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A colectivização iniciada em 1929 foi um período extraordinário de lutas de classe, tão complexas quanto encarniçadas. Ela colocou a questão de saber quem seria a força dirigente no campo: a burguesia rural ou o proletariado. A colectivização destruiu a base económica da derradeira classe burguesa na União Soviética, aquela que emergia constantemente da pequena produção e do mercado livre no campo. A colectivização gerou uma revolução política, económica e cultural extraordinária e envolveu as massas camponesas na via socialista.
Para se compreender a colectivização é necessário ter em conta a situação que prevalecia nas zonas rurais soviéticas dos anos 20.
A partir de 1921, os bolcheviques concentraram os seus esforços no objectivo principal de recolocar em funcionamento a indústria numa base socialista. Ao mesmo tempo, pretendiam reconstituir as forças produtivas no campo através do desenvolvimento da economia individual e do pequeno capitalismo, que se esforçavam por controlar e orientar para formas cooperativas.
Esses objectivos foram alcançados nos anos 1927-1928. R.W. Davies, professor na Universidade de Birmingham, assinala:
«Entre 1922 e 1926, a Nova Política Económica foi um sucesso retumbante no seu conjunto. A produção da economia camponesa, em 1926, igualava o produto agrícola antes da revolução, incluindo os domínios dos proprietários fundiários. A produção de cereais aproximava-se do nível anterior à guerra e a produção de batata era superior em 45 por cento.» (...) «A proporção da produção agrícola bruta e dos solos semeados destinados aos cereais era mais baixa em 1928 do que em 1913, um bom indicador geral do progresso agrícola.» (...) «Em 1928, o número de animais ultrapassava em sete a dez por cento o nível de 1914 no que dizia respeito a suínos e bovinos.»1
A revolução socialista tinha trazido grandes vantagens às massas camponesas. Muitos receberam terra. As famílias demasiado numerosas puderam dividir-se. Em 1927, havia 24 a 25 milhões de famílias camponesas contra 19,5 em 1917. O número de pessoas por família tinha diminuído de 6,1 para 5,3. Os impostos directos e as rendas eram nitidamente inferiores em relação ao antigo regime. Os camponeses guardavam e consumiam uma parte muito maior das suas colheitas.
«Em 1927, os cereais destinados às cidades, ao exército, à indústria e à exportação representavam dez milhões de toneladas, enquanto em 1909-1913 esse volume atingia em média 18,8 milhões de toneladas para uma colheita semelhante.»2
Entretanto, os bolcheviques encorajavam os camponeses a formarem todo o tipo de cooperativas e haviam criado a título experimental os primeiros kolkhozes - as explorações colectivas. O objectivo era avaliar como se poderia conduzir os camponeses para a via do socialismo, no futuro, sem definir antecipadamente prazos. Em geral, existiam, em 1927, muito poucos elementos socialistas no campo, que continuava dominado por camponeses que trabalhavam individualmente o seu pedaço de terra. Em 1927 alcançara-se o êxito de reunir 38 por cento dos camponeses em cooperativas de consumo, mas os camponeses ricos tinham nelas o principal papel. Essas cooperativas recebiam 50 por cento do crédito agrícola, o restante era investido nas explorações privadas, em geral de tipo kulaque.3
No começo da construção do socialismo, o Partido bolchevique dispunha de poucas forças no campo. Em 1917 havia em toda a Rússia soviética 16 700 camponeses bolcheviques. Durante os quatro anos seguintes de guerra civil, um grande número de jovens camponeses entrou para o Partido. Em 1921 contavam-se 185 300. Mas eram sobretudo jovens de origem camponesa que tinham ingressado no Exército Vermelho. Com o restabelecimento da paz, foi necessário verificar as concepções políticas de todos estes jovens combatentes. Lénine organizou a primeira verificação/depuração como um prolongamento necessário da primeira campanha de recrutamento maciço. Era preciso determinar quem correspondia às normas. De 200 mil camponeses, 44,7 por cento foram excluídos.4
Em 1 de Outubro de 1918, de um milhão e 360 mil membros e candidatos, 198 mil eram camponeses e trabalhadores agrícolas, ou seja, 14,5 por cento.5 Nas zonas rurais existia um membro do Partido para 420 habitantes e um total de 20 700 células do Partido, uma para cada quatro aldeias. Este número adquire ainda maior relevo se o compararmos com os «efectivos» da reacção tsarista, os padres ortodoxos e outros religiosos a tempo inteiro, que eram 60 mil!6
A juventude rural constituía a maior reserva do Partido. Em 1928, contava-se um milhão de jovens camponeses no Komsomol.7 Os soldados que tinham servido no Exército Vermelho durante a Guerra Civil e os 180 mil filhos de camponeses que entravam anualmente no Exército, onde recebiam uma educação comunista, eram em geral partidários do regime.8
O problema com que o Partido bolchevique se confrontava residia no facto de os campos russos terem estado sempre, em grande parte, sob o domínio das antigas classes privilegiadas e da velha ideologia ortodoxa e tsarista. A massa do campesinato permanecia mergulhada num grande atraso e continuava a trabalhar utilizando essencialmente alfaias em madeira. Frequentemente, os kulaques tomavam o poder no seio das cooperativas, das associações de crédito e mesmo dos sovietes rurais. Sob o governo de Stolípine,9 especialistas agrícolas burgueses tinham-se instalado no campo para impulsionar a reforma agrária, e continuavam a exercer grande influência enquanto promotores da exploração agrícola privada moderna. A maioria esmagadora da terra, 90 por cento, era gerida segundo o sistema tradicional de comunas locais, dominadas por camponeses ricos.10
A extrema pobreza e ignorância que caracterizavam as massas camponesas estavam entre os piores inimigos dos bolcheviques. Vencer o tsar e os proprietários fundiários tinha sido relativamente simples. Mas como vencer a barbárie, a ignorância, a superstição? A Guerra Civil deixara o campo revolvido; dez anos de regime socialista tinham introduzido os primeiros elementos de uma cultura de massas moderna e um enquadramento comunista mínimo. Mas as características tradicionais do campesinato mantinham todo o seu peso.
O Dr. Emile Joseph Dillon viveu na Rússia de 1877 a 1914. Viajou por todas as regiões do império. Conheceu os ministros, a nobreza, os burocratas e as sucessivas gerações de revolucionários. O seu testemunho sobre o campesinato russo merece ser tido em conta. Começa por nos descrever a miséria material em que vivia a maioria de campesinato.
«O camponês russo deita-se às seis ou mesmo cinco horas, durante o inverno, porque não pode comprar petróleo para se iluminar. Não tem carne, ovos, manteiga, leite, muitas vezes nem couves, vive sobretudo de pão negro e batatas. Vive? Vai definhando com uma quantidade insuficiente de alimentos.»11
Depois, Dillon fala-nos do atraso cultural e político em que eram mantidos os camponeses.
«A população camponesa era medieval nas instituições, asiática nas aspirações e pré-histórica nas concepções de vida. Os camponeses acreditavam que os japoneses tinham conseguido ganhar a guerra da Manchúria (1905) transformando-se em micróbios que entravam nas botas dos soldados russos, mordendo-lhes as pernas e causando-lhes assim a morte. Quando havia uma epidemia num distrito, matavam frequentemente os médicos por terem “envenenado as fontes e espalhado a doença”. Queimam com entusiasmo os feiticeiros. Exumam um morto para acalmar um espírito. Amarram as mulheres infiéis atrás de uma carroça completamente nuas e arrastam- nas pela aldeia. E quando os únicos constrangimentos que mantêm uma tal massa dentro da ordem desaparecem de repente, as consequências para a comunidade são catastróficas. A ténue linha que durante gerações tinha mantido o povo apartado da anarquia era a ideia primitiva de Deus e do tsar; depois da campanha da Manchúria esta linha desvaneceu-se rapidamente.»12
Em 1927, na sequência da evolução espontânea do mercado livre, sete por cento dos camponeses, ou seja, 2,7 milhões de chefes de família, estavam de novo sem terra. Em 1928 já eram 3,2 milhões. Todos os anos, 250 mil pobres perdiam a sua parcela de terra. Acrescente-se que esses homens sem terra deixavam de ser aceites na comuna tradicional de aldeia. Em 1927, contavam-se sete milhões de camponeses pobres que não dispunham nem de cavalo nem de arado. Na Ucrânia, 2,1 milhões de famílias, em 5,3 milhões, não possuíam cavalo nem boi. Estes camponeses pobres constituíam 35 por cento da população camponesa. Estes dados são citados no relatório de Mólotov ao XV Congresso.
Os camponeses médios constituíam a grande maioria: 51 a 53 por cento. Mas estes continuavam a trabalhar com ferramentas primitivas. Em 1929, 60 por cento das famílias na Ucrânia não possuíam qualquer tipo de máquina; 71 das famílias no Cáucaso do Norte, 87,5 por cento no Baixo Volga e 92,5 por cento na Região Central das Terras Negras estavam na mesma situação. Estas eram as regiões cerealíferas.
No conjunto da União Soviética, entre cinco e sete por cento dos camponeses tinham conseguido enriquecer: eram os kulaques.13
Segundo o recenseamento de 1927, apenas 3,2 por cento das famílias possuíam em média 2,3 animais de tracção e 2,5 vacas, contra uma média geral no campo de 1,0 e 1,11.
Havia no total 950 mil famílias, ou seja, 3,8 por cento, que empregavam operários agrícolas ou alugavam meios de produção.14
Para alimentar as cidades em plena expansão e, portanto, industrializar o país, era necessário assegurar o aprovisionamento do mercado de trigo.
Como os camponeses já não eram explorados pelos proprietários fundiários, passaram a consumir uma parte maior do seu trigo. As vendas nos mercados extra-rurais tinham caído para 73,2 por cento do volume transaccionado em 1913.15
Todavia estes cereais comercializados tinham também uma origem distinta. Antes da revolução, 72 por cento do trigo comercializado provinha das grandes explorações (proprietários fundiários e kulaques). Em contrapartida, em 1926 eram os camponeses pobres e médios que forneciam 74 por cento do trigo mercantil. Consumiam 89 por cento da sua produção e apenas levavam 11 por cento dos cereais para o mercado. As grandes explorações socialistas, os kolkhozes e sovkhozes, representavam apenas 1,7 por cento da produção total de trigo e seis por cento do trigo mercantil. Contudo, comercializavam 47,2 por cento da sua colheita.
Em 1926, os kulaques, força ascendente, controlavam 20 por cento do trigo mercantil.16 Outras estatísticas indicam que em 1927-1928, na parte europeia da URSS, os kulaques e a camada superior dos camponeses médios, ou seja, 10 a 11 por cento das famílias, realizaram 56 por cento das vendas de cereais.17
A correlação de forças existente em 1927 entre a economia socialista e a economia capitalista pode ser avaliada pelo seguinte: a agricultura colectivizada fornecia 570 mil toneladas de trigo ao mercado, os kulaques, 2,13 milhões.18 A força social que controlasse o trigo destinado ao mercado dominaria o abastecimento dos operários e da população urbana e portanto o destino da industrialização. A luta será feroz.
Para obter os fundos necessários à industrialização, o Estado pagava um preço relativamente baixo pelo trigo desde o início dos anos 20.
No Outono de 1924, após uma colheita bastante magra, o Estado não conseguiu comprar os cereais ao preço fixado. Os kulaques e comerciantes privados adquiriram-nos no mercado livre, especulando com a subida dos preços na Primavera e no Verão. Em Maio de 1925, o Estado foi obrigado a duplicar os seus preços de compra em relação a Dezembro de 1924.
Nesse ano a URSS regista uma boa colheita. Mas o desenvolvimento da indústria nas cidades acarretava uma procura suplementar de cereais. Os preços do Estado permaneceram por isso elevados entre Outubro a Dezembro de 1925. No entanto, como havia penúria de produtos da indústria ligeira, os camponeses mais abastados recusavam-se a vender seu trigo. O Estado foi obrigado a capitular, abandonando os planos de exportação de cereais, reduzindo a importação de equipamentos industriais e, mais tarde, diminuindo os créditos à indústria.19 Estes foram os primeiros sinais de uma crise grave e de um confronto eminente entre classes sociais.
Em 1926, a colheita de cereais atingiu 76,8 milhões de toneladas, bastante acima das 5 toneladas do ano precedente. O Estado realizou os aprovisionamentos a preços inferiores aos de 1925.20
Em 1927, a colheita de cereais caiu para o nível de 1925. Nas cidades, a situação estava longe de ser brilhante. O desemprego permanecia elevado e tendia a aumentar com a chegada às cidades de camponeses arruinados. A diferenciação salarial entre operários e técnicos acentuava-se. Os comerciantes privados, que continuavam a controlar metade da carne vendida na cidade, enriqueciam de maneira ostensiva. Após a decisão de Londres de romper relações diplomáticas com Moscovo, uma nova ameaça de guerra pesava sobre a URSS.
O confronto social em gestação produziu reflexos no seio do partido bolchevique. Bukhárine, na altura o principal aliado de Stáline na direcção, sublinhou a importância de se avançar para o socialismo através das relações do mercado. Em 1925 apelou aos camponeses para que se enriquecessem, «nós avançaremos a passo de caracol», acrescentou.
Numa carta de 2 de Junho de 1925, Stáline responde-lhe:
«A palavra de ordem (...) “enriquecei-vos” não é a nossa e é incorrecta (...) A nossa palavra de ordem é a acumulação socialista.»21
O economista burguês Kondrátiev era nessa época o especialista mais influente nos comissariados da Agricultura e das Finanças. Defendia uma maior diferenciação no campo, taxas menos pesadas para os camponeses ricos, a redução das «taxas insuportáveis de desenvolvimento industrial» e uma reorientação de recursos da indústria pesada para a indústria ligeira.22
Chaiánov, um economista burguês pertencente a outra escola, defendia o desenvolvimento de «cooperativas verticais», primeiro para a venda, depois para transformação industrial dos produtos agrícolas, como alternativa à orientação para as cooperativas de produção, ou seja, para os kolkhozes.
