MIA> Biblioteca > Prestes > Problemas Atuais da Democracia > Novidades
Primeira Edição: Anais da Assembléia Constituinte, vol. 5, 26-03-1946. Discurso pronunciado pelo Senador da República Luiz Carlos Prestes na Assembléia Constituinte, no dia 26 de Março de 1946. Neste discurso Prestes trata das declarações que havia dado acerca do posicionamento do PCB em uma hipotética guerra contra a Rússia.
Fonte: Luiz Carlos Prestes, Problemas Atuais da Democracia, Editorial Vitória, 1947, pág: 263-328.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo,
junho 2006.
Direitos de Reprodução: Autorização. A cópia ou distribuição deste documento é livre e indefinidamente garantida nos termos da GNU Free Documentation License.
O SR. PRESIDENTE — Tem a palavra o Sr. Carlos Prestes.
O SR. CARLOS PRESTES — (Movimento geral de atenção) Sr. Presidente, Srs. Representantes, volto a esta tribuna em momento realmente delicado para o meu Partido e para mim pessoalmente.
Mal declina uma semana de provocações, de insultos os mais soezes, aos comunistas e a mim mesmo, insultos que tiveram até nesta tribuna o seu eco, constando, dos Anais de nossos trabalhos, a transcrição de expressões injuriosas ao meu Partido e a mim.
Por princípio, não solicitamos a retirada dessas expressões. Preferimos que constem dos Anais. A opinião pública fará justiça e dirá quem tem razão.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Representantes, não venho à tribuna para responder a esses ataques. Quero reiterar palavras que, em nome do meu Partido, já tive ocasião de pronunciar na sessão inaugural de nossos trabalhos. Reitero-as, porque, será sempre essa a nossa atitude, aqui: os Comunistas jamais usarão a tribuna para insultos ou ataques pessoais. Estenderemos fraternalmente as mãos a todos os Partidos políticos e sempre estaremos prontos a apoiar todas as medidas úteis ao povo, à Democracia, ao progresso de nossa Pátria, partam elas de quem partirem.
E que ninguém veja, nesta defesa intransigente de princípios, de nossos pontos de vista, quaisquer preocupações de ataque pessoal, porque tal jamais será nossa atitude.
Senhores: será sempre esse o procedimento da bancada comunista.
É evidente que, vindo à tribuna em momento como o atual, receio como receia todo o meu Partido e sua bancada — que, no calor do debate, no ardor da discussão, sejam proferidas palavras que possam magoar alguns dos Srs. Representantes. Mas, afirmo desde já: tais palavras estarão previamente retiradas, se qualquer dos Senhores Representantes as julgar ofensivas.
O lema da bancada comunista pode ser sintetizado nas seguintes palavras de Rui Barbosa, que vou ler agora, constantes em seu discurso de 16 de Dezembro de 1890, o primeiro que fez na Assembléia Republicana.
Rui pretendia tratar de matéria constitucional. Confesso a VV. EEx. que era também meu desejo falar pela primeira vez, em nossas sessões ordinárias, sobre assunto constitucional. Rui teve que se desviar, tratando, principalmente de assunto financeiro, para responder às acusações que então sofria, na qualidade de Ministro da Fazenda, posto que abandonaria três dias depois.
Estas palavras de Rui são o lema da bancada comunista:
«Ninguém mais do que nós compreende quanto são preciosos os momentos desta Assembléia; ninguém mais do que nós se interessa em remover todo e qualquer obstáculo às suas deliberações; ninguém mais do que nós se empenha em apressar a solução final dos nossos trabalhos, dos quais deve resultar para o país a Constituição que nós prometemos, que ele nos confiou e que deve ser a primeira e a mais séria aspiração de todos os republicanos, de todos os patriotas».
Senhores: ocupo a tribuna para discutir a indicação n. 17, apresentada pelo ilustre e nobre representante Sr. Café Filho.
S. Excia., podemos dizer, esgotou o assunto. Sobre ele, no entanto, desejaria dizer mais alguma coisa.
Trata-se do emprego dos saldos ouro no estrangeiro.
Cremos que esta é uma reserva vital para a nossa pátria. Em documentos de nosso Partido e em decisões por ele tomadas, defendemos a tese de que essas reservas não devem ser utilizadas estritamente na aquisição dos bens de consumo; devem ser utilizadas de maneira planificada, de acordo com as necessidades nacionais, para o reequipamento de nossas estradas de ferro, para a aquisição de navios para a nossa marinha mercante, para construção de usinas hidroelétricas capazes de elevar a energia, a capacidade de produção de todo o nosso povo...
O Sr. Deoclécio Duarte — Para aperfeiçoamento das fábricas de tecidos, a fim de podermos competir com o estrangeiro.
O SR. CARLOS PRESTES — Perfeitamente.
... Para a importação de toda a maquinaria que, dentro de um plano estabelecido por um acordo mútuo entre o governo e os próprios industriais, seja a mais necessária para o desenvolvimento industrial do país.
Sem dúvida, o Sr. deputado José Jófili em parte tem razão quando declara que, de todas as indústrias, a mais necessária em nosso país, nos dias de hoje, é a indústria pesada, a da fabricação de máquinas. Vamos fabricar máquinas para as nossas fábricas. Volta Redonda aí está. Apoiamos sua construção. Podem e devem mesmo existir erros. Mas, meus concidadãos, quem não erra? Volta Redonda é a indústria em nossa terra, é o início da nossa emancipação econômica (Apoiados).
O Sr. Pereira da Silva — Uma obra do Governo Getúlio Vargas.
O SR. CARLOS PRESTES — Concordamos, ninguém mais do que nós, comunistas, apoiou o Sr. Getúlio Vargas quando, com seus atos democráticos do ano passado, abriu as perspectivas para a marcha à democracia em nossa terra, e quando em 38, começou a grande campanha pela siderurgia nacional.
Há poucos dias, o diretor da Companhia Siderúrgica Nacional, o ilustre coronel Raulino de Oliveira, dizia-me que ele, pessoalmente, tinha grande respeito pelo Partido Comunista, porque nenhum outro partido apoiara com mais decisão a construção da usina.
Mas, Senhores, o assunto, podemos dizer — repito — está esgotado. A bancada comunista o apoiou. Se hoje ainda me resta tempo, se puder mais detalhadamente entrar em sua discussão, para trazer mais alguns esclarecimentos, hei de fazê-lo. Peço, no entanto, permissão ao Sr. Presidente para, antes de abordar esse assunto, completar alguns dos meus apartes ao notável discurso que há dias ouvimos do nobre e ilustre companheiro de representação pelo Distrito Federal, cujo nome pronuncio com respeito e admiração e que também é respeitado por toda a Casa, senhor Hamilton Nogueira.
Quando S. Excia. fez seu brilhante discurso, tive ocasião de aparteá-lo e de explicar que trazia mais alguns elementos capazes de aumentar a sua convicção, a respeito da nobre e elevada tese que esposava: a tese da defesa da democracia, a tese de que o golpe contra o Partido Comunista nada mais era do que golpe contra a própria democracia. Porque foi, esta, em síntese, a nobre e elevada tese defendida no momento, pelo Sr. Hamilton Nogueira.
O Sr. Hamilton Nogueira — Peço permissão a V. Excia.para esclarecer meu ponto de vista. Defendo, defendi e defenderei a tese da participação legítima de qualquer Partido, dentro de uma democracia. Mas, como minhas palavras têm sido interpretadas de modo algo diferente, dando a entender que tenho qualquer conivência com a ideologia comunista, quero declarar — aliás, está claro em meu discurso e apenas o faço para uso externo, porque, aqui, todos as entenderam perfeitamente — que, como católico que sou, do ponto de vista doutrinário jamais poderia aceitar a ideologia comunista. Era a explicação que queria dar.
O SR. CARLOS PRESTES — As palavras de V. Excia. e a nobre atitude que assumiu, a mim — confesso — Sr. Senador, não surpreenderam. Não em conseqüência apenas das últimas atitudes de V. Excia., depois de eleito, participando, por vezes, de uma ou outra solenidade a que ambos fomos convidados, mas também porque V. Excia. lembra, nesta Casa, pela firmeza de opiniões e pela maneira elevada, superior, com que respeita as opiniões alheias, a figura de outro católico que conheci nos duros anos de prisão. Refiro-me ao grande advogado deste foro, o ilustre Dr. Heráclito Sobral Pinto, amigo comum do nobre colega Sr. Hamilton Nogueira e meu.
As opiniões defendidas pelo ilustre Senador, no último discurso, são as mesmas permanentemente defendidas pelo Dr. Sobral Pinto nas palestras que tivemos na prisão, em visitas semanais, que a partir do ano de 42, podia fazer-me. Era um comunista, um marxista, um materialista que, durante uma hora, na prisão, no seu isolamento total, conversava com um católico praticante e convicto. Evidentemente, encontramos um terreno comum para nossos palestras. Não foi fácil, a princípio; mas o encontramos, e desde aquele momento nos respeitamos.
O Dr. Sobral Pinto já tem dito, por escrito, que aprendeu, nesse contato, a argumentar por novas formas contra aqueles que crêem não ser possível essa aproximação. Compreendeu e teve a convicção de que um comunista não é bandido. Como de outro lado, os comunistas, e eu pessoalmente — o que para mim, dirigente de um Partido, é de grande importância — melhor podemos sentir que no terreno político é realmente possível a aproximação com os católicos.
Existe um amplo campo comum para comunistas e católicos, desde que sejam democratas sinceros e patriotas de verdade.
O Sr. Hamilton Nogueira — No terreno político, dei e darei ao Partido Comunista, o meu apoio em questões comuns de justiça social. Individualmente, no entretanto, não posso ter relações com o Partido Comunista.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhores, ao completar aqueles meus apartes, quero, além da homenagem pessoal que acabo de prestar ao meu ilustre advogado, prestar outra, ainda maior, a todos os católicos que, em grande maioria, em nossa terra, são de fato democratas sinceros e patriotas verdadeiros, e, particularmente, aos do Distrito Federal, que com o seu voto, trouxeram a esta Casa o nosso nobre colega, Senador Hamilton Nogueira.
E como fazer isso? Vou ler uma carta que me foi dirigida. Não estou autorizado a citar o nome do autor, mas trata-se de uma alta figura, de um homem culto, de um capitalista, que me escreveu o seguinte:
«Senador Carlos Prestes — Sou católico, titular benemérito da Universidade Católica do Brasil, contando no clero brasileiro com alguns de meus amigos. Telegrafei ao senador Hamilton Nogueira felicitando-o pelo alto espírito político e cristão do seu último discurso sobre o comunismo, discurso publicado na íntegra pelo «Jornal do Comércio» e pela «Tribuna Popular», prova de sua geral compreensão. Li as declarações suas, que tão grande tempestade provocaram. Perguntado textualmente «qual a posição dos comunistas se o Brasil acompanhasse qualquer nação imperialista que declarasse guerra à União Soviética», o Sr. respondeu: «Faríamos como o povo da Resistência Francesa, o povo italiano, que se ergueram contra Petain e Mussolini. Combateríamos uma guerra imperialista contra a URSS e empunharíamos armas para fazer a resistência em nossa Pátria, contra um Governo desses, retrógrado, que quisesse a volta do fascismo. Se algum Governo cometesse esse crime, nós, comunistas, lutaríamos pela transformação da guerra imperialista em guerra de libertação nacional». Não foi exatamente isso que Lenin aconselhou e fez quando a Rússia se empenhou na primeira guerra mundial?
Não se aproveitou Lenin da guerra imperialista russa de 1914 para transformá-la na guerra de libertação nacional de 1917? Quem afirmará, hoje, que Lenin foi traidor da pátria e inimigo do povo russo?
Por que foi vaiado Churchill, há poucos dias, em Nova York?
Por que precisou ele da vigilância de 1.400 policiais e 5.000 agentes secretos em torno do Waldorf Astoria Hotel?
Por que o Partido Conservador ameaçou tirar-lhe a liderança? Por que 500 membros da Câmara dos Comuns assinaram um manifesto contra ele? Por que o deputado Howard Buffet qualificou-o de «traficante de guerra»? Por que tantas manifestações populares de desagrado a Churchill, nos Estados Unidos e na Inglaterra?
Exatamente porque seu discurso em Fulton foi interpretado como convite para uma guerra imperialista contra a Rússia Socialista. Os povos da Inglaterra e dos Estados Unidos tornaram inequívoco que se levantariam contra seus próprios governos se estes ousassem desfechar uma guerra imperialista contra a União Soviética».
(Apartes do Sr. Barreto Pinto, e réplica do orador, fazendo o Sr. Presidente soar demoradamente os tímpanos).
O SR. PRESIDENTE — Atenção: Peço ao nobre senador que prossiga em suas considerações. O orador tem o direito de conceder ou não os apartes, e o Presidente a obrigação de assegurar-lhe a palavra.
O SR. CARLOS PRESTES — Continuo a leitura da carta:
«Não há dúvida de que assim também procederia o povo brasileiro, que não é mais um povo tolo.
Churchill foi vaiado por incitar uma guerra imperialista: Lenin foi aplaudido por conduzir uma guerra libertadora. Os povos já conhecem, portanto, a enorme diferença entre a guerra imperialista e a guerra de libertação. Para mim, suas declarações só provam devotado interesse pelo Brasil e pelo povo brasileiro».
Sr. Presidente, Srs. Representantes, esta é a carta de um católico, manifestando a maneira pela qual S. Excia. vê e compreende o incidente.
Desejo, entretanto, completá-la com outra, de ilustre médico desta Capital, cujo nome declinarei no final da leitura:
«Li, ontem, com verdadeira revolta, notícias da América do Norte de que é pensamento do Governo Ianque, adquirir terras no Brasil para a instalação de bases norte-americanas, a fim de nos defender...
O Sr. Pereira da Silva — Já está desmentido.
O SR. CARLOS PRESTES — Voltarei ao assunto.
(Continuando a leitura).
«Anos atrás, o perigo que os ianques afirmavam existir contra o Brasil, era a Alemanha. Derrotada esta, os americanos descobriram que o novo perigo é a Rússia. E assim, sempre «descobrindo» uma ameaça à soberania brasileira, os ianques, querem, por força, nos socorrer e... se instalarem em nossa casa, com a sua bandeira e os seus tanques.
Senhor Senador, tudo tem um limite. O Brasil é soberano e dispensa, por conseguinte, a tutela americana. Fazemos parte integrante da Organização das Nações Unidas, e, por conseguinte, num caso de agressão, devemos contar com a defesa de tal Departamento, sendo, por conseguinte, dispensável a instalação definitiva em nosso solo, dos americanos.
Essa «defesa» que se propõe a América do Norte, de nos proporcionar, é suspeita. O que se passou com a nossa borracha, durante a última guerra é sintomático. Segundo dados que me foram fornecidos por técnicos em negócios de borracha, os lucros que deixaram de entrar no tesouro nacional, pelo volume de borracha «surrupiada» pelos ianques e retirada da Amazônia através de uma «picada» clandestina na Guiana Inglesa, se eleva a sete milhões de contos ou sejam sete bilhões de cruzeiros. Sete bilhões de cruzeiros que deixaram de entrar para o tesouro nacional.
Como já tive ocasião de afirmar a V. Excia., se o Brasil ainda se encontra nesse estado de semicolônia, é devido ao imperialismo ianque que não admite que tenhamos indústrias de base em nosso território. O auxílio que diz ter proporcionado à Companhia Siderúrgica Brasileira, é uma das muitas «tapeações» com que aquele povo desleal ilude a boa fé dos nossos nativos...
Uma coisa, Senhor Senador, quero vos afirmar: é que se o Brasil for obrigado pelos ianques a se aliar num ataque à Rússia por parte dos Estados Unidos, eu pegarei em armas ao lado da Rússia, pois combater os Estados Unidos, isto é, combater o maior inimigo do Brasil, é trabalhar pelo Brasil».
O Sr. Nestor Duarte — V. Excia. pode dizer quem assina a carta?
O SR. CARLOS PRESTES — Pois não. Trata-se de ilustre médico desta Capital, — o Dr. Sérgio Gomes, irmão do Brigadeiro Eduardo Gomes e homem educado...
O Sr. Pereira da Silva — Permita V. Excia. um aparte. Membro da bancada amazonense, quero esclarecer que na região fronteiriça do Brasil com a Guiana Inglesa não existe absolutamente, indústria extrativa de borracha. Trata-se de região dedicada, exclusivamente, à pecuária.
O Sr. Juraci Magalhães — O orador ignora, por acaso, que o Dr. Sérgio Gomes, foi adversário político do Brigadeiro Eduardo Gomes durante toda a campanha realizada em prol da democracia no Brasil?
O SR. CARLOS PRESTES — Não estou bem informado a respeito. Sei apenas que o autor da carta é irmão do Brigadeiro. O Brigadeiro, evidentemente, não está obrigado a adotar as mesmas idéias do irmão. Posso assegurar apenas que se trata de homem honesto que tem a mesma educação vive ao lado da mesma ilustre mãe, é bom filho e, repito, distinto médico desta Capital.
O Brigadeiro Eduardo Gomes está a grande distância, e, sabedor dessa opinião de seu irmão, há de se manifestar.
