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Leão Trótski (Lev Davidovich Bronstein, 1879-1940), da mesma forma que Lenine, não reivindicou em nenhum momento desenvolver uma teoria particular estranha ao marxismo, considerava-se um marxista ortodoxo, mas como todo revolucionário que usa o método do materialismo histórico para o conhecimento e transformação da sociedade capitalista, em determinado momento do seu desenvolvimento, deu contribuições à referida doutrina e estas podem ser resumidas na sistematização da teoria da Revolução Permanente, na elaboração do Programa de Transição, para esta etapa do nascimento convulsivo da nova sociedade, e na análise e luita contra a degeneração burocrática do há muito isolado Estado operário. Deve-se ressaltar que uma das grandes contribuições de Trótski é a organização da Quarta Internacional, síntese das suas ideias e de toda a experiência revolucionária mundial. Da mesma forma que Marx e Engels, pode-se dizer que Trótski merecerá entrar para a história por ter instituído a Quarta Internacional, mesmo que não tenha escrito uma única linha sobre problemas políticos e teóricos. Recordemos que Trótski, como todo grande revolucionário, sintetizou teoria e prática na sua pessoa, embora compreendesse perfeitamente, como expressou várias vezes, que o verdadeiro forjador do Partido e da atividade revolucionária é o teórico.
A enunciação de Trótski da "lei do desenvolvimento combinado" merece um ponto especial (ver particularmente a "História da Revolução Russa" de Trótski e o ensaio de Warde sobre "O Desenvolvimento Desigual e Combinado da História" podem ser lidos com proveito) (há uma edição em “Masas”) e também está incluído no nº 8 de (Questões sociais. La Paz, junho de 1971). O marxismo, incluindo o dos tempos dos clássicos Marx e Engels, conhecia a lei do desenvolvimento desigual (diferentes ritmos de desenvolvimento dos diferentes países e continentes entre si) como a mais geral da história da humanidade e foi retomada e aprofundada por Lenine. O estudo da atuação dessa lei nos países atrasados deve-se a Trótski, que lhe deu o nome e enunciou como a lei do desenvolvimento combinado. Pode-se dizer que se trata de dous aspectos, em interação dialética, da mesma lei. "Dessa lei universal do desenvolvimento desigual deriva outra que, por falta duma denominação mais apropriada, qualificaremos como lei do desenvolvimento combinado, aludindo à aproximação das diferentes etapas do caminho (percorrido pola humanidade, Ed.) e à combinação de diferentes fases, à fusão de formas arcaicas e modernas (na Bolívia, a selvageria das tribos nómades, as formas patriarcais, semifeudais e a última palavra do capitalismo representada polo jacto, a técnica mineira, por exemplo, Ed.). Sem recorrer a esta lei, centrada, naturalmente, na integridade do seu conteúdo material, seria impossível compreender a história da Rússia, nem de qualquer outro país de atraso cultural, qualquer que seja o seu grau” (Trótski). Não se trata simplesmente duma justaposição, passiva e como se fossem círculos fechados, das diferentes formas económicas e sociais, mas duma interação ativa entre elas, formando uma única unidade, não só nacional, mas internacional, para que as atrasadas formas sob certas condições, impulsionem as grandes transformações revolucionárias (o campesinato levando o proletariado ao poder, por exemplo). A teoria da Revolução Permanente (o proletariado nos países atrasados pode chegar ao poder antes dos avançados e não poderá fazer menos do que cumprir plenamente as tarefas democráticas e transformá-las em socialistas, de modo que o processo não pare nem nas fronteiras nacionais nem em qualquer forma de opressão de classe) emerge da lei do desenvolvimento desigual e combinado.
A teoria da revolução permanente é inestimável para nós porque é a resposta ao problema da revolução nos países atrasados num período em que reina a economia capitalista mundial.
