegados ao poder, os nossos democratas realizarão na prática a análise de classe. Não ficarão satisfeitos enquanto o PCUS não for dissolvido e proibido e os seus bens divididos. Lutando pelo poder na Lituânia, o Sajudis reivindicava a liberdade de expressão e de imprensa. Actualmente, os comunistas da Lituânia vêem-se obrigados a imprimir o seu jornal fora da República. Tomemos a luta pela soberania. Vejamos com que fervor os deputados «democratas» da Moldávia e da Lituânia defendem o direito à autodeterminação nacional para os moldavos e os lituanos. Ora, os gagaúzes(162) na Moldávia e os polacos na Lituânia só tiveram direito a desprezo quando tentaram obter a sua autonomia nacional. Por que motivo os democratas radicais defendem uma propriedade privada ilimitada? Por que são abertamente apoiados os separatistas das repúblicas bálticas? A quem aproveita tudo isso? Não são apenas os soviéticos que temem o desmembramento da União Soviética, mas também os homens políticos sensatos do Ocidente. O processo de democratização pode ser embargado não só pelos conservadores, mas também por estes “democratas” de esquerda. A democratização é um processo intermédio. Diz-se, no automatismo, que a ausência de um tampão num sistema que procede a uma viragem tão brusca é uma ameaça de desregulação e de destruição. Fora do PCUS, do seu centro, das suas forças sãs, não vejo nenhuma outra força capaz de desempenhar o papel de tampão. É o PCUS que, ao mesmo tempo que se renova, tem de fazer face tanto às tentativas de regresso ao stalinismo como às de utilizar o “neobolchevismo” (greves, comícios, greves da fome, etc., podendo ir até à guerra civil) para que os “democratas”, nada democráticos, possam arrecadar o poder. Espero que o povo venha a compreender que o comunismo ortodoxo que recusa “transigir nos seus princípios” e o anticomunismo são igualmente perigosos. Quanto aos comunistas, deveriam saber que, nas condições actuais, mesmo os comentadores ocidentais qualificam a saída do PCUS de deserção. O apelo à destruição, à interdição, à liquidação do PCUS, força-tampão, não significa outra coisa senão a incitação do país a uma guerra civil, a conflitos interétnicos».(163)
Mas a aliança das forças capazes de manter a coesão da União Soviética sob um poder forte, continua frágil.
O seu ponto fraco chama-se Gorbatchov e o PCUS. Desde 1985, Gorbatchov em nenhum momento defendeu posições políticas com firmeza e constância. Vaga após vaga, a direita atacou e, a cada nova etapa, Gorbatchov foi empurrado cada vez mais para a direita. Diante de uma agressividade redobrada dos nacionalistas e dos fascistas apoiados pelos Éltsine, não é impossível que Gorbatchov escolha de novo recuar. O que sem dúvida provocará tanto o esboroamento do Partido Comunista como o da União Soviética.
É difícil pronunciarmo-nos sobre as possibilidades de futuro da terceira linha política que se perfila. Defendendo um liberalismo selvagem na economia, esta insiste sobretudo num poder forte de tipo aristocrático, apoiando-se no nacionalismo eslavo do tempo dos tsares.
Essa linha, neste momento muito minoritária, pode ter a sua oportunidade na altura em que tudo se desmorone, quando a superpotência soviética naufragar com a explosão efectiva da União. A população russa ficará então entregue a si mesma. Aguilhoados por uma crise cada vez mais horrível, os russos podem procurar refúgio no nacionalismo agressivo e no poder musculado de tipo tsarista-renovado.
As diferentes formações monárquicas constituem por agora as forças de choque da reacção tsarista. Têm uma bandeira em Soljenítsine, esse adorador de Nicolau II, que arranjou nome como escritor anti-stalinista para ser elevado em seguida, por obra e graça da CIA, aos píncaros da glória artística. Mas elas têm sobretudo uma base potencial que se alarga com as conquistas espirituais sucessivas da Igreja ortodoxa. Assim que as batalhas entre os partidários do capitalismo selvagem e os defensores do capitalismo misto hajam esgotado e enfraquecido ambos os campos, um grande número de desiludidos poderia passar para o lado dos monárquicos. Este movimento anuncia-se já na cabeça de alguns dirigentes «democratas radicais». Assim, Anatóli Sobtchak declarou:
«Atingi o verdadeiro valor da vida privada e da liberdade individual. O último imperador da Rússia tinha justamente como principal desejo insaciável, indo ao encontro dos interesses do Estado, esta aspiração à vida privada. Nicolau II não foi certamente um carrasco, como o apresentavam os revolucionários profissionais. Ele amava, era amado e queria a simples felicidade no seio da sua própria família.».(164)
Uma quarta linha política brota lentamente das lutas complexas a que assistimos. Continua a haver na URSS partidários de um regresso ao socialismo e à ditadura do proletariado, da revalorização da experiência de Lénine e de Stáline. Como a viragem à direita se faz de maneira tão abrupta e brutal, assistir-se-á a contra-correntes em direcção à esquerda entre os trabalhadores. As diferentes tendências do socialismo pequeno-burguês, um espectro que vai dos sociais-democratas de «esquerda» até aos anarquistas, passando pelos trotskistas, encontrarão aí terreno de manobra.
Uma linha autenticamente socialista na URSS deverá caracterizar-se, entre outras coisas, pela defesa da experiência de Stáline, pela adesão aos princípios da ditadura do proletariado e pelo empenhamento anti-imperialista revolucionário, três posições essenciais abandonadas e atacadas tanto por Nikita Khruchov e Bréjnev como por Gorbatchov. E deverá sobretudo trazer uma resposta marxista-leninista aos problemas da luta de classes actual na URSS, e mostrar-se capaz de unir as forças comunistas dispersas e desorientadas.
Pelo que sabemos, as forças marxistas-leninistas são fracas, procuram ainda definir-se sobre muitas questões e encontrar formas elementares de organização. No entanto, na profunda confusão que se abaterá sobre o povo na eventualidade da eclosão da URSS, do estabelecimento de ditaduras abertamente burguesas e de guerras civis, a corrente marxista- leninista poderá encontrar quem a ouça entre as massas oprimidas.