O Sr. Prado Kelly — Não podemos deixar que paire no espírito da Assembléia por um instante sequer, dúvida sobre as idéias do Sr. Brigadeiro Eduardo Gomes. Começo por lamentar que V. Excia. só tenha encontrado, como credencial ou título do missivista, a circunstância de ser irmão do candidato da União Democrática Nacional à Presidência da República.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. é injusto para comigo- Não aleguei tal circunstância como única, mas como último título. Declinei sua condição de médico, de patriota, de homem de educação católica. Se não é praticante, trata-se todavia, de pessoa criada em família católica, que não é comunista. Discordo de seus pontos de vista pessoais. Se li toda a carta que tanta celeuma levantou, foi porque havia necessidade de que a mesma chegasse ao conhecimento da Assembléia.
O Sr. Prado Kelly — Desde já, porém, posso afirmar a V. Excia. — o que julgo desnecessário fazer, em relação à Assembléia — que o Major-Brigadeiro Eduardo Gomes com sua vigilância em toda a vida, pelo bem do Brasil, não seria capaz de se associar, por um momento, à declaração contida nessa carta.
O SR. CARLOS PRESTES — Estou certo de que o Sr. Brigadeiro Eduardo Gomes, no caso de uma guerra imperialista a que se quisesse arrastar nosso povo, se colocaria ao lado deste mesmo povo. Basta recordar que ele jamais concordou com a entrega de nossas bases aos americanos, nas condições em que o Governo pretendia fazê-lo.
O Sr. Prado Kelly — O Brigadeiro Eduardo Gomes ficaria em qualquer hipótese, ao lado do Brasil.
O SR. CARLOS PRESTES — Faço justiça ao Brigadeiro. Conheço-o pessoalmente: discordamos no terreno político. Creio que suas idéias são reacionárias; mas de que é patriota ninguém pode duvidar.
O Sr. Prado Kelly — O coração do Brigadeiro Eduardo Gomes, quaisquer que sejam as circunstâncias e em qualquer época, pulsará sempre ao lado da Pátria.
O SR. CARLOS PRESTES — Ao lado da Pátria! Vejamos, Srs. Representantes, de que lado estão os interesses de nossa Pátria, no caso de uma guerra imperialista. É isso que se deve discutir agora.
O Sr. Prado Kelly — No espírito da Assembléia não pode haver qualquer vacilação quanto ao acendrado patriotismo e ao caráter do Brigadeiro.
O SR. CARLOS PRESTES — A Assembléia não põe em dúvida o patriotismo do Sr. Brigadeiro Eduardo Gomes. Ninguém mais do que eu dele discorda, politicamente. No meu entender, repito, — é um reacionário, embora patriota.
O Sr. Flores da Cunha — O nobre Representante permite um aparte? Quero informar à Constituinte de episódio ocorrido durante a última guerra. Logo depois de receber a visita do Brigadeiro Eduardo Gomes no hotel onde me achava hospedado, após minha saída do presídio da Ilha Grande, narrou-me fato ocorrido na costa do Atlântico, quando de sua viagem à África do Norte, o que bem alto demonstra o patriotismo e o amor que tem pelo Brasil.
O SR. CARLOS PRESTES — Lógico.
O Sr. Flores da Cunha — Um «destroyer» americano afundara, pouco acima de Recife, um submarino alemão. A tripulação do submarino conseguiu flutuar e foi recolhida pela unidade americana. Levada para Recife, ao invés de ser entregue às autoridades brasileiras, foi conduzida ao campo militar americano, o que mereceu os protestos de Eduardo Gomes.
O Sr. Juraci Magalhães — O orador consente em outro aparte? Creio definir bem a diferença de pontos de vista entre V. Excia. e o humilde aparteante, lendo trecho de carta recebida de um correligionário de V. Excia.:
«Agora, pergunto a V. Excia. se determinados fatores históricos nos levassem a uma guerra contra as grandes democracias do mundo, como sejam os Estados Unidos da América do Norte, a Inglaterra, o Canadá, a Austrália, que faria V. Excia.?»
A essa carta respondo: iria com o Brasil para a guerra, fosse contra que nação fosse! (Palmas). Esta, a nossa diferença fundamental.
O SR. CARLOS PRESTES — O Brasil não faz guerra imperialista, como diz V. Excia., e, na sabatina que levantou tão grande celeuma, eu mesmo disse: «Acreditamos, porém, que nenhum governo tentará levar o povo brasileiro contra o povo soviético numa guerra imperialista»...
O Sr. Juraci Magalhães — O perigo reside na interpretação do que seja guerra imperialista; nós, democratas brasileiros, vimos como os comunistas interpretaram a guerra das democracias contra a Alemanha como guerra imperialista para, mais tarde, se tornarem contrários a ela.
O SR- CARLOS PRESTES — Somos — torno a dizer — radicalmente contrários a qualquer guerra imperialista, e a guerra, antes de 21 de junho de 1941, era imperialista e nós éramos a ela contrários.
O Sr. José Bonifácio — Por que era a guerra imperialista?
O Sr. Prado Kelly — Pergunto ao orador: Se, acaso, o Governo Brasileiro — traduzindo, aliás, o sentimento nacional e repetindo fato histórico, qual o da nossa intervenção na guerra de 1914 — se o Governo, antes de 1941, isto é, enquanto não havia estado de guerra declarado entre a Alemanha e a Rússia, houvesse declarado guerra aos países do Eixo, às nações totalitárias, que atitude, nessa época, teria tomado o Partido Comunista?
O SR. CARLOS PRESTES — Permita V. Excia. que responda à sua pergunta formulando outra pergunta.
O Sr. Prado Kelly — Não seria forma de responder.
O SR. CARLOS PRESTES — Certo, conhece V. Excia. o célebre discurso pronunciado pelo Sr. Getúlio Vargas em 11 de Junho de 1941.
O Sr. Prado Kelly — Discurso que estarreceu a consciência democrática do país.
O SR. CARLOS PRESTES — Imagine V. Excia. que, após aquele discurso, o Sr. Getúlio Vargas passasse aos fatos e declarasse guerra às nações democráticas, ao lado da Alemanha. V. Excia. ficaria ao lado do Governo?...
O Sr. Prado Kelly — Darei, com muito prazer, minha resposta.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. seria um rebelde.
O Sr. Juraci Magalhães — Há uma grande diferença: posso não estar ao lado do Sr. Getúlio Vargas, mas devo obediência ao Governo do meu país.
O Sr. Prado Kelly — Estaríamos diante de um governo de fato, aliado às potências totalitárias para a guerra contra a liberdade do mundo.
O SR. CARLOS PRESTES — Quando o Governo quer fazer do povo «carne para canhão», a favor dos banqueiros,dos trustes, dos monopólios, não há patriota que deixe de se levantar contra isso. O fato, Srs. Representantes, é que não se vai a uma guerra dessa natureza sem preparação ideológica muito séria. Que acontece? Os povos, os homens honestos e patriotas são arrastados e, só mais tarde, depois de terem sofrido na guerra, compreendem o erro terrível, o crime cometido contra a própria pátria pelos dirigentes. A nós, marxistas e leninistas, ninguém nos engana com essa facilidade e contra uma guerra imperialista sempre estaremos na estacada. Seguiremos os exemplos históricos de Lenin, Carlos Liebecknecht, o único deputado que se levantou no Reichstag, para lutar contra o Kaiser, pela libertação, independência e emancipação de sua Pátria.
O Sr. Pereira da Silva — E que diz V. Excia. da atuação da Rússia no caso da Finlândia?
O SR. CARLOS PRESTES — O caso finlandês é outro. Sou patriota, e como tal tenho obrigações. Somos homens, e a qualidade máxima do homem é o intelecto. Infelizmente a maioria da humanidade ainda é arrastada por paixões, e não pela razão, e os provocadores de guerras utilizam-se das paixões para arrastar os povos para guerras imperialistas.
Senhores, nós, comunistas, agimos com a cabeça e não com o sentimento, e como patriotas examinamos onde estão os verdadeiros interesses de nosso país. (Trocam-se inúmeros apartes).
O SR. PRESIDENTE — (Fazendo soar os tímpanos). Peço aos nobres Representantes, que não aparteiem ao mesmo tempo, porque assim ficará prejudicada a solenidade de que se devem revestir os debates.
O Sr. Batista Luzardo — Sobretudo o debate que agora está sendo travado, porque nós, Constituintes, Representantes da Nação, devemos ouvir o discurso do Senador Carlos Prestes, para dar-lhe, depois, a resposta que merecer.
O SR. CARLOS PRESTES — É o que desejo. V. Excias. devem ter notado a serenidade com que me mantenho nessa tribuna e a maneira por que evito provocações, justamente por ser este meu interesse: — ser ouvido.
O SR. PRESIDENTE — Pediria aos nobres Representantes que ocupassem as suas cadeiras. (Os Srs. Constituintes atendem ao apelo do Sr. Presidente).
O SR. CARLOS PRESTES — Vou responder a um aparte do ilustre colega Sr. Pereira da Silva, relativamente à questão Finlandesa.
O Sr. Pereira da Silva — Referi-me ao ataque e à ação imperialista por parte da Rússia, contra a liberdade daquele povo progressista e respeitador.
O SR. CARLOS PRESTES — A União Soviética — asseguro a V. Excia. e a História aí está para comprová-lo — não ataca a liberdade de ninguém. Conhece o nobre colega as circunstâncias em que se processou a guerra Russo-Finlandesa. O momento era dos mais perigosos. Os capitais financeiros ianques e ingleses ajudaram, de maneira a mais descarada, a organização dos exércitos de Hitler.
A política de Chamberlain e Daladier, política de capitulacionismo, preparara todo o caminho para jogar a Alemanha nazista contra a União Soviética. Hitler era a brigada de choque na luta contra o socialismo. A União Soviética tem um governo, responsável natural pela segurança da Pátria. Stalin proferiu as seguintes palavras muito conhecidas no mundo inteiro:
«Não queremos nada das terras estrangeiras, mas não cederemos, também, uma polegada do nosso solo».
Imagine V. Excia. a situação de um governo que tem de defender a integridade da Pátria, porque é essa a missão de qualquer governo — e todo governo deve estar vigilante porque nenhum tem direito de se enganar, de vez que, um engano, um equívoco, ou qualquer omissão, importa em traição à Pátria.
O Sr. Pereira da Silva — Quem atacou?
O SR. CARLOS PRESTES — Permita V. Excia. que eu termine o meu raciocínio.
V. Excia. sabe que a fronteira soviética com a Finlândia distava de Leningrado, o segundo centro industrial do país, — porque o primeiro é Moscou, — distava — repito — um tiro de canhão, isto é, 30 quilômetros. V. Excia. também não ignora que a Alemanha nazista nada respeitava naquela época e que a Finlândia já estava ocupada por tropas alemãs.
Era ela uma base de operações do nazismo e já estava, naquele instante, ocupada pelas tropas de Hitler. Naturalmente, de maneira encoberta, ninguém sabia, mas a União Soviética tinha sua vigilância e estava certa de que ali se firmara uma base para ataque, pelo norte, a Leningrado.
Em tais condições, o governo soviético dirigiu-se ao governo finlandês e mostrou-lhe que o fato constituía uma ameaça e que não podia tolerar a existência desse perigo para o país.
Naquela época, muitos homens, democratas sinceros, como aconteceu na França e nos Estados Unidos, não apreciando o fenômeno na sua complexidade e nos seus detalhes, não compreenderam a atitude da União Soviética, que acusaram de agredir uma pequena nação. A guerra, no entanto, foi inevitável porque a Finlândia, apesar de pequenina e fraca, se sentia tão forte que não cedia uma linha no acordo proposto pela União Soviética...
O Sr. Pereira da Silva — Em defesa da própria liberdade, ninguém cede.
O SR. CARLOS PRESTES — ... e que consistia em afastar a fronteira, como garantia indispensável à segurança de Leningrado, segunda grande cidade do país e um dos seus mais importantes centros industriais, além de base estratégica fundamental. Além disso, é evidente que a Finlândia naquela época já estava ocupada pelo nazismo. Enquanto não o foi, a União Soviética que já tinha um Exército Vermelho capaz de esmagar a Finlândia, jamais o fez.
Mas, Srs. Representantes, depois do ataque de Hitler à União Soviética, depois do que sofreram os povos polonês e francês, depois que vimos que a Finlândia serviu de ponto de partida para a ameaça a Leningrado, e depois que foi possível iniciar um contra-ataque para esmagar as hordas de Hitler, todos nós, democratas, devemos agradecer a previsão do governo soviético que tinha de defender a sua terra, principalmente Leningrado, contra as ameaças dessa base inicial de operações.
Isso era fundamental, porque, se a fronteira não estivesse mais longe, Leningrado teria caído, e apelo para todos os militares entre os quais o Sr. Jurací Magalhães, pedindo que informe se, em caso como esse, com a fronteira a menos de 30 quilômetros, uma cidade poderia ter sido defendida com êxito.
O Sr. Jurací Magalhães — Estou de acordo com o argumento militar, porém, não com o argumento político. A tese de que cada nação deva defender sua integridade à custa do sacrifício de outras, é perigosa para qualquer povo.
O SR. CARLOS PRESTES — Devo dizer que, do fundo do cárcere, no ano de 1941, já eu era de opinião, como militar — sou dos menores, não tenho experiência nenhuma, talvez; devo dizer como militar, com o pouco que pude aprender na Escola e na vida prática — era de opinião que, o governo brasileiro, na defesa dos interesses do nosso povo, para evitar o bombardeio de nossas cidades do nordeste ameaçadas, devia tomar providências para a ocupação de Dakar, se possível, por acordo, — o que ficaria muito bem, — se não, pela própria força, salvaguardando, assim, a segurança de nossas populações, as vidas de nossas mulheres e de nossos filhos, que, principalmente em Natal, poderiam sofrer a fúria dos ataques aéreos dos nazistas.
O Sr. Juraci Magalhães — Essa é uma situação de fato que a guerra impunha, mas era diplomacia.
O SR. CARLOS PRESTES — Eu seria de opinião que se tomasse Dakar de qualquer maneira, porque se tratava da defesa imperiosa de nosso povo, de nossas cidades, de nossas mulheres e de nossos filhos.
O Sr. Pereira da Silva — A esse tempo, já a Rússia estava em guerra contra a Alemanha?
O SR. CARLOS PRESTES — Absolutamente.
O Sr. Pereira da Silva — Por conseguinte, não haveria como não houve, um motivo para a invasão da Finlândia.
O SR. CARLOS PRESTES — A Rússia não entraria em guerra contra a Alemanha e, para evitá-la, aconselhou, como fizeram os comunistas, o proletariado francês e inglês, aos respectivos governos, que seria mais justo, e mais certo fugir àquela guerra imperialista.
O Sr.Daniel Faraco — O acordo russo-alemão foi o inicio da guerra de 39.
O SR. CARLOS PRESTES — O acordo russo-alemão foi um acordo que defendeu as democracias do mundo inteiro (protestos no recinto), porque o capitalismo norte-americano, inglês e francês, queria que, previamente, se iniciasse a guerra contra a Rússia para, então, os Chamberlain e Daladier se colocarem ao lado da Alemanha como um bloco contra a União Soviética.
Em março daquele mesmo ano, 1939, num Congresso do Partido, disse Stalin:
«Não tiraremos castanhas do fogo para os imperialistas».
O que eles queriam era que a União Soviética fosse a vítima e caísse nas provocações, para com ela romper. Mas o governo soviético foi o primeiro a convidar os povos da França e da Checoeslováquia e os respectivos governos para formarem um bloco em defesa da Democracia. Nenhum outro representante, na Liga das Nações, lutou mais pela colaboração de todas as potências democráticas, pela união de todas elas, do que a União Soviética. Foi ela quem defendeu essa tese; no entanto, os governos da França e da Inglaterra romperam a unidade, entregando a Áustria, Checoeslováquia e Polônia, para sofrerem depois as conseqüências do seu erro.
O Sr. Domingos Velasco — Há o depoimento de Joseph Davies, embaixador americano em Moscou, atestando o esforço da Rússia para evitar a guerra. (Trocam-se apartes).
O SR. CARLOS PRESTES — Os pedidos de apartes são muitos, e eu, na verdade, não sei a quem toca a vez; presumo que ao Senador Hamilton Nogueira, que está de pé.
O Sr. Hamilton Nogueira — Tenho a impressão de que os apartes desviaram um pouco do assunto o orador.
O SR. CARLOS PRESTES — Perfeitamente.
O Sr. Hamilton Nogueira — S. Excia. estava justificando sua posição...
O SR. CARLOS PRESTES — Não justifico, não necessito justificar; estou apenas completando aparte que dei ao discurso de V. Excia.
O Sr, Hamilton Nogueira, — Penso haver equívoco do orador, quando identifica a Nação com o Governo, a Pátria com o Governo.
O SR. CARLOS PRESTES — Quem identifica?
O Sr. Hamilton Nogueira — V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — Jamais identifiquei governo ditatorial com a Nação.
O Sr. Hamilton Nogueira — Todos nós, brasileiros, não considerávamos a ditadura governo legítimo; no entanto, se qualquer nação, nessa época, agredisse o Brasil, pegaríamos em armas para defendê-lo! (Palmas no recinto).
O SR. CARLOS PRESTES — Quanto à agressão, Sr. Hamilton Nogueira, ninguém mais do que nós comunistas, demos provas de que, uma vez verificada, saberíamos defender a Pátria como já o fizemos.
O Sr. Getúlio Moura — Se não partisse da Rússia, porque V. Excia. coloca este país acima do Brasil; esta é a verdade.