A lei do desenvolvimento combinado resolve os problemas dos países atrasados antes do aparecimento das teorias sociológicas do desenvolvimento bipolar, do subdesenvolvimento, etc. Munido de tal instrumento teórico, Trótski desenvolveu a sua concepção marxista do atraso no desenvolvimento dos países (atraso histórico) que nada tem a ver com a concepção mecanicista do desenvolvimento atrasado com uma categoria definitiva e fatalista: "O desenvolvimento da Rússia é notável, primeiro de todos, por causa do seu atraso. Mas o atraso histórico não significa simplesmente seguir os passos dos países avançados a uma distância de cem ou duzentos anos. Ao contrário, dá origem a uma formação social "combinada" duma maneira bem diferente, e na qual os mais recentes avanços da técnica capitalista e a sua estrutura são integrados nas relações sociais da barbárie feudal e pré-feudal, transformando-as e dominando-as, e moldando uma reação de classe única. O mesmo acontece com as ideias. Precisamente por causa do seu atraso histórico, a Rússia tornou-se o único país europeu em que o marxismo como doutrina e a social-democracia como partido tiveram um poderoso desenvolvimento mesmo antes da revolução burguesa” (Trótski, “Stalin”, apêndice).
Se o leninismo nada mais é do que o marxismo aplicado à era do capitalismo imperialista, o trotskismo (Trótski levantou bem alto a bandeira da continuação do leninismo traído polo revisionismo estalinista) nada mais é do que o marxismo-leninismo desenvolvido no período da revolução mundial (revoluções nos países atrasados e nas metrópoles e revoluções políticas nos estados operários degenerados) e da luita contra a burocracia estalinista. O trotskismo é o marxismo do nosso tempo, é absurdo opô-lo ao marxismo-leninismo ou sustentar que o trotskismo é uma teoria particular duma pessoa.
Trótski diz nas suas Lições de Outubro(1) (1924) que "o bolchevismo não é uma doutrina (ou melhor, não apenas uma doutrina), mas um sistema de educação revolucionária para a revolução proletária" este mesmo conceito pode ser aplicado ao trotskismo, que nada mais é do que o leninismo de nosso tempo. O Partido Mundial da Revolução Socialista (a Quarta Internacional) educa, seleciona líderes, que sejam capazes de cumprir a sua missão de contribuir para a vitória da revolução proletária, considerada como um fenómeno internacional único. Os inimigos do trotskismo esforçam-se para apresentá-lo como uma posição livresca típica dos intelectuais, totalmente alheia à prática revolucionária e despreocupada com a vitória da classe trabalhadora; como um clube de teóricos que formam capelas e brigam entre si por qualquer ninharia académica; O trotskismo seria, para essas pessoas, a antítese da acção e organização revolucionárias. São citadas como precedentes as longas e apaixonadas polémicas travadas por Trótski em torno da sua caracterização da revolução russa, a sua resistência em se adequar à concepção organizativa de Lenine e, posteriormente, a sua intransigente defesa do bolchevismo contra os desvios dos antigos bolcheviques (entrou no partido bolchevique apenas em julho de 1917) e o revisionismo estalinista.
A necessariamente acalorada discussão sobre o programa da revolução constitui o caminho obrigatório que conduz à sua concretização, como se depreende do exemplo de Marx, Engels e Lenine. O partido, considerado como um instrumento que servirá ao proletariado para enterrar o capitalismo e estruturar a sua ditadura, como um período intermediário e necessário que deve levar a uma sociedade sem classes, só pode ser formado nessa luita e não fora dela, como resultado da aplicação de receitas técnicas. Lenine lembrou que não pode haver acção revolucionária sem teoria revolucionária; as luitas ao seu redor precedem a acção e constituem parte indissociável da construção do partido. Não se trata de parar a discussão para dar lugar à unidade pola unidade, sem princípios claros, sem perspectivas claramente definidas, dando margem ao uso de métodos duvidosos de luita; Para criar o partido, para começar por unir os quadros fundamentais, é preciso delimitar com precisão os objetivos, as diferenças e as afinidades, o que necessariamente traz agrupamentos e cisões. Não há outros canais para a construção do partido revolucionário, como ensina a própria experiência do bolchevismo.