Esta política teria enfraquecido as bases económicas do socialismo e desenvolvido novas forças capitalistas no campo e na indústria ligeira. Protegendo-se o capitalismo ao nível da produção, a burguesia rural teria também dominado as cooperativas de venda. Bukhárine foi directamente influenciado por estes dois especialistas, nomeadamente quando declarou, em Fevereiro de 1925, que
«as explorações colectivas não são a linha principal, a auto-estrada, a estrada principal pela qual os camponeses chegarão ao socialismo.»23
Em 1927, o campo teve uma colheita medíocre. A quantidade de trigo vendida nas cidades diminuiu de forma dramática. Os kulaques, que tinham reforçado a sua posição, açambarcaram o trigo para especular com a penúria e provocar uma subida de preços ainda maior. Bukhárine exprime a opinião de que era necessário aumentar os preços de compra oficiais e abrandar a industrialização.
«Praticamente todos os economistas não membros do Partido apoiavam estas conclusões», anota Davies.24
Stáline compreendeu que o socialismo estava ameaçado de três lados. Havia o risco de revoltas de fome nas cidades, o reforço da posição dos kulaques no campo podia tornar impossível a industrialização socialista e era de recear eventuais intervenções militares estrangeiras.
Segundo Kalínine,25 o presidente da URSS, uma comissão do Bureau Político para o desenvolvimento dos kolkhozes, dirigida por Mólotov, operou em 1927 «uma revolução mental».26 O seu trabalho desembocou na adopção de uma resolução ao XV Congresso do Partido, em Dezembro de 1927, onde se lê:
«Qual é a via de saída? A via consiste em transformar as explorações camponesas, pequenas e desintegradas, em explorações amplas e integradas, na base da laboração comum da terra; na passagem para o trabalho colectivo com base numa nova técnica mais desenvolvida. A via de saída consiste em juntar de forma gradual mas constante as pequenas e limitadas explorações camponesas, não mediante métodos de pressão, mas através do exemplo e do trabalho de esclarecimento, para fazer delas grandes empresas na base do trabalho comum e fraternal da terra, fornecendo-lhes máquinas agrícolas e tractores e utilizando métodos científicos para a intensificação da agricultura.»27
No mesmo ano de 1927 é decidido reforçar a «política de limitação das tendências exploradoras da burguesia rural». O governo impõe impostos mais elevados sobre os rendimentos dos kulaques e atribui-lhes quotas superiores de entrega de cereais ao Estado. Os sovietes de aldeia são autorizados a confiscar-lhes excedentes de terra. É-lhes limitado o número de operários que podem contratar.28
Tal como em 1927, a colheita de 1928 voltou a ser inferior à de 1926 em cerca de 3,5 a 5 milhões de toneladas de cereais, devido às péssimas condições climáticas. Em Janeiro de 1928, o Bureau Político decidiu, por unanimidade, recorrer a métodos excepcionais de requisição de trigo aos kulaques e camponeses abastados para assim evitar a fome nas cidades.
«O descontentamento dos operários era crescente. Observavam-se tensões no campo. A situação era considerada sem saída. Era preciso encontrar a todo custo pão para alimentar as cidades», escreverão dois bukharinistas em 1988.29
A direcção do Partido em torno de Stáline não via senão uma saída: desenvolver tão rapidamente quanto possível o movimento kolkhoziano. Bukhárine opôs-se. A 1 de Junho de 1926 enviou uma carta a Stáline. Os kolkhozes, dizia, não podem ser a saída porque é preciso vários anos para os formar; tanto mais que não estamos em condições de lhes fornecer máquinas no imediato.
«É preciso favorecer as explorações camponesas individuais e normalizar as relações com o campesinato.»30
O desenvolvimento das explorações individuais tornou-se o eixo da política de Bukhárine. Dizia aceitar que o Estado se apropriasse de uma parte da produção das explorações individuais em benefício do desenvolvimento da indústria, mas este «bombeamento» deveria fazer-se por intermédio dos mecanismos de mercado.
Stáline dirá em Outubro desse ano, dirigindo-se a Bukhárine:
«Nas fileiras do nosso Partido há pessoas, talvez elas próprias sem se darem conta disso, que tentam adaptar a causa da nossa construção socialista aos gostos e necessidades da burguesia “soviética”.»31
A situação nas cidades continuava a degradar-se. No decurso dos anos 1928 e 1929 torna-se necessário racionar primeiro o pão, em seguida o açúcar, o chá e a carne. Entre 1 de Outubro de 1927 e o mesmo dia de 1929, os preços dos produtos agrícolas aumentam 25,9 por cento; o preço do trigo no mercado livre sobe 289 por cento. 32
No início de 1929, Bukhárine fala dos «elos de uma cadeia única da economia socialista» e precisa:
«As famílias cooperativas kulaques integrar-se-ão de modo igual, por intermédio de bancos etc., no mesmo sistema.» (...) «Nos campos, a luta de classes deflagra aqui e acolá sob a sua forma antiga e este agravamento é, normalmente, provocado pelos elementos kulaques. (...) No entanto, em geral, os casos deste género produzem-se lá onde o aparelho soviético local é ainda fraco. À medida que este aparelho se aperfeiçoar, à medida que se aperfeiçoarem e se robustecerem as organizações locais do Partido e da juventude comunista no campo, os fenómenos deste género tornar-se-ão cada vez mais raros e finalmente desaparecerão sem deixar marcas».33
Através destas posições, Bukhárine desenvolve já uma política social-democrata de «pacificação de classes». Cegara diante da feroz determinação dos kulaques de se oporem por todos os meios à colectivização. Procurava a causa da luta de classes nas «debilidades» do aparelho do governo e do Partido, não compreendendo que estes aparelhos no campo estavam fortemente infiltrados e influenciados pelos kulaques. A depuração destes aparelhos será por isso ela própria uma luta de classe integrada na ofensiva contra os kulaques.
No plenário do Comité Central de Abril de 1929, Bukhárine propôs a importação de trigo, o fim das medidas de excepção contra «os camponeses», o aumento dos preços dos produtos agrícolas, a afirmação da «legalidade revolucionária», o abrandamento do ritmo da industrialização e a aceleração da produção de meios de produção agrícolas.
Káganovitch34 respondeu-lhe:
«Não fez nenhuma proposta nova, e não será capaz de o fazer porque elas não existem, porque estamos confrontados com o inimigo de classe que lança uma ofensiva contra nós, que se recusa a fornecer os seus excedentes de trigo para a industrialização e que declara: “dêem-me um tractor, dêem-me direitos eleitorais e então terão trigo”.»35
Stáline decidiu aceitar o repto de levar a revolução socialista para o campo e travar o combate final com a última classe capitalista na União Soviética, os kulaques, a burguesia agrária.
A burguesia sempre afirmou que a colectivização na URSS «destruiu as forças dinâmicas no campo» e causou a estagnação permanente da agricultura. Descreve os kulaques como camponeses individuais «dinâmicos e empreendedores». Esta ficção ideológica tem como único objectivo difamar o socialismo e glorificar a exploração. Para se compreender a luta de classes que se desenvolveu na URSS é necessário ter um retrato mais realista do kulaque russo.
Eis o que escreveu ao final do século XIX um dos melhores especialistas russos da vida camponesa:
«Cada comuna de aldeia tem sempre três a quatro kulaques e também uma boa meia dúzia de sanguessugas menores da mesma espécie. Não precisam de qualificações nem de trabalhar arduamente, são apenas expeditos em utilizar no seu próprio interesse as necessidades, as preocupações, a miséria e a desgraça dos outros.» (...) «A característica dominante desta classe é a crueldade dura e imperturbável, própria dos indivíduos sem qualquer educação, que fizeram o seu caminho da pobreza para a riqueza e passaram a acreditar que ganhar dinheiro, não importa por que meio, é o único objectivo ao qual um homem racional se pode consagrar.»36
O americano E. J. Dillon, que tinha um profundo conhecimento da velha Rússia, escreveu:
«De todos os monstros humanos que encontrei durante as minhas viagens, não me recordo de nenhum que fosse tão mau e odioso como o kulaque russo.»37
Se os kulaques, que representavam já cinco por cento dos camponeses, lograssem alargar sua base económica e impor-se definitivamente como força dominante no campo, o poder socialista nas cidades não poderia resistir ao cerco das forças burguesas. A URSS permanecia um país onde o campesinato representava 82 por cento da população. Se o partido bolchevique deixasse de ser capaz de assegurar o abastecimento de víveres dos operários a preços relativamente baixos, o poder da classe operária ver-se-ia ameaçado nos seus próprios fundamentos.
Daqui a necessidade de acelerar a colectivização de certos sectores no campo para aumentar a produção mercantil de cereais numa base socialista. A manutenção de um preço relativamente baixo do trigo mercantil era essencial para o êxito da industrialização acelerada. A burguesia rural ascendente jamais aceitaria tal política. Só os camponeses pobres e médios agrupados em cooperativas poderiam apoiá-la. A industrialização permitiria ao mesmo tempo modernizar o campo, aumentar a sua produtividade e elevar o seu nível cultural. Era preciso produzir tractores, camiões e ceifeiras para fornecer uma base material sólida ao socialismo no campo. Para o alcançar, era imperioso acelerar o ritmo da industrialização.
A 1 de Outubro de 1927, contavam-se 286 mil famílias camponesas nos kolkhozes. Em 1 de Junho de 1929, já eram 1,008 milhões.38 Em quatro meses, entre Junho e Outubro de 1927, a percentagem dos camponeses kolkhozianos aumentou de quatro para 7,5 por cento.39
Em 1929, a agricultura colectivizada produziu 2,2 milhões de toneladas de trigo mercantil, tanto quanto os kulaques tinham produzido dois anos antes. Stáline mostra-se convencido de que, no ano seguinte, a sua produção permitiria fornecer 6,6 milhões de toneladas às cidades.
Em 27 de Dezembro de 1929, Stáline declarou:
«Temos agora uma base material suficiente para golpear o kulaque, quebrar a sua resistência, liquidá-lo como classe e substituir a sua produção pela produção dos kolkhozes e dos sovkhozes.»40
Assim que o Comité Central do partido bolchevique lançou a ideia da aceleração da colectivização, desencadeou-se um movimento espontâneo apoiado nas regiões por activistas, jovens, antigos soldados do Exército Vermelho e pelo aparelho local do Partido.
No início de Outubro, 7,5 por cento dos camponeses já tinham entrado para os kolkhozes e o movimento alargava-se. O Partido, que tinha indicado a orientação geral da colectivização, seguia mais este movimento de massas do que propriamente o organizava.
«O facto essencial da nossa vida social e económica no momento actual, o facto que desperta a atenção de todos, é o crescimento colossal do movimento kolkhoziano», afirmou Stáline em 27 de Dezembro de 1929. «Agora, a “deskulaquização” é feita pelas próprias massas de camponeses pobres e médios, que realizam a colectivização total.»41
No momento da adopção do primeiro plano quinquenal, em Abril de 1929, o Partido tinha previsto a colectivização de dez por cento dos camponeses até 1932-33. Os kolkhozes e sovkhozes produziriam então 15,5 por cento dos cereais. Isto seria suficiente para repelir os kulaques.42 Porém, logo em Junho, Andréiev,43 o secretário do Partido no Cáucaso do Norte, anunciou que 11,8 por cento das famílias já haviam entrado para os kolkhozes e que se poderia atingir os 22 por cento no final de 1929.44
A 1 de Janeiro de 1930, eram membros de um kolkhoz 18,1 por cento das famílias camponesas. Um mês mais tarde já eram 31,7 por cento.45 Lynne Viola anotou:
«A colectivização adquiriu muito rapidamente uma dinâmica própria, imprimida essencialmente pela iniciativa dos quadros rurais. O centro correu o risco de perder o controlo do movimento.»46
Os objectivos fixados pelo Comité Central na sua resolução de 5 de Janeiro de 1930 foram fortemente «corrigidos» em alta pelos comités regionais. Depois, os comités distritais licitaram ainda mais alto, fixando ritmos espantosos. Em Janeiro de 1930, as regiões dos Urais, do Baixo Volga e do Médio Volga já registavam níveis de colectivização entre 39 e 56 por cento. Várias regiões adoptaram planos para a colectivização total num só ano e até mesmo em alguns meses.47
Um comentador soviético contemporâneo escreveu: «Se o Centro fala de 15 por cento de famílias a incluir nos kolkhozes, a região aumenta o número para 25, o okrug para 40 e o distrito para 60 por cento.48 (O okrug era uma unidade administrativa que desapareceu em 1930. Havia, no começo desse ano, 13 regiões divididas em 207 okrugs, subdivididos em 2811 distritos e 71 780 sovietes de aldeia).
Esta corrida desenfreada para a colectivização foi acompanhada de um movimento de «deskulaquização»: os kulaques foram expropriados e por vezes exilados. De facto, assistia-se a um novo assalto no feroz combate secular entre camponeses pobres e ricos. Desde há séculos que os pobres eram sistematicamente batidos e esmagados quando, em desespero, ousavam revoltar-se e insurgir-se. Mas agora, pela primeira vez, tinham a força legal do Estado do seu lado.
Um estudante que trabalhava num kolkhoz afirmou, em 1930, ao norte-americano Hindus:
«Foi e ainda é uma guerra. O kulaque tem de ser eliminado do nosso caminho tão completamente quanto um inimigo na frente de batalha. Ele é o inimigo nesta frente. Ele é o inimigo do kolkhoz».49
Preobrajénski, que tinha apoiado fortemente Trótski, era agora um defensor entusiasta da batalha pela colectivização.
«As massas trabalhadoras do campo foram exploradas durante séculos. Agora, depois de uma longa série de derrotas sangrentas, que começaram com as insurreições da Idade Média, pela primeira vez na história da humanidade, o seu poderoso movimento tem a possibilidade de vitória.»50
O radicalismo no campo é também estimulado pela mobilização e efervescência gerais no país em vias de industrialização.
Inumeráveis livros anticomunistas afirmam que a colectivização foi «imposta» pela direcção do Partido e por Stáline e realizada sob terror. Isto é uma contraverdade. O impulso essencial dos episódios violentos da colectivização veio das massas camponesas mais oprimidas. Para elas não havia alternativa à colectivização.