Nina Andréieva é a sua porta-voz mais conhecida. Embora possamos divergir em algumas das suas opiniões e análises, deve reconhecer-se que ela defende, nas suas posições fundamentais, o socialismo e a ditadura do proletariado.
Nina Andréieva preside ao movimento «Unidade», criado em Maio de 1989. Foi ela que apresentou o relatório da direcção à segunda conferência da «Associação Unidade - Pelo Leninismo e os Ideais Comunistas», que teve lugar em 14 de Abril de 1990, em Moscovo.
Nesse momento, a organização mantinha contactos com 300 núcleos revolucionários por toda a União Soviética. Apresentamos extractos do Relatório de Nina Andréieva, completados com explicações que ela forneceu a um jornalista do semanário Solidaire:
«Em 1985, quando Gorbatchov anunciou a perestroika como um regresso ao marxismo, aplaudimos o seu projecto.
«Após o período de Stáline, muitas coisas correram mal. Nessa época, a URSS era a terceira grande potência. Nikita Khruchov tentava já a introdução de alguns princípios capitalistas.
«Nos anos 60, assistiu-se ao afastamento e ao desaparecimento de quadros do partido e dos sovietes, caldeados na luta pelo socialismo e pela destruição do fascismo. Foram classificados, sem distinção, como “stalinistas”. Foi assim que começou o processo de degenerescência burocrática nacionalista e social-democrata do partido. Os dirigentes do período de Stáline lutaram duramente contra o perigo interno da cupidez e da degenerescência. Mais tarde, após a vitória do fascismo, essa luta foi progressivamente abandonada e depois inteiramente terminada. As doenças puderam então atacar o partido em pleno coração.
«Com Bréjnev havia um sistema de guarda-chuva que permitia a toda a gente pôr-se ao abrigo de qualquer responsabilidade. Durante 30 anos, erros graves foram efectivamente cometidos no domínio da economia planificada do socialismo. Muitos elementos negativos haviam penetrado no sistema socialista e era necessário erradicá-los. Mas hoje, observando o caminho percorrido, temos de concluir que, desde o princípio, a perestroika foi uma contra- revolução, realizada por Gorbatchov etapa por etapa.
«Gorbatchov começou por desacreditar a história soviética, relançando a histeria contra Stáline. Foi assim que canalizou todas as críticas, mesmo as críticas justificadas contra os 30 últimos anos, para atacar as verdadeiras conquistas da revolução de 1917.
«A restauração do capitalismo na União Soviética desenvolve-se a coberto de uma embalagem político-ideológica refinada. Os renegados organizaram, através dos media, uma lavagem ao cérebro anticomunista e anti-stalinista. Um dos objectivos desta campanha foi caluniar as etapas mais conseguidas do desenvolvimento do Estado soviético. Pretendia- se assim paralisar qualquer resistência da parte dos cidadãos soviéticos.
«Em matéria de sociologia, de filosofia, de política, de economia e de história, os chefes de fila começaram a rivalizar com a Radio Free Europe, a Voz de Israel e outros centros de propaganda estrangeiros do imperialismo com o fim de diminuir e de banalizar a contribuição histórica do socialismo para a civilização mundial e a salvação da humanidade face à podridão fascista. Resultado dessa campanha: o povo soviético encontra-se hoje numa verdadeira “prisão ideológica”. É sobretudo a juventude soviética que se encontra em dificuldade, desmoralizada que está pela pornografia, as drogas, o álcool, as obras de cultura de massas ocidental, pelo culto do “tudo é permitido”, a sede de lucro e a violência. Priva-se a juventude dos seus ideais e portanto do seu futuro.
«Os verdadeiros bolcheviques entre os quadros e os militantes do partido encontram-se numa posição muito difícil. Muitos bons militantes já deixaram o partido porque não aceitam a direcção de Gorbatchov, considerando-o anticomunista.
«Gorbatchov organizou a derrocada económica para apresentar de seguida o capitalismo como a única saída. Os princípios da propriedade colectiva, através dos kolkhozes e dos sovkhozes, são desmantelados e a única saída proposta é a propriedade privada dos meios de produção.
«Só uma economia socialista planificada que funcione bem pode oferecer uma alternativa. Se durante a Segunda Guerra Mundial não tivéssemos sabido apoiar-nos na economia planificada, nunca teríamos tido condições para levar a cabo uma resistência como a que conhecemos, com o apoio consciente de toda a população. E as estruturas soviéticas do ensino, dos cuidados de saúde e da habitação social foram durante longos anos um modelo para numerosos países. E o único resultado da economia capitalista até hoje foi a de ter lançado o nosso país num caos absoluto.
«Gorbatchov aproveitou habilmente as críticas que existiam no seio da população contra certos membros do partido, a nomenklatura. Havia efectivamente abusos, mesmo muito graves: alguns ganhavam milhões graças a investimentos e à especulação. Pagavam uma comissão de três por cento ao partido e toda a gente se calava. Os princípios justos da luta entre as duas linhas, da crítica e da autocrítica já não eram aplicados, de modo que a corrupção pôde instalar-se no partido. Gorbatchov alegava que ia mudar tudo isso.
«O oportunismo de direita do governo conduziu à destruição da sociedade socialista, do governo soviético e do PC. Penso que hoje se pode falar da segunda etapa, a etapa decisiva da contra-revolução. Ela pode ter como resultado a transformação da União Soviética numa semicolónia que proporcione matérias-primas ao imperialismo americano, à NATO e ao imperialismo japonês. O grupo oportunista de direita Gorbatchov—Iákovlev—Chevardnádze mostrou a sua verdadeira face. Eles são os servidores e os executantes da transformação do País dos Sovietes num apêndice do imperialismo que deverá fornecer matérias-primas aos capitalistas dos países desenvolvidos.
«A contra-revolução na União Soviética tem um significado internacional. O seu êxito deve ser creditado na conta da CIA e de Bush. O enfraquecimento do socialismo na nossa terra é uma perda para o mundo inteiro. Por toda a parte a situação da classe operária vai deteriorar-se. Graças à existência do socialismo, o capitalismo também era obrigado a fazer concessões (tendo diante dos olhos o espectro do socialismo). Se o socialismo desaparecer, esta ameaça para o capitalismo também se desvanece. A situação no Terceiro Mundo vai também deteriorar-se.
