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As mentiras debitadas sobre a colectivização foram sempre as armas predilectas da burguesia na guerra psicológica contra a União Soviética. Analisamos aqui o mecanismo de uma das mentiras mais «populares», a do holocausto cometido por Stáline contra o povo ucraniano. Esta calúnia brilhantemente elaborada devemo-la ao génio de Hitler. No seu Mein Kampf, escrito em 1926, já tinha indicado que a Ucrânia pertencia ao «lebensraum» [espaço vital] alemão. A campanha lançada pelos nazis em 1934-1935, sobre o tema do «genocídio» bolchevique na Ucrânia, destinava-se a preparar os espíritos para a projectada «libertação» da Ucrânia. Veremos por que esta mentira sobreviveu aos seus criadores nazis para se tornar numa arma americana. Eis como nasceram as fábulas sobre os «milhões de vítimas do stalinismo».
Em 18 de Fevereiro de 1935, nos Estados Unidos, a imprensa de Hearst — o grande magnata da imprensa e simpatizante dos nazis — inicia a publicação de uma série de artigos de Thomas Walker, apresentado como grande viajante e jornalista, que viajou através da União Soviética durante vários anos. À cabeça da primeira página do Chicago American, de 25 de Fevereiro, surgiu um título enorme:
«A fome na União Soviética faz seis milhões de mortos. Colheita dos camponeses confiscada, homens e animais rebentam». A meio da página, um outro título: «Jornalista arrisca a vida para obter fotos da carnificina». No rodapé: «Fome - crime contra a humanidade».(1)
Na altura, Louis Fischer trabalhava em Moscovo para o jornal The Nation. A «cacha» do seu colega, um ilustre desconhecido, intriga-o profundamente. Por isso investiga o caso e apresenta as conclusões aos leitores do seu jornal.
«O senhor Walker informa-nos que entrou na Rússia na última Primavera, ou seja, a Primavera de 1934. Ele viu a fome. Fotografou as suas vítimas. Recolheu testemunhos em primeira mão sobre a devastação da fome que vos despedaçaram o coração. A fome na Rússia tornou-se um tema muito quente. Por que razão teria o senhor Hearst guardado estes artigos sensacionais durante dez meses antes de publicá-los? Decidi consultar as autoridades soviéticas sobre o assunto. Thomas Walker esteve uma única vez na União Soviética. Recebeu um visto de trânsito no consulado soviético, em Londres, no dia 29 de Setembro de 1934. Entrou na URSS a partir da Polônia, de comboio, em Negoréloe, no dia 12 de Outubro de 1934. Não na Primavera, como afirmou. No dia 13 chegou a Moscovo. Permaneceu em Moscovo de sábado, 13, a quinta-feira, 18, e tomou em seguida o Transiberiano que o levou à fronteira entre a União Soviética e a Manchúria em 25 de Outubro de 1934 (...) Teria sido impossível a Mr. Walker, nos cinco dias compreendidos entre 13 e 18, percorrer um terço dos pontos que “descreve” por experiência própria. Minha hipótese é que permaneceu tempo suficiente em Moscovo para obter no azedume de terceiros a “cor local” ucraniana de que necessitava para dar a seus artigos a falsa verosimilhança que têm.»
Um amigo de Fisher, também americano, Lindsay Parrot, havia estado na Ucrânia no começo de 1934. Não viu qualquer sequela da fome de que fala a imprensa de Hearst. Pelo contrário, a colheita de 1933 tinha sido abundante. Fisher conclui:
«A organização de Hearst e os nazis desenvolvem uma cooperação cada vez mais estreita. Não vi que a imprensa de Hearst tivesse publicado os relatos do Sr. Parrot sobre uma Ucrânia soviética próspera. O Sr. Parrot é o correspondente do Sr. Hearst em Moscovo...»(2)
Na legenda da fotografia de uma pequena rapariga e uma criança esquelética, Walker escreveu:
«Terrível! A Norte de Khárkov, uma rapariga muito magra e o seu irmão de dois anos e meio. Esta criança rastejava pelo chão como um sapo e seu pobre pequeno corpo estava tão deformado por falta de comida que não parecia humano.»