O SR. CARLOS PRESTES — Não se trata de agressão da Rússia.
Minha resposta prende-se a um aparte, se não me engano proferido durante o discurso do Senador Hamilton Nogueira, em que considero a hipótese absurda, porque não seria possível, nem há razão para isso. Não é a Rússia o inimigo que ameaça a integridade de nossa Pátria; não é a Rússia que tem interesses financeiros a defender no Brasil.
Quais são então esses interesses? A Light, por acaso, é russa? São russas a São Paulo Railway e a Leopoldina? Há bancos russos no Brasil? Não, Sr. Senador; não há interesses soviéticos a defender em nossa terra. Por acaso tem a União Soviética esquadras capazes de ameaçar a nossa integridade? Tem ela bases navais e aéreas que já deviam estar abandonadas há muito tempo e onde no entanto, se acham soldados estrangeiros ocupando o solo da Pátria? É a União Soviética que possui essas bases? (Trocam-se apartes).
O Sr. Glicério Alves — V. Excia. dá licença para um aparte?
O SR. CARLOS PRESTES — Pois não.
O Sr. Glicério Alves — Perguntaria o que tem, afinal, V. Excia. com a Rússia, para defendê-la com tanto calor, quando, em aparte, declarou que a Rússia não tinha interesse no Brasil. E V. Excia. que é brasileiro, explique.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhor Deputado, sou homem que acredita no progresso da humanidade. E crendo nesse progresso, estou convencido da vitória do socialismo.
Assim também todos os povos do mundo, principalmente os da Europa, por ocasião da Revolução Francesa de 1789, olhavam para aquele glorioso povo, e para aqueles cidadãos como sendo os maiores patriotas em todo o continente.
Pode-se dizer que naquela época tinham duas pátrias — a sua própria e a da revolução.
Hoje nós como socialistas, olhamos com afeição, com carinho, com admiração, para esse povo que já construiu o socialismo, que está realmente transformando numa realidade o socialismo, que promoveu a liquidação completa da exploração do homem pelo homem.
Pode-se dizer tudo o que se quiser da Rússia, mas não se pode encontrar lá dentro um só burguês, quer dizer, um só homem que viva do trabalho alheio. (Palmas da bancada comunista).
O Sr. Glicério Alves — Só tenho uma pátria, que é o Brasil. V. Excia. defende a Rússia, que construiu a ditadura do proletariado — a exploração do operário.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia., sobre a União Soviética, está, infelizmente, muito mal-informado. Em outra oportunidade, se o desejar, poderei prestar-lhe todas as informações.
O Sr. Daniel Faraco — V. Excia. permite um aparte?
O SR. CARLOS PRESTES — Pois não.
O Sr. Daniel Faraco — Quero dar este aparte com toda a serenidade.
O SR. CARLOS PRESTES — Creio que tenho respondido sempre com serenidade.
O Sr. Daniel Faraco — Para tranqüilidade de milhões de católicos, de milhões de brasileiros, pergunto ao Sr. Senador Hamilton Nogueira...
O SR. CARLOS PRESTES — Não é o Sr. Senador Hamilton Nogueira quem está na tribuna.
O Sr. Daniel Faraco — ... se S. Excia. acha que brasileiro patriota, — verdadeiro patriota — poderia ter proferido as palavras que proferiu o Sr. Senador Luiz Carlos Prestes na sua famosa sabatina?
O SR. CARLOS PRESTES — A pergunta de V. Excia.é desnecessária, porque já li cartas de dois católicos, — um deles católico praticante, — que defendem a minha tese, concordam com a minha posição.
O Sr. Hamilton Nogueira — Todos compreenderam o meu ponto de vista. Se V. Excia. me tivesse ouvido e compreendido não contestaria a palavra do Sr. Luiz Carlos Prestes.
O Sr. Daniel Faraco — Quero que o Brasil e a Assembléia ouçam essas palavras.
O Sr. Hamilton Nogueira — Todo o Brasil e a Assembléia me ouviram e compreenderam.
O SR. CARLOS PRESTES — Tenho sido acusado de traidor. Traidor, Senhores, foi Tiradentes, traidor foi Frei Caneca; traidores foram todos os grandes patriotas vencidos. E esses foram traidores porque sempre o vencido é acusado de traição pelo vencedor. Traidor é epíteto que, quando sai da boca de certas pessoas, muito nos honra.
Agora, ouço com prazer o Sr. Prado Kelly, que há muito pediu licença para um aparte.
O Sr. Prado Kelly — Não venho cobrar resposta ao aparte com que me permiti interromper sua oração. Venho apenas, no interesse de estabelecer princípios, lembrar a V. Excia. que, numa democracia, o único juiz da justiça ou injustiça das guerras, da conveniência ou inconveniência dos conflitos armados, é o Parlamento, que representa e simboliza o povo.
O SR. CARLOS PRESTES — Creio que V. Excia. está equivocado. Discordo da opinião de V. Excia.
O Sr. Prado Kelly — É tese de direito público incontestável.
O SR. CARLOS PRESTES — É tese de um jurista da sua classe, da classe dominante, mas não é tese do proletariado. E a história aí está para confirmar. Já citei o caso de Carlos Liebknecht, o grande comunista alemão que, no Parlamento, sozinho, levantou-se contra os créditos de guerra pedidos pelo governo do Kaiser.
O Sr. Prado Kelly — Podia fazê-lo no Parlamento.
O SR. CARLOS PRESTES — Ele fez isso no Parlamento, mas foi preso, torturado e em seguida assassinado pela classe dominante.
O Sr. Prado Kelly — Se fez isso, no Parlamento, estava cumprindo os deveres de mandatário do povo, como os entendia. Deu livremente sua opinião. Mas, se não fosse membro do Parlamento, depois de votada a lei declaratória de guerra a outro país, a ele, como súdito do Estado, cumpria obedecer à decisão tomada pelo órgão competente, que era o Parlamento.
O SR. CARLOS PRESTES — Isso é, Sr. Representante querer voltar à sociedade de castas, e querer voltar ao regime de privilégio. Então o Parlamento tem privilégios...
O Sr. Juraci Magalhães — Tem o privilégio da delegação do povo. Falamos em nome do povo.
SR. CARLOS PRESTES — Esse privilégio não pertence ao Deputado, ao Senador, nem à Assembléia. O privilégio de pensar é de todos. Qualquer homem do povo tem o direito de pensar e raciocinar, de defender os interesses da Pátria. Qualquer operário, por mais humilde que seja, tem o direito de emitir sua opinião, porque estamos numa democracia. E, no caso de o governo querer levar o país à guerra, é muito mais razoável que o bom julgamento, que o verdadeiro julgamento no sentido dos interesses da Pátria esteja com esse operário humilde, pois são estes homens que vão dar o seu próprio sangue nas guerras imperialistas, do que com os homens privilegiados que chegaram até o Parlamento.
O Sr. Prado Kelly — Isso é a negação do princípio da legalidade.
O Sr. Hamilton Nogueira — No momento em que o povo delega poderes ao Parlamento, este é que resolve.
O SR. CARLOS PRESTES — Nesse ponto, Sr. Deputado a nossa discordância é completa e mais profunda porque se trata de princípios filosóficos.
O Sr. Prado Kelly — O meu interesse foi apenas restabelecer princípios que são, entre nós, do ponto de vista democrático, a caracterização dos poderes sobre competência.
O Sr. Nestor Duarte — O debate que ora se trava nesta Assembléia pode remontar a princípio mais alto, que se deve formular desta maneira: cabe ao homem, em sua liberdade individual, em sua liberdade de consciência, discriminar entre guerra justa e injusta e cabe também uma conduta divergente? Se cabe ao homem julgar se a guerra é justa ou injusta, compete-lhe assumir atitude divergente em face da guerra. Este é o princípio de liberdade de consciência.
O SR. CARLOS PRESTES — Pretendia citar palavras minhas, pronunciadas em situação deveras difícil, frente a um conselho militar. Sr. Deputado, cabe ao homem não só o direito, mas o dever de dizer o que pensa.
O Sr. Nestor Duarte — Este o grande princípio que deve enfeixar o debate que ora se trava nesta Assembléia.
O SR. CARLOS PRESTES — O grande princípio, não só da democracia, mas da humanidade. O homem que não diz o que pensa é um hipócrita.
Quando me declaro materialista e me confesso ateu, cumpro apenas o preceito de S. Tomaz de Aquino: os homens que não acreditam, digam que não crêem.
O Sr. Glicério Alves — V. Excia. seria fuzilado na Rússia se acaso dissesse alguma coisa que desagradasse ao Governo.
O SR. CARLOS PRESTES — Engana-se. Na União Soviética existe uma democracia como não se conhece no resto do mundo. Estive lá três anos e posso dar meu testemunho. Que V. Excia. denomina democracia?
O Sr. Hamilton Nogueira — O que existe na Rússia é uma ditadura. O art. 126 da Constituição soviética só permite a perseguição religiosa.
O SR. CARLOS PRESTES — Democracia é governar em benefício da maioria e não de uma minoria dominante, opressora, exploradora.
É o que ocorre na União Soviética.
O Sr. Toledo Piza — Mas é uma ditadura. (Trocam-se apartes).
O SR. CARLOS PRESTES — Peço licença para citar dados numéricos para que V. V. Excias. vejam se há ou não, na União Soviética, governo em benefício da maioria, aquilo a que chamamos de democracia. Em fins de 1914, a Rússia Czarista produziu 20 milhões de pares de calçados, metade dos quais era exportada. Quer dizer que o povo russo não usava calçado. O camponês passava o inverno com panos e feltros enrolados nos pés, durante seis meses. Não podia retirá-los. 1934 foi o primeiro ano do Segundo Plano Qüinqüenal. O primeiro fora executado em 4 anos apenas, para construir as bases do socialismo, isto é, para desenvolver a produção de carvão, ferro e petróleo, além da eletrificação que se continuava. Em 1934, repito, quando o país começava a dar atenção à indústria, lá chamada de secundária, isto é, de produtos para consumo da massa popular, já se produzia, em vez dos 20 milhões de 1913-1914, metade dos quais era exportada, 120 milhões de pares de calçado e não se exportava um só par! Apesar disso, todo mundo gritava, porque não possuía calçado. Quer isso dizer que a massa camponesa, descalça, miserável alcançava um novo nível de vida. É evidente que esse nível não podia subir da noite para o dia, idêntico ao de um alto país capitalista que há poucos anos tinha dez milhões de desocupados, que chegaram mesmo a quatorze milhões! Agora no mês de abril, segundo dados divulgados de acordo com os próprios órgãos oficiais dos Estados Unidos, há ali de quatro a seis milhões de desocupados. Isso é o capitalismo. É a concentração, cada vez maior da riqueza nas mãos de uma minoria, para que a grande maioria cada vez mais se proletarize. Essa a marcha dos Estados Unidos. Enquanto lá a situação das grandes massas é cada vez pior, na União Soviética é cada vez melhor.
O Sr. Glicério Alves — E, até hoje os russos não têm calçados. Os soldados russos chegaram à Itália descalços conforme ouvi de oficial da FEB. É ainda miserável a situação da Rússia.
O SR. CARLOS PRESTES — Mas venceram o nazismo e
sustentaram seu governo. V. Excia. compreende que numa
crise daquela natureza, se o governo não contasse com o
apoio popular, teria caído imediatamente. Isso é evidente.
Era, aliás, o que o mundo capitalista esperava, acreditando na
campanha mentirosa que se propalava por toda a parte. Em
Genebra, não sei se ainda há, existia um centro de propaganda contra a União Soviética. A Polícia do Distrito Federal,
traduzia e distribuía toda aquela propaganda que vinha de
Genebra. Há muitas pessoas honestas, pessoas de boa fé, mas
que não têm bastante vigilância e se deixam levar pelas campanhas de difamação contra a União Soviética, acreditam em
todas as calúnias e mentiras oriundas de um centro de propaganda, em vez de observar as magníficas provas de vigor já
dadas pela U.R.S.S.
O Sr. Hermes Lima — V. Excia. perderá o tempo se quiser informar-nos a respeito do que é e do que não é a Rússia, porque quem lê já sabe e quem não lê não sabe... (Palmas).
O Sr. Hamilton Nogueira — A Rússia não é uma Democracia porque lá não há liberdade. Não há liberdade de opinião, não há respeito à dignidade da pessoa humana, não há partidos diferentes do Partido dominante. Democracia não é o Partido único.
O Sr. Hermes Lima — V. Excia. não foi à tribuna para dizer à Assembléia o que é a Rússia. Os constituintes insistem em que V. Excia. seja professor de Rússia. Meu aparte não deve ser interpretado no sentido em que o tomou o nobre Sr. Senador Hamilton Nogueira.
O Sr. Hamilton Nogueira — Aceito a explicação, mas no começo, todos entendemos daquela maneira.
O Sr. Hermes Lima — Não é possível num discurso parlamentar, tratando-se de certo e determinado assunto de interesse nacional, levar-se o orador a falar sobre a questão do regime russo, para dizer que a Rússia seja isto, aquilo, aquilo-outro. (Riso).
O Sr. Hamilton Nogueira — A matéria confunde-se com o regime russo. Daí a razão de ser do debate.
O Sr. Hermes Lima — O orador está esclarecendo palavras pronunciadas por V. Excia. e, portanto, o debate generalizado sobre a Rússia não adianta.
O Sr. Ataliba Nogueira — As palavras do orador versaram sobre a Rússia.
O Sr. Deoclécio Duarte — É a primeira parte do discurso.
O Sr. Ataliba Nogueira — O orador está seguindo muito bem, porque conhece a Rússia e a está defendendo.
O Sr. Deoclécio Duarte — Num país de 170 milhões de habitantes, o Partido Comunista conta apenas com dois milhões, o que quer dizer que não tem maioria.
O SR. CARLOS PRESTES — Na Rússia, na prática, não há diferença entre comunistas, e não comunistas. O Partido Comunista, hoje, não tem somente 2 milhões. Deve ter quatro ou cinco milhões, de acordo com os últimos dados que tive ocasião de ler nos jornais.
Na União Soviética, agora mesmo, por ocasião das eleições para o Parlamento não houve diferença entre comunistas e não comunistas. O Partido Comunista é a vanguarda esclarecida da classe operária. Destacamento avançado, é o conjunto de homens mais esclarecidos que contam com o apoio da opinião pública.
Quanto a haver um só Partido...
O Sr. Deoclécio Duarte — Somente os comunistas gozam do privilégio das posições no Governo.
O SR. CARLOS PRESTES — Não há privilégio. Agora mesmo, para o Supremo Soviet, foi eleita grande quantidade — se não a maioria, não tenho dados — de não-comunistas; uns e outros são membros do Parlamento.
Ser membro do Partido é um peso muito sério nos ombros dos comunistas.
Tive ocasião de assistir, na União Soviética, às chamadas depurações do Partido. Imagine-se o que é a fortaleza moral de um Partido que pode passar por uma depuração dessa natureza. Compreende-se que esse Partido está sujeito a receber em suas fileiras os carreiristas, isto é, homens que estão sempre com o Partido do poder. Na Rússia também acontece isso; daí a depuração, feita da seguinte forma: em uma fabrica, onde existe célula do Partido, aparece a comissão de depuração perante a assembléia ampla, de todos os operários. Cada membro do Partido é chamado à tribuna, um a um, e tem de defender sua posição nos últimos anos. Qualquer pessoa ou operário o defende ou o ataca, e os elementos da massa, justamente os não-comunistas, são os que mais defendem a pureza do Partido, porque dizem: «Esse não pode ser membro do Partido Comunista, não está à altura, não é bom companheiro; tem tais e quais defeitos». É então expulso do Partido pela vontade da massa. Ser membro de um Partido dessa natureza não é ter privilégio; é ter encargos muito grandes, porque o posto envolve responsabilidade tremenda.
O Sr. Deoclécio Duarte — Verifiquei que V. Excia. quando se referiu à guerra de libertação nacional e lembrou o movimento chefiado por Lenin, se esqueceu que ele se apoiou no imperialismo germânico.
O SR. CARLOS PRESTES — Velha calúnia que foi completamente desmentida na época e, depois, com documentos.
O Sr. Deoclécio Duarte — Mas combateu a democracia, instalada na Rússia por Kerensky. Era um governo democrático.
O SR. CARLOS PRESTES — Por que Kerensky caiu?
Porque foi contra a vontade do povo russo, que desejava paz e queria terra. Kerensky caiu porque desejava continuar a guerra, ligado que estava aos bancos franceses e ingleses, que exploravam o povo russo. Kerensky caiu quando deu ordem para reiniciar a guerra no «front», não estando o exercito russo em condições bélicas e contra a vontade popular, que exigia paz e terra. Quais eram as palavras do Partido Comunista naquela época? «Terra e Paz». Com essas palavras, os soldados se levantaram no «front» e não continuaram guerra. Kerensky caiu, não por causa dos comunistas, mas porque desejava fazer uma guerra imperialista e o povo russo não a queria.
O Sr. Deoclécio Duarte — E por que o governo alemão permitiu a passagem pelo território do trem blindado que conduzia Lenin?
O SR. CARLOS PRESTES — Com ou sem Lenin a revolução se processaria; os homens surgem com os acontecimentos históricos.
O Sr. Deoclécio Duarte — São realmente os acontecimentos históricos que o determinam.