Um camponês da região das Terras Negras declarou:
«Vivi toda a minha vida entre os operários agrícolas. A Revolução de Outubro deu-me terra, recebi créditos todos os anos, comprei um cavalo reles, mas não posso trabalhar a terra, os meus filhos são miseráveis e passam fome, não consigo melhorar a minha quinta apesar da ajuda das autoridades soviéticas. Creio que só há uma saída: juntar uma coluna de tractores e fazer com que isso funcione.»51
Lynne Viola escreveu:
«A colectivização, ainda que tenha sido iniciada e apoiada pelo Centro, concretizou-se largamente através de uma série de medidas políticas ad hoc, tomadas em resposta às iniciativas espontâneas dos órgãos do Partido e do governo ao nível das regiões e dos distritos. Mais do que por Stáline e pelas autoridades centrais, a colectivização e a agricultura colectiva foram moldadas pela actividade indisciplinada e irresponsável de funcionários rurais, pelas experiências dos dirigentes das explorações colectivas, que tinham de se desenvencilhar, e pelas realidades de um campo atrasado.»52
Lynne Viola coloca justamente a tónica na dinâmica própria da base. Mas a sua interpretação dos factos é unilateral. Compreende mal o fio condutor da política aplicada de forma consequente por Stáline e pelo partido bolchevique. O Partido elaborava a orientação geral, depois cabia à base e aos quadros intermédios aplicarem-na; os resultados desta experimentação serviam então para a elaboração de novas directivas, de correcções, de rectificações.
Lynne Viola prossegue:
«O Estado dirigia através de circulares e decretos, mas não tinha nem a infra-estrutura organizativa nem o pessoal para impor a sua via ou para assegurar a aplicação correcta da sua política na gestão do campo. As raízes do sistema de Stáline no campo não residem na expansão dos controlos do Estado, mas na própria ausência desses controlos e de um sistema de administração ordenado, o que, em contrapartida, tinha como resultado que a repressão se tornava o instrumento principal do poder no campo.»53
Esta conclusão, baseada numa observação atenta da marcha real da colectivização, permite duas observações. A primeira é que a tese do «totalitarismo comunista» exercido por uma «burocracia do Partido omnipresente» não tem qualquer relação com a realidade do exercício do poder soviético sob Stáline. É uma fórmula pela qual a burguesia simplesmente vomita seu ódio cego contra o socialismo real. Em 1929-1933, o Estado soviético não possuía nem os meios técnicos nem o pessoal qualificado necessário nem o enquadramento comunista suficiente para dirigir de forma planeada e ordenada a colectivização; descrevê-lo como um Estado todo-poderoso e totalitário é um absurdo.
A segunda é que o impulso essencial da colectivização vinha dos camponeses mais oprimidos. O Partido preparou e iniciou a colectivização, comunistas da cidade enquadraram-na, mas esta revolução gigantesca dos hábitos camponeses só poderia ter êxito se os camponeses mais oprimidos estivessem convencidos da sua necessidade. O julgamento de Lynne Viola de que «a repressão se tornou o instrumento principal do poder» não corresponde à realidade. O instrumento principal era a mobilização, a consciencialização, a formação, a organização das massas fundamentais do campesinato. Mas esta obra construtiva necessitou efectivamente da «repressão», ou seja, realizou-se, e não podia ser de outro modo, através de duras lutas de classe contra os homens e hábitos do antigo regime.
Todos os anticomunistas afirmam que Stáline era o representante da burocracia todo- poderosa que asfixiava a base. Isto é totalmente contrário à verdade. Para aplicar a sua linha revolucionária, a direcção bolchevique teve frequentemente de fazer apelo às forças revolucionárias da base para isolar certas fracções do aparelho burocrático. Viola reconhece-o:
«A revolução não se realizou através dos canais administrativos regulares; pelo contrário, o Estado apelava directamente à base do Partido e aos sectores-chave da classe operária para contornar os funcionários rurais. O recrutamento maciço de operários e de quadros urbanos e o isolamento da burocracia visavam abrir brechas políticas para lançar os fundamentos do sistema novo.»54
Como reagiram Stáline e a direcção do Partido à explosão espontânea e violenta da colectivização e da «deskulaquização»? Essencialmente tentaram orientar política e praticamente o movimento em marcha, discipliná-lo e rectificá-lo.
A direcção do Partido fez tudo o que estava ao seu alcance para que a grande revolução da colectivização se desenvolvesse nas melhores condições e com os menores custos. Mas não podia impedir a eclosão de antagonismos profundos nem «saltar» por cima do estado de atraso do campo.
Para se compreender a política do partido bolchevique durante a colectivização, é essencial saber que, no início de 1930, os aparelhos partidário e de governo no campo eram ainda extremamente fracos — exactamente o oposto à «terrível máquina totalitária» imaginada pelos adversários do comunismo. A fraqueza do aparelho comunista era uma das condições que permitia aos kulaques lançarem todas as suas forças num combate furioso contra a nova sociedade.
A 1 de Janeiro de 1930, contavam-se 339 mil comunistas numa população rural que rondava 120 milhões de pessoas! Para cada região de 10 mil habitantes havia 28 comunistas.55 Apenas existiam células do Partido em 23 458 dos 70 849 sovietes de aldeia e, segundo o secretário da região do Volga Central, Khataévitch, alguns sovietes de aldeia eram «agências directas dos kulaques.»57 Antigos kulaques e antigos funcionários do tsar, mais conhecedores dos mecanismos da vida pública, infiltravam-se largamente no Partido. O núcleo do Partido era constituído por jovens camponeses que tinham combatido no Exército Vermelho durante a Guerra Civil. Esta experiência política havia moldado a sua maneira de ver e de agir. Tinham o hábito de comandar e conheciam mal o significado da educação e da mobilização políticas.
«A estrutura da administração rural era pesada, as linhas de comando confusas, a delimitação das responsabilidades e funções era vaga e pouco definida. Em consequência, na aplicação da política rural, verificava-se frequentemente tanto uma tendência para a inércia extrema como para um estilo de mobilização similar ao da Guerra Civil».58
Foi com este aparelho, que sabotava ou desvirtuava frequentemente as instruções do Comité Central, que se desenvolveu o combate aos kulaques e à velha sociedade.
«No essencial», como disse Káganovitch em 20 de Janeiro de 1930, «temos de criar uma organização do Partido no campo capaz de dirigir o grande movimento pela colectivização.»59
Confrontada com o radicalismo da base e com uma vaga violenta de colectivização anárquica, a direcção do Partido esforçou-se, em primeiro lugar, por manter os acontecimentos sob controlo. Dadas as fraquezas e a pouca fiabilidade do aparelho do Partido no campo, o Comité Central toma várias medidas extraordinárias de organização, desde logo, ao nível central.
A partir de meados de Fevereiro de 1930, vários membros do Comité Central, nomeadamente Ordjonikídze, Káganovitch e Iákovlev, são enviados para o campo para efectuar inquéritos.
Depois são convocados três importantes encontros nacionais, sob a direcção do Comité Central, para concentrar a experiência adquirida. A reunião de 11 de Fevereiro foi consagrada aos problemas da colectivização nas regiões das minorias nacionais e a de 21 de Fevereiro analisou as regiões deficitárias em trigo. Por último, em 24 de Fevereiro, realizou-se uma conferência nacional para examinar os erros e excessos cometidos no decurso da colectivização.
De seguida, ao nível da base no campo, são mobilizados 250 mil comunistas nas cidades para participarem na colectivização nas zonas rurais. Estes militantes trabalham sob a direcção dos «quartéis-generais» da colectivização, criados especialmente ao nível dos okrugs e dos distritos, em que participam responsáveis do comité regional ou do Comité Central.60 No okrug de Tambov, por exemplo, antes de iniciarem o trabalho no terreno, os enviados começaram por participar em conferências e cursos de curta duração, primeiro a nível do okrug e depois a nível distrital. Tinham instruções para «aplicar métodos de trabalho de massas»: em primeiro lugar, esclarecer os activistas locais, o soviete de aldeia e as reuniões de camponeses pobres, depois os pequenos grupos de camponeses pobres e médios e, finalmente, organizar uma reunião geral da aldeia, com exclusão dos kulaques. As suas instruções estipulam também que «o constrangimento administrativo não deve ser usado para pressionar os camponeses médios a aderir aos kolkhozes.»61
No mesmo okrug de Tambov, durante o inverno de 1929-30, são organizados cursos e conferências de dois a dez dias para dez mil camponeses, mulheres kolkhozianas, camponeses pobres e presidentes de soviete.
Durante as primeiras semanas de 1930, na Ucrânia, foram organizados 3977 cursos de curta duração para 275 mil camponeses. No Outono de 1929, o Exército Vermelho formou 30 mil activistas, nos domingos e tempos livres, bem como um outro contingente de 100 mil pessoas, nos primeiros meses de 1930. O Exército Vermelho formou ainda um grande número de condutores de tractores, especialistas da agricultura, operadores de cinema e de rádio.62
A maior parte das pessoas vindas da cidade trabalhava no campo apenas durante alguns meses. Assim, em Fevereiro de 1930, foi decretada a mobilização de 7200 membros dos sovietes urbanos para trabalharem no campo durante pelo menos um ano. Novos efectivos do Exército Vermelho e operários industriais foram transferidos de forma permanente para os kolkhozes. Em Novembro de 1929 é decidida a célebre campanha dos «25 Mil».
O Comité Central lançou um apelo a 25 mil operários experientes das grandes fábricas para se dirigirem para o campo e apoiarem a colectivização. Apresentaram-se mais de 70 mil. Foram seleccionados 28 mil jovens que tinham combatido na Guerra Civil, membros do Partido e do Komsomol.
Sobre estes operários conscientes do papel dirigente da classe operária nas transformações socialistas no campo, Lynne Viola escreveu:
«Viam na revolução de Stáline um meio de arrancarem a vitória final do socialismo depois de anos de guerra, de sofrimento e de privação. Viam a revolução como uma solução para os problemas do atraso, do défice aparentemente crónico de alimentos e do cerco capitalista.»63
Antes de partirem, era-lhes explicado que seriam os olhos e os ouvidos do Comité Central: graças à sua presença na primeira linha, a direcção esperava adquirir um conhecimento material das convulsões no campo e dos problemas da colectivização. É- lhes expressamente ordenado que transmitam aos camponeses a sua experiência de organização adquirida como operários industriais: o hábito secular do trabalho individual constituía um obstáculo sério à exploração colectiva da terra. Finalmente, é-lhes dito que teriam de avaliar as qualidades comunistas dos funcionários do Partido e, se necessário, expurgar o Partido de elementos estranhos e indesejáveis.
Foi durante o mês de Janeiro de 1930 que os «25 mil» chegaram à frente da colectivização. A análise detalhada das suas actividades e do papel que desempenharam fornece-nos uma ideia realista desta grande luta revolucionária de classe que foi a colectivização. Estes operários mantiveram uma correspondência regular com a sua fábrica e o seu sindicato, e estas cartas permitem-nos hoje conhecer com precisão o que se passou nas aldeias.
Logo à chegada, os «25 Mil» tiveram de lançar-se no combate ingrato contra o burocratismo do aparelho local e contra os excessos cometidos durante a colectivização.
Lynne Viola escreveu:
«Qualquer que fosse a sua posição, os “25 Mil” eram unânimes na crítica ao comportamento dos órgãos de distrito durante a colectivização. Afirmavam que a responsabilidade pela corrida às mais altas percentagens da colectivização lhes pertencia.»64
Zakhárov, um dos «25 Mil», escreveu que não tinha sido feito nenhum trabalho preparatório junto dos camponeses e que, por isso, não estavam de forma alguma preparados para a colectivização.65 Muitos queixaram-se de actos ilegais e da brutalidade dos quadros rurais. Makóvskaia denuncia a «atitude burocrática dos quadros em relação aos camponeses» e afirma que os funcionários falam da colectivização «com um revólver na mão».66 Baríchev relata que numerosos camponeses médios tinham sido «deskulaquizados». Naúmov coloca-se do lado dos camponeses na sua luta contra os quadros do Partido, que «se apropriaram de bens confiscados aos kulaques». Lynne Viola conclui:
«Os “25 Mil” viam os funcionários rurais como pessoas rudes, indisciplinadas, frequentemente corruptas e, em muitos casos, representantes das classes hostis.»67
Opondo-se aos burocratas e aos seus excessos, os «25 Mil» conseguem ganhar a confiança das massas camponesas.68 Tudo isto merece ser sublinhado, já que estes operários eram, por assim dizer, os enviados de Stáline. E foram precisamente estes «stalinistas» que combateram consequentemente o burocratismo e os excessos e defenderam a via correcta da colectivização.
De seguida os «25 Mil» desempenharam um papel preponderante no combate contra os kulaques. Antes de tudo, tiveram de enfrentar a arma terrível dos rumores e da difamação, conhecida como «a agitprop» dos kulaques. A massa camponesa analfabeta, vivendo em condições bárbaras, submetida à influência dos popes, era facilmente manipulada. Os popes alegavam que o reino do anticristo havia chegado. Os kulaques acrescentavam que aqueles que entrassem no kolkhoz faziam um pacto com o anticristo.69
Entre os «25 Mil», muitos foram agredidos e espancados. Várias dezenas foram assassinados, mortos a tiro ou à machadada pelos kulaques.
Mas a contribuição essencial dos «25 Mil» no campo foi a introdução de um sistema completamente novo de gestão da produção e um novo estilo de vida e de trabalho.
Os camponeses pobres, que se encontravam na primeira linha do combate pela colectivização, não faziam a menor ideia de como organizar a produção colectiva. Tinham ódio à exploração e, por esta razão, eram aliados sólidos da classe operária. Mas, enquanto produtores individuais, não podiam criar um novo modo de produção. Esta é uma das razões pelas quais a ditadura do proletariado é necessária. A ditadura do proletariado exprimia-se, nomeadamente, na direcção ideológica e organizativa dos camponeses pobres e médios por parte da classe operária e do Partido Comunista.
Os operários instituíram a jornada de trabalho com horário regular e chamada pela manhã. Inventaram sistemas de remuneração «à tarefa» e escalas salariais. Por todo o lado, era necessário introduzir ordem e disciplina. Frequentemente os kolkhozes não estavam sequer delimitados. Não havia inventários da maquinaria, das alfaias ou das peças sobressalentes. Não era feita a manutenção das máquinas, não havia estábulos, nem reservas de forragem. Os operários introduziram as conferências de produção, onde os kolkhozianos transmitiam a sua experiência prática, organizaram a emulação socialista entre as diferentes brigadas, instalaram tribunais de trabalho que julgavam as infracções aos regulamentos e as faltas por negligência.