Douglas Tottle, sindicalista e jornalista canadiano, que consagrou um livro notavelmente bem documentado sobre o mito do «genocídio ucraniano», descobriu a fotografia da criança-sapo, supostamente datada da Primavera de 1934, numa publicação de 1922 sobre a fome na Rússia. Uma outra foto de Walker foi identificada como sendo a de um soldado da cavalaria austríaca, ao lado de um cavalo morto, tirada durante a I Guerra Mundial.(3)
Triste senhor Walker: a sua reportagem é falsa, as suas fotos são falsas, até ele próprio é falso. O verdadeiro nome deste homem é Robert Green. Evadiu-se da prisão do Estado de Colorado após ter cumprido dois anos de uma pena de oito. Depois foi inventar a sua reportagem para a União Soviética. No regresso aos Estados Unidos foi preso e reconheceu diante do Tribunal jamais ter posto os pés na Ucrânia.
O multimilionário Wiliam Randolph Hearst encontrou-se com Hitler no final do Verão de 1934 para concluir um acordo estipulando que a Alemanha passaria a comprar as suas notícias internacionais ao International New Service, uma agência que pertencia ao grupo Hearst. Nessa época, a imprensa nazi já tinha iniciado uma campanha sobre «a fome na Ucrânia». Hearst dará a sua contribuição graças à imaginação do seu grande explorador, o sr. Walker.(4)
Na imprensa de Hearst apareceram outros testemunhos do mesmo género sobre a fome. Um certo Fred Beal pô-los em letra de forma. Operário americano condenado a 20 anos de prisão na sequência de uma greve, Beal refugiou-se na União Soviética no ano de 1929 trabalhando durante dois anos na fábrica de tractores de Khárkov. Em 1933, publica um pequeno livro intitulado Foreign workers in a Soviete Tractor Plant, onde relata com simpatia os esforços do povo soviético. No final de 1933, regressa aos Estados Unidos. Encontra o desemprego, mas também a prisão. Em 1934, começa a escrever sobre a fome na Ucrânia, após o que as autoridades reduzem de forma significativa a sua pena. Quando o seu «testemunho» é publicado por Hearst, em Junho de 1935, J. Wolynec, um outro americano que tinha trabalhado cinco anos na mesma fábrica em Khárkov, apontará as mentiras que entremeavam o texto. Sobre as inúmeras conversas que Beal alegava ter registado, Wolynec nota que Beal não falava nem russo nem ucraniano. Em 1948, Beal ofereceu outra vez os seus serviços à extrema-direita como testemunha de acusação contra comunistas perante o Comité McCarthy.(5)
Em 1935 é publicado em alemão o livro Muss Russland hungern?, do Dr. Ewald Ammende. Tem como fontes a imprensa nazi alemã, a imprensa fascista italiana, a imprensa dos emigrados ucranianos e «viajantes» e «especialistas», assim citados, sem qualquer outra precisão. Publica fotografias que afirma «constarem entre as fontes mais importantes sobre a realidade actual da Rússia». «A maior parte foi tirada por um especialista austríaco», explica laconicamente Ammende. Há também fotos pertencentes ao Dr. Ditloff, que foi, até Agosto de 1933, director da Concessão Agrícola do governo alemão no Cáucaso do Norte. Didoff afirma ter fotografado, no Verão de 1933, «nas regiões agrícolas da zona da fome». Ora sendo Ditloff funcionário do governo nazi, como teria podido deslocar-se do Cáucaso até Ucrânia para caçar tais imagens? Das fotos de Ditloff, sete já tinham sido publicadas por Walker, entre as quais está a da «criança-sapo». A fotografia que mostra dois jovens esqueléticos, símbolos da fome ucraniana de 1933, pôde ser vista na série televisiva La Russie, de Peter Ustinov. Foi retirada de um filme-documentário sobre a fome na Rússia de 1922! Uma outra foto de Ammende, afinal também já tinha sido publicada pelo órgão nazi Volkischer Beobachter, em 18 de Agosto de 1933, e foi igualmente identificada em livros datados de 1922.