«Uma vez mais, a prática demonstrou que a passagem do capitalismo ao socialismo não é possível sem a ditadura do proletariado, mas também que a passagem do socialismo ao capitalismo não pode fazer-se senão através da ditadura da neoburguesia, dos barões da economia paralela, nascidos da burocracia corrompida e da intelectualidade elitista. São precisamente esses que necessitam do autoritarismo presidencial.
«O alerta de Lénine, muitas vezes repetido por Stáline, realizou-se: quanto mais o país avança na via do socialismo, mais se agudizam as formas que pode tomar a luta de classes e se tornam perigosas para a classe operária. Esta predição — raivosamente afastada pelos nossos “leninistas” da têmpera de Nikita Khruchov e de Suslov — vê-se hoje confirmada por todo o decurso dos acontecimentos na URSS e nos países da comunidade socialista. O lento deslizar da URSS em direcção ao oportunismo de direita e ao menchevismo, sob a pressão dos elementos pequeno-burgueses, começou em finais dos anos 50 e dá hoje os seus frutos envenenados. De novo se coloca a questão: quem ganhará, o imperialismo ou o socialismo?
«Para travar a contra-revolução, é preciso fazer um trabalho teórico e organizacional eficaz nas direcções seguintes:
«- Retorno à renovação da economia planificada e reforço da propriedade socialista em matéria de instalações e de meios de produção.
«- Partilha do bem-estar, não em função do capital ou dos privilégios, mas segundo a qualidade e a quantidade do trabalho de cada um, e luta contra a injustiça social na sociedade socialista.
«- Reforço do papel dirigente da classe operária na solução da crise e na renovação do socialismo, por formas verdadeiramente democráticas e humanas do Estado da ditadura do proletariado.
«- Os interesses de classe, nacionais e humanos devem unir-se.
«- Pelo reforço dos princípios patrióticos e internacionalistas na vida da sociedade; pelo reforço das federações, sem afrouxamento dos princípios da União.
«- Por uma visão marxista-leninista do mundo, livre do revisionismo e do dogmatismo, apoiada no desenvolvimento e no enriquecimento das experiências do movimento comunista internacional e da construção socialista.
«- Pela solidariedade e a unidade de acção de todas as forças socialistas e patrióticas do país.»(165)
Na sua edição de Agosto de 1990, a revista Vie Internationale, ligada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS, publica o relatório de uma mesa redonda, com o título «Primeiros passos para a diplomacia pluripartidária», em que participaram, entre outros, os responsáveis da União dos Democratas Constitucionalistas, do Partido Democrático Constitucionalista, do Partido Liberal Democrata, da Frente Popular da Rússia, do Partido Social-Democrata da Rússia, da União Democrata Cristã.(166) Leonid Dobrokhotov, um quadro da secção ideológica do Comité Central do PCUS, deu a toda esta boa gente a cobertura da autoridade do partido.
O texto da discussão oferece-nos uma imagem impressionante do que Gorbatchov, há dois anos ainda, chamava de «pluralismo socialista» e em que se tornou, entretanto, o simples pluralismo.
Este documento permite abordar, sob um aspecto concreto, uma discussão mil vezes repetida em termos etéreos. Assim, Jacques Nagels suscitou recentemente a nossa reprovação com o «modelo stalinista dos três M», sendo o primeiro M «o monopólio do poder, exercido por um só partido». Na ausência de um «controlo democrático», a direcção do Partido «arrisca-se a corromper-se totalmente», afirma Jacques Nagels.(167) No entanto, seja dito de passagem, não tenta sequer provar-nos a realidade do «controlo democrático» e da «erradicação da corrupção» que produziria o pluripartidarismo burguês nos países imperialistas, para não falar dos países neocoloniais como a Argentina, o Senegal ou Marrocos. Jacques Nagels passa alegremente por cima da diferença fundamental entre o período revolucionário da União Soviética, com Lénine e Stáline, e o período de degenerescência revisionista com Nikita Khruchov e Bréjnev. Isto permite-lhe aproveitar a esclerose e a hipocrisia do revisionismo para se desembaraçar do leninismo. Afastando-se da concepção revolucionária da luta de classes, rejeitando o princípio da ditadura do proletariado, Nagels acaba por opor o pluripartidarismo burguês, que incarnaria a democracia, ao monopartidarismo, que representaria a ditadura.
Ora, a experiência de Lénine e de Stáline atesta precisamente que a construção do socialismo, que necessita de uma permanente mobilização das massas trabalhadoras, é impossível sem a direcção de um partido comunista. A ditadura do proletariado contra as forças da exploração capitalista foi estabelecida no decurso da guerra civil de 1918-20 e mantida ao longo dos anos 20 e 30 graças a uma participação profunda das massas na luta política e na construção económica. O peso democrático de tais intervenções ultrapassa de longe o das participações rituais e manipuladas nas nossas eleições multipartidárias. Ora, toda essa energia popular pôde exprimir-se graças à direcção firme do partido bolchevique. O monopólio político do partido não exclui nem as discussões políticas no seu interior nem o debate e a crítica-autocrítica entre todas as forças sociais que apoiam o socialismo.
No entanto é essencial darmo-nos conta que a luta de classes atravessa também o Partido Comunista. Se o revisionismo consegue emergir do seu seio e depois transformar todas as suas estruturas dirigentes com a ajuda da ideologia burguesa e graças ao burocratismo e aos privilégios, deixamos de estar perante a direcção de um partido comunista. Passámos ao monopólio de um partido burguês. Este será inevitavelmente atravessado por múltiplas correntes do pensamento burguês moderno, mesmo que possa ainda conservar um último quadrado de comunistas autênticos, lutando contra o revisionismo invasor. Um tal monopólio pseudo-comunista segrega necessariamente o pensamento marxista sacralizado, esclerótico, esquelético, morto, de que fala Jacques Nagels. Sob Stáline, o pensamento marxista não era nem esclerosado nem esquelético nem morto, mesmo que sofresse por vezes um tratamento de sacralização. O pensamento marxista continuava a ser um machado de guerra e fazia devastações nas fileiras do imperialismo e do oportunismo. Se por vezes malhava de maneira imponderada, os seus principais golpes eram lançados contra o capitalismo mundial que tinha razão em temer Stáline e o partido bolchevique acima de tudo. Desde Nikita Khruchov, o marxismo oficial soviético deixou de ser revolucionário, manteve as formas exteriores tomadas à literatura clássica mas, no interior, ele vive, bate-se, retesa os músculos como pensamento burguês. Assim que a casca marxista salta, depois de uma acumulação de mudanças quantitativas, vemos de lá sair três ou quatro bichos bastante bizarros, bichos burgueses ainda vacilantes sobre as patas, um social-democrata, o segundo liberal, um terceiro de cor fascista ou reaccionária e um quarto cuja natureza está ainda por definir. Da direcção do Partido Comunista, passa-se pelo longo período de incubação revisionista para chegar, no fim do caminho, ao pluripartidarismo burguês.