Só a ignorância e a má fé podem ignorar que a preocupação central de Trótski era fazer a revolução proletária: na verdade, o arquiteto da vitória de outubro dedicou toda a sua vida a esse objetivo. As suas análises teóricas ─ contribuições inestimáveis para o marxismo ─ levaram-no à convicção de que a maturidade do capitalismo como um todo, como unidade mundial, colocava a necessidade histórica urgente duma revolução liderada pola classe trabalhadora. Desde o momento em que se convenceu da justeza do conceito organizacional leninista (partido centralizado), não desistiu dos seus esforços para forjar a vanguarda revolucionária capaz de levar o proletariado ao poder. Pode-se dizer que o seu incessante trabalho teórico (foi dotado de recursos excepcionais para isso) esteve a serviço do partido da revolução. Agora, quinze décadas depois da sua morte, é a partir da herança que nos deixou que empreendemos o urgente trabalho organizativo. Trótski, preocupado fundamentalmente em pôr de pé o partido revolucionário, objetivo ao qual subordina toda a sua atividade, encontramo-lo não apenas trabalhando incansavelmente pola estruturação da Quarta Internacional, como continuação do programa e organização do bolchevismo, mas também luitando heroicamente para permanecer no seio do Partido Comunista Russo e da Internacional Comunista, para poder, a partir de dentro, modificar o curso da sua política e os seus métodos de organização, de modo a permitir o retorno ao caminho leninista. Os trotskistas bolivianos aproveitam esta experiência e estes ensinamentos no nosso trabalho revolucionário, que consiste fundamentalmente em fortalecer, educar e treinar o Partido para que cumpra adequadamente o seu papel na revolução. Aos estalinistas, ultras e nacionalistas, que se perguntam se o trotskismo é viável (o que equivale a questionar a viabilidade do marxismo) e onde ele triunfou, devemos lembrar que Trótski, junto com Lenine, é um dos arquitetos da vitória do Outubro de 1917, que a teoria da revolução permanente se confirma, passiva ou indiretamente, em todas as revoluções ocorridas desde então. Trótski, antes e depois de 1905, desenvolveu posições divergentes das defendidas polo bolchevismo em torno de dous problemas principais: a questão organizacional e as perspectivas da revolução.
“Eu fiz parte daquela ‘minoria’ (menschinsvo(2)) do primeiro congresso (1901) do qual o menchevismo emergiu mais tarde”, diz Trótski. Continuei a minha relação política e orgânica com essa minoria até o outono de 1904, aproximadamente até a chamada “campanha agrária” do Novo Iskra, na qual minha divergência irreconciliável com o mechevismo sobre as questões do liberalismo burguês e as perspectivas do revolução foi definida. Em 1904, ou seja, há vinte e três anos, rompi política e organicamente com o mechevismo. Nunca me chamei ou me considerei um Mechevique.” (Carta de Trotsky à Comissão de História do PCUS, 21 de outubro de 1927(3)). Esta declaração torna-se importante tendo em vista a campanha sistemática que foi realizada e ainda é realizada em torno do suposto menchevismo de Trótski, que buscava se opor ao bolchevismo, isso em 1924 e também posteriormente.
Depois de 1904, Trótski continuou a combater Lenine, particularmente as suas concepções organizacionais, que lhe pareciam ultracentralistas, que abriram caminho para a ditadura do Comitê Central, o estrangulamento total da democracia interna e a ditadura do Secretário-Geral. As expressões mais conhecidas nesta posição equivocada referem-se ao medo da cisão, a) faccionismo e os danos que estes podem causar à revolução. Ele teimosamente se esforçou para preservar a unidade do Partido Operário Social-Democrata Russo, ao qual bolcheviques e mencheviques formalmente continuaram a pertencer, um esforço que atingiu o seu ponto culminante em 1912. No fundo, havia uma falta de compreensão total da necessidade do proletariado, polas suas particularidades de classe (despossuída dos meios de produção, e também da cultura, do poder político e económico), forjar um partido altamente centralizado, formado por revolucionários profissionais, que possua os requisitos dum verdadeiro Estado-Maior. Como se sabe, a burguesia em seu tempo não exigia instrumentos dessa natureza.