Ammende tinha trabalhado na região do Volga em 1913. Durante a Guerra Civil de 1917-1918, ocupou cargos nos governos contra-revolucionários germanófilos da Estónia e da Letónia. Depois trabalhou para o governo de Skoropádski, instalado pelo exército alemão na Ucrânia, em Março de 1918. Afirmou ter participado nas campanhas de ajuda humanitária durante a fome na Rússia de 1921-1922, o que explica a sua familiaridade com o material fotográfico dessa época. Durante anos, Ammende foi o secretário-geral do denominado «Congresso Europeu das Nacionalidades», próximo do Partido Nazi, que reunia emigrados da União Soviética. No final de 1933, Ammende torna-se secretário honorário do «Comité de Ajuda às regiões atingidas pela fome na Rússia», dirigido pelo cardeal pró-fascista Innitzer, em Viena. Ammende esteve portanto estreitamente ligado a toda a campanha anti-soviética dos nazis.
Quando Reagan lançou a sua cruzada anticomunista no começo dos anos 80, o professor James E. Mace, da Universidade de Harvard, julgou oportuno reeditar e prefaciar o livro de Ammende sob o título Human Life in Rússia. Estávamos no ano de 1984. Desta forma, todas as falsificações nazis, os falsos documentos fotográficos e a pseudo-reportagem de Walker na Ucrânia obtiveram a respeitabilidade académica associada ao nome de Harvard.
No ano anterior, emigrados de extrema-direita ucranianos haviam publicado, nos Estados Unidos, The Great Famine in Ukraine: The Unknow Holocaust. Douglas Tottle pôde verificar que todas as fotografias deste livro datam dos anos 1921-1922. Por exemplo, a foto da capa pertence ao doutor F. Nansen, do Comité Internacional de Ajuda à Rússia, e foi publicada em Information n.° 22, Génova, 30 de Abril de 1922, pág. 66.
O revisionismo dos neonazis «revê» a história para justificar, antes de tudo, os crimes bárbaros do fascismo contra a União Soviética. Os neonazis negam também os crimes cometidos pelos hitlerianos contra os judeus. Negam a existência dos campos de extermínio onde pereceram milhões de judeus. E inventam «holocaustos» pretensamente cometidos pelos comunistas e pelo camarada Stáline. Com esta mentira, fabricam uma justificação das matanças bestiais que os nazis cometeram na União Soviética. E para este revisionismo ao serviço da luta anticomunista, receberam o pleno apoio de Reagan, Bush, Thatcher e companhia.
Milhares de nazis ucranianos conseguiram entrar nos Estados Unidos após a II Guerra Mundial. Durante o período MacCarthy, testemunharam na qualidade de vítimas da «barbárie comunista». Relançaram a fábula da fome-genocídio num livro em dois volumes, Black Deeds of the Kremlin, publicados em 1953 e 1955, sob edição da «Associação Ucraniana das Vítimas do Terror Comunista Russo» e da «Organização Democrática dos Ucranianos Perseguidos sob o Regime Soviético». Neste livro, caro a Robert Conquest que o cita abundantemente, encontramos a glorificação de Petliúra, responsável pelo massacre de várias dezenas de milhares de judeus entre 1918-1920, e uma homenagem a Chukhévitch, o comandante nazi do batalhão Rossignol e do Exército Insurreccional Ucraniano.