Jacques Nagels foi dirigente nacional de um partido marxista que agia nas condições de um país imperialista, neste caso a Bélgica. O seu partido, o Partido Comunista Belga, aceitou o pluralismo burguês ao qual juntou a sua voz impotente, esperando que, com os seus cantos sedutores, o capitalismo se fosse transformando gradual e pacificamente em socialismo. O malogro foi total. Ao ponto de assistirmos hoje aos últimos espasmos deste partido moribundo.
Na União Soviética, o revisionismo possui certos traços particulares, pois nasceu nas altas esferas de um poderoso Estado socialista. Conquistado internamente pelas teses liberais, manteve longo tempo uma fachada marxista que Jacques Nagels descreve bastante judiciosamente.
«Esse marxismo», diz, «não tem coluna vertebral nem flexibilidade. Ao primeiro sopro liberal, não se dobra, quebra-se».(168)
Com efeito, sob Gorbatchov, o sopro liberal quebrou a fachada e libertou o liberalismo interno das suas grilhetas marxistas. Em política, isto deu como resultado um pluralismo burguês espantoso do qual o seguinte texto, da revista Vie Internationale, oferece um extraordinário exemplo.
Partidários da perestroika discutem a futura política externa soviética:
«Vladímir Jirinóvski, presidente do Partido Liberal-Democrata (PLD): “Se quisermos ser eternamente um grande Estado, devemos entrar definitivamente na Europa unificada e rejeitar todas as considerações ideológicas que o obstaculizam. Moscovo ficou artificialmente ligada ao Leste em 1917. Moscovo deve ser parte integrante do Ocidente e figurar entre os sete países mais importantes do mundo. Estes são os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a França, a Itália, a Alemanha, o Japão e o Canadá. O nosso partido trabalhará para introduzir uma correcção essencial na nossa política externa, a saber: passar das relações Este-Oeste às relações Norte-Sul. No que respeita às relações Este-Oeste, o nosso partido considera que nesta esfera não temos nem devemos ter contradição alguma. É precisamente a Sul que se encontram os focos de perigo presentes e futuros para nós, e é também lá que se estende até ao Oceano Índico a esfera dos nossos interesses prioritários. As relações Norte- Sul são mais econômicas e mais rentáveis. O Sul apresenta o maior interesse para todos os países do mundo. Dar a nossa ajuda sem nada obter em contrapartida é uma coisa, outra é proteger os nossos interesses a Sul, investir aí e obter dividendos. O Afeganistão é nosso vizinho, entra na esfera dos nossos interesses. Nem Najibullah, nem Fidel Castro, nem Kim Il Sung apresentam qualquer interesse para o PLD. A América tem um determinado espaço vital ao Sul das suas fronteiras; o nosso maior interesse liga-se aos nossos vizinhos do Sul, antes mais ao Afeganistão, ao Irão, à Turquia. O mundo muçulmano no seu conjunto apresentará a maior ameaça para a humanidade inteira no final do século XX e sobretudo no princípio do século XXI. Desde agora, quase todos os centros e organizações extremistas se concentram no mundo muçulmano. É por isso que o nosso país, juntamente com a Europa e com a América, deverá procurar soluções harmoniosas para os problemas do Sul.”»
Discurso espantoso, com efeito. Mas a reacção que provocou junto do representante da secção ideológica do Comité Central do PCUS, é ainda mais assombrosa. Mostra que o termo pluralismo cobre a monocromia ideológica das diferentes correntes burguesas. Ouçamos a réplica de Leonid Dobrokhotov:
«Creio que a ideia de reorientar a nossa política externa em direcção Norte-Sul merece atenção. O nosso país entrará na casa comum da Europa e poderá aplicar juntamente com os outros países democráticos desenvolvidos uma política concertada.»
Estes encorajamentos levaram os partidários do pluralismo a um excesso de franqueza.
«Vladímir Ivanov, secretário da Frente Popular da Rússia: “É evidente que o nosso país deve cessar de financiar os regimes totalitários irmãos, os partidos comunistas e outras organizações de bandidos no estrangeiro. Só então poderemos contar com o estabelecimento da confiança e a possibilidade de progressos reais no encaminhamento para a paz.”»
«Aleksándr Ogoródnikov, presidente da União Democrata-cristã: “Nós consideramos que o Conselho da Europa nos dá o exemplo da unidade e da cooperação: é uma assembleia das nações formando uma comunidade de direito, caracterizada pela democracia pluralista e a economia de mercado. Lembremos as palavras de Soljenítsine: Para conduzir um país como a Rússia, é preciso ter uma linha nacional e sentir constantemente atrás de si o sopro de 1100 anos da sua história.”»
Poder-se-ia imaginar que a referência a mil anos de tsarismo assustaria um tanto o representante do partido de Gorbatchov. Seria avaliar mal a profundidade dos estragos causados pela glasnost.
«Dobrokhotov (PCUS): “Na história da Rússia, em geral, a política externa foi sempre interessante e criativa.”»
«Não é preciso dizer que a política externa russa tinha muitos lados fortes que não deveríamos negligenciar. Pelo contrário, será necessário retomar certos princípios e certas abordagens do passado. A Rússia tinha uma excelente escola de diplomacia que repousava sobre princípios nobres. Devemos fazê-la renascer e funcionar para a glória da Pátria.
«Devemos todos agradecer à Vie Internationale esta primeira abertura de um diálogo entre partidos. Isto deverá tornar-se uma tradição para o nosso futuro Estado constitucional e pluripartidário. A nossa discussão deixa entrever, na minha opinião, a perspectiva de um consenso sobre os problemas da política externa no contexto do pluripartidarismo que se anuncia.»(169)
Todos os dias, a imprensa da glasnost confirma as novas orientações da política externa soviética assim esboçadas.