Foi o próprio Trótski quem apontou categoricamente que ele estava errado em questões organizacionais e que Lenine estava certo. Não se trata, aliás, duma declaração diplomática ou duma manobra para se acomodar nas fileiras bolcheviques, mas sim duma autocrítica destinada a superar radicalmente um erro grosseiro; A partir deste momento, o talento e as energias do revolucionário voltam-se para a construção e defesa do partido do proletariado ─ considerado como a chave da atual crise da humanidade ─ de toda deformação, tornando-se assim o repositório das tradições organizativas do bolchevismo. O verdadeiro Trótski ─ assim entendemos o militante que enunciou a teoria da revolução permanente e passou a assimilar a vitalidade do bolchevismo ─ não é apenas o construtor da Quarta Internacional, como partido leninista, a partir da implantação do centralismo democrático, mas o que luta abnegadamente contra a destruição do partido bolchevique polo estalinismo, contra a desnaturação das suas bases leninistas, esse sentido teve o nascimento e a atividade da Oposição de Esquerda. O trotskismo deve ser entendido, portanto, como o leninismo na sua concepção de estratégia revolucionária e de partido revolucionário, considerado organizacionalmente. A luita titânica que travou contra a distorção estalinista do marxismo (às vezes nos parece que só ele, marginalizado do poder, exilado, barbaramente perseguido e caluniado onde quer que esteja, enfrenta uma camarilha desonesta, administrando discricionariamente os enormes recursos do Estado Russo e o poder da Internacional Comunista), não se limitou a salvaguardar a herança do bolchevismo como doutrina revolucionária, mas também, e diremos indissociavelmente, a organização partidária levantada por Lenine, os seus princípios básicos de organização (particularmente as noções de centralismo democrático e trabalho coletivo) diante da deformação imposta pola burocracia termidoriana.
Os erros cometidos por Trótski em matéria de organização não podem e não devem ser tomados simplesmente como memória histórica ou como algo já esquecido, é preciso estudá-los e mostrar o seu aspecto negativo. Deixamos claro que as concepções organizativas de Trótski do primeiro período nos são totalmente estranhas e que os nossos princípios na matéria derivam diretamente do leninismo. A crítica severa aos erros que Trótski cometeu sobre a organização não obedece a uma preocupação dos estudiosos; Impõe-se como rejeição às correntes antibolcheviques e revisionistas que ultimamente atualizaram a crítica "trotskista" aos métodos de organização do bolchevismo. Cabe a nós, militantes trotskistas, rejeitar energicamente as absurdas reivindicações de oposição ─ tanto da direita quanto da extrema esquerda e em ambos os casos se afastando do marxismo ─ do trotskismo ao bolchevismo.
É verdade que as críticas de Trótski ao centralismo apoiado por Lenine são muito semelhantes, polo menos formalmente, às propostas feitas por Rosa Luxemburgo sobre o assunto, mas não se deve deduzir disso que ele em algum momento compartilhou das ideias espontâneas da revolucionária polaca.
Parece-nos que o Trótski maduro em matéria de organização e totalmente identificado com a essência do leninismo, é quem tão brilhante e contundentemente rejeitou a teoria que sustenta que o estalinismo (considerado como despotismo do secretário-geral prevalecendo sobre o comitê central e o todo o partido, como suplantando a vontade da militância, como a substituição da disciplina revolucionária por outra baseada na repressão policial, etc.) é nada menos que o filho natural, a consequência forçada, do bolchevismo. Para Trótski, os métodos organizacionais estalinistas são a própria negação do leninismo. O centralismo democrático (a democracia interna mais ampla como quadro essencial para possibilitar a unidade de acção no exterior e esta considerada indissociável da primeira) é algo qualitativamente diferente do centralismo burocrático (supõe que a burocracia despótica suplanta a vontade da militância) e , por isso mesmo, é absurdo sustentar que ela gera natural e inevitavelmente a ditadura burocrática.
As divergências de Trotsky com Lenin não se limitaram a problemas organizacionais, mas também ocorreram em relação às perspectivas da revolução. Tais divergências políticas tiveram enorme significado no trabalho de elaboração do programa revolucionário.
Quando se trata de caracterizar as forças motrizes da revolução, Trótski estava mais próximo de Lenine do que dos mencheviques. Os dous primeiros, ao contrário de Martov e Cia., sustentavam que na Rússia se tratava duma revolução burguesa que se faria sem a burguesia e contra ela, já que esta havia passado definitivamente para as trincheiras da contrarrevolução. A força de Lenine consistia no facto de que a sua concepção organizacional partia dessa caracterização.