Black Deeds of the Kremlin contém também uma série de fotos da fome-genocídio de 1932-33. Todas falsas. Deliberadamente falsas. Uma imagem, intitulada «Pequeno canibal», provém do Information n.° 22, do Comité Internacional de Ajuda à Rússia, publicado em 1922, onde a foto tem como legenda «Canibal de Zaporóje: ele comeu a irmã». Na página 155, Black Deeds inclui uma foto de quatro soldados e um oficial que acabam de executar homens. Título: «A execução dos kulaques». Detalhe: os soldados vestem o uniforme tsarista! E assim nos mostram execuções tsaristas como prova dos «crimes de Stáline.»(6)
Um dos autores do volume I é Alexandre Hay-Holowko, que foi ministro da Propaganda no governo da Organização dos Nacionalistas Ucranianos de Bandera, Durante a sua breve existência, este governo matou vários milhares de judeus, polacos e bolcheviques em Lvov.
Entre as pessoas citadas como «apoiantes» deste livro está Bilotserkiwsky, aliás Anton Chpak, um antigo oficial da polícia nazi em Bila Tserkva, onde, segundo o testemunho do escrivão Skrybnyak, dirigiu o extermínio de dois mil civis.(7)
Em Janeiro de 1964, o professor Dana Dalrymple publicou o artigo «A fome soviética de 1932-34», no Soviet Studies, onde alega que houve 5,5 milhões de mortos, a média de 20 estimativas de diversos autores.
Uma questão coloca-se de imediato: em que fontes se baseiam as «estimativas» do professor?
A primeira fonte é Thomas Walker, o homem da falsa viagem à Ucrânia, o qual, segundo Dalrymple, «falava provavelmente o russo»! A segunda fonte: Nicholas Prychodko, um emigrado de extrema-direita, que foi ministro da Cultura e da Educação da Ucrânia durante a ocupação nazi! Cita o número de sete milhões de mortos.
Em seguida vem Otto Schiller, funcionário nazi, encarregado da reorganização da agricultura na Ucrânia, sob a ocupação dos hitlerianos. Dalrymple cita o seu texto publicado em Berlim, em 1943, onde estabelece o número de mortos em 7,5 milhões.
A quarta fonte é Ewald Ammende, o nazi que esteve pela última vez na Rússia em 1922. Em duas cartas publicadas em Julho e Agosto de 1934, no The New York Times, Ammende fala de 7,5 milhões de mortos e afirma que, em Julho, as pessoas morriam nas ruas de Kíev. Alguns dias mais tarde, o correspondente deste jornal nova-iorquino, Harold Denny, desmentiu as informações de Ammende.
«O vosso correspondente esteve em Kíev durante vários dias em Julho último, no momento em que supostamente as pessoas morriam, mas nem na cidade nem nos campos em redor havia fome.» Algumas semanas mais tarde Harold Denny regressou ao tema: «Em nenhuma parte reinava a fome. Em nenhuma parte havia o receio de fome. Havia comida, inclusive pão, nos mercados locais. Os camponeses sorriam e eram generosos com os alimentos.»(8)
Segue-se Frederick Birchall, que refere mais de quatro milhões de mortos num artigo de 1933. Nessa altura, Birchall foi um dos primeiros jornalistas americanos em Berlim a exprimir a sua simpatia pelo regime hitleriano.
William H. Chamberlain é a sexta e a sétima fonte e Eugene Lyons a oitava. Chamberlain começa por falar em quatro milhões, mas mais à frente cita os 7,5 milhões de mortos determinados «segundo estimativas de residentes estrangeiros na Ucrânia», simplesmente. Os cinco milhões de mortos de Lyons são também fruto de boatos e rumores, «estimativas de estrangeiros e de russos em Moscovo»! Chamberlain e Lyons eram dois anticomunistas profissionais. Tornaram-se membros do comité de direcção do «Comité Americano para a Libertação do Bolchevismo», que era financiado em 90 por cento pela CIA. Este comité dirigia a Radio Liberty.