Sendo a primeira orientação a oposição raivosa a todos os países socialistas, Cuba recebe em cheio os golpes baixos. Outrora, escreve o Nouvelles de Moscou, classificámos os anticastristas refugiados em Miami de «criminosos, de bandidos e de agentes a soldo do imperialismo». Compreendemos hoje que eram invenções da «rica mitologia comunista». Estes cubanos de Miami são de facto «empresários, artistas e técnicos». Interrogados sobre as suas intenções, eles propõem um programa que não é assim tão diferente do da perestroika:
«Nós pronunciamo-nos por uma sociedade de economia de mercado e de pluralismo político».
Em resumo, graças à glasnost, os soviéticos descobrem que Castro vale tanto como Stáline e Bréjnev juntos.
«Os nossos amigos não são melhores do que nós éramos antes», nota um jornalista. «Será preciso prolongar artificialmente o período de estagnação? Libertando-nos dos dogmas, é preciso começar uma vasta revisão de todas as relações tradicionais com Havana.»(170)
O mesmo jornal apresenta o general Rafael del Pino como uma espécie de Trótski cubano.
«O herói de Playa Giron, ídolo do povo, o melhor piloto do país, um autêntico comunista.»
Porquê tantos elogios? É que em 1987 o general se passou para a CIA! Claro, ele saúda a perestroika e lamenta que
«Cuba não pretende abolir o stalinismo».
A sua derradeira mensagem:
«Fidel Castro é o Saddam Hussein das Caraíbas».(171)
O que nos conduz à segunda orientação da nova política externa: o combate contra todos os governos e movimentos anti-imperialistas do Terceiro Mundo.
A revista Temps Nouveaux jura que é preciso acabar radicalmente com
«os postulados ideológicos obsoletos a respeito da agressividade do imperialismo».
Pelo contrário, é necessário felicitar os americanos por terem sido os primeiros a compreender
«a gravidade da ameaça que provém do Terceiro Mundo»
e a elaborar um conceito adequado para combater os novos perigos:
«os conflitos de fraca intensidade».(172)
A maior ameaça para a humanidade emana, nos tempos que correm, da «ditadura totalitária agressiva» de Saddam Hussein. Ora, num Terceiro Mundo habituado à
«utilização com fins demagógicos do anti-imperialismo, do anti-americanismo e do anti-sionismo», os perigos são múltiplos. «Um regime como o de Bagdad pode emergir em qualquer momento e em todos os pontos do globo.»(173)
Aprofundando esta análise, o Nouvelles de Moscou escreve o seguinte:
«Que género de estados se encontram preparados para desencadear uma agressão? Eles atingiram um nível económico suficiente para criar um potencial militar poderoso. Impedem os ventos democráticos de penetrar nos seus países. Apaixonam-se pelo messianismo. Por exemplo, Hussein fala da criação de um Estado árabe unido. Muitas vezes desejam juntar o Terceiro Mundo ou as suas sub-regiões sob a sua bandeira: o Sul contra o Norte. Estes centros de agressão visam praticamente todo o globo.»
E o jornal soviético elenca o Iraque, a Líbia, o Irão, a OLP (!), Cuba, o Paquistão, a Índia e a Argentina, culpada de ter
«agredido as ilhas Malvinas».(174)
Mas nestes últimos tempos é evidentemente o Iraque que atrai as fúrias da glasnost. A imprensa de Gorbatchov rende homenagem aos diplomatas americanos e britânicos, aos valentes «marines» de partida para o Golfo.
«Todos estes homens defendem igualmente a nossa casa comum contra o agressor de hoje e de amanhã, defendem a justiça elementar e a dignidade humana dos kowaitianos, dos sauditas e de todos nós.»(175)
Sabe-se que, aquando do voto na ONU, a União Soviética apoiou a resolução 678, permitindo a intervenção armada contra o Iraque. Pouco depois, um dos principais comentadores políticos da União Soviética, Aleksándr Bóvine, fez o panegírico da guerra com uma arrogância reservada até então à imprensa sionista.
«Acho que a guerra não é apenas inevitável, mas também necessária»,
escreve em 10 de Janeiro de 1991. O homem não é partidário de um regresso ao statu quo mediante a simples retirada do Iraque do Koweit:
«A guerra seria evitada. Mas o terrível potencial militar do Iraque ficaria.» «Só um ataque militar proporcionará um resultado favorável ao máximo: o agressor perde todos os frutos da sua agressão, a inchada máquina de guerra é desmantelada, a situação fica profundamente estabilizada.»(176)
Estabilizada? Não há dúvida nenhuma de que a vaga de terrorismo de Estado pela qual o imperialismo impõe a recolonização do Terceiro Mundo, somada às destruições de toda a espécie que a restauração do capitalismo provocará na Europa de Leste, abre um período de grande instabilidade, de profundas perturbações e de movimentos revolucionários impetuosos.