O SR. CARLOS PRESTES — Diariamente os jornais pedem meu fuzilamento; mas isso não importa, porque jamais pretendi ficar para semente. Para cada comunista que morre, surgem milhares.
O Sr. Ataliba Nogueira — V. Excia. referiu-se a partidos na Rússia. Desejava me dissesse quantos existem? A democracia permite que haja um só?
O Sr. Trifino Correia — Peço aos ilustres representantes permitam que o orador responda a cada um dos apartes. Assim não é possível.
O Sr. Hermes Lima — Queira desculpar-me, mas foi o orador quem inventou a sabatina a que estamos assistindo.
O SR. CARLOS PRESTES — Agradeço a V. Excia. dar-me a patente.
Sr. Presidente, nós marxistas, temos conceito próprio, bastante diferente do da burguesia, não só a respeito do Estado, como de Partido político.
O Sr. Ataliba Nogueira — Quanto ao do Estado, pedirei licença para, depois, fazer outra pergunta.
O SR. CARLOS PRESTES — Nosso conceito de partido político é que este visa lutar pelos interesses de uma classe ou de uma camada social.
A burguesia, como se sabe e é evidente em nossa terra, esta dividida em camadas diferentes, desde a pequena burguesia, pobre, paupérrima. Essa já se está proletarizando, dia a dia, com a inflação. É quem mais está sentindo a inflação, pois para manter seu nível de vida, se vê obrigada a fazer empréstimos, a empenhar sua última jóia. Amanhã, estará completamente proletarizada, porque mais nada possuirá. Seus interesses são inteiramente diversos dos da grande burguesia, ligada aos poderosos banqueiros, aos trustes, aos monopólios estrangeiros. Existem, também, os grandes proprietários de terras, que são distintos do pequeno camponês, que é o pequeno burguês porque tem ideologia burguesa na esperança de um dia passar de explorado a explorador.
Nessas condições, num país capitalista, a burguesia está naturalmente dividida em uma série de partidos, porque os interesses são diferentes. São diversas as camadas da burguesia, e, para cada uma delas, existe um partido político.
Em nossa terra nem isso ainda existe, pois não há tradição de partidos políticos. Eles são agrupamentos que se formam às vésperas de eleições, desfazem-se depois, reunindo-se novamente e tomando aspecto diferente. Em geral, dois grupos: os que estão no poder e os que querem o poder. Os que eram de um partido, passam para outro. Enfim, não existe a tradição de partidos que se observa em outros países, como na França com o Radical-Socialista, o Liberal, o Conservador, de acordo com as diversas camadas da burguesia.
Mas isso acontece no proletariado? Não. O proletariado é a classe que, pela sua situação de explorada, tem necessidade de estar unida para a reivindicação de seus direitos postergados, para a revolução socialista. Porque a marcha do capitalismo para o socialismo não foi inventada por Marx. Não fomos nós quem a criamos: é fatalidade histórica. O capitalismo leva inexoravelmente ao socialismo, assim como a escravidão levou ao feudalismo, e o feudalismo ao capitalismo — o capitalismo levará ao socialismo, mais dia, menos dia. Até há pouco, era hipótese, mas agora é realidade.
O proletariado é uma classe unida por excelência. Se o proletariado se apresentar dividido, pode-se estar certo de que é a burguesia que está procurando influenciá-lo em defesa dos interesses dessa mesma burguesia.
Na União Soviética, onde existe o socialismo, não há mais que uma classe. Lá não há base econômica nem social para existência de outro Partido. E desde que não há base econômica e social, como surgir outro partido?
O Sr. Pereira da Silva — V. Excia. confessa que não há liberdade na Rússia. Lá existe somente um Partido — o Comunista.
O Sr. Ataliba Nogueira — Perguntei a V. Excia. se podia haver outro Partido na Rússia. Não há e não pode haver. Como conclusão, V. Excia. há de chegar, marxista que é, ao desaparecimento do Estado. É esse, então, o ideal? E o desaparecimento do Estado não é, na hipótese do Brasil, a negação da Pátria brasileira?
O SR. CARLOS PRESTES — Por obséquio. Esta é uma parte muito interessante, e já foi citada desta tribuna...
O Sr. Hamilton Nogueira — Isso não nos interessa absolutamente.
O SR. CARLOS PRESTES — Para mim todos os Constituintes são iguais, com exceção de muito poucos.
O Sr. Pereira da Silva — Não nos interessa a situação política da Rússia. O que desejamos é criar ambiente favorável à democracia no Brasil.
O SR. CARLOS PRESTES — Somos de opinião que marchamos para o socialismo. Do ponto de vista do materialismo histórico, o Estado tende a desaparecer. Marchamos para o governo das coisas, quer dizer, simplesmente, para a administração econômica, a produção e a distribuição. Nada mais.
Pode ser uma tese errada: mas em ciência só se prova o erro com a experimentação.
O Sr. Ataliba Nogueira — A ciência provou, que o Estado é de origem natural. A natureza é que mostra ao homem que tem de viver no grupo social.
O SR. CARLOS PRESTES — Discordo. Por isso, disse de início, que tínhamos um conceito diferente sobre o Estado.
Para nós, Estado não é mais do que um instrumento de dominação de classe.
O Sr. Ataliba Nogueira — Para mim, não.
O SR. CARLOS PRESTES — No regime burguês-capitalista, que é o Estado? É o aparelho de dominação de classe.
O Sr. Ataliba Nogueira — Dentro da ciência política, o Estado é a organização de um povo num território determinado, sob poder supremo para a realização dos fins próprios da vida social. O Estado, portanto, não pode desaparecer.
O SR. CARLOS PRESTES — A esta concepção de V.Excia. contesto com a minha concepção marxista do Estado.
Nossas divergências, Sr. Deputado, são profundas, são filosóficas.
O Sr. Luís Viana — V. V. Excias. falam línguas diferentes.
O Sr. Ataliba Nogueira — Exato, e para se discutir é preciso, pelo menos ter um vocabulário. O nosso é diferente. Meu conceito de Estado é muito diferente.
O SR. CARLOS PRESTES — O ilustre Deputado tem toda razão. Não somos nós, comunistas, que provocamos, neste momento, em nossa Pátria, num momento tão difícil, tão delicado, em que é necessário, sem dúvida, resolver os mais graves problemas de nosso povo; não somos nós, comunistas, que provocamos discussões, nem divisões ideológicas e filosóficas. Pelo contrário. Dizemos que somos brasileiros, que estamos fazendo política do Brasil; nada temos a ver com a Rússia ou com a União Soviética. São os provocadores que nos obrigam às discussões ideológicas ou filosóficas. Hoje, no Brasil, é necessário resolver os problemas do momento, que aí estão, seríssimos, e que interessam ao progresso, ao bem-estar e ao futuro de nossa Pátria. Estes problemas não podem ser resolvidos nem por um homem genial, sozinho, nem por um partido político, ou por uma classe social. São problemas que exigem a união de todos os brasileiros patriotas. E ninguém mais insuspeito do que nós, para falar assim, porque nós, marxistas, consideramos a sociedade dividida em classes. Essas classes não foram inventadas por Marx. E havendo classes sociais, elas se distinguem pela posse dos meios de produção: uma que tem esses meios e outra que os não possui. Isso, forçosamente, leva à luta de classes, inevitável na sociedade capitalista. Não somos nós que criamos isso, mas os que estão a serviço do capitalismo. Desejamos o socialismo, certos, seguros, porque é convicção profunda, porque é verdade científica, de que o capitalismo leva inexoravelmente ao socialismo. Nós, comunistas não lutamos hoje pelo socialismo no Brasil.
Não é esse nosso programa. Não é essa nossa posição.
Nós, comunistas, do Brasil, lutamos para liquidar todo o atraso do nosso povo.
O Sr. Pereira da Silva — O que nos interessa é a realidade brasileira e também o dever, que todos temos, de defender nossa soberania.
O SR. CARLOS PRESTES — Em documento que escrevi, ainda na prisão, e foi publicado, disse que nosso povo, nosso proletariado, sofre muito mais do atraso neste país, por esta situação de miséria, por esta indústria miserável, ridícula que temos, por esta situação de penúria em que vivem as massas do campo, exploradas, ainda, pelos vestígios feudais, evidentes nas redondezas das cidades...
O Sr. Pereira da Silva — A situação de pauperismo é universal. V. Excia. o sabe. Os grandes países também se debatem com esse problema. Se assim é, por que hão os devemos ter?
O SR. CARLOS PRESTES — Como ia dizendo, o proletariado sofre muito mais desse atraso, dessa miséria, do que da própria exploração capitalista. Portanto, lutamos pela liquidação desses restos feudais, desse atraso, pela solução do problema da terra.
Temos 20 milhões de brasileiros que constituem fator nulo em nossa vida econômica: nada produzem e nada consomem do que é produzido, porque cuidam de plantar exclusivamente o necessário para comer. Cumpre-nos trazer esses 20 milhões de indivíduos para a nossa sociedade, para ampliar, para criar nosso mercado interno, para fazer nossa indústria crescer.
Porque, não devemos formar planos de industrialização se não temos mercados onde colocar os produtos. A indústria de tecidos que aí temos, esta miserável indústria, em 1939, em que situação estava? De superprodução, trabalhando três dias por semana, porque não tinha para quem vender e, no entanto, o país estava e está nu e a miséria do campo é conhecida.
Necessário é que o brasileiro patriota, seja operário ou patrão, camponês ou fazendeiro, católico, protestante, espírita, ou ateu, tenha a ideologia ou a crença que tiver, resolva este problema, sem demora.
Mas resolver como? Não fazendo revoluções socialistas. Mas rompendo com estes restos do feudalismo, para dar impulso novo ao capitalismo. Sou socialista, mas estou convencido de que é através do desenvolvimento rápido, decisivo, do capitalismo no Brasil, que mais depressa chegaremos ao socialismo.
Já não se trata agora da Rússia, do socialismo, mas de solucionar o problema brasileiro, elevar o padrão de vida do nosso povo, dar terra aos camponeses, criar a indústria pesada, desenvolver toda a indústria do país. Isto é que é imprescindível e, para isso, não é mister ser comunista. Todos os patriotas dever unir-se, portanto têm obrigação de se darem as mãos e marcharem juntos.
Não fomos nós que criamos questões religiosas, ideológicas e de classes. Queremos caminhar com todos; estamos dispostos a isso. Respeitamos as idéias alheias, as crenças de todos e só pedimos que respeitem as nossas, que nos permitam sejamos homens livres, quer dizer, não nos obriguem a silenciar a respeito daquilo que pensamos, mas que nos seja lícito afirmar com coragem e convicção, como homens dignos, aquilo que pensamos seja certo e justo. Os homens podem ganhar-se uns aos outros pela discussão, pela argumentação, não pela força ou pela violência. As idéias não se arrancam pela força.
O Sr. Pereira da Silva — V. Excia. sustenta a tese de que o capitalismo é necessário no Brasil, para se chegar ao socialismo.
O SR. CARLOS PRESTES — Ficou provado isto agora mesmo no Brasil: durante dez anos meu nome foi silenciado por ordem do DIP e nenhum jornal podia publicar algo sobre a minha pessoa. Em julho de 1943 minha mãe faleceu. Meu advogado, Dr. Sobral Pinto, quis divulgar o fato, inserindo no «Jornal do Comércio» pequena nota. Foi permitido o registro, porém, com a condição de que não se dissesse que era a mãe de Luiz Carlos Prestes.
De que valeu toda essa opressão, de que valeram esses 9 anos de perseguição, esses 23 anos de vida clandestina do Partido Comunista, se em dez meses de vida legal, durante o ano de 1945, esse Partido progrediu rapidamente e passou, de um partido clandestino de 3 a 4.000 membros, para um Partido com mais de 100.000, e que levou às urnas 600.000 votos nas últimas eleições?
É um caminho errado pretender afastar pela força e pela violência as idéias dos homens.
Esse não é o caminho de maior interesse para o nosso povo.
Estendemos a união a todos. Queremos marchar com todos, para uma política em benefício do nosso povo.
O Sr. Pereira da Silva — Mais liberdade do que há no Brasil, no terreno das idéias, não é possível existir, em tempo algum. V. Excia. mesmo, sabe que, tendo sofrido prisão no regime ditatorial, se isso acontecesse na Rússia, V. Excia. talvez não estaria defendendo as suas idéias aqui, com plena liberdade.
O SR. CARLOS PRESTES — Na Rússia, eu seria marechal do Exército Vermelho, se não tivesse morrido na guerra.
Tenho esta ilusão, porque, como socialista, estaria ao lado do Governo.
O Sr. Juraci Magalhães — Não temos maior interesse pela pregação russófila, como também não temos interesse pelos intuitos reacionários contra o Partido de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — Que chama V. Excia. «pregação russófila».?
O Sr. Aureliano Leite — Pregação a favor da Rússia.
O Sr. Juraci Magalhães — Inquieta a todos nós, democratas e patriotas e, particularmente, a mim, pois além do mais, sou militar, o seguinte: no caso de uma guerra a que for arrastado o Brasil, por força de obrigações internacionais, cumprindo o Governo os dispositivos constitucionais e legais que regerão a declaração de guerra, e no caso de ser a Rússia, nessa guerra, adversária do Brasil, o Senador Carlos Prestes e o Partido Comunista do Brasil lutarão pela Pátria ou iniciarão uma guerra civil? Esta é a pergunta em toda sua simplicidade!
O SR. CARLOS PRESTES — A pergunta de V. Excia. é capciosa.
O Sr. Juraci Magalhães — Não é nada capciosa. Capcioso é o silêncio de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — Vou responder. Vamos esclarecer.
O Sr. Juraci Magalhães — Está formulada por escrito para V. Excia. responder.
O Sr. Nereu Ramos — A pergunta não é capciosa; é de toda a Nação.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhores: por ocasião da sabatina, o que se perguntou e o que se disse foi se, numa guerra imperialista contra a União Soviética e a que o Brasil fosse arrastado...
O Sr. Juraci Magalhães — A interpretação dada pelo Sr. Hamilton Nogueira, em seu discurso, das palavras de V. Excia. limitou-se o ilustre orador a agradecer a transcrição dessas mesmas palavras nos Anais. Se, portanto, houve deturpação, a culpa é exclusivamente de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — A declaração da minha entrevista está reafirmada muitas vezes. Ninguém mais pode ter dúvida.
O Sr. Juraci Magalhães — Se V. Excia. responder à minha pergunta formulada claramente e por escrito, e que já entreguei a V. Excia. na tribuna, a Nação ficará tranqüilizada.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. está muito nervoso, tenha um pouco de paciência.
O Sr. Juraci Magalhães — Absolutamente. Estou inteiramente calmo.
O SR. CARLOS PRESTES — Como referia, Sr. Presidente, a pergunta formulada durante a sabatina já foi reafirmada muitas vezes.
O Sr. Juraci Magalhães — Não é a da sabatina. A que quero é essa.
O SR. CARLOS PRESTES — E a resposta não podia ser surpresa para nenhum homem mais ou menos informado em nossa Pátria, porque essa é a atitude dos comunistas. Agora, o ilustre Representante pelo Estado da Bahia faz uma pergunta capciosa.
O Sr. Juraci Magalhães — Não é capciosa; pelo contrário é uma pergunta clara, que requer resposta clara.
O SR. CARLOS PRESTES — Está capciosamente feita.
V. Excia. diz: a uma guerra a que o Brasil seja arrastado, por força de obrigações internacionais. Agora, qual o Governo que assumiu essas obrigações internacionais? A ditadura do Sr. Getúlio Vargas? V. Excia. diz que não aceita essa ditadura.
O Sr. Juraci Magalhães — Não sei, não estou a par dos tratados internacionais. V. Excia. deve responder a pergunta com a clareza que a Nação exige.
O Sr. Paulo Sarazate — A pergunta é uma tese. O orador deve responder em tese.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. tenha paciência de esperar porque os apartes se sucedem e não podem ser todos respondidos simultaneamente.
O Sr. Juraci Magalhães — Digo, respeitados dispositivos constitucionais e legais, da Constituição que foi votada pela Assembléia! É o que está na minha pergunta.
O Sr. Hermes Lima — O nobre Deputado Juraci Magalhães concordará naturalmente em que nessa pergunta figure o caso da declaração de guerra por governo legitimamente.
O Sr. Juraci Magalhães — É o que ela diz.
O Sr. Hermes Lima — ...porque se o governo não é legitimamente eleito não tem autoridade para declarar guerra.
O Sr. Juraci Magalhães — É claro. Essa será outra pergunta que caberá a V. Excia. formular. A minha é a que está em poder do orador.
O Sr. Hermes Lima — A mim me parece que a expressão «governo legitimamente eleito» precisa figurar.
O Sr. Juraci Magalhães — Peço ao nobre orador que a acrescente à minha pergunta.
O Sr. Hermes Lima — Explico: É necessário acrescentar, porque o Senhor Getúlio Vargas, por exemplo, não era governo legitimamente eleito, e, não obstante, agiu por meios legais e constitucionais.
O Sr. Juraci Magalhães — Concedo. Se V. Excia. entende que «legitimamente eleito» tornará mais clara a pergunta, pode acrescentar esta expressão.
O que pretendo é clareza. (Trocam-se inúmeros apartes entre os Srs. Representantes).
O SR. PRESIDENTE (Fazendo soar os tímpanos) — Atenção! Vamos ouvir o orador.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhor Presidente, respondendo ao nobre Deputado Juraci Magalhães, tive ocasião de dizer e afirmo mais uma vez que a sua pergunta é capciosa.