Trótski também concordava com Lenine quando o proletariado e os camponeses foram identificados como as forças sociais básicas da revolução; mas, as divergências surgiram quando se tratava de especificar as possibilidades de atuação independente e de formulação e execução duma política destes últimos. A importância da massa camponesa, as suas limitações e o exagero teórico das suas possibilidades revolucionárias decorriam do caráter atrasado do país. As relações entre o proletariado e o campesinato, a necessária mecânica de classe a este nível, eram encaradas como um simples prognóstico, uma vez que a experiência que se possuía não era suficiente para provar a validade das conclusões políticas.
Para Trótski, o campesinato não poderia desenvolver uma política de classe independente. O caminho para a sua libertação passava polo apoio à revolução proletária, da mesma forma que no passado apoiou a revolução burguesa. Não há lugar na história, diz ele, para uma sociedade camponesa. Este ponto de vista foi plenamente confirmado pola teoria e pola história. Lenine inicialmente superestimou a possibilidade de que eles pudessem constituir um partido poderoso, capaz de lidar com o proletariado de poder em poder.
Trótski sustentava, antes de 1905, que o proletariado na Rússia, apesar do atraso do país, poderia chegar ao poder, contando com os camponeses, justamente, antes que nas grandes metrópoles europeias; que seria a ditadura do proletariado (fazendo desta classe um dirigente nacional) que tornaria efetiva a realização das tarefas democráticas e que tal ditadura seria o canal polo qual as massas conheceriam e viveriam a mais ampla democracia.
Lenine propôs, como projeção da aliança operário-camponesa na Rússia atrasada, a ditadura revolucionária democrática dos operários e camponeses. Trótski dizia que era uma fórmula algébrica, isso porque deixava sem resposta a questão de qual das classes sociais seria a que lideraria politicamente esse bloco de governo (como em qualquer bloco de classes, por outro lado). Quando se diz que se trata duma ditadura democrática (burguesa), destaca-se o papel dirigente do campesinato e dá-se a entender, embora o problema não tenha sido claramente explicado, que seria este e não o proletariado, que deixaria a sua marca nas características e limitações governamentais: para que essa ditadura tivesse como limite a realização dos objetivos burgueses. A ditadura revolucionária democrática dos trabalhadores e camponeses não ocorreu em nenhum momento do desenvolvimento histórico subsequente. Lenine disse, antes de outubro, que de certa forma isso foi realizado nos sovietes, mas neste caso dificilmente se pode falar duma semente de poder.
Trótski observa que na discussão sobre o conteúdo social da revolução russa (revolução num país atrasado) surgiram quatro posições:
Os populistas (democratas idealistas) recusaram-se "supersticiosamente" a reconhecer o caráter democrático da revolução russa, pois sustentavam, em polêmica com Plekhánov, que ela não passaria polo purgatório do capitalismo, que o pularia, contando com a comunidade agrária, célula do comunismo. Essa teoria populista foi posteriormente reproduzida no indigenismo latino-americano e atualmente é repetida por alguns ultras. “A ideia menchevique da revolução... consistia no seguinte; a vitória da revolução burguesa na Rússia só seria possível sob a liderança da burguesia liberal e deveria dar o poder a esta última. Posteriormente, o regime democrático elevaria o proletariado russo, com muito mais sucesso do que até então, ao nível dos seus irmãos ocidentais maiores, no caminho da luita polo socialismo.”Na perspectiva de Lenine, a burguesia russa atrasada é incapaz de realizar a sua própria revolução. A vitória completa da revolução, pola mediação da ditadura democrática do proletariado e dos camponeses, baniria o medievalismo do país, daria ao capitalismo russo o ritmo do capitalismo americano, fortaleceria o proletariado na cidade e no campo e tornaria eficaz a luita polo socialismo. Por outro lado, o triunfo da revolução russa daria um enorme ímpeto à revolução socialista no Ocidente, e isso não só protegeria a Rússia dos riscos da restauração como permitiria ao proletariado russo partir para a conquista do poder num período histórico relativamente curto, breve” (Trótski), esta afirmação inicial foi superada em 1917 com as Teses de Abril, nas quais a ditadura do proletariado foi proposta para resolver as tarefas democráticas e abrir as comportas do socialismo.