Notas de rodapé:
(1) The Guardian, 20 Dezembro de 1990, «Perestroika not working, says PM». (retornar ao texto)
(2) Salisbury Harry, Les 900 jours - Le siège de Leningrad, Albin Michel, Paris, 1970, p. 558. (retornar ao texto)
(3) Nouvelles de Moscou, 13 de Maio de 1990, p. 1. (retornar ao texto)
(4) Nouvelles de Moscou, n.° 31, 5 de Agosto de 1990, p. 13. (retornar ao texto)
(5) Bulletin A.I. Novosti, 14 de Agosto de 1990, p. 2. (retornar ao texto)
(6) Temps Nouveaux, n.° 43, 1990, p. 39. (retornar ao texto)
(7) Lénine, tomo 30, p. 280. (retornar ao texto)
(8) Documents et matériaux XXVIIIe Congrès, éd. Novosti, 1990, p. 29, (retornar ao texto)
(9) Lénine, tomo 30, p. 349 [Ed. francesa (N. Ed.)] (retornar ao texto)
(10) Temps Nouveaux, n.° 37, 1990, Alexandre Polioukhov (retornar ao texto)
(11) Nouvelles de Moscou, 27 de Maio de 1990, p. 12. (retornar ao texto)
(12) Nouvelles de Moscou, n.° 44, 4 de Novembro de 1990, p. 10. (retornar ao texto)
(13) Nouvelles de Moscou, 9 de Setembro de 1990, p. 19. (retornar ao texto)
(14) Nouvelles de Moscou, n.° 32, Agosto de 1990, p. 8. (retornar ao texto)
(15) Kerenski, La Russie au tournant de l'Histoire, éd. Pion, Paris, 1967, pp. 356 e 366. (retornar ao texto)
(16) Idem, ibidem, p. 630. (retornar ao texto)
(17) Idem, Ibidem, p. 642. (retornar ao texto)
(18) A palavra russa vekhi significa «etapas» (N. Ed.) (retornar ao texto)
(19) Nouvelles de Moscou, n.° 31, 5 de Agosto de 1990, «Une première: "Vekhi" édité sous le pouvoir soviétique». (retornar ao texto)
(20) Temps Nouveaux, n.° 30, n.°s 31, 43 e 45, 1990. (retornar ao texto)
(21) Nouvelles de Moscou, n.° 31, 5 de Agosto de 1990. (retornar ao texto)
(22) Temps Nouveaux, n.° 34, 1990, p. 34. (retornar ao texto)
(23) Temps Nouveaux, n.° 44, 4 de Novembro de 1990, pp. 8-9. (retornar ao texto)
(24) Pámiat palavra russa que significa «memória», é a designação de uma plataforma anticomunista surgida em 1987 na URSS, em torno da qual se formou a actual organização Memorial. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(25) Nouvelles de Moscou, n.° 43, de 28 de Outubro de 1990, p. 9. (retornar ao texto)
(26) Documents et Matériaux, XXVIIIe Congrès, Novosti, 1990, p. 95. (retornar ao texto)
(27) Les Nouvelles de Moscou, 14 de Outubro de 1990, p. 5. (retornar ao texto)
(28) Les Nouvelles de Moscou, 27 de Maio de 1990, p. 9. (retornar ao texto)
(29) Les Nouvelles de Moscou, n.° 32, 12 de Agosto de 1990, p. 9. (retornar ao texto)
(30) Kerenski, op. cit., p. 657. (retornar ao texto)
(31) Nouvelles de Moscou, n.° 36, de 9 de Setembro de 1990. (retornar ao texto)
(32) Nouvelles de Moscou, n.° 34, 26 de Agosto de 1990, p. 16. (retornar ao texto)
(33) A palavra ucraniana rukh significa «movimento». (N. Ed.) (retornar ao texto)
(34) Temps Nouveaux, n.° 44, 1990, «L'Ukraine par-dessus tout». (retornar ao texto)
(35) Inprecor, n.° 296, 30 de Outubro, 12 de Novembro de 1989, pp. 14-15, 10, 11, 13. (retornar ao texto)
(36) Inprecor, 21 de Dezembro de 1990, n.° 321, pp. 8-9. (retornar ao texto)
(37) Les Nouvelles de Moscou, n.° 26, 1 de Julho de 1990, p. 4. (retornar ao texto)
(38) Manifesto do Partido Comunista, Marx e Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Ed. Avante!, Lisboa, 1982, tomo 1, p. 131. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(39) Temps Nouveaux, n.° 44, 1990, pp. 7-8. (retornar ao texto)
(40) Gorbatchev, «Discours à Odessa», Izvestia, 19 de Agosto de 1990, doc. 24 - VOVP2-900820DR39, p. 3 (retornar ao texto)
(41) Marx—Engels, «Lettre du 17-18 septembre 1879 à Bebel, Liebknecht». (retornar ao texto)
(42) Gorbatchev, Alocução de 28 de Novembro de 1990, Izvestia, 1 de Dezembro de 1990, doc. 35 - VOKI1- 9011203DR30, p. 7. (retornar ao texto)
(43) Manifesto do Partido Comunista, ed. cit., p. 132. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(44) Temps Nouveaux, n.° 28, 1990, pp. 10-11, «Après 70 ans de solitude», Anatoli Boutenko. (retornar ao texto)
(45) Kerenski, op. cit., pp. 434-435. (retornar ao texto)
(46) Nouvelles de Moscou, n.° 47, 25 de Novembro de 1990. (retornar ao texto)
(47) Nouvelles de Moscou, n.° 30, 29 de Julho de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(48) Temps Nouveaux, n° 46, 1990. (retornar ao texto)
(49) Nouvelles de Moscou, n.° 24, 17 de Junho de 1990. (retornar ao texto)
(50) Nouvelles de Moscou, n.° 47, 25 de Novembro de 1990. (retornar ao texto)
(51) Nouvelles de Moscou, n.° 28, 15 de Julho de 1990, p. 5. (retornar ao texto)
(52) Temps Nouveaux, n.° 38, 1990, pp. 41-42. (retornar ao texto)
(53) Financieel Ekonomische Tijd, 21 de Março de 1990, «Sovjeteconomie blijft wat aanmodderen». (retornar ao texto)
(54) Temps Nouveaux, n.° 28, 1990, p. 30. (retornar ao texto)
(55) Temps Nouveaux, n.° 41, 1990, p. 25. (retornar ao texto)
(56) Temps Nouveaux, n.° 45, 1990, pp. 34-35. (retornar ao texto)
(57) Documents et matériaux XXVIIIe Congrès, éd. Novosti, 1990, p. 15. (retornar ao texto)
(58) Ibidem, p. 59. (retornar ao texto)
(59) Ibidem, p. 84. (retornar ao texto)
(60) Ibidem, pp. 110-111. (retornar ao texto)
(61) Ibidem, p. 112. (retornar ao texto)