O Sr. Juracy Magalhães — Na opinião de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — A essa pergunta, conforme S. Excia. autoriza, acrescento — «legitimamente eleito». Antes de tratar do caso da Rússia, para que o nobre representante veja como vou mais longe do que S. Excia. supõe, quero simplesmente declarar — repetindo o que já foi dito em documentos de meu Partido, que infelizmente não tenho em mãos quando da publicação do Livro Azul, — que a verdade é a seguinte: por ocasião de ser conhecido o Livro Azul, nós, os comunistas, que fazemos política com ciência, política científica, — podem julgar muitos dos que discordam que a ciência marxista é errada, porém, para nós, é verdadeira, é a única ciência social legítima —, para nós, repito, que fazemos política não com sentimento nem com impulsos, mas com a cabeça, com a razão...
O Sr. Deoclécio Duarte — Realisticamente.
O SR. CARLOS PRESTES — ...realisticamente, verificando onde estão os interesses do proletariado e, portanto, do povo, porque o proletariado é a maioria da Nação, o Livro Azul é uma provocação de guerra. Porque aquilo que se diz no «Livro Azul», a respeito do governo Peron, é, evidentemente, muito pouco, unilateral, porque somente se refere a Peron, quando quase todos os outros governos da América Latina fizeram o mesmo, isto é, compraram armas à Alemanha, inclusive o governo brasileiro.
O Sr. Pereira da Silva — Em tempo de paz.
O Sr. Domingos Velasco — Em tempo de guerra.
O SR. CARLOS PRESTES — Embarcou já em tempo de guerra.
Farell e Peron também o fizeram nas mesmas condições, porque a Argentina não estava em guerra com a Alemanha.
Perguntamos então: por que isso? Por que essa preocupação de Mr. Braden e do Departamento de Estado pela democracia argentina, esse amor extraordinário ao povo argentino e à democracia argentina? Há muito de suspeito...
Dos países latino-americanos, a Argentina é o último em que o predomínio do capital inglês ainda subsiste: em todos os outros, o capital ianque já predomina — é a verdade.
Agora, é o momento para o mais reacionário capital americano desalojar da América Latina o capital inglês. Quer dizer: o «Livro Azul» não é mais do que um dos argumentos, mais uma acha que se joga na fogueira da guerra imperialista entre os interesses da Inglaterra e dos Estados Unidos, numa disputa de mercados, de matérias primas, dos próprios mercados de consumo dos produtos argentinos, que são os mesmos americanos — trigo, milho e carnes. Os Estados Unidos, os capitais americanos mais reacionários têm grandes interesses em choque, e, por isso, provocam, querem a guerra à Argentina.
Mas, compreende-se, os Estados Unidos são uma grande democracia, ainda não são um país fascista. Poderão ir ao fascismo, mas ainda não foram. Ora, um governo americano, o governo Truman não convencerá facilmente seu povo a fazer guerra à Argentina; mas seria muito mais fácil arrastar os norte-americanos a apoiarem caridosamente o Brasil numa guerra deste país com a Argentina!
Por isso, senhores, provoca-se a guerra entre o Brasil e a Argentina, quer-se a ruptura de relações, primeiro passo para o conflito.
Em documento escrito — decisão da Comissão Executiva do Partido — tivemos ocasião de afirmar que seríamos contrários a essa guerra, porque se trataria de uma guerra imperialista, que não serviria aos interesses do povo brasileiro, nem aos do povo argentino; que, se o governo brasileiro, comprometido constitucionalmente ou não, arrastasse o país a um conflito dessa natureza, nós o combateríamos, certos de que assim é que estaríamos lutando pelos interesses do nosso povo, que não pode servir de carne para canhão!
É uma tese, uma opinião dita e redita muitas vezes. Mas os senhores compreendam: é .uma hipótese. Não creio que nenhum governo brasileiro seja capaz de um crime desses, de arrastar o Brasil a uma guerra imperialista.
Qual foi o interesse do povo paraguaio ou do povo boliviano na guerra do Chaco? Os interesses satisfeitos foram os da Standard Oil e da Royal Dutch. Mas o povo paraguaio que foi vitorioso, continua miserável, explorado por uma ditadura a serviço do imperialismo ianque.
É esta a situação, é este o resultado de uma guerra criminosa contra a qual nos levantaremos, porque assim, seríamos patriotas e não traidores que arrastassem o povo a uma luta desta natureza.
O Sr. Hamilton Nogueira — V. Excia. tem tantas vezes insistido nessa suposta guerra com a Argentina que ficamos perplexos, julgando mesmo que o Partido Comunista a deseja.
O SR. CARLOS PRESTES — O perigo é muito maior do que V. Excia. supõe. O perigo é iminente, Sr. Senador, o perigo é muito claro, muito próximo. O perigo, infelizmente, é muito grande.
Ainda agora soube que oficiais e sargentos norte-americanos estão ativando a preparação de bases aéreas cujo ritmo de construção havia diminuído. São as bases aéreas de Porto Alegre e Santa Maria. Lá estão especialistas americanos ativando a construção. Quais os objetivos disso? Só podem ser os de uma guerra, Sr. Senador, que o imperialismo ianque está preparando. (Trocam-se numerosos apartes).
O Sr. Jurací Magalhães — V. Excia. está fazendo uma intriga internacional com a Argentina. Não é verdade. Sou oficial do Estado Maior e ainda não tive conhecimento disso. Nós que somos oficial do Exército sabemos da responsabilidade que V. Excia. está assumindo, porque o fato não é verdadeiro.
O SR. CARLOS PRESTES — Mesmo que tivesse conhecimento disso, não podia revelar a esta Casa.
O Sr. Luís Viana — Mas podia ficar calado.
O Sr. Hermes Lima — V. Excia. deve dar resposta ao Deputado Juraci Magalhães. V. Excia. a tem em suas mãos: leia e responda.
O SR. CARLOS PRESTES — Não é necessário responder. O Deputado Juraci Magalhães é suficientemente inteligente para compreender o seguinte...
O Sr. Juraci Magalhães — A voz de V. Excia. é uma voz reacionária. Conheço muito essa linguagem, porque também tive de enfrentar o integralismo, cuja doutrina se parece muito bem com a de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. é suficientemente inteligente para compreender o seguinte: no caso de uma guerra com a Argentina — a minha resposta, implícita, é a mesma que dei ao figurar de ser o Brasil arrastado a uma guerra contra a União Soviética, guerra que, do nosso ponto de vista, só pode ser guerra imperialista — seríamos contra essa guerra e lutaríamos da mesma maneira contra o governo que levasse o país a uma guerra dessa natureza.
O Sr. Senador Nereu Ramos também já teve minha resposta.
O Sr. Juraci Magalhães — V. Excia. criou suas premissas e fugiu das minhas, com o maior pesar para mim.
O Sr. Getúlio Moura — Se a Rússia, no caso de uma guerra entre os Estados Unidos e a Argentina, ficasse com os Estados Unidos, qual seria a posição do Partido Comunista?
O SR. CARLOS PRESTES — Com Rússia ou sem Rússia, a nossa posição seria contra a guerra imperialista.
O SR. PRESIDENTE — Atenção! O nobre orador dispõe apenas de um quarto de hora para terminar seu discurso. Peço portanto, aos Srs. Representantes que evitem interrompê-lo, para que S. Excia. possa concluir suas considerações.
O Sr. Hermes Lima — Que dificuldade teve V. Excia. Sr. Luiz Carlos Prestes, em responder?
O Sr. Paulo Sarazate — A pergunta fica de pé, com ou sem Rússia.
O SR. CARLOS PRESTES — Já dei resposta cabal à pergunta a que V. Excia. se refere.
O Sr. Juraci Magalhães — Se o Brasil entrar em guerra contra os Estados Unidos V. Excia. pegará em armas contra os Estados Unidos?
O SR. CARLOS PRESTES — Não se trata de guerra a favor ou contra os Estados Unidos. Há guerras imperialistas, de interesse dos banqueiros, e somos contra essas guerras, de qualquer maneira.
O Sr. Juraci Magalhães — Essa interpretação é que seria capciosa.
O Sr. Hermes Lima — Sr. Senador, o problema da guerra imperialista está terminado. As palavras de V. Excia. tiveram, a meu ver, uma interpretação injusta.
O SR. CARLOS PRESTES — Tiveram interpretação perversa e mal-intencionada.
O Sr. Juraci Magalhães — Não de minha parte.
O SR. CARLOS PRESTES — Por parte de V. Excia. também.
O Sr. Juraci Magalhães — Já declarei que não. V. Excia. quer, então, penetrar na minha consciência? Desejaria apenas resposta clara.
O SR. CARLOS PRESTES — Digo-o em virtude da maneira por que V. Excia. faz a pergunta. A uma criança de colégio pode submeter-se uma pergunta, para ser respondida com uma só palavra. Mas não se dá uma palavra de resposta a uma pergunta capciosa. É necessária prévia explanação, para que o conteúdo da pergunta seja desmascarado e a resposta bem dada. Não sou nenhum ingênuo para cair nas perguntas capciosas de V. Excia.
O Sr. Juraci Magalhães — Capciosa para V. Excia., mas não para a Assembléia, nem para a nação.
O SR. CARLOS PRESTES — Já declarei que condenamos uma guerra contra a Argentina, como contra a União Soviética, porque a esse conflito só poderíamos ser arrastados por potências capitalistas, em luta por seus interesses, e somos contrários a qualquer guerra dessa natureza.
O Sr. Luís Viana — Parece-me que a questão está apenas mal posta. Dentro de uma democracia, de órgãos definidos, responsáveis, nenhum Partido pode arrogar-se o direito de julgar se uma guerra é ou não imperialista. Esse direito cabe ao Parlamento.
O SR. CARLOS PRESTES — Então, V. Excia. reclama um país de escravos, de homens que não têm cabeça para pensar, porque qualquer cidadão, até o último dos operários, tem direito de raciocinar, de mostrar que o Governo é traidor, que contraria os interesses nacionais e, por isso precisa ser combatido. Esse o direito de qualquer cidadão.
O Sr. Luís Viana — O país tem Parlamento. Aliás, temos que esperar o caso concreto para decidir.
O Sr. Ataliba Nogueira — Não se trata de Governo. Quem deve declarar guerra é o Parlamento. É coisa diferente. É o povo, reunido, na pessoa de seus representantes. Estamos pressupondo uma democracia e não um governo autocrático.
O SR. CARLOS PRESTES — Sabemos o que é Parlamento. Vossas Excias, aqui nesta Casa, já apoiaram a Carta de 37, uma carta fascista, contra a vontade da Nação, tentando legalizá-la.
Então, os homens que estão lá fora, sendo contrários a essa Carta, vão calar a boca e aceitá-la só porque esta Assembléia a apoiou e a aceitou? Seria covarde quem fizesse isso.
O Sr. Ataliba Nogueira — Isso é que é democracia em seu funcionamento.
O Sr. Lino Machado — A quem caberia, no momento, a responsabilidade de declarar a guerra? No caso de conflito com a Rússia, neste instante, V. Excia. ficaria com a Rússia ou com o Brasil? Este o ponto.
O Sr. Ataliba Nogueira — O Poder Legislativo é que deve declarar guerra. Ele representa, ou não, a vontade do povo?
O SR. CARLOS PRESTES — O Poder Legislativo é eleito pelo povo, mas V. Excia. sabe o que é eleição em nossa terra?
V. Excia. tem muita confiança nela?
O Sr. Ataliba Nogueira — Então V. Excia. condena a democracia no Brasil. Ela não deveria existir em nossa terra.
O Sr. Deoclécio Duarte — Democracia é o regime da maioria.
O SR. CARLOS PRESTES — Ninguém mais do que nós tem demonstrado, nesta Assembléia, que queremos a decisão pelo voto e nos submetemos à deliberação da maioria. Apresentamos nossas idéias, apresentamos nossos argumentos, discutimos, defendendo nossos pontos de vista, mas acatamos o veredictum da maioria.
O Sr. Luís Viana — É a verdade.
O Sr. Getúlio Moura — Como iria, então V. Excia. ficar contra o Brasil, na hipótese dessa guerra, se a apoiasse a maioria.
O SR. CARLOS PRESTES — Mas há certos momentos na vida de um povo e na de um homem em que as conseqüências de um ato são tão graves para esse povo ou para esse homem, que não podemos nos submeter à vontade da maioria.
O Sr. Getúlio Moura — Então seria a anarquia, não Estado organizado.
O SR. CARLOS PRESTES — Preferível ficar com a minoria do que com a maioria, na certeza desta estar errada, até porque a minoria, amanhã, poderá ser maioria e saberá arrastar a maioria equivocada levada por uma preparação ideológica para a guerra.
Todos sabem o que foi o clima de preparação da guerra em 1914. Roger Martin Du Gard descreveu bem o que foi aquele clima nas vésperas de julho de 1914, quando o proletariado, nos seus grandes Congressos Socialistas declarara que ante a guerra imperialista faria greve geral. E porque os verdadeiros líderes do proletariado não apoiaram a guerra nas vésperas da sua declaração, criou-se na França o ambiente da guerra de nervos, explorando o chovinismo, o sentimento patriótico, que levou ao assassinato de Jaurés, para conseguir arrastar o Partido Socialista à guerra imperialista.
O SR. PRESIDENTE — Lembro ao nobre Representante que o tempo de que dispõe e, também, a hora da sessão estão a terminar. V. Excia. falou por duas horas, porque além de V. Excia. se achavam inscritos três oradores de sua bancada, que lhe cederam a palavra. Cada orador pode falar por meia hora. Falta um minuto para esgotar-se o tempo de V. Excia., e também o da sessão.
O SR. CARLOS PRESTES — Solicito a prorrogação da sessão por mais meia hora.
O SR. PRESIDENTE — Todo o tempo de que V. Excia. dispunha para falar foi esgotado.
O SR. CARLOS PRESTES — V. Excia. poderia descontar das duas horas que falei, o tempo consumido nos apartes.
O Sr. Carlos Marighella — Sr. Presidente está sobre a Mesa um requerimento de prorrogação da sessão por meia hora.
O SR. PRESIDENTE — O orador já esgotou todo o tempo de que dispunha para falar. Posso sugerir, já que a nobre
bancada Comunista não tomou a iniciativa, que se inscreva
mais um orador e ceda sua palavra, a fim de que S. Excia.
possa concluir o seu discurso, permanecendo na tribuna por
mais meia hora.
O Sr. Maurício Grabois — Sr. Presidente, solicito minha inscrição e cedo a palavra ao senhor Carlos Prestes.
O SR. PRESIDENTE — Vou submeter ao voto da Assembléia o requerimento para que seja prorrogada, a sessão por meia hora, assinado pelo sr. Jorge Amado e outros. Os senhores que o aprovam queiram levantar-se. (Pausa). Aprovado. Continua com a palavra o sr. Carlos Prestes.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhores Representantes, permitam-me prosseguir, tentando resumir minhas considerações, para que possa terminar minha oração na meia hora que nos resta.
A celeuma e o debate surgiram após a leitura, que fiz da carta do ilustre médico, Dr. Sérgio Gomes, em que S. Excia. se solidariza integralmente com nosso ponto de vista. Li aquela carta, porque se tratava de um homem que não é comunista, de uma família católica, e tendo relações íntimas com o próprio Brigadeiro Eduardo Gomes. Se citei o nome do Brigadeiro Eduardo Gomes foi justamente porque estou convencido de que defendo um ponto de vista patriótico. O depoimento de pessoa ligada ao ilustre militar dá-nos a certeza de que se trata de patriotismo, porque por mais que tenha discordado politicamente do Brigadeiro Eduardo Gomes, fui seu colega, e conheço os seus elevados sentimentos cívicos.
Podemos divergir, ter idéias diferentes em diversos problemas; no domínio filosófico, estamos em pontos diametralmente opostos; mas é um patriota que respeito e tenho a certeza de que, por sua vez, ele me conhece bastante para me respeitar.
Após a leitura da carta do Dr. Sérgio Gomes, quero mostrar aos senhores Representantes que a minha posição, a do autor da carta cujo nome não estou autorizado a citar e do da outra que li, não é posição de traição.
Repete-se muito, nos dias de hoje, a palavra «traidor».
Traidores — sabemo-lo bem — são todos os revolucionários vencidos. Traidores, foram Tiradentes, Frei Caneca. A posição dos contrários às guerras imperialistas está de acordo com as tradições do nosso povo. São as tradições já registradas na Carta de 91, e, posteriormente, na de 34.
A Constituição de 1891, diz no seu artigo 88:
«Os Estados Unidos do Brasil, em caso algum se empenharão em guerra de conquista, direta ou indiretamente, por si ou em aliança com outra Nação».
Esse artigo foi confirmado na Carta de 34, com mais um dispositivo sobre arbitramento:
«Artigo 4.º. O Brasil só declarará guerra se não couber ou malograr-se o recurso do arbitramento; e não se empenhará jamais em guerra de conquista; direta ou indiretamente, por si ou em aliança com outra Nação».
Quer dizer, ser contra a guerra imperialista é ser contra a guerra de conquista, porquanto guerra imperialista é guerra de conquista de mercados, de fontes de matérias primas.