Os «25 Mil» operários encarnavam também o apoio do proletariado ao campesinato kolkhoziano. A pedido dos «seus» operários destacados, as fábricas enviavam equipamentos agrícolas, peças sobressalentes, geradores, livros, jornais e outros objectos que não existiam no campo. Brigadas de trabalhadores vinham da cidade para executar determinados trabalhos técnicos ou de reparação e para ajudar na colheita.
O operário tornou-se também mestre-escola, ensinando conhecimentos técnicos. Frequentemente ocupava-se da contabilidade, formando ao mesmo tempo jovens contabilistas. Dava cursos elementares de política e agricultura. Por vezes fazia alfabetização.
A contribuição dos «25 Mil» para a colectivização foi enorme. Nos anos 20, «pobreza, analfabetismo e predisposição crónica para as fomes periódicas caracterizavam em grande parte a paisagem rural».70 Os «25 Mil» ajudaram a formar as estruturas organizativas de base da agricultura socialista para o quartel seguinte do século. Viola escreveu:
«Um novo sistema de produção agrícola foi estabelecido e, apesar dos problemas que também teve, pôs fim às crises periódicas que caracterizavam as relações de mercado anteriormente existentes entre o campo e as cidades.»71
Em simultâneo com todas estas decisões organizativas, o Comité Central elaborou medidas e directivas políticas para orientar a colectivização. Desde logo é importante notar que tiveram lugar discussões vivas e prolongadas no Partido sobre a rapidez e envergadura da colectivização.
Em Outubro de 1929, o okrug de Khoper, na região do Baixo Volga, apresentou uma taxa de colectivização de 55 por cento, quando no anterior mês de Junho tinha apenas 2,2 por cento das famílias colectivizadas. Desconfiando da rapidez e da envergadura do processo, o Kolkhoztsentr (União dos kolkhozes) enviou uma comissão para conduzir um inquérito. O seu presidente, Baránov, relatou:
«As autoridades locais operam segundo um sistema de “trabalho de vanguarda” adaptado ao “campo”. A palavra de ordem é: quanto mais tivermos, melhor. As directivas são por vezes transformadas no slogan: aqueles que não se juntam ao kolkhoz são inimigos do poder soviético. Não houve actividade alargada junto das massas. Em certos casos, eram feitas promessas estrondosas de tractores e de créditos: Tereis tudo, juntai-vos ao kolkhoz.»72
Por seu lado, Cheboldáiev, secretário do Partido da região do Baixo Volga, apoiou no Pravda a rápida expansão da colectivização em Khoper. Saudou «o entusiasmo e o ardor enormes na laboração colectiva da terra». Apenas cinco a dez por cento dos aldeãos se opõem à colectivização, afirmava Cheboldáiev, considerando que tal constitui «um grande movimento de massas que ultrapassa largamente as nossas noções sobre o trabalho da colectivização.»74
Porém, existiam opiniões contraditórias em todas as unidades, inclusive nesta unidade «modelo» de Khoper. A 2 de Novembro de 1929, o jornal Krasni Khoper relatava com entusiasmo as jornadas de laboração colectiva e a formação dos novos kolkhozes. Mas um artigo na mesma edição prevenia contra uma colectivização apressada e contra o recurso a ameaças para empurrar os camponeses pobres para os kolkhozes. Um outro artigo afirmava que, em certos locais, os kulaques tinham pressionado toda a aldeia a entrar no kolkhoz para desacreditar a colectivização.75
Durante o plenário do Comité Central de Novembro de 1929, Cheboldáiev defendeu a experiência de Khoper com seus «colonos a cavalo». À falta de tractores, «a simples unificação e reunião das explorações pode aumentar a produtividade do trabalho». Declara que a colectivização em Khoper era «um movimento espontâneo das massas de camponeses pobres e médios» e que apenas 10 a 12 por cento tinham votado contra.
«O Partido não deve “travar” este movimento. Isso seria um erro do ponto de vista político e económico. O Partido deve fazer tudo para se colocar à cabeça do movimento e dirigi-lo com canais organizados. No momento actual, este movimento de massas ultrapassou indiscutivelmente as autoridades locais e existe aí o perigo de que possa ser desacreditado».
Cheboldáiev afirma que 25 por cento das famílias estavam já colectivizadas e que, no final de 1930 ou meados de 1931, a colectivização estará no essencial realizada.76
Kossior, que falou no plenário sobre a situação na Ucrânia, relatou que em dezenas de aldeias a colectivização tinha sido «insuflada e criada artificialmente»: a população não participa nem foi devidamente informada. Mas «as numerosas manchas de sombra não devem impedir de ver o quadro geral da colectivização.»78
Fica pois claro que se manifestaram no Partido muitas opiniões contraditórias no momento em que foi desencadeado o movimento da colectivização. Os revolucionários tinham o dever de descobrir e proteger a vontade das massas mais oprimidas. Estas procuravam sair do seu estado secular de atraso político, cultural e técnico. Era preciso encorajá-las a avançar na luta, único método capaz de abalar e destruir as relações sociais e económicas profundamente ancoradas. O oportunismo de direita esforçava-se para travar tanto quanto possível esta tomada de consciência difícil e contraditória.
No entanto, também se podia forçar excessivamente o ritmo da colectivização, rejeitando-se na prática os princípios defendidos pelo Partido. Esta tendência agrupava tanto o esquerdismo, que mantinha os métodos herdados da Guerra Civil — quando era hábito «comandar» a revolução —, como o burocratismo, que procurava agradar à direcção mostrando «grandes realizações»; mas os exageros podiam também ser obra da contra-revolução, que pretendia comprometer a colectivização levando-a ao absurdo.
A resolução do Comité Central de 17 de Novembro de 1929, que lança a colectivização, efectuou o balanço das discussões no Partido. Partia da constatação de que o número de famílias camponesas nos kolkhozes havia passado de 445 mil, em 1927-28, para um milhão e 40 mil um ano depois. O peso dos kolkhozes na produção de cereais comercializados passara de 4,5 por cento para 12,9 por cento no mesmo período.
«Este avanço sem precedentes da colectivização, que ultrapassa as projecções mais optimistas, atesta o facto de que as verdadeiras massas de famílias camponesas médias, convencidas na prática das vantagens das formas colectivas da agricultura, aderiam ao movimento.
(...) Esta ruptura decisiva na atitude das massas de camponeses pobres e médios em relação aos kolkhozes (...) marca uma nova etapa histórica na construção do socialismo no nosso país.»79
Este progresso da colectivização tornou-se possível graças à aplicação da linha do Partido para a edificação do socialismo nas diversas frentes.
«Os sucessos significativos do movimento kolkhoziano são um resultado directo da aplicação consequente da linha geral do Partido que assegurou um crescimento muito forte da indústria, um reforço da unidade entre a classe operária e as principais massas do campesinato, a formação de uma comunidade cooperativa, o reforço do activismo político das massas e o aumento dos recursos materiais e culturais do Estado proletário.»80
O Comité Central sublinhou que este progresso formidável não se processava «em total tranquilidade», mas através de uma luta de classes muito áspera.
«Na situação do nosso país, caracterizada pelo cerco capitalista, pode dizer-se que a intensificação da luta de classes e a resistência obtusa dos elementos capitalistas ao avanço do socialismo aumentam a pressão dos elementos pequeno-burgueses sobre a parte menos estável de nosso Partido; suscitam uma ideologia de capitulação face às dificuldades, provocando a deserção e tentativas de concertação com os elementos kulaques e capitalistas na cidade e no campo. (...) Isto está na base da total incompreensão por parte do grupo de Bukhárine da intensificação da luta de classes que se produziu; é a base da sua subestimação da capacidade de resistência dos kulaques e dos Nepmen, da sua teoria antileninista, segundo a qual o kulaque “integrar-se-á” no socialismo, e da sua oposição à política de ofensiva contra os elementos capitalistas do campo.»81
«Os direitistas afirmavam que as taxasplaneadas de crescimento da colectivização e da construção dos sovkhozes eram irrealistas; afirmavam que faltavam as condições materiais e técnicas necessárias e que os camponeses pobres e médios não queriam passar às formas colectivas da agricultura. Na realidade, assistimos a um crescimento de tal modo impetuoso da colectivização e a uma corrida de tal modo temerária para as formas socialistas da agricultura, por parte dos camponeses pobres e médios, que o movimento kolkhoziano já atingiu o ponto de passagem para a colectivização completa de distritos inteiros.» (...) «Os oportunistas de direita servem objectivamente de porta- vozes aos interesses económicos e políticos dos elementos pequeno-burgueses e dos grupos de kulaques capitalistas.»82
O Comité Central indicava que era preciso estar atento à alteração das formas da luta de classes: se antes os kulaques faziam tudo para impedir o movimento kolkhoziano de se desenvolver, agora procuravam também destruí-lo do seu interior.
«O amplo desenvolvimento do movimento kolkhoziano produziu-se numa situação de intensa luta das classes no campo, que, aliás, alterou as suas formas e métodos. Os kulaques intensificam a sua luta directa e aberta contra a colectivização, chegando ao verdadeiro terror (assassinatos, incêndios e destruições); ao mesmo tempo, recorrem cada vez mais a formas de luta e de exploração camufladas e clandestinas, infiltrando os kolkhozes e mesmo as suas direcções com o objectivo de corrompê-los e fazê-los explodir do interior».
Por esta razão era preciso realizar um trabalho político em profundidade para formar um núcleo capaz de conduzir o kolkhoz pela via socialista.
«O Partido deve assegurar a cristalização de um núcleo de operários agrícolas e de camponeses pobres nos kolkhozes através de um trabalho persistente e regular.»83
O Partido não devia perder a cabeça com os sucessos obtidos, já que havia «novas dificuldades e insuficiências» a vencer.
O plenário enumerou-as:
«O baixo nível da base técnica dos kolkhozes; o nível inapropriado de organização e a fraca produtividade do trabalho nos kolkhozes; a grave carência de quadros kolkhozianos e a ausência quase total dos especialistas necessários; a composição social muito desfavorável numa parte dos kolkhozes; o facto de as formas de gestão estarem pouco adaptadas à envergadura do movimento kolkhoziano e de a direcção não acompanhar o ritmo e a amplitude do movimento, bem como o facto de os organismos que dirigem o movimento kolkhoziano serem com frequência fortemente insuficientes.»84
O Comité Central decide o arranque imediato da construção de duas novas fábricas de tractores, com uma capacidade de 50 mil unidades cada, e de duas novas fábricas de ceifeiras-debulhadoras, a ampliação das fábricas de máquinas agrícolas complexas e de produtos químicos e o desenvolvimento das estações de máquinas-tractores.85
«A construção dos kolkhozes é impensável sem uma melhoria consequente dos padrões culturais do povo kolkhoziano.»
Era preciso: lançar campanhas de alfabetização, criar bibliotecas, organizar a formação para os kolkhozianos e cursos por correspondência, realizar a escolarização dos jovens e a difusão maciça de conhecimentos agrícolas, intensificar o trabalho cultural e político junto das mulheres e organizar creches e cantinas públicas para lhes facilitar a vida, construir estradas e centros culturais, instalar a rádio e o cinema, correios e telefones, criar uma imprensa generalista e uma imprensa especializada destinada aos camponeses, etc..86
Por último, o Comité Central alerta para o perigo dos desvios de esquerda. A radicalização dos camponeses pobres podia conduzir a uma desvalorização da aliança com os camponeses médios.87
«O plenário do Comité Central previne contra a subestimação das dificuldades na construção dos kolkhozes e, em particular, contra uma atitude formal e burocrática em relação a esta e na avaliação dos seus resultados.»88
Seis semanas mais tarde, o Comité Central reuniu-se novamente para avaliar o desenvolvimento impetuoso do movimento kolkhoziano. Em 5 de Janeiro de 1930 é adoptada uma resolução capital, intitulada «Sobre o grau de colectivização e a assistência do Estado à construção dos kolkhozes». Nela assinala-se que já tinham sido semeados mais de 30 milhões de hectares numa base colectivizada, superando o objectivo de 24 milhões até ao final do quinquénio.
«Assim, dispomos da base material para substituir a produção em grande escala dos kulaques pela produção em grande escala dos kolkhozes.» (...) «Podemos realizar a tarefa de colectivizar a esmagadora maioria das explorações camponesas»
até ao final do primeiro plano. A colectivização das regiões cerealíferas mais importantes poderá ficar concluída entre o Outono de 1930 e a Primavera de 1932.
O Partido devia apoiar o movimento espontâneo da base e intervir activamente para orientá-lo e dirigi-lo:
«O movimento kolkhoziano desenvolve-se espontaneamente a partir da base; as organizações do Partido devem dirigi-lo e dar-lhe forma, com o objectivo de assegurar a organização de uma produção verdadeiramente colectiva nos kolkhozes».
A resolução prevenia contra erros esquerdistas. Era preciso não «subestimar o papel do cavalo» e não eliminar precipitadamente os animais de tracção na esperança de receber rapidamente tractores. Não se devia pretender colectivizar tudo: «A forma de colectivização mais difundida é o artel, no qual os instrumentos de produção fundamentais (os animais de tracção, as máquinas e o material agrícola, os animais para a produção comercial) são colectivizados.» E sobretudo:
«O Comité Central previne muito seriamente as organizações do Partido contra uma direcção do movimento kolkhoziano “por decreto”, a partir de cima - tal poderia criar o perigo de se substituir a emulação socialista autêntica na organização dos kolkhozes por uma forma de “jogo” da colectivização.»89
Para realizar a colectivização com êxito era necessário convencer os camponeses pobres e médios da superioridade do trabalho colectivo da terra, que permite introduzir a mecanização em grande escala. Além disso, a indústria socialista devia ser capaz de produzir os tractores e as máquinas que constituem o suporte material da colectivização. Finalmente, era preciso adoptar uma atitude correcta em relação aos kulaques, os adversários irredutíveis do socialismo no campo. Este último problema suscitou amplas discussões no Partido.
Eis em que termos a questão se colocava antes de se ter avançado para os kolkhozes. As palavras são de Mikoiáne,90 em 1 de Março de 1929:
«Apesar da autoridade política do Partido no campo, o kulaque tem mais autoridade no domínio económico: a sua exploração é melhor, o seu cavalo é melhor, as suas máquinas são melhores e a sua opinião é tida em conta nos assuntos económicos. O camponês médio pende para a autoridade económica do kulaque. E este manterá a sua autoridade enquanto não tivermos os kolkhozes.»91
A autoridade do kulaque apoiava-se em grande parte no atraso cultural, no analfabetismo, na superstição, nas crenças religiosas medievais da grande massa de camponeses. Assim, a sua arma mais terrível e mais difícil de contrariar era o rumor, a intoxicação.