"A perspectiva do bolchevismo não era completa ─ nota Trótski ─: apontava bem a direção geral da luita, mas descaracterizava as suas etapas. A insuficiência da perspectiva bolchevique não foi apreciada em 1905 apenas porque a própria revolução não veio depois. Mas então, no início de 1917, Lenine foi forçado a alterar as suas perspectivas, em conflito direto com os antigos quadros do seu partido.
“A perspectiva da revolução permanente... a vitória completa da revolução democrática na Rússia só pode ser concebida na forma duma ditadura do proletariado, apoiada polos camponeses. A ditadura do proletariado, que inevitavelmente colocaria sobre a mesa não apenas tarefas democráticas, mas também socialistas, daria ao mesmo tempo um vigoroso ímpeto à revolução socialista internacional. Somente a vitória do proletariado ocidental poderia proteger a Rússia da restauração burguesa, dando-lhe a segurança de completar a implantação do socialismo.
A fórmula leninista, além de imprecisa, devia-se à superestimação do papel do campesinato, mas estava ligada à concepção revolucionária da caducidade e caráter reacionário da burguesia no nosso tempo e que a transformação da sociedade só poderia ocorrer através da acção dos camponeses e proletários. Partindo da experiência de 1905, Lenine desenvolveu e aprofundou gradualmente os aspectos positivos da sua fórmula e deixou para trás o peso da imprecisão sobre a mecânica das classes entre o proletariado e os camponeses. É nesse caminho de autoaperfeiçoamento (os acontecimentos de fevereiro de 1917 deram um impulso inusitado a esse processo que acabou assumindo a mesma perspectiva formulada por Trótski; a afirmação de que o líder bolchevique abandonou as suas ideias e posições para passar por cima ao "trotskismo". No caso de Trótski e referindo-se à questão organizacional, houve um abandono radical de posições para aderir às propostas de Lenine, sem mitigação de qualquer tipo, sem condições ou retificações. Não se trata de ambos se tornarem concessões mútuas. Em Lenine, o desenvolvimento dos aspectos positivos da sua tese permite-lhe abandonar o que considera totalmente superado polos acontecimentos. assim se pode entender que no futuro ele actuou como o melhor militante bolchevique no que se refere à salvaguarda dos princípios organizativos enunciados em "O que fazer?", em "Um passo à frente, dous passos atrás" e em tantas outras lúcidas páginas.
Os militantes revolucionários bolivianos não se apoderam indiscriminadamente das ideias de Trótski, em todos os campos e em todos os momentos. Ao contrário, submetemos à crítica as suas concepções organizacionais, destacamos a enorme importância que a perspectiva da revolução permanente tem para os países atrasados.
O termo trotskismo (para englobar as ideias de Trótski dentro dele) foi cunhado e colocado em circulação polos inimigos do criador do Exército Vermelho, logo após a morte de Lenine, e eles esperavam que esta manobra lhes permitisse fechar o caminho para a sua sucessão no poder. Já indicamos que inicialmente foi feita uma tentativa de opor o trotskismo ao leninismo e os esforços nesse sentido continuam até hoje. Para nós, os movimentos e partidos políticos distinguem-se polos seus programas e documentos fundamentais. O trotskismo é integral não apenas nos escritos básicos de Trótski, mas também no Programa de Transição e neles é definido como a continuação do leninismo, como a sua defesa mais enérgica contra qualquer tentativa revisionista ou degenerativa. Em nenhum momento o trotskismo apareceu mais exaltado do que quando se organizou como oposição de esquerda dentro do PCUS e da I. C. para salvar o leninismo do brutal ataque estalinista, assim, de facto e no nível programático, definiu-se como uma continuação e defensor da herança leninista. Tais são as razões polas quais o trotskismo deve ser considerado sinónimo de marxismo-leninismo. Os nossos adversários ainda luitam para convencer que estamos agrupados em torno de ideias e doutrinas estranhas às de Lenine, vindas exclusivamente do cérebro dum político e dum teórico; a nossa propaganda deve responder a esta campanha demonstrando que somos, nesta época de irrupção de tendências revisionistas pequeno-burguesas de todos os tipos, os únicos leninistas consistentes, e que quando nos identificamos com Trótski fazemo-lo na medida em que ele levantou alto, em meio ao ataque do estalinismo e da contra-revolução, a bandeira de Lenine.