O imperialismo — e para isso é necessário compreender bem o que seja imperialismo — é, para nós, marxistas, a última etapa do capitalismo. O capitalismo evoluiu; em determinada época de sua evolução, foi revolucionário. Que foi, senão capitalismo revolucionário, o daquela admirável burguesia francesa que fez a Revolução de 1789?
Mais tarde, o capitalismo tornou-se progressista, na luta pelos mercados para colocação dos produtos de sua indústria, lutando pela independência dos povos. O capitalismo inglês ajudou a independência do Brasil. Àquela época, o capitalismo lutou pela libertação, pela abertura dos portos do Brasil, aconselhando D. João VI a tomar essa medida e, posteriormente, contribuindo para a própria independência da nossa Pátria. Assim fez, porque a esse capitalismo interessavam a abertura dos portos e a independência a fim de encontrar mercados para expansão das suas indústrias. Não se tratava de capitalismo financeiro, porque este ainda não existia, não estava concentrado em bancos, trustes, monopólios e cartéis.
Essa etapa do capitalismo é mais moderna. Vem de 1860 a 1870. O capitalismo financeiro começou, então, a dominar o mundo capitalista.
Sabemos, hoje, que o industrial muitas vezes tem grandes lucros. De que valem, porém, esses lucros, se estão presos a empréstimos nos grandes bancos?
Quem ganha, quase sempre não é o industrial, mas o banqueiro; é este quem retira, através do industrial, mais-valia do operário que trabalha. Quer dizer, o capitalismo evoluiu e chegou a essa etapa superior, que é a do imperialismo. O capital financeiro precisando de aplicação, busca aplicação onde? Nas colônias, nos países potencialmente ricos, mas, na verdade, fracos, para explorar seus povos, através de empréstimos, serviços públicos, fundação de empresas onde auferem lucros fabulosos que são enviados para o estrangeiro. É assim o próprio sangue dos povos canalizado para o exterior. Dessa forma os povos não podem progredir.
O capitalista, que tem lucros em nossa pátria, aqui deve aplicá-los. Mas os lucros da Light, o ano passado — cerca de Cr$ 500.000.000,00 — foram para fora do país. E esse dinheiro, se ficasse no Brasil, não constituiria fator de progresso, capaz de aumentar a nossa industrialização e concorrer para o bem-estar do povo?
O Sr. Glicério Alves — Perguntaria se o fato de a Rússia dominar povos vizinhos não é imperialismo.
O SR. CARLOS PRESTES — Na União Soviética não há trustes, monopólios, capital financeiro aplicado na exploração dos povos coloniais. A União Soviética não tem colônias nem explora povos. Kemal Pachá, para conseguir a libertação da Turquia, a que país recorreu a fim de promover a industrialização de sua terra? À União Soviética, da qual obteve maquinaria, técnicos, dinheiro sem juros.
O Sr Deoclécio Duarte — Não será imperialismo econômico o que a Rússia quer fazer com o Irã?.
O SR. CARLOS PRESTES — Quanto à questão do Irã, quando há poucos dias a ela se referiu o Sr. Amando Fontes, tive ensejo de pedir a S. Excia. que esperasse mais um pouco; e já os jornais de hoje noticiam que a União Soviética retirou suas tropas daquele país...
O Sr. Deoclécio Duarte — Porque os anglo-americanos o exigiram.
O SR. CARLOS PRESTES — A Inglaterra tem bases perto do Iraque, que é espécie de colônia sua. Forças inglesas marchavam em direção a Baku, na fronteira soviética, onde se acham os centros petrolíferos mais importantes da Rússia, e o Governo Soviético tinha de defender seus interesses.
Ao cogitar de imperialismo, quero citar palavras de Lenin, definindo-o. A obra de Lenin foi escrita na base de autores burgueses como Hobson «Imperialismo, 1992» e o livro do grande socialista Rudolf Hilferding «O capital Financeiro» não comunista, que não evoluiu para o marxismo, sobre capital financeiro. Baseado nessas obras foi que Lenin fez esta síntese admirável:
«A particularidade essencial do capitalismo moderno consiste na dominação das associações monopolistas dos grandes empresários. Tais monopólios
adquirem a máxima solidez quando reúnem em suas
mãos todas as fontes de matérias primas e já vimos
com que furor os grupos internacionais de capitalistas dirigem seus esforços no sentido de arrebatar
ao adversário toda a possibilidade de competição, de
açambarcar, por exemplo, as terras que contêm mineral de ferro, das jazidas petrolíferas, etc. A posse
de colônias é a única maneira de garantir, de forma
completa, o êxito do monopólio contra todas as contingências da luta com o adversário, sem excluir o
caso de que o adversário deseje defender-se por meio
de uma lei sobre o monopólio de Estado. Quanto
mais adiantado o desenvolvimento do capitalismo,
quanto mais aguda é a insuficiência de matérias primas, quanto mais duras é a competição e a busca de
fontes de matérias primas em todo o mundo, tanto
mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias».
(Lenin, «Imperialismo — Etapa superior do Capitalismo», Obras escolhidas, vol. II, pág. 399, Editorial do Estado — Moscou, 1939).
Isso é que é, de fato, imperialismo.
É contra esse imperialismo, contra a guerra em benefício de monopólios e trustes que lutaremos sempre. Muitas pessoas poderão equivocar-se, levadas, sem dúvida, pela paixão patriótica, exploradas pela imprensa paga pelos cofres do imperialismo. Não somos nós, comunistas, que temos a grande imprensa; esta se encontra nas mãos dos grandes banqueiros.
São os banqueiros das grandes potências que preparam o ambiente psicológico para a guerra, arrastando à luta patriotas sinceros, honestos, que só depois, na prova da própria guerra, vão descobrir o erro tremendo, cometido, muita vez, após terem insultado e chamado de traidores quantos advertiram ser aquela guerra dirigida contra os interesses da Pátria.
Para mostrar, ainda mais, o que é imperialismo, e evidenciar, que não há razão para esta celeuma, que há nisso indicação de falta de informações ou o não conhecimento do que seja guerra imperialista, citarei palavras do grande imperialista Cecil Rhodes, famoso colonizador inglês, o qual, já em 1895, em palestra com jornalista seu amigo, tinha ocasião de proferir palavras bem características da audácia e do cinismo de tais dominadores:
«Ontem estive no East-End londrino (bairro operário) e assisti a uma assembléia de sem-trabalho. Ao ouvir, em tal reunião, discursos exaltados cuja nota dominante era: pão! pão! e ao refletir, quando voltava à casa, sobre o que ouvira, convenci-me, mais que nunca, da importância do imperialismo...
Estou intimamente persuadido de que minha idéia representa a solução do problema social, a saber: para salvar aos 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma guerra civil funesta, nós, os políticos coloniais, devemos dominar novos territórios para neles colocar o excesso de população, para encontrar novos mercados nos quais colocar os produtos de nossas fábricas e de nossas minas.
O império, disse-o sempre, é uma questão de estômago. Se não quereis a guerra civil, deveis converter-vos em imperialistas!». (Lenin — ob. cit. pág 396).
Nos dias de hoje, qual a linguagem de Churchill, senão a mesma?
E, além disso, Fuller, militar inglês, grande especialista e técnico em guerra quem diz, com o maior cinismo que a saída para a crise econômica das grandes nações imperialistas é a guerra, não só porque determina a intensificação da indústria, trabalho, portanto, para o proletariado, como cria um teatro onde possam morrer quantos sobram, para o mercado de braços. Tal a tese cínica que já se defende pela imprensa.
Isso foi publicado num órgão de manufatureiros de armamentos nos Estados Unidos.
O Sr. Campos Vergai — V. Excia. permite um aparte? Sou fundamentalmente contrário à guerra. Sempre aceitei que os conflitos armados se baseiam em explorações. Fazem-se guerras pelas conquistas de mercados comerciais. Nenhum povo é favorável à guerra. Entendo, como V. Excia. que os capitalistas arrastam os países à luta e, muitos deles, para vender armas e munições, a fim de os povos se matarem. As conseqüências da guerra são, sempre, a miséria, a penúria, a degradação social. Tenho, portanto, a certeza de que dentro de cada país, para evitar a guerra — o maior de todos os males — deve-se alertar a consciência nacional contra os exploradores .
O SR. CARLOS PRESTES — Temos convicção sincera de que fazemos isso: despertar a Nação e os próprios governantes; porque ninguém mais do que nós deseja apoiar o Governo, se ele quiser, realmente — e acreditamos que o queira — realizar uma política contra a guerra. Desejamos apoiar o governo, e dizemos, com toda a franqueza que, se, por acaso, nos levar a uma guerra imperialista estaremos contra o Governo. Essa, a nossa afirmação.
Assim, o aparte do nobre Deputado vem confirmar a opinião de que minhas declarações não podiam produzir essa celeuma, essa gritaria, esse coro de insultos de toda ordem que, infelizmente, vieram até dentro da Assembléia. Porque essa é uma velha posição dos comunistas, posição reafirmada muitas vezes por nós.
Que há por trás dessas palavras? Quem provocou a celeuma? Porque esta série de provocações, esses ataques pessoais, esses insultos, essa campanha anticomunista dos dias de hoje? Eles surgiriam com as minhas palavras ou sem as minhas palavras, de qualquer maneira, com qualquer pretexto, porque este é o método usado pelos imperialistas no momento que vivemos no mundo e em nossa Pátria, é a preparação para a guerra. E nos arranjos para a guerra é mister criar o ambiente, preparar, psicologicamente, o povo para a luta, liquidar a democracia, tapar a boca dos homens com coragem de falar o que pensam e dizer as verdades, dos homens que não se acovardam quando julgam ser preciso dizer, como eu disse, aquelas palavras.
Na hora atual, tais provocações, tais ataques pessoais surgiriam de qualquer forma. Palavras como aquelas eu as pronunciei muitas vezes, poucas semanas antes e muitos meses passados também. Nós, comunistas, seguimos sempre o exemplo de Lenin, conhecido de todos, o exemplo de Karl Liebknecht, já aqui citado, esta tarde.
O que há, portanto, — repito — é um sistema organizado de provocação psicológica para a guerra. É disto que se trata. E essa preparação, Srs. Representantes, tem sempre um centro diretor: basta acompanhar os jornais brasileiros, os mais diversos, que se combatem uns aos outros, e verificar que eles empregam os mesmos argumentos, quase as mesmas palavras para atacar o comunismo. «O Correio da Manhã», jornal sistematicamente contra nós, e que foi sempre anticomunista, agora escreveu lamentando que o Partido Comunista tenha uma direção capaz de cometer tantos erros. «O Correio da Manhã» está com pena do Partido... (Risos).
Por que? O que deseja ele? É a campanha, Senhores, para tentar desmoralizar os dirigentes do Partido Comunista, é a previsão estulta dos interessados em dividir o Partido que é um monolito que ninguém conseguirá dividir. Partido que pôde resistir, durante 23 anos, a uma vida clandestina de lutas as mais terríveis, que teve seus chefes torturados e perseguidos e aí está vivo, em progresso e crescimento.
É a campanha da preparação para a guerra. Para ela chamamos a atenção de todos os patriotas. Pedimos aos nossos maiores adversários que meditem sobre a realidade brasileira e considerem a que sérios perigos procuram arrastar o nosso povo.
Essa campanha surge devido à situação internacional.
É a Inglaterra em crise, são os Estados Unidos em crise; é o prestígio cada vez maior, da União Soviética. É, além disso, a crise interna em nossa Pátria, são as dificuldades para resolvê-la, são os restos do fascismo que ainda vivem no Brasil e procuram forçar o homem digno e honesto que é o Sr. General Eurico Dutra a uma política falsa, contrária aos interesses do próprio Governo, porque contraria aos interesses nacionais. Porque não se esmagam idéias. Não é com polícia que se resolve o problema do pão reclamado pelo povo; não é procurando forçar o operário a não fazer greve que se extingue o mal. Cumpre atender ao problema nacional. E o Governo, para enfrentar a situação econômica, mais do que nunca necessita do apoio do povo, da sua confiança.
Nós, comunistas, — torno a salientar — queremos apoiar o Governo, ajudá-lo, colaborar com ele na solução dos problemas do país. Esta, Senhores, a nossa posição.
É contra a nossa vontade que atacamos o Governo, porém, temos de nos defender, de defender a democracia. Não achamos outro caminho senão este.
Contra as medidas reacionárias do Governo, dentro da lei, sempre protestaremos, empregaremos todos os recursos para reagir; mas acatamos as decisões do Governo, aconselhamos ao povo e ao proletariado que respeitem as decisões oficiais.
Os elementos reacionários pensavam, ainda há poucos dias, que era possível a guerra. Diante das ameaças de guerra julgavam chegado o momento de realmente implantar uma ditadura em nossa Pátria. Já vimos, porém, que se equivocaram. Essas provocações não serão as últimas; elas continuarão, e nós as esperamos com serenidade, prontos a enfrentar todos os obstáculos, porque não temos ilusões, sabemos que ainda somos minoria... que os outros Partidos ainda são mais fortes e, se quiserem esmagar-nos, poderão fazê-lo. Temos, todavia, a certeza de que com tais violências não será liquidado o comunismo, porque o comunismo sempre existirá, enquanto houver exploradores e explorados.
Senhores: existe mais uma fato agravante, fato que é incontestavelmente, muito significativo, em todas essas provocações anticomunistas, antisociais e antidemocráticas: o da liquidação da democracia em nossa Pátria. Esse fato é a tendência dos elementos mais reacionários dos Estados Unidos, e notem bem Vossas Excelências, — refiro-me aos elementos mais reacionários dos Estados Unidos, ao capital financeiro mais reacionário; não, ao povo americano, que é democrata, nem ao governo americano, que ainda está sob a vigilância desse povo. Refiro-me — repito — aos elementos mais reacionários do capital americano, que querem uma saída guerreira para a situação de crise em que se debatem.
Basta atentar para o que ocorre quanto às bases permanentes que possuem pelo mundo inteiro; bases militares, bases aéreas e bases navais. Até hoje, não foram abandonadas as bases cedidas a esses senhores. E essas bases foram cedidas porque se tratava da defesa de nosso país em uma guerra justa, em uma guerra contra o nazismo. E elas de há muito deveriam ter sido abandonadas. Não conheço, é certo, as condições em que foram cedidas, mas o fato é que a guerra terminou há quase um ano e elas ainda não foram abandonadas!
O Sr. Rui de Almeida — Suponho esteja V. Excia. enganado quanto às bases, pelo menos as do Nordeste. Creio que o Governo já declarou terem sido desocupadas.
O SR. CARLOS PRESTES — O Sr. Brigadeiro Trompowsky afirma o contrário.
O SR. PRESIDENTE — Peço ao ilustre orador interrompa por alguns instantes suas considerações.
O SR. CARLOS PRESTES — Com prazer, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE — Encontra-se sobre a mesa requerimento do Sr. Representante Costa Neto, no sentido de prorrogação da sessão por trinta minutos. Os Srs. Representantes que o aprovam queiram conservar-se sentados. (Pausa). Foi aprovado. Continua com a palavra o Sr. Representante Carlos Prestes.
O SR. CARLOS PRESTES — Senhor Presidente, muito embora aprovado o requerimento de prorrogação da sessão, terei a palavra cassada dentro de breve tempo.
O Sr. Costa Neto — Não tive o intuito, com o meu requerimento de prorrogação, de que fosse cassada a palavra de V. Excia. e peço ao Sr. Presidente seja o requerimento submetido à consideração da Casa, tão logo esteja esgotado o tempo de que ainda dispõe o nobre Representante do Distrito Federal.
O SR. PRESIDENTE — Os requerimentos de prorrogação são sujeitos à deliberação do plenário antes de terminar o tempo da sessão, e, no caso atual, o requerimento já foi até aprovado.
O Sr. Costa Neto — Não tive o intuito — repito — de ver cassada a palavra ao ilustre Representante, senhor Carlos Prestes.
O SR. CARLOS PRESTES — Agradeço a gentileza da declaração do nobre colega, e penso, Sr. Presidente, que poderei concluir meu discurso, dentro de dez minutos no máximo.
O SR. PRESIDENTE — Lembro ao ilustre orador que dispõe apenas de cinco minutos.
O SR. CARLOS PRESTES — Terminarei, Sr. Presidente, afirmando...
O SR. PRESIDENTE — V. Excia. pode falar no tempo destinado ao Deputado Osvaldo Pacheco.
O SR. CARLOS PRESTES — Respondo ao aparte do Deputado Rui de Almeida e afirmo que o Brigadeiro Trompowsky diz o contrário de Sua Excia.
O Sr. Rui de Almeida — Não afirmei nada; disse apenas que supunha que poderia trazer informações concretas amanhã.
O SR. CARLOS PRESTES — Pensamos que essas provocações guerreiras ainda tenham mais esse objetivo oculto por parte, — repito, — não do povo americano, nem do governo americano, mas dos elementos mais reacionários do capital ianque, os quais querem forçar o governo a ter bases no mundo inteiro, para atender a seus fins.
E são esses mesmos elementos que hoje, por intermédio de seus agentes, nos chamam de traidores, com a boca cheia. Esses elementos são muito fortes e tudo vai depender apenas da vigilância do povo dos Estados Unidos. Acredito muito na força da democracia nesse país, enquanto houver ali democracia será difícil um governo fascista vencer.