(62) Ibidem, p. 17. (retornar ao texto)
(63) Ibidem, p. 22. (retornar ao texto)
(64) Ibidem, p. 19. (retornar ao texto)
(65) Ibidem, p. 83. (retornar ao texto)
(66) Ibidem, p. 16. (retornar ao texto)
(67) «As Grandes Opções de Estabilização da Economia e da Passagem à Economia de Mercado», documento apresentado por Gorbatchov aos deputados dos Soviete Supremo, Pravda, 18 de Outubro de 1990. (retornar ao texto)
(68) Ibidem, p. 2. (retornar ao texto)
(69) Ibidem, pp. 3-4. (retornar ao texto)
(70) Bulletin de l'A.I.N., 27 de Setembro de 1990, p. 4 (retornar ao texto)
(71) «As Grandes Opções», p. 14. (retornar ao texto)
(72) Gorbatchov, Alocução de 28 de Novembro de 1990, Izvéstia, 1 de Dezembro de 1990, doc. n.° 35 - VOKI1-901203DR30, p. 6. (retornar ao texto)
(73) Ibidem, p. 10. (retornar ao texto)
(74) Pavel Antonov, comentador da Agência Novosti. Bulletin de l'A.I.N., 28 de Setembro de 1990, pp. 2 e 3. (retornar ao texto)
(75) Inprecor, n.° 285, 3 de Abril de1989, p. 4. (retornar ao texto)
(76) Nouvelles de Moscou, 3 de Junho de 1990, p. 4. (retornar ao texto)
(77) Vladimir Simonov, Bulletin de l'A.I.N., 26 de Outubro de 1990, p. 3. (retornar ao texto)
(78) Nouvelles de Moscou, 2 de Setembro de 1990, p. 4. (retornar ao texto)
(79) Bulletin de l'A.I.N., 15 de Novembro 1990. (retornar ao texto)
(80) Nouvelles de Moscou, 23 de Setembro de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(81) Temps Nouveaux, n.° 28, 1990, Kreméniuk, Doutor em História. (retornar ao texto)
(82) Viatcheslav Kritikov, comentador político da Novosti, Bulletin de l'A.I.N., 9 de Outubro de 1990, p. 3. (retornar ao texto)
(83) «As Grandes Opções...», pp. 2 e 4. (retornar ao texto)
(84) Bulletin de l'A.I.N., 10 de Novembro de 1990, p. 2, Rijkov, «Intervenção no IV Congresso dos Deputados do Povo da URSS», 19 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(85) Bulletin de l'A.I.N., 14 de Agosto de 1990, p. 3 (retornar ao texto)
(86) Bulletin de lA.I.N., 26 de Outubro de 1990, p. 4. (retornar ao texto)
(87) «Thèses du CC du 23 mai 1988», suplemento do Nouvelles de Moscou, n.° 23, 1988. (retornar ao texto)
(88) «Rapport de Gorbatchev à la XIXe Conférence», suplemento do Nouvelles de Moscou, n.° 27, 1988, p. 7. (retornar ao texto)
(89) Lénine, tomo 30, p. 271. (retornar ao texto)
(90) A Doença do «Esquerdismo» no Comunismo, V.I. Lénine, Obras Escolhidas em três tomos, ed. cit., t. 3, pp. 296 e 297. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(91) Inprecor, n.° 285, 3 de Abril de 1989, p. 3-4. (retornar ao texto)
(92) Discurso de 7 de Maio de 1988, Nouvelles de Moscou, n.° 21, 1988, p. 6 (retornar ao texto)
(93) Nouvelles de Moscou, n.° 21, 27 Maio de 1990 (retornar ao texto)
(94) Nouvelles de Moscou, n.° 21, 27 Maio de 1990, n.° 35, 2 de Setembro de 1990. (retornar ao texto)
(95) Documents et matériaux XXVIIIe Congrès, éd. Novosti, 1990, p. 41. (retornar ao texto)
(96) Ibidem, p. 42. (retornar ao texto)
(97) Ibidem, p. 91-92. (retornar ao texto)
(98) Ibidem, p. 93. (retornar ao texto)
(99) Ibidem, p. 51. (retornar ao texto)
(100) Nouvelles de Moscou, n.° 23, 10 de Junho de 1990. (retornar ao texto)
(101) Nouvelles de Moscou, n.° 47, 25 de Novembro de 1990. (retornar ao texto)
(102) Nouvelles de Moscou, n.° 29, 22 de Julho de 1990.(retornar ao texto)
(103) Temps Nouveaux, n.° 30, 1990, p. 5. (retornar ao texto)
(104) Temps Nouveaux, n.° 28,1990, pp. 5-6 (retornar ao texto)
(105) Nouvelles de Moscou, n.° 21, 27 de Maio de 1990. (retornar ao texto)
(106) Nouvelles de Moscou, n.° 47, 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(107) Nouvelles de Moscou, n.° 21, 27 de Maio de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(108) Nouvelles de Moscou, n.° 47, 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(109) Bulletin APN, 25 de Setembro de 1990. (retornar ao texto)
(110) A.P.Novosti, Bulletin, 16 de Novembro de 1990. (retornar ao texto)
(111) Temps Nouveaux, n.° 42, 1991, pp. 10-11. (retornar ao texto)
(112) The Independant, 12 de Dezembro de 1990, «Soviet pleas for aid bring worry...» (retornar ao texto)
(113) Gourévitch A., Bulletin de lA.I.N., 24 de Outubro de 1990. (retornar ao texto)
(114) Temps Nouveaux, n.° 46, 1990. (retornar ao texto)
(115) Inprecor, n.° 304, 1990, pp. 16-17. (retornar ao texto)
(116) Lénine, tomo 32, pp. 381-387, 293-300, 190-199. (retornar ao texto)
(117) Temps Nouveaux, n.° 42-1990, p. 10-11. (retornar ao texto)
(118) Signal, n.° 24, 1943, Numero especial sobre o Leste, pp. 12-13. (retornar ao texto)
(119) Temps Nouveaux, n.° 38, 1990, p. 42. (retornar ao texto)
(120) Nouvelles de Moscou, 22 de Junho de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(121) Nouvelles de Moscou, 13 de Maio de 1990, p. 5. (retornar ao texto)
(122) Nouvelles de Moscou, 2 de Setembro de 1990, pp. 6-7, «Pour la grève et la propriété privée, sondage». (retornar ao texto)
(123) Nouvelles de Moscou, 2 de Setembro de 1990, pp. 6-7, «Le rôle politique du mouvement ouvrier», Léonid Gordon. (retornar ao texto)
(124) Dietz Barbara, Zukunftsperspectiven der Sowjetunion, Verlag Beck, Munique, 1984, pp. 19 e 25. (retornar ao texto)