Em 1928-29, corriam boatos idênticos em todo o imenso território soviético. No kolkhoz, as mulheres e as crianças serão colectivizadas. No kolkhoz, todos dormirão sob um enorme lençol comum. O governo bolchevique obrigará as mulheres a cortar os seus cabelos para a exportação. Os bolcheviques marcarão as mulheres na fronte para identificação. As populações locais serão russificadas.92 Muitas outras «informações» aterrorizantes circulavam. Nos kolkhozes, uma máquina especial queimaria os velhos para que não comessem mais pão. As crianças seriam retiradas aos seus pais e enviadas para as creches. Quatro mil jovens mulheres seriam enviadas para a China para pagar o caminho-de-ferro oriental chinês. Os kolkhozianos serão os primeiros a ser enviados para a guerra. Os crentes eram informados da chegada próxima do anticristo e do fim do mundo em dois anos.93
No okrug de Tambov, os kulaques misturavam com grande mestria o boato com a propaganda política. Diziam que
«criar kolkhozes era instaurar uma espécie de servidão onde o camponês deverá novamente trabalhar debaixo de chicote; o poder soviético deveria primeiro enriquecer os camponeses e só depois estimular o estabelecimento de kolkhozes, e não fazer como agora, que tenta criar uma exploração próspera a partir de quintas arruinadas sem cereais.»94
Vemos aqui esboçar-se a aliança dos kulaques com os bukharinistas. Não se opondo abertamente ao poder soviético nem aliás aos kolkhozes, os kulaques sustentavam que, primeiro, era necessário deixar os camponeses enriquecerem-se, depois se veria quanto à colectivização. À semelhança de Bukhárine, que evoca a «exploração feudal do campesinato», os kulaques denunciam «a servidão».
Como se devia tratar os kulaques? Em Junho de 1929, Karpínski, um alto responsável do Partido, escreve que, quando a colectivização abranger a maioria das famílias, deve permitir-se que os kulaques possam aderir ao kolkhoz, com a condição de que entreguem os seus meios de produção aos fundos indivisíveis. Esta proposta teve o apoio Kamínski, o presidente da União dos kolkhozes.
A 4 de Julho de 1929, realizou-se uma conferência do Departamento Rural do Comité Central. O mesmo ponto de vista foi desenvolvido pela direcção. Mas a maioria dos delegados, responsáveis locais do Partido, manifestou-se «categoricamente contra» a admissão dos kulaques nos kolkhozes. Um delegado declarou:
«Se o kulaque entrar para o kolkhoz, transformará de uma maneira ou de outra a associação para o trabalho em comum da terra numa associação para pôr fim ao poder soviético.»95
Em Julho de 1929, o secretário da Região do Volga Central, Khataévich, declarou que se devia aceitar os kulaques que entregassem os seus meios de produção ao kolkhoz, sob a condição de que o kolkhoz estivesse correctamente centrado nos camponeses pobres e médios e dispusesse de uma boa direcção.96
Todavia, existiam já certas experiências que iam em sentido contrário. No Cazaquistão, em Agosto de 1928, tinham sido exiladas 700 famílias bai (senhores semi-feudais da Ásia Central). Cada família possuía pelo menos 100 animais, que foram distribuídos aos kolkhozes já constituídos e a camponeses individuais dispostos a formar kolkhozes. Em Fevereiro de 1929, uma conferência regional na Sibéria decidiu não admitir kulaques. Em Junho, o Cáucaso do Norte tomou a mesma decisão.97
O Pravda, de 17 de Setembro, apresentou uma reportagem explosiva sobre o kolkhoz denominado «O Agricultor Vermelho», no Baixo Volga. Estabelecido em 1924, este kolkhoz modelo tinha recebido 300 mil rublos de créditos do Estado. Porém, em 1929, a sua propriedade socializada não valia mais do que 1800 rublos. Os créditos haviam sido desviados ou utilizados para fins pessoais. As explorações privadas dos camponeses ricos tinham sido subsidiadas com esses fundos. O presidente do kolkhoz era um antigo socialista revolucionário; na direcção estavam antigos comerciantes, o filho de um bispo e quatro outros antigos socialistas revolucionários.98
A este respeito, Mólotov formulou a seguinte conclusão:
«Elementos kulaques e socialistas revolucionários escondiam-se frequentemente por trás da cortina de fumo do kolkhoz.»
Impunha-se uma «luta sem piedade» contra o kulaque e uma melhoria da organização e da aliança entre camponeses pobres e médios.99
Em Novembro de 1929, Aziziane, um jornalista especializado em agricultura, analisou os motivos que levavam os kulaques a entrar para os kolkhozes: antes de mais queriam evitar a pressão dos impostos e das entregas obrigatórias de trigo; ficar com a melhor terra; conservar as suas ferramentas e máquinas; assegurar a educação dos seus filhos.100 Na mesma altura, um outro jornalista observava que «a parte fraca da espécie humana» simpatizava com os kulaques, mas os kolkhozianos eram categóricos, afirmando que era preciso «enviar os kulaques da aldeia para a estepe e mantê-los em quarentena por 50 anos.»101
A resolução do Comité Central, de 5 de Janeiro de 1930, tira as conclusões de todos estes debates e afirma que é necessário
«passar, no trabalho prático do Partido, de uma política de limitação das tendências exploradoras dos kulaques para uma política de liquidação dos kulaques enquanto classe» (...) «Não se pode permitir que os kulaques se juntem aos kolkhozes.»102
Após esta resolução, que anunciava o fim das relações capitalistas no campo, os kulaques lançaram-se num combate de morte. Para sabotar a colectivização, incendiavam as colheitas, celeiros, casas e instalações, matavam militantes bolcheviques.
Mas, sobretudo, eliminavam cavalos e bois, uma parte essencial das forças produtivas no campo, procurando assim tornar impossível o desenvolvimento das explorações colectivas. Todo o trabalho da terra era ainda efectuado com animais de tracção. Os kulaques exterminaram metade do efectivo. Para não entregarem o seu gado à colectividade, abatiam-no e incitavam os camponeses médios a fazerem o mesmo.
Dos 34 milhões de cavalos que contava o país em 1928, apenas 15 milhões restavam vivos em 1932. Um bolchevique irónico falou da eliminação da «classe» dos cavalos. Dos 5 milhões de bois, restavam 40,7 milhões em 1932, dos 31 milhões de vacas, 18 milhões. De 26 milhões de porcos, só 11,6 milhões passaram na prova da colectivização.103
Evidentemente, esta destruição de forças produtivas teve consequências desastrosas: em 1932, o campo conheceu uma grande fome, causada em parte pela sabotagem e as destruições efectuadas pelos kulaques. Mas os anticomunistas atribuíram a Stáline e à «colectivização forçada» as mortes provocadas pela acção criminosa dos kulaques.
Em Janeiro de 1930 iniciou-se um movimento espontâneo para expropriar os kulaques. A 28 de Janeiro de 1930, Kossior saúda-o como um «grande movimento de massas de camponeses pobres e médios e operários agrícolas». Apela às organizações do Partido para que não reprimam este movimento, mas o organizem, a fim de «assestar um golpe realmente demolidor na influência política e, em particular, no futuro económico da camada dos kulaques nas aldeias.»104.
Pouco antes, Odintsov, vice-presidente da União dos kolkhozes da República da Rússia, havia declarado:
«Devemos agir com o kulaque como agimos com a burguesia em 1918.»105 Krilénko admitirá um mês mais tarde: «Produziu-se a nível local um movimento espontâneo de “deskulaquização”; apenas em alguns lugares foi bem organizado.»107
A 30 de Janeiro de 1930, o Comité Central toma medidas para dirigir a «deskulaquização» espontânea, publicando uma resolução intitulada «Sobre as medidas para a eliminação das quintas dos kulaques nos distritos de colectivização avançada». Segundo o documento, o número total de famílias kulaques, incluindo todas as categorias, não ultrapassava os três a cinco por cento nas regiões cerealíferas e dois a três por cento nas regiões não cerealíferas.
Na categoria 1 eram incluídos os kulaques contra-revolucionários activos. Cabia à OGPU [órgãos de segurança (Direcção Política Estatal Unificada)] determinar se um kulaque pertencia a esta categoria. A resolução fixava um limite de 63 mil famílias para toda a Rússia. Os seus meios de produção e propriedades pessoais deveriam ser confiscados. Os chefes de família seriam condenados a prisão ou encerrados num campo. Os «organizadores de actos terroristas, de demonstrações contra-revolucionárias e de formações insurreccionais» podiam ser condenados à morte. Os membros da sua família deveriam ser exilados, tal como as pessoas da categoria 2.
A categoria 2 englobava os outros kulaques politicamente activos, sobretudo os mais ricos e os antigos proprietários fundiários. Esta categoria «manifestava uma menor oposição activa ao Estado soviético, mas era constituída de grandes exploradores que apoiavam naturalmente a contra-revolução». As listas dos que fossem incluídos nessa categoria deveriam ser elaboradas pelo soviete de distrito e aprovadas pelo okrug, com base nas decisões tomadas por assembleias de agricultores, colectivos ou de grupos de camponeses pobres e de operários agrícolas. O seu número para o conjunto da URSS foi fixado em 150 mil famílias. O grosso dos meios de produção e uma parte das suas propriedades deveriam ser confiscados. Tinham direito a conservar uma reserva de alimentos e uma soma monetária até 500 rublos. Deveriam ser exilados na Sibéria, no Cazaquistão ou nos Urais.
Na categoria 3 encontrava-se a maioria dos kulaques. Nela contavam-se entre 396 mil e 852 mil famílias que podiam integrar-se no poder soviético. Apenas uma parte dos seus meios de produção deveria ser confiscada e seriam reinstalados em terras virgens do distrito.108
No dia 31 de Janeiro, o editorial da revista Bolchevik explicava que a eliminação dos kulaques enquanto classe era
«a última batalha contra o capitalismo interno que deve ser levada até o fim; nada nos deve barrar esta via; os kulaques enquanto classe não sairão da cena histórica sem antes oferecerem a mais selvagem resistência.»109
Na Sibéria, durante os seis primeiros meses de 1930, são registados milhares de actos de terrorismo empreendidos por kulaques. Entre 1 de Fevereiro e 10 de Março, foram denunciadas 19 «organizações contra-revolucionárias insurreccionais» e 465 «agrupamentos anti-soviéticos de kulaques», contando mais de quatro mil membros. Segundo escreveram historiadores soviéticos em 1975, «no período de Janeiro a 15 de Março de 1930, os kulaques organizaram em todo o país (excluindo a Ucrânia) 1678 actos armados, acompanhados de destruições de propriedades dos kolkhozes e de assassinatos de membros do Partido e dos sovietes, bem como de activistas kolkhozianos». Em Fevereiro de 1930, no okrug de Salsk, no Cáucaso do Norte, tiveram lugar motins durante mais de uma semana. Foram destruídos edifícios dos sovietes e do Partido assim como lojas. Os kulaques que aguardavam a sua partida para o exílio lançaram as palavras de ordem:
«Pelo poder dos sovietes, sem comunistas e sem kolkhozes», «Dissolução das células do Partido e dos kolkhozes» e «Libertação dos kulaques presos e a restituição das propriedades confiscadas».
Outros gritavam:
«Viva Lénine e o poder dos sovietes, abaixo os kolkhozes.»110
No final de 1930 haviam sido expropriadas 330 mil famílias kulaques das três categorias, a maior parte entre Fevereiro e Abril. Não se conhece o número de kulaques exilados da primeira categoria, mas é provável que o limite estabelecido de 63 mil famílias tenham sido atingido. Não se conhece igualmente o número de execuções nesta categoria. As famílias exiladas da segunda categoria terão alcançado o número de 77 975 no final de 1930.111 A grande maioria dos expropriados estava na terceira categoria; alguns foram reinstalados na sua própria aldeia, a maioria ficou na área dos respectivos distritos.
No momento em que os kulaques se lançaram no seu último combate contra o socialismo, receberam um apoio inesperado ao nível internacional. Em 1930, a social- democracia belga, alemã e francesa mobilizou-se contra o bolchevismo, no exacto momento em que uma crise pavorosa atingia todos os países imperialistas. Em 1930, Kautsky escreve O Bolchevismo no Impasse.112 Neste livro Kautsky afirmava que, na União Soviética, havia necessidade de uma revolução democrática contra a «aristocracia soviética».113 E exprimiu a esperança de que uma «insurreição camponesa vitoriosa contra o regime bolchevique» eclodirá em breve na URSS.114 Fala da «degenerescência fascista do bolchevismo», que «é um facto desde há cerca de dez anos»!115 Assim, a partir de 1930, a social-democracia começou a cantar a lengalenga do «comunismo=fascismo». Essa mesma social-democracia que apoiava o colonialismo, que se esforçou para salvar o capitalismo da crise de 1929, que organizava ou apoiava a repressão anti-operária e, em grande parte, se preparava para colaborar com os nazis!
Kautsky conclui:
«A nossa reivindicação principal é a democracia para todos». Propugnava uma ampla frente unida com a direita russa por uma «república democrática parlamentar», afirmando que «a democracia burguesa está menos interessada no capitalismo na Rússia do que na Europa Ocidental.»116
Kautsky resumiu com precisão a linha da social-democracia em 1930 na sua luta contra a URSS: uma «revolução democrática» contra a «aristocracia soviética» e contra a «degenerescência fascista do bolchevismo», com vista a realizar a «democracia para todos» e estabelecer uma «república democrática parlamentar». Reconhece-se aqui o programa adoptado em 1989 pelos restauradores capitalistas na Europa e na URSS.
Em 1 de Março de 1930 tinham entrado para os kolkhozes 57,2 por cento das famílias camponesas. A região central das Terras Negras atingira uma taxa de 83,3 por cento, o Cáucaso do Norte, 79,4 por cento e os Urais, 75,6 por cento. A região de Moscovo contava 2 por cento de famílias colectivizadas; o secretário do Partido, Báuman, tinha proposto concluir a colectivização no dia 10 de Março.117 O Baixo Volga contava 70,1 por cento de famílias colectivizadas, o Volga Central, 60,3 por cento e a Ucrânia, 60,8 por cento.118
Este desenvolvimento impetuoso do movimento kolkhoziano assim como a resistência violenta dos kulaques, arrastando consigo parte dos camponeses médios, provocaram de novo vivas discussões, nas quais surgiram pontos de vista opostos no seio do Partido.