Reasseguro, Sr. Presidente, que participam dessa campanha da provocação de guerra, levantando celeuma em torno de palavras sempre proferidas aqui por nós comunistas, elementos como o Sr. Assis Chateaubriand, que em julho de 1944, afirmava, cinicamente, pelo seu jornal, — e ninguém o chamou de traidor a não ser, ao que eu saiba, pois, estava na prisão — uma versão de que o Brigadeiro Eduardo Gomes protestou contra tais palavras, textualmente o seguinte:
«... Não deveremos, portanto, chamar mais as nossas bases aero-navais de bases brasileiras, senão bases inter-americanas. E se restrições se impõem à iniciativa nacional das forças armadas, outras tantas devemos reconhecer à própria idéia de soberania.
Já tenho sugerido na imprensa argentina e brasileira a idéia da criação de uma «framework» elástica, ou seja, de um aparelho de super-soberania, que estabeleça limites às soberanias individuais de cada uma das nossas respectivas nações, no exclusivo interesse delas. Assim como vemos hoje, na guerra, os Estados Unidos construindo bases em território da Grã Bretanha e do Brasil, urge nos habituarmos na era da paz a essa mentalidade de internacionalização das armas preventivas da guerra».
E por aí continua.
O Sr. Glicério Alves — Estranhável é dizer V. Excia. que ficaria ao lado da Rússia em determinadas condições. O Sr. Chateaubriand usou do mesmo direito, dizendo que as bases brasileiras não são mais do Brasil.
O SR. CARLOS PRESTES — No momento estou falando não da Rússia, mas das bases americanas.
O Sr. Glicério Alves — É um absurdo. Mas amanhã, V. Excia. poderá dizer que o Brasil tem necessidade de bases russas.
O SR. CARLOS PRESTES — Nunca sustentei a necessidade de bases russas no Brasil, e aqui se sustenta a de bases americanas.
O Sr. Glicério Alves — V. Excia. está admitindo a hipótese de uma guerra entre o Brasil e a Rússia.
O SR. CARLOS PRESTES — Não estou tratando disso.
Estou dizendo que, em tais condições, no entender do Sr. Assis Chateaubriand, não devemos chamar essas bases navais e aéreas de brasileiras, devendo ser abandonada a idéia de independência do Brasil, pois aquele jornalista dá preferência aos banqueiros. Isto é o que está escrito.
O Sr. Glicério Alves — Não estou de acordo com o Sr. Chateaubriand, mas V. Excia. está sustentando o direito de todo o homem defender os pontos de vista que entenda.
O SR. CARLOS PRESTES — Certamente, e o Sr. Assis Chateaubriand pode sustentar esses pontos de vista.
Não o impeço, assim como não desejo nem quero que seu jornal seja fechado. Pelo contrário, ele que continue a se desmascarar, e a dizer ao povo o que na verdade é.
Quanto a esta questão de bases inter-americanas já tivemos ocasião de nos pronunciar, quando do projeto de intervenção nos negócios internos de cada povo. A proposta é do Ministro Larreta, do Uruguai. Somos contrários a essa intervenção, porque sabemos que de todos os países americanos só um e único está em condições de tornar efetiva essa intervenção. Essas bases inter-americanas são no fim de tudo, apenas bases americanas.
O Sr. Luís Viana — V. Excia. não deve esquecer e, esquecendo, quero que seja anotada a atitude digna, correta e patriótica que teve o Brigadeiro Eduardo Gomes a esse respeito.
O SR. CARLOS PRESTES — Conheço apenas versões acerca dessa atitude e de que, após esse artigo do Sr. Assis Chateaubriand houve manifestação do Brigadeiro Eduardo Gomes sobre o assunto.
Esse acordo para bases inter-americanas, para a intervenção, para a guerra, é semelhante à célebre fábula dos potes de barro e de ferro.
Sabemos quais seriam, para nós, as conseqüências de uma aliança dessa natureza, em benefício dos grandes trustes.
Mas, dizia eu, não conheço os tratados, não sei em que condições o Governo Getúlio Vargas cedeu essas bases; sei, somente que, em Cuba, bases foram cedidas sob a condição de que, seis meses depois de terminada a guerra, seriam abandonadas, passando às mãos do governo cubano. No entanto, o imperialismo ianque continua hoje ocupando com seus soldados aquelas bases e não pretende de forma alguma abandoná-las, procurando sofismar, dizendo que não se trata de — «seis meses depois de terminada a guerra» — mas de — «seis meses depois de assinado o tratado de paz».
Ainda hoje, chegaram-me às mãos jornais de Cuba, em que, discutindo-se essa tese imperialista, se diz:
«Recentemente, um alto funcionário da Chancelaria cubana, lançou um pouco de luz neste delicadíssimo assunto, que é vital para a nossa nacionalidade e a soberania nacional. Acontece que os norte-americanos procuram dar uma interpretação capciosa, unilateral, aos tratados. Afirmam eles que se comprometeram a entregar as bases militares seis meses depois de firmados os «tratados de paz», e não antes. Isto quer dizer, falando claro, que se a discussão, a elaboração e a assinatura dos tratados de paz com as nações derrotadas na guerra levar vinte anos, as tropas dos Estados Unidos permanecerão todo esse tempo em Cuba.
A Chancelaria cubana não pode estar de acordo com essa interpretação ianque, unilateral e interesseira. As manifestações atribuídas ao funcionário cubano que falou à imprensa no Palácio Presidencial, assim permitem supor. Cuba entende que já chegou a hora de serem entregues ao nosso Governo essas bases, que os tratados assinados, estabelecem que a entrega deveria fazer-se, forçosamente, seis meses depois de terminada a guerra, e não seis meses depois da assinatura de todos os tratados de paz».
Senhores, é essa a experiência cubana, que nos deve chamar a atenção; essa vigilância patriótica que é necessária.
Ninguém mais do que nós, comunistas, apoiou a concessão das bases navais e aéreas às forças americanas para a luta contra o imperialismo nazista. Somos de opinião que temos, no Exército, Marinha e Aeronáutica técnicos suficientes para comandar, dirigir essas bases; que não havia necessidade de tomarem essas bases o aspecto que infelizmente assumiram. Li as últimas notícias de Belém e de Natal, enviadas por pessoas que, achando-se nessas capitais, afirmam que parecia estarem mais em terra americana do que no Brasil.
O Sr. Luís Viana — Na Bahia, antes de terminada a guerra já os americanos estavam se retirando.
O SR. CARLOS PRESTES — O Brigadeiro Trompowsky, em entrevista de sábado a «O Globo», confirma que ainda há bases em poder dos americanos.
O Sr. Rui de Almeida — Eu me refiro às do Nordeste.
O SR. CARLOS PRESTES — Perfeitamente. Refere-se às bases construídas, procurando responder à versão de que podem passar a permanente, e que esse é o perigo que nos ameaça:
«As bases construídas no nosso território pelos americanos já nos foram entregues, em sua maioria tais como as de Santa Cruz, Espírito Santo, Bahia, Maceió, Recife, e já em parte, a de Natal, a de Belém, Amapá e Carapaçú».
Estas, as palavras do Brigadeiro Trompowsky. Pessoas que viajam de avião, vindo de Belém e Natal, podem confirmar essa verdade.
O Sr. Rui de Almeida — Basta a leitura feita por V.
O SR. CARLOS PRESTES — (Continuando a leitura):
«Se ainda existem americanos nessas bases» (procura S. Excia. justificar) é porque o próprio Brasil tem necessidade dessa permanência por mais algum tempo, pois não seria possível receber-se um aparelhamento de tal monta e tão complexo sem pessoal devidamente adestrado, reafirmo não passa de intriga e de mera fantasia.
«Estamos ainda recebendo as bases de maneira parcelada, à medida que, preparamos pessoal em condições de manejar todo o seu mecanismo. Se fôssemos receber tudo de uma só vez, o prejuízo seria para nós mesmos».
Confesso que não concordamos com a justificativa; parece-nos algo alarmante em desacordo com as tradições e o valor da nossa Aeronáutica.
Diz o Brigadeiro Trompowsky que ainda não temos pessoal em condições de tomar conta dessas bases.
Nossa Aeronáutica tem técnicos suficientes, e é impossível que durante a guerra não tivéssemos tido ocasião de prepará-los ao menos para isso. Julgamos essas declarações como comprometedoras e lamentáveis para a Aeronáutica. Mas, acrescenta o Brigadeiro Trompowsky:
«Essa base, dada a complexidade do seu aparelhamento, está sendo entregue parcialmente ao nosso país e somente pessoal devidamente adestrado pode ocupá-la. Reafirmo: não passa de intriga ou mera fantasia».
É essa a opinião do Brigadeiro defendendo a tese de que os americanos ainda vão continuar nas bases algum tempo, até que se possa preparar técnicos.
Mas, como já tive ocasião de dizer esta tarde, nota-se no Rio Grande do Sul, uma atividade maior na construção de bases aéreas. Há um grande movimento de oficiais e inferiores do Exército Americano, não só em Santa Maria como em Porto Alegre; diz-se até que há poucos dias oficiais norte-americanos estiveram fazendo manobras em Cachoeira.
O Sr. Juraci Magalhães — Nunca ouvi falar nisso: oficiais americanos fazendo manobras no Rio Grande do Sul.
O SR. CARLOS PRESTES — Talvez se trate de movimento de quadros. V. Excia. não acredita?
O Sr. Juraci Magalhães — Não acredito. Não tenho documentos que me permitam contestar essa afirmativa, mas, se Vossa Excelência os possui, estimarei em vê-los.
O SR. CARLOS PRESTES — Em assunto dessa natureza, é muitas vezes difícil indicar os nomes das pessoas que dão certas informações. Mas se V. Excia. deseja, poderei dizer alguma coisa.
O Sr. Juraci Magalhães — É tão fantástico, para um oficial do Estado Maior, ouvir dizer que há oficiais americanos em manobras no sul do país, que não posso acreditar.
O Sr. Rui de Almeida — V. Excia. declarou que havia atividades maiores no sul.
O SR. CARLOS PRESTES — Na construção de bases aéreas.
O Sr. Rui de Almeida — Devo declarar a V. Excia. que, há dois anos, quando fui à Argentina, tive oportunidade de verificar que essas bases já estavam em andamento, já estavam há muito tempo em construção — isso em pleno período de guerra. Isso se justificava, porque V. Excia sabe que era indispensável que fizéssemos bases para a nossa defesa.
O SR. CARLOS PRESTES — É muito perigosa a existência de soldados estrangeiros no solo de nossa pátria. O capitalismo reacionário passa por momento muito delicado. V. Excia. compreende o que é a crise econômica nos Estados Unidos. É muito séria. A crise da Grã Bretanha é igualmente muito séria. Os povos coloniais estão lutando pela independência. Se os homens de tendências democráticas, tanto nos Estados Unidos como na Inglaterra, buscam solução pacífica, caminho pacífico para a saída dessa crise, os elementos reacionários não querem esse caminho, mas buscam a saída pela guerra. Para fazê-lo eles precisam de pontos de apoio, de bases. Não é senão para isso que Franco, Salazar e outros ditadores são conservados na Europa: para a eventualidade de uma solução guerreira. Essas bases são fogueiras cobertas de cinzas, mas que qualquer Churchill pode abanar para atear fogo de novo.
É este o perigo que existe do imperialismo neste momento: — ele está no solo nacional. Os soldados que estão no estrangeiro já deviam ter regressado a seus países. A guerra desde maio do ano passado está terminada e não há razão para que permaneçam nas regiões que ocupam. Isso de acordo com o Tratado de Cuba — porque o brasileiro não conheço. O povo cubano protesta contra a ocupação de suas bases.
A verdade é que há necessidade disso para se liquidar a democracia. Todos sabem que, para se levar um povo à guerra, é necessário prepará-lo psicologicamente, e não é possível essa preparação sem fazer calar a boca dos democratas.
O primeiro passo para preparar a guerra é liquidar a democracia.
O Sr. Juraci Magalhães — Que diz V. Excia. da Rússia preparar psicologicamente o povo para uma guerra, enquanto procura destruir a resistência cívica dos outros povos?
O SR. CARLOS PRESTES — Permita que não responda a seu aparte. Estamos tratando do povo brasileiro. Sabe V. Excia. que o nosso povo é contra a guerra e que, para prepará-lo psicologicamente para a guerra, é necessário acabar com a democracia.
O Sr. Juraci Magalhães — V. Excia. está preparando o povo brasileiro contra a guerra, para a qual se preparam psicologicamente os povos.
O SR. CARLOS PRESTES — É preciso lutar pela paz.
É fundamental. V. Excia. é pela cessão das bases para que não sejam mais brasileiras?
O Sr. Juraci Magalhães — Não senhor. Opinei, na oportunidade justa, como fez o Brigadeiro Eduardo Gomes. O Brasil não precisa ceder essas bases aos Estados Unidos, porque estão a serviço da democracia.
O SR. CARLOS PRESTES — Então, V. Excia. está conosco na luta em prol da evacuação das bases pelos soldados americanos?
O Sr. Juraci Magalhães — Não estou com V. V. Excias. principalmente porque não creio que o Brasil deixe de empregar suas bases em defesa da democracia, contra qualquer totalitarismo.
O SR. CARLOS PRESTES — Imagine-se se houvesse totalitarismo no Brasil — vamos citar um nome — se o Sr. Getúlio Vargas conseguisse voltar ao poder com uma ditadura, V. Excia. está certo de que teríamos democracia e não poderíamos ser arrastados a uma guerra imperialista?
O Sr. Rui de Almeida — Estranhei o argumento de V. Excia. no que se refere à cessão de bases aos Estados Unidos, porque dele usava o nipo-nazi-fascismo, quando procurava impedir que o Brasil fosse à guerra. E V. Excia. toda gente o sabe, é comunista.
O SR. CARLOS PRESTES — Nada há que estranhar.
Durante a guerra, os integralistas se opunham à cessão das bases, pois que se destinavam a ajudar a fazer a guerra ao nazismo.
Agora, não concordamos nós com a permanência das tropas americanas em nosso solo, em bases militares, para uma guerra imperialista, contra o progresso e a democracia e a serviço dos banqueiros estrangeiros.
A situação é diametralmente oposta àquela, e, como nós, comunistas, somos diametralmente opostos aos integralistas, naturalmente tomamos esta posição.
O Sr. Jurací Magalhães — É técnica, que nem sempre dá resultado, colocar todos os brasileiros, quando adversários de V. Excia. numa chave fascista.
O SR. CARLOS PRESTES — Não estou dizendo isso.
O Sr. Jurací Magalhães — A técnica que VV. Excias. têm usado é essa.
O SR. CARLOS PRESTES — Absolutamente! Ainda não chamei ninguém, aqui, de fascista. Nós, comunistas, jamais dividimos o Brasil em comunistas e fascistas. Quem fazia isso eram os integralistas: os comunistas, não.
O Sr. Jurací Magalhães — Suportei a linguagem integralista e agora suporto a linguagem de VV. Excias. Nunca vi coisa tão parecida.
O SR. CARLOS PRESTES — Os apartes de V. Excia. são muito interessantes, mas preciso terminar meu discurso, porque o tempo é escasso.
Vemos, Senhores, nesta campanha, a preparação ideológica para a guerra, escondendo-se, atrás dela, o propósito de liquidação da democracia em nossa Pátria, podendo ir até ao extremo de perdermos, inclusive, a nossa soberania.
Esta campanha anticomunista deve interessar a todos os democratas sinceros. A história do mundo inteiro, nos últimos anos, e mesmo em nossa pátria, mostra o que é uma campanha anticomunista. Campanha anticomunista é, na verdade, campanha contra a democracia. O primeiro passo é a liquidação do Partido Comunista, porque é ele que, realmente, está junto ao proletariado, lutando com mais audácia. Em seguida, sofrem todos os democratas. O Deputado Hermes Lima não era comunista; o Deputado Domingos Velasco, igualmente nunca foi comunista. No entanto, em nome de uma campanha anticomunista.foram presos e processados, perderam seus mandatos, etc. Portanto, é para vigilância democrática, para defender a democracia, que alertamos e chamamos a atenção da Assembléia, pedindo a todos que compreendam o perigo tremendo de caírem na ilusão de que a campanha é apenas contra o Partido Comunista. A palavra de ordem é a campanha contra o comunismo, contra a Rússia, mas, na verdade, a campanha é contra a própria democracia. Nesse sentido, tem muita razão o Senador Sr. Hamilton Nogueira, cujas palavras quero repetir, porque fez S. Excia. uma síntese, expondo, realmente, a verdade:
«Nada mais querem senão o fechamento do Partido Comunista, a cassação dos direitos dos representantes comunistas. Se assistíssemos, no atual momento histórico, a esse espetáculo, estaríamos diante da morte da democracia, porque a liberdade dos outros Partidos estaria ameaçada».
Foram estas as palavras pronunciadas pelo Sr. Hamilton Nogueira, palavras com as quais estou de inteiro acordo, que mostram, positivamente, a perspectiva perigosa de uma luta de tal natureza.
Então, qual é de fato — peço a atenção dos Srs. Constituintes — a orientação de toda essa campanha?
A orientação da campanha de difamação visou, em primeiro lugar, o Partido Comunista, sua liquidação, sua divisão, procurando cindi-lo com os ataques a que me referi: à direção do Partido, a mim, e procurando intrigar-nos com os elementos operários dos nossos diversos organismos. É porém, uma ilusão.
O Sr. Rui de Almeida — V. Excia. permite um aparte?