(125) Nouvelles de Moscou, n.° 30, 29 de Julho de 1990. (retornar ao texto)
(126) Rijkov, Intervenção no IV Congresso de Deputados do Povo, 19 de Dezembro de 1990, Pravda, 20 de Dezembro de 1990, doc. n.° 39 - VOSD1-901220DR31, p. 6-8. (retornar ao texto)
(127) Idem. Ibidem. (retornar ao texto)
(128) Temps Nouveaux, n.° 44-1990, p. 30. (retornar ao texto)
(129) Rijkov, Intervenção no 4.° Congresso dos Deputados do Povo, 19 de Dezembro, Pravda, 20 de Dezembro, doc. n.° 39 - VOSD1-901220DR31, p. 6-8. (retornar ao texto)
(130) The Wall Street Journal, 21 de Novembro de 1990, «Kremlin warns of massive déficit». (retornar ao texto)
(131) Nouvelles de Moscou, 25 de Novembro de 1990, p. 5; De Standaard, 13 de Dezembro de 1990, «Gorbatchev roept op tot...» (retornar ao texto)
(132) Le Figaro, 12 de Dezembro de 1990, 'Le traité de l'Union...' (retornar ao texto)
(133) Gorbatchov, Declaração do Presidente, Pravda, 23 de Janeiro de 1991, doc, n.° l - VOSD1- 910123DR30, p. 1-2. (retornar ao texto)
(134) Idem, ibidem. (retornar ao texto)
(135) Gorbatchov, Alocução de 28 de Novembro de 1990', Izvéstia, 1 de Dezembro de 1990, doc. n.° 35 - VOKI1-901203DR30, p. 10. (retornar ao texto)
(136) Tratado da União, projecto, Pravda, 24 de Novembro de 1990, doc. n.° 32 -VOSD1-901126DR31, p. 1. (retornar ao texto)
(137) Rijkov, Intervenção no 4.° Congresso dos Deputados do Povo, Pravda, 19 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(138) Le Figaro, 20 de Dezembro de 1990, «Sous la menace de l'état d'urgence». (retornar ao texto)
(139) Nouvelles de Moscou, n.° 45, 11 de Novembro de 1990, p. 7. (retornar ao texto)
(140) Le Figaro, 20 de Dezembro de 1990, «Sous la menace de l'état d'urgence». (retornar ao texto)
(141) Nouvelles de Moscou, n.° 40, 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(142) Nouvelles de Moscou, n.° 21, 1990, p. 9. (retornar ao texto)
(143) Nouvelles de Moscou, n.° 41, 14 de Outubro de 1990. (retornar ao texto)
(144) The Wall Street Journal, 26 de Novembro de 1990, «Gorbatchev offers unity...» (retornar ao texto)
(145) Newsweek, 3 de Dezembro de 1990, p. 24. (retornar ao texto)
(146) The Guardian, 29 de Dezembro de 1990, «Partnership in peril». (retornar ao texto)
(147) De Standaard, 27 de Novembro de 1990, «Washington begint tegenspelers...» (retornar ao texto)
(148) The Wall Street Journal Europe, 7-8 de Dezembro de 1990, «Food aid to Moscow». (retornar ao texto)
(149) Gorbatchov, Declaração, Pravda, 23 de Janeiro de 1991, p. 3. (retornar ao texto)
(150) Gorbatchov, Intervenção no CC do PCUS, 10 de Dezembro de 1990, Pravda, 11 de Dezembro de 1990, doc. n.° 37 - VOKP1-901211DR30, p. 7. (retornar ao texto)
(151) Nichanov Rafik, Relatório ao 4.° Congresso dos Deputados do Povo, Pravda, 19 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(152) Bulletin AIN, 9 de Outubro de 1990, p. 2. (retornar ao texto)
(153) The Guardian, 20 de Dezembro de 1990, «Dialogue of equals...» (retornar ao texto)
(154) Le Monde, 14 de Dezembro de 1990, «Le KGB en première ligne» (retornar ao texto)
(155) The Wall Street Journal, 18 de Dezembro de 1990, «Gorbatchev calls for» (retornar ao texto)
(156) Le Figaro, 29 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(157) Despacho da AFP, 201133, 20 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(158) Libération, 20 de Dezembro de 1990. (retornar ao texto)
(159) Le Figaro, 20 de Dezembro de 1990, «Sous la menace...»; Internationale Herald Tribune, 20 de Dezembro de 1990, «Gorbatchev threatens...» (retornar ao texto)
(160) InternationalHerald Tribune, 27 de Novembro 1990, «For the Soviet Union...» Stefan Collignon. (retornar ao texto)
(161) Nouvelles de Moscou, 14 de Outubro de 1990, p. 6. (retornar ao texto)
(162) Os gagaúzes são um povo de origem turca minoritário do Sudeste da Moldávia (Gagaúzia) e do Sudoeste da Ucrânia (Budjak) que rondam as 250 mil pessoas. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(163) Nouvelles de Moscou, 19 de Agosto de 1990, p. 6, «Que doit-il se produire?» artigo do general-coronel I. Rodiónov. (retornar ao texto)
(164) Nouvelles de Moscou, n.° 41, 25 de Novembro de 1990. (retornar ao texto)
(165) Relatório à II Conferência do Movimento Unidade, 14 de Abril de 1990, Moscovo. (retornar ao texto)
(166) La Vie Internationale, Agosto de 1990, pp. 3-16. (retornar ao texto)
(167) Nagels Jacques, Du socialismeperverti au capitalisme sauvage, éd. ULB, 1991, p. 21, 38, 59. (retornar ao texto)
(168) Ibidem, p. 58. (retornar ao texto)
(169) Ibidem. (retornar ao texto)
(170) Nouvelles de Moscou, n.° 37, 16 de Setembro de 1990.Nagels Jacques, op. cit., p. 21, 38, 59. (retornar ao texto)
(171) Nouvelles de Moscou, n.° 43, 28 de Outubro de 1990, p. 13. (retornar ao texto)
(172) Temps Nouveaux, n.° 41, 1990, p. 17. (retornar ao texto)
(173) Temps Nouveaux, n.° 43, 1990, p. 27-28. (retornar ao texto)
(174) Nouvelles de Moscou, n.° 42, 1990, p. 12. (retornar ao texto)
(175) Temps Nouveaux, n.° 36, 1990, pp. 5-6 (retornar ao texto)
(176) NRC-Handelsblad, 10 de Janeiro de 1991, p. 7. (retornar ao texto)
Inclusão | 25/04/2013 |
Última atualização | 14/04/2014 |