No final de Janeiro, Stáline e Mólotov endereçaram um telegrama ao bureau do Partido para a Ásia Central, indicando a necessidade de
«avançar com a causa da colectivização na medida em que as massas estejam realmente envolvidas».119
Em 4 de Fevereiro, por instrução do Comité Central, o comité da região do Volga Central enviou uma directiva às organizações locais, na qual se sublinhava que
«a colectivização deve ser realizada na base do desenvolvimento de um amplo trabalho de massas junto dos camponeses pobres e médios, devendo ser firmemente combatidas quaisquer tentativas de forçar os camponeses pobres e médios a aderir aos kolkhozes através de métodos administrativos.»120
A 11 de Fevereiro, na Conferência das Regiões das Minorias Nacionais (Ásia central e Transcaucásia), Mólotov preveniu contra os «kolkhozes no papel». Após a conferência foram criticados os métodos administrativos utilizados no Uzbequistão e na região dos tchetchénes, assim como a falta de preparação das massas.121
A 13 de Fevereiro, o comité do Partido da região do Cáucaso do Norte exonera vários responsáveis de distritos e de sovietes de aldeia, acusados de
«utilização criminosa de métodos administrativos, de distorções da linha de classe e total ignorância das directivas dos órgãos superiores, enfraquecimento inadmissível no trabalho dos sovietes, ausência de trabalho de massas e atitude rude e brutal em relação à população».
Em 18 de Fevereiro, o comité critica a socialização total e forçada das vacas, galinhas, hortas e creches infantis e a desobe-diência às directivas sobre a «deskulaquização». Estas críticas tiveram a aprovação de Stáline.122
Em 2 de Março de 1930, Stáline publica o retumbante artigo intitulado «A vertigem do sucesso». Stáline afirmava que, em alguns casos, violou-se o princípio leninista da «adesão voluntária» aos kolkhozes. Os camponeses deviam poder convencer-se por experiência própria «da força e importância da nova técnica, da força e importância da nova organização colectiva das explorações». Em vários territórios do Turquemenistão onde, segundo o líder, «as condições favoráveis para a criação de kolkhozes são ainda menores», registavam-se tentativas de
«”alcançar e ultrapassar” as regiões mais avançadas da URSS através de ameaças de uso da força militar, através de ameaças de cortes do abastecimento de água potável e de produtos industriais aos camponeses que se recusam por enquanto a aderir ao kolkhoz.»
O avanço do movimento era em muitos casos uma ficção das autoridades locais que, segundo as palavras de Stáline, substituíam o trabalho suplementar da sua organização efectiva por
«kolkhozes de papel que ainda não existem na realidade, mas cuja “existência” é referida num monte de pomposas resoluções»123.
Notando que os «desvios» apenas podiam aproveitar aos inimigos do socialismo, Stáline constatava que os seus
«autores», «fazendo-se passar por de “esquerda”, na verdade levam a água ao moinho do oportunismo de direita».
Sobre as comunas agrícolas, o artigo considera que «as condições ainda não estão amadurecidas» para esta forma de organização, «onde não só a produção mas também a distribuição são socializadas» e censura os que
«irritam o camponês com a “socialização” da sua casa, de todo o gado leiteiro e miúdo, das aves domésticas».
Ao mesmo tempo, elegendo a associação cooperativa (artel) como principal forma de organização socialista da produção no campo, Stáline define com clareza o seu conceito:
«Na cooperativa agrícola estão socializados os principais meios de produção, principalmente, os que se destinam à produção cerealífera: o trabalho, o uso da terra, a maquinaria e demais equipamento, o gado de tracção, as instalações. Nela não se socializam: as parcelas individuais de terra (pequenos pomares e hortas), habitações, determinada parte do gado leiteiro, gado miúdo, aves domésticas, etc.
«O artel [associação cooperativa] constitui o principal elo do movimento kolkhoziano porque representa a forma mais completa para a resolução do problema cerealífero. O problema cerealífero constitui o elo fundamental no sistema de toda a agricultura, uma vez que sem a sua resolução não é possível resolver nem o problema da pecuária (gado bovino, ovino ou caprino), nem o problema das culturas especiais que fornecem a principal matéria-prima para a indústria.»124.
Em 10 de Março, uma resolução do Comité Central reafirmou estas posições, informando que «em certos distritos, a “deskulaquização” atingiu os 15 por cento».125 Uma comissão do Comité Central examinou o caso dos «deskulaquizados» enviados para a Sibéria. De 46 261 casos examinados, seis por cento tinham sido indevidamente exilados. Em três meses, 70 mil famílias foram reabilitadas nas cinco regiões de que existem informações.126 Este número deve ser conjugado com as 330 mil famílias expropriadas nas três categorias até ao final de 1930.
Hindus, um americano de origem russa, encontrava-se na sua aldeia natal quando o artigo de Stáline foi publicado. Eis o seu testemunho:
«No mercado, os camponeses formavam grupos lendo em voz alta o artigo e discutindo-o longamente com virulência, alguns estavam tão exaltados que compraram toda a vodka que podiam pagar e embriagaram-se.»127 «Com a publicação do seu artigo “A vertigem do sucesso”, Stáline tornou-se durante certo tempo um herói popular», assinala Lynne Viola.128
No momento em que Stáline escreveu este texto, 59 por cento dos camponeses tinham aderido aos kolkhozes. O líder desejava que a maioria permanecesse neles:
«A tarefa do Partido: consolidar os êxitos alcançados e utilizá-los sistematicamente para continuar a avançar.»129
Um decreto de 3 de Abril definiu várias medidas especiais destinadas a consolidar os kolkhozes existentes. Os agricultores colectivos podiam possuir um certo número de animais e trabalhar uma parcela de terra por sua conta. Os kolkhozes puderam aceder a uma linha de crédito de 500 milhões de rublos até ao final do ano. Os kolkhozes e os kolkhozianos beneficiaram da anulação de várias dívidas e pagamentos. Foram anunciadas reduções de impostos para os dois anos seguintes.130
No final de Março, Mólotov previne contra a debandada e insiste para que se mantenha tanto quanto possível o grau de colectivização embora rectificando os erros:
«A nossa orientação (...) é agir para garantir um certo nível de organização, mesmo que não seja completamente voluntário, e consolidar os kolkhozes».
Mólotov sublinhou que o «princípio voluntário bolchevique» difere do «princípio voluntário socialista-revolucionário e kulaque», que pressupunha igualdade de condições para o kolkhoz e para o camponês individual.131
Mas era também necessário corrigir com mão firme os erros esquerdistas e burocráticos. A 4 de Abril é exonerado Báuman, o secretário do Comité de Moscovo, um dos bastiões do «esquerdismo». Káganovitch, que o substituiu, demitiu 153 responsáveis de distrito e de okrug.1132
Num mundo rural dominado por pequenos produtores, a crítica feita por Stáline comportava necessariamente graves perigos. O entusiasmo pode facilmente transformar- se em desânimo; o oportunismo de direita, sempre presente, pode levantar cabeça quando os erros de esquerda sobem ao pelourinho. Entre os responsáveis locais surgiu um sentimento de pânico e de confusão; o moral e a confiança tinham sido abalados. Alguns afirmavam que o artigo de Stáline destruíra muitos kolkhozes viáveis, que tinha feito muitas concessões aos kulaques e que marcava um recuo para o capitalismo.133
No conjunto do Partido, as tendências oportunistas de direita derrotadas em 1928-29 permaneciam enraizadas. Alguns, assustados pela dureza e violência da luta de classes no campo, aproveitaram a crítica aos excessos na colectivização para relançar a crítica da própria colectivização. Sirtsov pertencera ao grupo oportunista de direita de Bukhárine em 1927-1928. Em Julho de 1930 foi promovido a membro suplente do Bureau Político. Em 20 de Fevereiro de 1930, fala da «apatia e do niilismo na produção que se verificavam em parte considerável dos camponeses dos kolkhozes»; ataca «a centralização e o burocratismo», que prevaleciam no seio dos kolkhozes, e afirma a necessidade de «desenvolver a iniciativa dos camponeses numa nova base».135
Tratava-se de uma posição de capitulação e de uma viragem na direcção dos kulaques. Em Agosto de 1930, Sirtsov preveniu contra o relançamento da colectivização e considerou que os kolkhozes não valeriam grande coisa se não tivessem uma base técnica sólida. Ao mesmo tempo, manifesta o seu cepticismo em relação às perspectivas da fábrica de tractores de Stalingrado. Em Dezembro de 1930, é excluído do Comité Central.136
Todos os elementos antipartido tentavam utilizar a crítica aos excessos contra a direcção do Partido e contra Stáline. Atacando a direcção leninista, ora com argumentos de direita ora com frases de «esquerda», pretendiam abrir portas às posições anticomunistas. Durante uma reunião na Academia de Agricultura Timiriázev, em Moscovo, um homem na sala gritou: «Onde estava o Comité Central durante os excessos?» O editorial do Pravda de 27 de Maio denunciou os demagogos que tentavam aproveitar as críticas aos erros para «desacreditar a direcção leninista do Partido».137
Um certo Mamáev escreveu numa tribuna de discussão:
«Inevitavelmente, coloca-se a questão: quem tem sofrido de vertigens? Devia falar-se da sua própria doença e não dar lições às massas do Partido.»
Mamáev denuncia
«a aplicação numa escala de massas de medidas repressivas contra os camponeses pobres e médios».
Alega que o campo não estaria maduro para a colectivização enquanto não fosse possível mecanizá-lo. Em seguida critica a «burocratização avançada» do Partido e condena «o excitamento artificial da luta das classes».138 Mamáev viria a ser justamente denunciado como «um agente dos kulaques no seio do Partido».
Expulso da União Soviética, Trótski passou a combater quase sistematicamente todas as posições adoptadas pelo Partido. Logo em Fevereiro de 1930 denunciou a colectivização e a «deskulaquização» como uma «aventura burocrática». Afirma que a tentativa de estabelecer o socialismo num só país, com base nos meios do camponês atrasado, estava condenada ao fracasso. Em Março, Trótski fala do
«carácter utópico e reaccionário de uma colectivização a 100 por cento». (...) «A organização forçada das grandes explorações colectivas sem a base tecnológica indispensável para assegurar a sua superioridade sobre as pequenas explorações»
é uma utopia reaccionária.
«Os kolkhozes», profetiza, «afundar-se-ão enquanto esperam a base técnica.»139
Estas críticas de Trótski, que pretendia representar «a esquerda», não se distinguiam em nada das lançadas pelos oportunistas de direita. Rakóvski,140 o principal trotskista que permaneceu na URSS em exílio interno, apelou ao derrube da «direcção centrista dirigida por Stáline». Os kolkhozes irão estoirar e formar-se-á uma frente rural contra o Estado socialista. Não se pode desencorajar a produção dos kulaques, embora se deva limitar os seus meios. É preciso importar produtos industriais para os camponeses e abrandar o crescimento da indústria soviética. Rakóvski reconhece que as suas propostas se assemelhavam às da direita bukharinista, mas alega: «nós somos um exército que se retira ordenadamente, eles são os desertores que fogem do campo de batalha».141
A taxa de colectivização caiu de 57,2 por cento, em 1 de Março de 1930, para 21,9 por cento, em 1 de Agosto, voltando a subir para 25,9 por cento em Janeiro de 1931.
Na região central das Terras Negras este índice caiu de 83,3 por cento, em 1 de Março, para 15,4 por cento em 1 de Julho. A região de Moscovo passou de 74,6 por cento para 7,5 por cento em 1 de Maio. A qualidade do trabalho político e organizativo reflectiu-se claramente no número de camponeses que saíram dos kolkhozes. O Baixo Volga, tendo atingido 70,1 por cento, em 1 de Março, mantinha uma taxa de 35,4 por cento, em 1 de Agosto, e voltou a atingir os 57,5 por cento em 1 de Janeiro de 1931. O Cáucaso do Norte apresentava os melhores resultados: 79,4 por cento em 1 de Março, 50,2 por cento em 1 de Julho e 60 por cento em 1 de Janeiro de 1931.142
Apesar de tudo, no seu conjunto, as conquistas desta primeira grande vaga de colectivização continuavam a ser notáveis. A taxa de colectivização ultrapassava largamente a meta prevista até ao final do primeiro plano quinquenal, em 1933.
Em Maio de 1930, após as saídas maciças dos kolkhozes, seis milhões de famílias permanecem nas unidades colectivas contra apenas um milhão em Junho de 1929. O kolkhoz médio tinha agora 70 famílias contra 18 em Junho de 1929. O nível de colectivização subira, os kolkhozes eram sobretudo cooperativas e não apenas associações para o amanho colectivo da terra. O número de animais de tracção aumentou de 2,11 milhões, em Janeiro de 1930, para 4,77 milhões. Os membros do Partido nos kolkhozes passaram de 81 957, em 1 de Junho de 1929, para 313 220. Antes da grande vaga de colectivização, os kolkhozes eram formados sobretudo por camponeses sem terra e camponeses pobres. Agora havia um grande número de camponeses médios que os integrava, representando 32,7 por cento dos membros das suas direcções.143 Os fundos indivisíveis dos kolkhozes elevavam-se a 510 milhões de rublos, dos quais 175 milhões eram provenientes da expropriação dos kulaques.144
Apesar das enormes convulsões da colectivização, a colheita de 1930 foi excelente. As boas condições climáticas tinham ajudado, e este factor terá levado o Partido a subestimar as dificuldades que viriam a seguir.
Segundo diferentes cálculos, a produção de cereais atingiu entre 77,2 a 83,5 milhões de toneladas, bastante acima dos 71,7 milhões obtidos em 1919.145 Graças à planificação nacional, as culturas técnicas, sobretudo as de algodão e beterraba, tinham aumentado a sua produção em 20 por cento. Em contrapartida, devido ao abate de um grande número de animais, a produção pecuária desceu de 5,68 mil milhões de rublos para 4,40 mil milhões: uma queda de 22 por cento.