O SR. CARLOS PRESTES — Ainda ontem, publicaram os jornais, telegramas de Santa Maria, forjado aqui, no Rio de Janeiro, e em que se declara que o Partido Comunista está cindido e que os comunistas só fazem discursos. No entanto, o que se passa em Santa Maria é justamente o contrário. Ainda agora acabo de receber daquela cidade gaúcha o seguinte telegrama:
«Declarações decisivas e valorosas grande líder tornaram-no se possível maior na admiração dos verdadeiros patriotas. Receba, no dia do aniversário do nosso grande invencível Partido as homenagens maiores de quem se orgulha de ser marxista e seu soldado. Atenciosamente. — Moacir Coelho».
Os comunistas de Santa Maria estão mostrando que não é tão fácil como se pensa liquidar o Partido.
O Sr. Glicério Alves — V. Excia. permite um aparte?
O SR. CARLOS PRESTES — Atendo primeiramente ao Sr. Rui de Almeida, que pedira antes.
O Sr. Rui de Almeida — Tenho a dizer a V. Excia. que não só o senador Hamilton Nogueira é contra o fechamento do Partido. Não sou comunista, já declarei de público, e hoje mesmo dei uma entrevista a «Diretrizes», inteiramente contrária ao fechamento desse Partido. O que desejamos é a luta de idéias, com V. Excia., com os demais representantes do seu e de outros Partidos, para que saia alguma coisa de útil ao Brasil. Não queremos, absolutamente, que desapareça o Partido Comunista. Aí o grande valor da democracia.
O SR. CARLOS PRESTES — Obrigado a V. Excia. Atendo, agora, ao nobre Deputado Sr. Glicério Alves.
O Sr. Glicério Alves — Também sou contra o fechamento do Partido Comunista; mas declaro que V. Excia. é o próprio culpado dessa campanha, com as declarações que fez, ofensivas ao patriotismo do povo brasileiro. Digo-o com toda a sinceridade — poderei estar errado — mas digo-o com toda a lealdade.
O SR. CARLOS PRESTES — Agradeço a lealdade de V. Excia. — Essas minhas declarações não são entretanto novas. Já as fizéramos há muito.
O Sr. Glicério Alves — Mas ninguém havia chamado a atenção para elas.
O Sr. Abelardo Mata — Passaram despercebidas.
O SR. CARLOS PRESTES — Vou ler, se me permitem, uma declaração feita há tempo e recordada agora, em discurso que tive ocasião de pronunciar em solenidade pública:
«— Muito antes, em 1937, ainda no cárcere,
quando levado perante o Supremo Tribunal Militar,
afirmáramos ante a gravidade da situação nacional
que, se os politiqueiros tentassem lançar o nosso
povo numa guerra civil, que seria, em última analise, um choque de interesses imperialistas, os comunistas saberiam lutar contra essa guerra, transformando-a numa guerra pela independência e libertação nacional. Ainda recentemente, comemorando a «Semana dos 3 LL», referi-me ao que nos ensinaram Lenin e Liebknecht que souberam lutar por todos os
meios contra a guerra imperialista.
Essa nossa atitude não pode constituir surpresa. Porque essa é a atitude de todo verdadeiro patriota. Patriota foi De Gaulle ao lutar contra o governo da França que traía os interesses do povo francês, entregando o país ao imperialismo nazista. Patriotas foram Thorez e Duclos. Traidores foram Pétain e Laval. E não tenhamos dúvida: aqueles que hoje nos acusam serão os Pétain e os Laval de amanhã.
Mas,companheiros, a preparação ideológica para a guerra mal começa. Não foi adiante com o «Livro Azul», porque soubemos desmascará-la em tempo. Agora, apresentam palavras isoladas para recomeçar a sua campanha».
Essa declaração foi publicada em toda parte. Agora está sendo explorada porque quiseram explorá-la, houve intenção premeditada. Explorariam com aquelas palavras, ou sem elas. Qualquer pretexto servia, porque é o momento histórico internacional.
O Sr. Glicério Alves — Sou contra a guerra, mas confesso que recebi com revolta suas palavras. Tenho um filho que acaba de chegar de estágio de aviação nos Estados Unidos; se amanhã ele recebesse ordem de seu governo, pegaria em armas, e seria assassinado pelos senhores, porque entendem que o governo não pode fazer a guerra. VV. Excias. não podem fazer subgoverno; têm de se submeter a esta Assembléia e ao Governo.
O SR. CARLOS PRESTES — Os comunistas não são assassinos. Quem assassina é a polícia.
Além de procurar dividir o Partido, toda a campanha foi orientada no sentido de criar um clima de exaltação contra o comunismo. É muito útil, compreendam, conseguir esse objetivo. Toda a semana passada tentou-se criar um clima de exaltação chovinista para justificar atentados pessoais contra os dirigentes comunistas. Repetiu-se nos jornais, diariamente, que era necessário fuzilar imediatamente Prestes e outros. Quer dizer: criaram esta atmosfera de exaltação para justificar atentados que talvez já se preparem.
Não tememos esses atentados, Senhor Presidente. Não pretendemos ser imortais. E sabemos que para cada comunista que tomba, surgem muitos outros. Por essas idéias lutamos com todo vigor, energia, audácia e coragem.
O Sr. Glicério Alves — Faço justiça à coragem de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — Mais um motivo para essa campanha nos dias de hoje, objetivando hostilizar a União Soviética, envolvê-la em ambiente de ódio, de desconfiança e de desassossego foi encontrado, justamente ao aproximar-se o momento em que deverá chegar seu primeiro embaixador; precisamente quando se vão tornar efetivas nossas relações comerciais e diplomáticas, é que interessa ao capitalismo financeiro impedir isso; procuram, assim impedir que o povo brasileiro receba esse embaixador, cuja presença vai ser, em nossa pátria, mais um fator de democratização e de progresso, e vai facilitar, a todos nós, conhecermos a verdade sobre a União Soviética.
De maneira que tudo indica a origem desses ataques ao Partido Comunista e a seus componentes; está no centro diretor financiado pelo capitalismo financeiro ianque. É ele que deseja isso. Infelizmente, são muitos em nossa imprensa, os caixeiros desse imperialismo, indivíduos que se prestam a tudo em benefício de banqueiros estrangeiros.
Essa, incontestavelmente, a situação, decorrente da preconcebida preparação ideológica para a guerra imperialista, que se vem fazendo em nosso exército. E invoco a atenção do nobre Deputado Juraci Magalhães porque...
O Sr. Juraci Magalhães — V. Excia. me chama para intervir no debate?
O SR. CARLOS PRESTES — ...porque S. Excia. disse que parecia impossível, e eu afirmei que ia mostrar ser possível.
Há diversos oficiais reacionários. O Exército brasileiro é um dos mais democráticos do mundo (muito bem), não houve...
O Sr. Juraci Magalhães — Tradição democrática que sempre defendi.
O SR. CARLOS PRESTES — ...nem haverá, governo
que tenha conseguido transformá-lo em exército de janízaros. Há, porém nele, uma minoria de reacionários, de elementos
fascistas que ainda ocupam postos importantes. Querem falar
em nome do Exército, mas não o representam. Representam
o Exército homens como o General Obino, que vai ser eleito
presidente do Clube Militar, porque tem, realmente, prestígio, é um democrata que representa, de fato, a democracia em
nosso Exército.
Existem, infelizmente, reacionários fascistas que foram estimulados durante anos; a guerra liquidou militarmente o nazismo mas não liquidou o fascismo em nossa Pátria. Os fascistas ainda ocupam postos importantes no aparelho estatal e temos provas dessa preparação ideológica em aulas dadas por oficiais aos soldados.
Em aula, dizia há poucos dias, um oficial que combate sistematicamente a Rússia, o Exército Vermelho, o Partido Comunista, a Constituinte, juntando todas essas quatro coisas, e que faz campanha persistente.
O Sr. Juraci Magalhães — V. Excia. é contra a liberdade cátedra?
O SR. CARLOS PRESTES — Não se trata de liberdade cátedra. Dentro do Exército não pode haver liberdade de cátedra; ali só pode haver a orientação do Estado Maior V. Excia. o sabe — e um oficial não pode dar aulas fora dessa orientação. Agora, se se trata de preparação ideológica para a guerra, esse oficial está cometendo falta.
Dizia o referido oficial numa aula há poucos dias — e o nome dele poderei declinar ao Sr. Ministro da Guerra, em particular, se S. Excia. o desejar — que no mundo existem...
O SR. PRESIDENTE — Permita o orador uma interrupção, pois tenho sobre a mesa requerimento de prorrogação
da sessão por mais trinta minutos, firmado pelo Sr. Representante Carlos Marighella.
Os Senhores que aprovam essa prorrogação queiram
conservar-se sentados. (Pausa).
Aprovada.
Continua com a palavra o Sr. Carlos Prestes.
O SR. CARLOS PRESTES — Agradecido, Sr. Presidente, e prometo terminar dentro de cinco minutos, se os apartes mo permitirem.
O Sr. Jurací Magalhães — Depois do apelo do nobre Presidente, senhor Otávio Mangabeira, só aparteei por instigação de V. Excia.
O SR. CARLOS PRESTES — Mas, Sr. Presidente, dizia o referido oficial que, no mundo, existem duas grandes Nações: Estados Unidos e Rússia; que vai haver guerra entre elas, e precisamos estar preparados para apoiar os Estados Unidos. O Brasil não pode deixar de ficar com os Estados Unidos. Num banquete de confraternização às Unidades da Moto-Mecanização, nesta capital, outro ilustre oficial do Exército, naquele momento do «Livro Azul», em que pensava estar iminente a guerra, declarava aos seus companheiros:
«Dirijo-me, particularmente, aos oficiais jovens. Acredito na guerra. A guerra virá, dentro de 3 horas, de 3 dias, de 3 semanas».
Senhores, isso é alarmar, e preparar para a guerra. E o art. 13, n. 52 do Regulamento Disciplinar do Exército de 1938, considera falta grave, letra g — provocar ou fazer-se voluntariamente causa ou origem de alarma injustificável.
Este é, Senhores, o ambiente que chamamos de preparação ideológica para a guerra. Consideramos uma loucura, na melhor das hipóteses, um crime de lesa-pátria.
O povo quer paz, precisa de paz. Não temos, mesmo, elementos para participar de uma guerra. Seria derramarmos o
sangue de nossa gente, em benefício dos grandes trustes, dos
monopólios, dos banqueiros estrangeiros. Nenhum motivo explicaria tal preparação. Contra isso lutamos e continuaremos a
lutar, enquanto houver democracia no Brasil. Podemos estar
errados. Quando nos convencerem de nossos erros, estaremos
prontos a corrigi-los. É necessário que nos convençam, não
pela força, mas retirando nossas idéias de nossa cabeça e
demonstrando que são prejudiciais aos interesses do povo.
Sempre, porém, que virmos alguma coisa prejudicial à nossa coletividade, ao bem da Pátria, nos levantaremos e lutaremos de qualquer maneira.
A entrega de bases permanentes, por outro lado, constitui crime. E isso já o dizíamos, em condições bastante difíceis, em junho de 1941. Naquela época fui arrancado do cárcere e levado a um tribunal de justiça militar, para responder por um crime que não cometera: o de deserção. Anistia é prêmio, é esquecimento, é readquirir todos os direitos. Mas o Sr. Getúlio Vargas, porque eu não quis o prêmio, resolveu punir-me e passei a desertor.
O Sr. Abelardo Mata — Não o Sr. Getúlio Vargas, o Judiciário.
O SR. CARLOS PRESTES — Infelizmente, o Poder Judiciário agia sob pressão do Sr. Getúlio Vargas. Não posso trazer os documentos de defesa que apresentei naquela época, mas a própria Justiça Militar não conseguiu incluir meu «crime de deserção» em qualquer dos itens do artigo 117, do Código Penal Militar porque diz o artigo — Comete crime de deserção, — e vêm os números 1 a 4. Em nenhum desses números conseguiram enquadrar o crime de que me acusavam. O termo de deserção só alegou o artigo. Essa a verdade.
Àquela época, dirigi-me aos ilustres juizes do Conselho de Justiça Militar, ao encerrar minha defesa e, depois de mostrar que não era, absolutamente, desertor, que sempre lutara pelos interesses do povo brasileiro; que, sendo comunista, estava defendendo simplesmente minhas idéias, chamava a atenção do Senhor Getúlio Vargas, que me mantinha na prisão, num isolamento que durava cinco anos, torturado, portanto, e já havia enviado minha esposa a Hitler, para assassiná-la; afirmava eu ao Conselho de Justiça Militar, já dentro da nossa linha de união nacional — porque julgávamos que a ameaça de guerra era tremenda em nossa pátria — que o perigo era grande e a única maneira de enfrentá-lo, quando a Alemanha nazista dominava povos como o da França, era unir todo o país.
E chamava a atenção — referindo-me particularmente à questão das bases — sobre o perigo de cedê-las para a guerra contra o nazismo, porque era muito perigoso deixar vir pisar o solo da pátria o soldado dos nossos exploradores, dos grandes banqueiros estrangeiros, que viviam e vivem sugando o sangue do nosso povo.
Minhas palavras foram as seguintes, em junho de 1941:
«Os nossos governantes que noutras épocas já entregaram em troca das liras-papel de Mussolini a carne com que sustentou seus soldados na Abissínia, que depois entregou o nosso algodão pelos marcos de compensação de Hitler, que tomem agora cuidado para não permitir que o imperialismo ianque, em nome da defesa do Brasil ou da América, venha ocupar nossos portos (e aeródromos). Que grau não atingirá a exploração imperialista do nosso povo no dia em que a Light, a S. Paulo Railway, etc, puderem sustentar suas aspirações com as carabinas dos soldados que já tenham pisado o nosso solo?
Sou insuspeito, senhores, para declarar, neste momento, que creio que o patriotismo do Sr. Getúlio Vargas não permita que as coisas cheguem até lá. Mas para tanto o governo precisa de força — não a força das armas, mas a da opinião pública. É a União Nacional — verdadeira e superior. União, porém, não é escravidão. É pelo pensamento que os homens se distinguem dos animais, e os homens que não dizem, com franqueza, o que pensam descem à categoria de vermes impotentes e desprezíveis. Não compreendo, por isso, que para ser patriota precise começar por renegar das minhas idéias!».
SR. PRESIDENTE — Lembro ao nobre Constituinte estar esgotado o tempo.
O SR. CARLOS PRESTES — Vou concluir Sr- Presidente.
Foi o que declarei perante o Tribunal de Justiça, alertando, lá de dentro do cárcere, e estendendo a mão ao Sr. Getúlio Vargas porque se tratava do interesse e da defesa do povo.
Essa a posição dos comunistas, durante toda a guerra.
Somos radicalmente contrários à reação, à volta ao fascismo, à ditadura. Quem ataca, quem faz esta campanha contra o Partido Comunista, combate a democracia. São campanhas para sufocar o povo, para envenená-lo com a imprensa venal, a serviço dos banqueiros alienígenas, na preparação de uma nova guerra.
É contra isto que nos batemos, contra isto lutaremos por todos os meios, em todas as circunstancias, dentro ou fora desta Assembléia. Não temos o fetichismo da vida legal.
O Partido Comunista já viveu vinte e três anos na clandestinidade e depois de 10 meses de vida legal, aí está... Queremos a legalidade. Os que desejarem a ilegalidade, que dêem o primeiro passo nesse sentido.
O apelo que dirigimos ao Senhor Getúlio Vargas, naquela época — é o mesmo que agora dirigimos ao Sr. Presidente Eurico Gaspar Dutra, em nome da união nacional, da paz, da democracia, do progresso do Brasil. — O que todos os patriotas reclamam é que abandonem o solo de nossa Pátria os soldados do imperialismo e, isto, o quanto antes!
— Grita-se contra a União Soviética que está longe, que não tem interesses financeiros a defender no Brasil, que não tem ainda uma grande esquadra superior ao menos à dos Estados Unidos e Inglaterra, que tem auxiliado os povos na luta por sua libertação, e dessa forma o que de fato desejam os provocadores de guerra é mascarar a entrega crescente de nosso povo à exploração do capital estrangeiro. Que tomem cuidado, pois, os responsáveis pela nossa defesa nacional, a fim de evitar que mais tarde possam, devam ou precisem os comunistas brasileiros repetir para o nosso povo aquelas palavras de André Marti, que queimam como ferro em brasa, dirigidas aos generais traidores do povo francês:
«A grande acusação a fazer ao Estado Maior Geral da Defesa Nacional é a de ter aceitado passivamente e aplicado no terreno militar a política de capitulação sistemática (ceder bases permanentes a ingleses e americanos em nossa terra, para não descontentar a Mr. Berle ou a Mr. Braden), a política de dar vantagem ao agressor que foi a de todos os governos e se sucederam de 1939 a 1940.
«Como explicar essa perda total do sentimento de honra militar que fora anteriormente tão alto no corpo de oficiais? — Pelo fato de que os chefes supremos do Exército Francês, Petain, Weigand, Darlan e seus cúmplices pensavam não mais como oficiais encarregados de defender a Nação, mas como políticos ao serviço do Comitê de Forges e dos grandes Bancos!»
Que se unam, pois, todos os patriotas, em defesa da paz da democracia! Em defesa da soberania nacional.
Era isso o que tinha a dizer. (Muito bem; muito bem. Palmas. O orador é cumprimentado).
Inclusão | 24/05/2009 |