A propaganda estalinista insiste que as posições defendidas por Trótski nada mais são do que uma repetição das ideias de Parvus e que, nessa medida, nada têm a ver com a doutrina leninista. Esta afirmação é feita particularmente com referência à revolução permanente (Trótski destacou o que deve a Parvus neste campo), insinuando que não tem nada a ver com Marx e o marxismo. Parvus acabou envolvido em negócios escusos de natureza financeira, aspecto da sua biografia que é usado na tentativa de desacreditar o revolucionário que colocou todo o seu talento na defesa do leninismo. O menchevismo de Trótski é outra das invenções de Stalin. Nos seus escritos encontramos referências específicas a seus contatos com a chamada fração minoritária da social-democracia russa e as suas profundas diferenças políticas. Ao se referir às várias concepções da revolução russa, havia algumas teses defendidas polos bolcheviques, polos populistas, polos mencheviques e por ele mesmo, como posições claramente diferenciadas, embora a sua e a de Lenine fossem muito próximas.
O bolchevismo não foi nem um pouco infectado pola crença no poder e na força duma democracia burguesa revolucionária na Rússia. Desde o início reconheceu o significado decisivo da classe trabalhadora na próxima revolução, mas o seu programa foi limitado, no primeiro período, aos interesses das grandes massas camponesas, sem as quais ─ e contra as quais ─ a revolução não poderia ter sido realizada polo proletariado. Daí o reconhecimento (provisório) do carácter democrático-burguês da revolução e das suas perspectivas, o autor não pertencia, naquele período, nem a uma nem a outra corrente principal do movimento operário russo. O ponto de vista então adotado polo autor pode ser formulado de forma esquemática: Correspondendo às suas tarefas mais próximas, a revolução começa burguesa, mas logo desenvolve poderosos antagonismos de classe e só alcança a vitória se transferir o poder para a única classe capaz de colocar-se à frente das massas oprimidas: o proletariado. Uma vez no poder, o proletariado não quer e não pode limitar-se ao quadro dum programa democrático burguês. Só pode levar a cabo a revolução se a revolução russa se prolongar numa revolução do proletariado europeu.
Então o programa democrático burguês da revolução será superado, junto com a sua estrutura nacional e a dominação política temporária da classe trabalhadora russa progredirá para uma ditadura socialista permanente. Mas se a Europa não avança, então a contra-revolução burguesa não tolerará o domínio das massas trabalhadoras na Rússia e empurrará o país para trás ─ muito atrás da república democrática dos trabalhadores e camponeses ─. O proletariado, então, tendo chegado ao poder, não deve limitar-se ao quadro da democracia burguesa, mas deve implantar a táctica da revolução permanente, quer dizer, anular os limites entre o programa mínimo e máximo da social-democracia, passar para as reformas sociais cada vez mais profundamente e buscar apoio direto e imediato na revolução da Europa Ocidental.
O autor tem defendido... o ponto de vista da revolução permanente, mas ao avaliar as fracções em luita mútua dentro da social-democracia cometeu um erro, pois ambas partiram das perspectivas duma revolução burguesa, o autor acreditava que as divergências de opiniões não eram tão profundas que justificassem uma divisão. Ao mesmo tempo, esperava que o curso subsequente dos eventos demonstrasse claramente a todos, por um lado, a falta de força e impotência da democracia burguesa russa e, por outro lado, o facto de que seria objetivamente impossível para o proletariado manter-se no centro do poder no quadro dum programa democrático; e que, em suma, isso faria desaparecer o campo de divergências de opinião entre as facções.
A última instância da teoria continua sendo a experiência. O facto de que os eventos... dos quais participamos... foram previstos há uma década e meia, prova a correta aplicação do marxismo. (De “Balanço e Perspectivas”).
Notas de rodapé:
(1) Para a história da Revolução de Outubro é necessário consultar a História da Revolução Russa de Leão Trótski no MIA em inglês.
(2) Nota do tradutor, em russo меньшевики́. (retornar ao texto)
(3) Veja aqui em A Revolução Desfigurada. A falsificação estalinista da história. (retornar ao texto)