Em 1930, o conjunto do sector colectivo (kolkhozes, sovkhozes e parcelas individuais dos kolkhozianos) foi responsável por 28,4 por cento do total da produção agrícola, contra 7,6 por cento no ano precedente.146
Os fornecimentos de cereais para as cidades passaram de 7,47 milhões de toneladas, em 1929-30, para 9,09 milhões em 1930-31, ou seja, um aumento de 21,7 por cento. Todavia, devido ao desenvolvimento acelerado da indústria, o número de pessoas afectadas pelo racionamento de pão nas cidades aumentou de 26 milhões para 33 milhões, um crescimento de 27 por cento.147
O consumo de produtos alimentícios diminuiu ligeiramente no campo, passando de 60,55 rublos por pessoa, em 1928, para 61,95 em 1929 e para 58,52 rublos em 1930. Porém, o consumo de produtos industriais aumentou de 28,29 rublos, em 1928, para 32,2 rublos, no ano seguinte, e para 32,33 em 1930. O consumo total da população rural evoluiu de um índice 100, em 1928, para 105,4, em 1929, baixando para 102,4 em 1930. O nível de vida tinha subido ligeiramente no campo, enquanto diminuía na cidade. O consumo total por pessoa nas cidades passou de um índice 100, em 1928, para 97,6, em 1929 e 97,5 no ano seguinte.148
Isto contradiz a acusação de Bukhárine de que Stáline tinha organizado a «espoliação feudal-burocrática» do campesinato: toda a população trabalhadora fazia sacrifícios enormes para a industrialização e as exigências feitas aos operários eram frequentemente mais duras que aos camponeses.
Para alimentar as cidades e realizar a industrialização, o Estado soviético aplicava uma política de preços extremamente baixos para os cereais. Contudo, em 1930, os rendimentos dos camponeses subiram consideravelmente graças às vendas nos mercados livres e ao trabalho sazonal.
Como observou Davies:
«O Estado assegurava o abastecimento de produtos agrícolas essenciais a preços muito abaixo do nível de mercado. Mas quando se consideram as entregas (ao Estado) e as vendas no mercado como um conjunto, constata-se que os preços ao produtor agrícola aumentaram muito mais rapidamente do que os preços dos produtos industriais. Os termos de troca alteraram-se a favor da agricultura.»149 (...) «O controlo centralizado da produção agrícola parece ter tido um certo sucesso no que respeita ao seu objectivo primeiro, que era assegurar o abastecimento de alimentos à população urbana e de matérias-primas agrícolas à indústria.»150
Em Outubro de 1930, os produtores individuais orientados para o mercado ainda constituíam 78 por cento das famílias camponesas. O Pravda de 21 de Outubro escreveu:
«Nas circunstâncias actuais deste Outono, depois de ter havido uma boa colheita, devido aos preços especulativos muito elevados dos cereais, da carne e dos legumes no mercado, algumas famílias de camponeses médios transformam-se rapidamente em famílias de camponeses médios ricos e em kulaques.»151
Entre Setembro e Dezembro de 1930 foi lançada uma campanha de propaganda dirigida aos kolkhozes. As direcções dos kolkhozes distribuíram relatórios de actividade aos camponeses individuais das redondezas. Foram convocadas reuniões especiais para aqueles que tinham abandonado os kolkhozes depois de Março. Em Setembro, 5625 «comissões de recrutamento», constituídas por kolkhozianos, deslocam-se aos distritos com baixos níveis de colectivização para convencer os camponeses. Na região central das Terras Negras, 3,5 milhões de camponeses individuais são convidados a participar em assembleias gerais dos kolkhozes para discussão do relatório anual.
Os kulaques que sabotavam a colectivização continuaram a ser exilados, sobretudo na Ucrânia onde, no início de 1931, o número total de exilados das três categorias atingiu os 75 mil.152
Mas a campanha de colectivização do Outono de 1930 foi conduzida com prudência pela direcção do Partido, sem o rigor e o pulso da primeira vaga, e não houve uma campanha central de deslocação dos kulaques.153
De 1 de Setembro a 31 de Dezembro de 1930, um milhão e 120 mil famílias entraram para os kolkhozes, o que significava que 25,9 por cento das famílias camponesas haviam optado pela agricultura colectiva.154 Com a concessão das melhores terras e de diversos tipos de vantagens aos kolkhozianos, a pressão económica sobre os camponeses individuais acentuou-se durante o ano de 1931. Entre Junho de 1930 e Junho de 1931, a segunda grande vaga da colectivização elevou o número de famílias colectivizadas de 23,6 por cento para 57,1 por cento.
Nos três anos seguintes, registou-se um ligeiro aumento de 4,6 por cento em média até se alcançar os 71,4 por cento em Junho de 1934. De Junho de 1935 a Junho de 1936 passou-se de 83,2 por cento para 90,3 por cento, completando-se no essencial a colectivização da agricultura.155
A colectivização do ano de 1930 é frequentemente descrita como tendo sido imposta pela força às massas camponesas. Porém, gostaríamos de sublinhar a extraordinária criatividade social e económica deste período, uma criatividade revolucionária, da qual deram provas as massas, os quadros intelectuais e os dirigentes do Partido. Os traços essenciais do sistema agrícola socialista foram, na sua maioria, «inventados» no decurso da luta entre 1929 e 1931.
Davies é obrigado a reconhecê-lo:
«Foi um processo de aprendizagem em grande escala, num lapso de tempo extremamente curto, no qual os dirigentes do Partido e seus conselheiros, os responsáveis locais do Partido, os camponeses e as instituições econômicas contribuíram todos para o resultado final. Os principais traços do sistema kolkhoziano estabelecido em 1929-1930 foram mantidos até à morte de Stáline e durante algum tempo depois.»156
Em primeiro lugar, o kolkhoz foi concebido como a forma organizativa que permitia introduzir a grande produção mecanizada num país agrícola atrasado. Assentavam essencialmente na cultura dos cereais e culturas técnicas, nomeadamente o algodão e a beterraba. A sua produção era fornecida ao Estado a preços muito reduzidos, o que permitiu impulsionar a industrialização socialista: as verbas destinadas pelo estado ao abastecimento das cidades e ao aprovisionamento da indústria em matérias-primas agrícolas foram mantidas em níveis muito baixos. Os kolkhozianos eram compensados através de rendimentos consideráveis resultantes da venda no mercado livre e das ocupações subsidiárias.
Em segundo lugar, o sistema das estações de máquinas-tractores foi concebido como a via principal para a introdução da mecanização do campo. A este propósito Bettelheim escreveu:
«A partir da base jurídica da colectivização, a agricultura pôde beneficiar de investimentos maciços que transformaram totalmente as condições técnicas das explorações agrícolas.» (...) «Esta revolução total da técnica agrícola só foi possível graças à substituição da pequena e média exploração pela grande exploração.»157
Mas como se conseguiu introduzir a técnica moderna nos kolkhozes? A questão não era simples.
No Verão de 1927, Markévitch criou em Chevtchénko [Ucrânia] um sistema original, a estação de máquinas-tractores, que permitia colocar maquinaria à disposição dos kolkhozes, mantendo um controlo central sobre o equipamento.
Nos começos de 1929, havia duas estações de máquinas-tractores, propriedade do Estado, com 100 tractores. Havia também 50 «colónias de tractores» pertencentes às cooperativas cerealíferas, com 20 tractores cada. Outros 800 tractores pertenciam a 147 grandes kolkhozes, mas a maioria estava dispersa pelas pequenas explorações colectivas que contavam com um total de 20 mil unidades.159
Em Julho de 1929, a maior parte dos tractores estava assim em poder das cooperativas agrícolas e dos kolkhozes. Numa conferência então realizada, houve quem propusesse que os tractores e máquinas fossem vendidos aos kolkhozes: se os camponeses não fossem os proprietários directos das máquinas nunca se mobilizariam para reunir o financiamento necessário. Contudo, em Agosto de 1929, a Inspecção Operário-Camponesa criticou as experiências das cooperativas que eram proprietárias de tractores. Este sistema tornava impossível uma planificação séria, a população não tinha a preparação necessária, as avarias eram frequentes por uso indevido e faltavam oficinas de reparação. 160
Em Fevereiro de 1930, o Partido abandonou a experiência dos kolkhozes gigantes, muito populares até então entre os activistas, para tomar a aldeia-kolkhoz como base da colectivização. Em Setembro de 1930, decide concentrar todos os tractores utilizados pelos kolkhozes em estações de máquinas-tractores (MTS),161 propriedade do Estado.162 Markévitch propôs a concentração de 200 tractores, assistidos por uma oficina de reparação, para servir 40 a 50 mil hectares de terra arável. Defendia a necessidade de gerir a tecnologia agrícola através de um «centro organizativo unificado» para toda a URSS. Era preciso seleccionar os distritos prioritários, estudar a tecnologia mundial para escolher os melhores tipos de máquinas, padronizar e centralizar a sua oferta.163
Logo na Primavera de 1930, no momento do «recuo maciço» da colectivização, este sistema provou a sua superioridade. As MTS serviam apenas oito por cento dos kolkhozes, no entanto verificou-se que estas unidades conservaram 62 por cento dos camponeses. Por outro lado, as MTS facilitavam a recolha de cereais pelo Estado, uma vez que os kolkhozes entregavam-lhes um quarto da colheita como pagamento pelo serviço.164 Os trabalhadores das MTS tinham o estatuto de operários industriais. Como representantes da classe operária no campo, exerciam uma influência determinante sobre os kolkhozianos nos domínio das educação política e técnica e na organização. Em 1930, foram formados 25 mil tractoristas. Na Primavera de 1931, após concluírem os respectivos cursos, 200 mil jovens camponeses ingressaram nas MTS, 150 mil dos quais como tractoristas.165
Em terceiro lugar, foi montado o engenhoso sistema de remuneração das «jornadas de trabalho». Um decreto de 28 de Fevereiro de 1933 dividiu os principais trabalhos agrícolas em sete categorias tarifárias, cujo valor expresso em jornadas de trabalho variava de 0,5 a 1,5. Quer dizer que o trabalho mais duro ou mais difícil era remunerado três vezes mais que o trabalho leve e fácil. O rendimento disponível do kolkhoz era dividido, no final do ano, entre os kolkhozianos, proporcionalmente ao número de jornadas de trabalho efectuadas. Em 1932, o rendimento médio por família nas regiões cerealíferas era de 600,2 quilos de cereais e 108 rublos. Em 1937 elevava-se a 1741,7 quilos de cereais e 376 rublos.166
Finalmente foi encontrado um equilíbrio entre o trabalho colectivo e a actividade individual dos camponeses kolkhozianos. O estatuto-tipo do kolkhoz, adoptado a 7 de Fevereiro de 1935, fixou os grandes princípios da sua organização e funcionamento, tal como tinham emanado de cinco anos de lutas e experiências.167 Em 1937, as superfícies cultivadas em regime de parcelas individuais dos kolkhozianos representavam 3,9 por cento da área total cultivada, mas os camponeses retiravam delas 20 por cento dos seus rendimentos. Cada família podia possuir três animais de grande porte, dos quais uma vaca, mais dez carneiros e ovelhas, uma porca com criação e uma quantidade ilimitada de aves e de coelhos.168
No final de 1930, as MTS dispunham de 31 114 tractores. O plano previa o seu aumento para 60 mil unidades em 1931. Porém esse número não foi alcançado. Mas, em 1932 as MTS já contavam com 82 700 tractores. O resto das 148 500 unidades existentes encontrava-se nos sovkhozes.
O número de tractores aumentou de forma constante no decurso dos anos 30: de 210 900 em 1933, passou para 276 400, no ano seguinte, atingindo as 360 300, em 1935, e as 422 700 em 1936. Em 1940, a URSS contava com 522 mil tractores.169
Uma outra estatística, que indica o número de tractores em unidades de 15 cavalos, confirma o esforço extraordinário feito nos anos 1930-1932. No início de 1929, a URSS rural contava 18 mil tractores calculados em unidades de 15 cavalos, 700 camiões e duas (2!) ceifeiras-debulhadoras. No começo de 1933 havia 148 mil tractores, 14 mil camiões e um número semelhante de ceifeiras. No começo da guerra, em 1941, os kolkhozes e sovkhozes utilizavam 684 mil tractores (sempre em unidades de 15cv), 228 mil camiões e 182 mil ceifeiras.170
Por muito que a burguesia insista em invectivar a repressão que atingiu os camponeses ricos devido à colectivização, é incontestável que o camponês russo, no espaço de uma década, passou da Idade Média para pleno século XX. O seu desenvolvimento cultural e técnico foi extraordinário.
Estes progressos foram um reflexo do aumento contínuo dos investimentos na agricultura. De 379 milhões de rublos em 1928, passou-se a 2590 milhões, em 1930, 3645 milhões em 1931, nível que se manteve durante dois anos, atingindo, em 1934, os 4661 milhões e os 4983 milhões de rublos em 1935.171
Estes números refutam a teoria de que a agricultura soviética teria sido «explorada» pela cidade: nunca uma economia capitalista teria podido realizar investimentos tão importantes no campo. A parte da agricultura no conjunto dos investimentos passou de 5 por cento, em 1923-1924, para 20 e 25 por cento nos anos cruciais de 1931 e 1932; a sua parte era de 18 por cento em 1935.172
A produção agrícola conheceu um incremento generalizado a partir de 1933. No ano anterior ao início da colectivização, a colheita de cereais tinha atingido 71,7 milhões de toneladas. Em 1930 registou-se uma colheita excepcional de 83,5 milhões de toneladas. Em 1931 e 1932, a União Soviética atravessou o auge da crise resultante das convulsões socioeconómicas, da resistência aguda dos kulaques, das poucas vantagens que tinha sido possível oferecer aos camponeses naqueles anos cruciais para o investimento industrial, da introdução lenta de máquinas e dos efeitos da seca. A produção de cereais caiu para 69,5 e para 69,9 milhões de toneladas. Depois houve três boas colheitas consecutivas, de 1933 a 1935, com 89,8, 89,4 e 90,1 milhões de toneladas. Condições climáticas extraordinariamente negativas produziram uma má colheita em 1936, com apenas 69,3 milhões de toneladas, mas os seus efeitos foram atenuados graças às reservas e à boa planificação na distribuição. No ano seguinte alcançou-se a colheita recorde de 120,9 milhões de toneladas. A produção manteve-se elevada entre 1938 e 1940, com 94,99, 105 e 118,8 milhões de toneladas de cereais recolhidos.
A agricultura socialista ganhou ímpeto assim que os efeitos dos investimentos industriais maciços se fizeram sentir. O valor do conjunto da produção agrícola estagnou entre 1928 e 1934, oscilando entre um máximo de 14,7 mil milhões e um mínimo de 13,1 mil milhões de rublos. Depois elevou-se de 16,2 mil milhões, em 1935, para 20,1 mil milhões, em 1937, e para 23,2 mil milhões de rublos em 1940.173
A população rural, que entre 1926 e 1940 aumentou de 120 para 132 milhões de pessoas, foi capaz de alimentar uma população urbana que explodiu de 26,3 milhões para 61 milhões de habitantes no mesmo período.174
Em 1938, o consumo dos kolkhozianos, em relação ao dos camponeses sob o antigo regime, representava as seguintes percentagens: pão e farinha, 125 por cento; batatas, 180 por cento; frutas e legumes, 147 por cento; leite e lacticínios, 148 por cento; carne e derivados, 179 por cento.175
A colectivização do campo cortou rente a tendência espontânea da pequena produção mercantil de polarizar a sociedade em ricos e pobres, em exploradores e explorados. Os kulaques, os burgueses rurais, foram reprimidos e eliminados enquanto classe social. O desenvolvimento de uma burguesia rural, num país onde cerca de 80 por cento da população continuava a viver no campo, teria asfixiado e aniquilado o socialismo soviético. A colectivização impediu-o.
A colectivização e a economia planificada permitiram à União Soviética resistir à agressão fascista e fazer face à guerra total desencadeada pelos nazis alemães. Durante os primeiros anos da guerra, o consumo de trigo teve de ser reduzido para metade, mas, graças ao planeamento, as quantidades disponíveis eram equitativamente distribuídas. As regiões ocupadas e arrasadas pelos nazis representavam 47 por cento da superfície de terras cultivadas. Os fascistas destruíram 98 mil explorações colectivas. Mas entre 1942 e 1944 foram cultivados 12 milhões de hectares de novas terras no Leste do país.176 Graças ao sistema socialista, a produção agrícola conseguiu, no essencial, recuperar o nível de 1940 logo em 1948.177 No espaço de alguns anos, um sistema completamente novo de organização do trabalho, uma transformação total da técnica e uma revolução cultural profunda conquistaram o coração dos camponeses.
Bettelheim assinala:
«A maioria esmagadora dos camponeses revelou grande apego ao novo regime de exploração. Tivemos a prova durante a guerra nas regiões ocupadas pelas tropas alemães onde, apesar dos esforços feitos pelas autoridades nazis, a forma de exploração kolkhoziana foi mantida.»178
A opinião deste simpatizante do sistema comunista pode ser pertinentemente completada pelo testemunho de Aleksandr Zinóviev, um adversário de Stáline. Em criança, Zinóviev tinha sido testemunha da colectivização.
Sobre isto escreveu:
«Quando ia regularmente à minha aldeia, e também mais tarde, perguntei muitas vezes à minha mãe e a outros kolkhozianos se aceitariam retomar uma exploração individual caso lhes fosse dada essa possibilidade. Todos sempre me responderam com uma recusa categórica.» (...) «A escola do burgo contava apenas sete salas, mas dava acesso às escolas técnicas da região que formavam veterinários, agrónomos, mecânicos, condutores de tractores, contabilistas. Em Tchúkhloma179 havia uma escola secundária. Todos estes estabelecimentos e estas profissões eram elementos de uma revolução cultural sem precedentes. A colectivização tinha contribuído directamente para essa transformação. Além desses especialistas locais com alguma formação, às aldeias afluíram, de facto, técnicos vindos das cidades com formação secundária ou mesmo superior. A estrutura da população rural aproximou-se da sociedade urbana. Fui testemunha desta evolução desde a minha infância. Esta transformação extremamente rápida da sociedade rural forneceu ao novo sistema um apoio colossal nas grandes massas da população. E isto apesar de todos os erros da colectivização e da industrialização.»180
Na realidade, as realizações extraordinárias do regime soviético valeram-lhe «um apoio colossal» entre os trabalhadores e uma «aversão horrorosa» por parte das classes exploradoras. Zinóviev oscila constantemente entre essas duas posições.
Estudante no pós-guerra, Zinóviev relata uma discussão que teve com outro colega, adversário do comunismo:
«— Se não tivesse havido a colectivização e a industrialização, teríamos podido ganhar a guerra contra os alemães?
— Não.
— Sem os rigores stalinistas, teríamos podido manter o país numa ordem relativa?
— Não.
— Se não desenvolvêssemos a indústria e os armamentos, teríamos preservado a integridade do nosso Estado?
— Não.
— Então, que propões tu?
— Ora, nada!»181
Nos anos 80, a direita recuperou muitos dos temas desenvolvidos pelos nazis durante a guerra psicológica contra a URSS. Após 1945, de modo geral, os esforços para reabilitar o nazismo começaram com afirmação de que «o stalinismo era pelo menos tão bárbaro quanto o nazismo». Ernst Nolte, secundado por um Jürgen Habermas, afirmou, em 1986, que o extermínio dos kulaques por Stáline podia ser comparado ao extermínio dos judeus por Hitler!
«Auschwitz não é, à partida, o resultado do anti-semitismo tradicional. No fundo, não foi na sua essência um “genocídio”, mas antes uma reacção nascida da ansiedade ante os actos de extermínio da revolução russa. A cópia era muito mais irracional do que o original.»182
Assim, os hitlerianos teriam sido atormentados pela «ansiedade» ante os crimes stalinistas; e o extermínio dos judeus não foi senão uma «reacção» a esta «ansiedade». No seu tempo, Hitler usou argumentos semelhantes: a agressão contra a URSS era uma medida de «autodefesa» contra a ameaça judaico-bolchevique. E alguns espantam-se com o facto de o fascismo voltar a ascender na Alemanha?
O termo soviético de «liquidação dos kulaques enquanto classe» indica perfeitamente que se trata de eliminar a exploração de tipo capitalista própria aos kulaques e nunca de liquidar fisicamente os kulaques. Mas, especulando com a palavra «liquidação», homens sem escrúpulos, como Nolte e Conquest, alegam que os kulaques exilados foram «exterminados»!
Stefan Merl, um investigador alemão, descreve as condições precárias em que os primeiros kulaques foram expropriados e enviados para a Sibéria, durante a vaga de colectivização de Janeiro a Março de 1930.
«Com o início da Primavera, a situação nos campos de acolhimento agravou-se. Espalharam-se epidemias que fizeram muitas vítimas sobretudo entre as crianças. Por esta razão, todas as crianças foram retiradas dos campos, em Abril de 1930, e reenviadas para as suas aldeias de origem. Nessa altura, haviam sido deportados para Norte cerca de 400 mil pessoas; até ao Verão de 1930, morreram provavelmente entre 20 mil a 40 mil pessoas.» 183
Aqui, Merl informa-nos de passagem que um grande número das «vítimas do terror» pereceu devido às epidemias e que o Partido reagiu prontamente para proteger as crianças.
Merl afirma igualmente que, no Outono de 1930, os transportes «foram efectuados em condições menos bárbaras». A maioria foi enviada para a Sibéria e Cazaquistão, «regiões onde havia um défice considerável de força de trabalho». No decurso dos anos 1930-1935 havia carência de força de trabalho sobretudo nas novas regiões de exploração. O regime tentava utilizar todos os recursos disponíveis. É por isso pouco plausível que tivesse «eliminado» homens que trabalhavam a terra na Sibéria e no Cazaquistão desde há um ou dois anos. No entanto, Merl estima que os 100 mil chefes de família kulaques da primeira categoria, enviados para o sistema Gulag, foram todos mortos. Ora, o Partido incluiu na primeira categoria somente 63 mil kulaques e destes apenas os culpados de actos terroristas e contra-revolucionários estavam sujeitos a execução.
Merl prossegue:
«Cem mil outras pessoas perderam provavelmente a vida no início de 1930 devido à expulsão das suas casas, à deportação para o Norte e às execuções.»
Depois acrescenta outras 100 mil pessoas «mortas nas regiões de deportação até o fim dos anos 30». Sem outra precisão ou indicação.184 O número de 300 mil mortos é, portanto, baseado em estimativas pouco fiáveis, sendo que as mortes se devem largamente a causas naturais, velhice e doença, e às condições gerais do país.
No entanto, Merl viu-se obrigado a defender as suas estimativas, consideradas «muito fracas» perante as de um criptofascista como Conquest. Este último «calculou» que seis milhões e 500 mil kulaques tenham sido «massacrados» durante a colectivização, dos quais três milhões e 500 mil nos campos da Sibéria!185 Conquest é visto como uma «autoridade» por toda a direita. Mas Merl constata que Conquest padece de uma «espantosa ausência de crítica das fontes». Conquest
«utiliza escritos obscuros de emigrados, recuperando informações transmitidas em segunda ou terceira mão.» (...) «Frequentemente, o que apresenta como “factos” assenta numa única fonte discutível.»186 (...) «Segundo estas “provas”, o número de vítimas invocado por Conquest ultrapassa em mais do dobro o número de deportados.»187
Desde há muito, pois, que o trabalho de autores estranhos ao comunismo como Merl permitem refutar as calúnias grosseiras de Conquest. Todavia, em 1990, Zemskov e Dúguine, dois historiadores soviéticos, publicaram estatísticas detalhadas do Gulag. Os números exactos passaram assim a estar disponíveis e refutam a maior parte das falsificações de Conquest.
Durante o período mais violento da colectivização, em 1930-31, os camponeses expropriaram 381 026 kulaques e enviaram as suas famílias para as terras virgens no Leste. Ao todo foram afectadas 1 803 392 pessoas. Em 1 de Janeiro de 1932 foram recenseados 1 317 022 indivíduos nos locais de estabelecimento. A diferença é de 486 mil pessoas. Aproveitando a desorganização, uma grande parte dos deportados evadiu- se ao longo da viagem, que durava frequentemente três ou mais meses. (A título de comparação: de um milhão e 317 mil instalados, 207 010 conseguiram evadir-se durante o ano de 1932.)188 Outros, cujos casos foram revistos, puderam regressar às suas antigas casas. Um número indeterminado, que se pode estimar em 100 mil, faleceu durante a viagem, sobretudo devido às epidemias. O elevado número de baixas durante a deslocação tem de ser visto no contexto da época: uma administração muito fraca, condições de vida precárias para toda a população e lutas de classe muitas vezes caóticas num meio rural atreito ao esquerdismo. Evidentemente que, para a direita, o culpado de cada falecimento em viagem foi o Partido, foi Stáline. Ora o contrário é a verdade. A posição do Partido está expressa num dos numerosos relatórios sobre este problema, redigido pelo responsável de uma colónia de trabalho em Novossibirsk, em 20 de Dezembro de 1931.
«A forte mortalidade observada nos comboios números 18 a 23, provenientes do Cáucaso do Norte - 2421 pessoas em 10 086 à partida -, pode explicar-se pelas seguintes razões:
Todas estas mortes foram classificadas na rubrica «crimes stalinistas». Mas este relatório mostra que duas das causas apontadas estão ligadas à não observância das directivas do Partido e que a terceira se prende com as condições e os hábitos sanitários deploráveis no conjunto do país.
Conquest «calculou» que três milhões e 500 mil kulaques foram «exterminados» nas colónias.190 Mas o número total de «deskulaquizados» nas colónias nunca ultrapassou 1 317 022! E entre 1932 e 1935, o número dos que deixaram as colónias ultrapassou em 299 889 os novos instalados. De 1932 até final de 1940, o número exacto do total de mortes, essencialmente devido a causas naturais, foi de 389 521. E este número não se refere exclusivamente aos «deskulaquizados», já que, desde 1935, outras categorias de detidos povoaram as colónias.
Que comentários podemos fazer à afirmação de Conquest de que seis milhões 500 mil kulaques foram «massacrados» durante as diferentes fases da colectivização? Só uma parte dos 63 mil contra-revolucionários da primeira categoria foi executada. O número de falecimentos durante o transporte, causado em larga medida pela fome e epidemias, terá rondado os 100 mil. Entre 1932 e 1940 podemos estimar que 200 mil kulaques morreram nas colónias de causas naturais. As execuções e as mortes verificaram-se no decurso da mais vasta luta de classes que o campo russo jamais viu, uma luta que revolucionou um campo atrasado e primitivo. Nesta agitação gigantesca, 120 milhões de camponeses saíram da Idade Média, do analfabetismo e do obscurantismo. Os visados foram as forças reaccionárias, interessadas em manter a exploração e as condições de vida e de trabalho degradantes e desumanas. A repressão da burguesia e dos reaccionários era absolutamente necessária para realizar a colectivização: só o trabalho colectivo tornaria possível a mecanização socialista, permitindo assim às massas camponesas ter uma vida livre, digna e cultivada.
Movidos pelo seu ódio ao socialismo, intelectuais ocidentais têm propagado as calúnias absurdas de Conquest sobre os seis milhões e 500 mil kulaques «exterminados». Tomam assim a defesa da democracia burguesa, da democracia imperialista. Em Moçambique, a Renamo, organizada pela CIA e pelos serviços secretos da África do Sul, massacrou e condenou à fome 900 mil aldeões desde 1980. O objectivo: impedir que Moçambique emirja como país independente de orientação socialista. Em Moçambique, os intelectuais ocidentais não necessitam inventar cadáveres, basta simplesmente constatar a barbárie do imperialismo. Mas esses 900 mil mortos são um não-facto: não são referidos.
A Unita, apoiada e sustentada abertamente também pela CIA e pela África do Sul, matou mais de um milhão de angolanos durante a guerra civil contra o governo nacionalista do MPLA. Depois de ter perdido as eleições de 1992, Savimbi, o homem da CIA, permitiu-se relançar sua guerra destruidora.
«A tragédia angolana ameaça a vida de três milhões de pessoas (...) Savimbi recusou aceitar a vitória eleitoral do governo, por 129 lugares contra 91, e mergulhou de novo Angola num conflito feroz que já exigiu mais 100 mil vidas (em 12 meses).»191
Cem mil mortos africanos, é claro, não são nada. Quantos intelectuais ocidentais, que adoram ainda hoje bramir contra a colectivização, ignoram simplesmente os dois milhões de camponeses moçambicanos e angolanos massacrados pelo Ocidente para impedir que os seus países sejam realmente independentes e escapem ao controlo do capital internacional?
Notas: não incluídas em virtude de falha no original transcrito
Inclusão | 28/12/2015 |