O número mais elevado, dez milhões, foi fornecido sem explicações por Richard Sallet na imprensa pró-nazi de Hearst. Em 1932, a população propriamente ucraniana era de 25 milhões de habitantes...(9)
Entre as 20 fontes do trabalho «académico» do senhor Dalrymple, três tinham origem na imprensa pró-nazi e cinco em publicações de direita dos anos McCarthy (1949-1953). Dalrymple utiliza dois autores fascistas alemães, um antigo colaboracionista nazi ucraniano, um emigrado russo de direita, dois agentes da CIA e um jornalista simpatizante de Hitler. Um grande número de dados foi fornecido por vagos «residentes estrangeiros na União Soviética» não identificados.
As duas estimativas mais baixas datadas de 1933 vêm de jornalistas americanos colocados em Moscovo e conhecidos pelo seu rigor profissional, Ralph Barnes, do New York Herald Tribune, e Walter Duranty, do New York Times. O primeiro fala de um milhão, o segundo de dois milhões de mortos pela fome.
Para apoiar a sua nova cruzada anticomunista e justificar a corrida louca aos armamentos, Reagan estimulou uma grande campanha sobre o «50.° Aniversário da Fome-Genocídio na Ucrânia» em 1983. Era preciso provas de que o comunismo é o genocídio para tornar sensível a ameaça terrível que pesava sobre o Ocidente. Essas provas serão fornecidas pelos nazis e seus colaboradores. Dois professores norte-americanos deram-lhes cobertura com a sua autoridade académica: James E. Mace, de Harvard, co-autor de Famine in the Soviet Ukraine, e Walter Dushnyck, que escreveu Há 50 anos: O Holocausto pela Fome na Ucrânia. Terror e Miséria como Instrumento do Imperialismo Russo Soviético, prefaciado por Dana Dalrymple.
A obra de Mace inclui 44 fotografias «da fome-genocídio de 1932-1933». Vinte e quatro são extraídas de duas obras nazis escritas por Laubenheimer. Esse último atribui a maior parte das imagens a Ditloff e começa a exposição com uma citação do Mein Kampf:
«Se o judeu, graças à sua religião marxista, conseguir vencer os outros povos deste mundo, a sua coroa será a coroa funerária da humanidade e o planeta evoluirá no universo, como há milhões de anos, sem seres humanos.»
Todas as fotos de Laubenheimer-Ditloff são falsificações provenientes da I Guerra Mundial e da fome de 1921-1922!(10) O segundo professor, Dushnyck, foi identificado como quadro da Organização Nacionalista Ucraniana, de obediência fascista, activo desde o final dos anos 30.
Dushnyck inventou um método «científico» para calcular as mortes da «fome-genocídio» e Mace seguiu-o nesta linha.
«Se compararmos os dados do recenseamento de 1926 (...) com os do recenseamento de 17 de Janeiro de 1939 (...) e levarmos em conta o aumento médio da população antes da colectivização (2,36 por cento), podemos calcular que a Ucrânia (...) perdeu 7,5 milhões de pessoas entre os dois recenseamentos.»(11)
Estes cálculos não valem absolutamente nada. A I Guerra Mundial, as guerras civis e a grande fome 1920-1922 provocaram uma redução da natalidade; ora, a nova geração atingiu os 16 anos, a idade da procriação, precisamente a partir de 1930. A estrutura da população tinha assim necessariamente de conduzir a uma queda da natalidade durante os anos 30.
O aborto livre também provocou uma redução notória da natalidade nos 30, a ponto de o governo o ter suspendido em 1936 com o objectivo de aumentar a população.
Os anos 1929-1933 caracterizaram-se por grandes e violentas lutas no campo, que foram acompanhadas por momentos de fome. Tais condições económicas e sociais provocaram uma queda das taxas de natalidade. Também o número de pessoas registadas como ucranianas se alterou devido aos casamentos interétnicos, às mudanças de nacionalidade e às migrações.
Para além disso, as fronteiras da Ucrânia não eram as mesmas em 1929 e em 1926. Os cossacos do Kuban, entre dois a três milhões de pessoas, foram recenseados como ucranianos em 1926 e reclassificados como russos no final da década de 20. Só por si, esta nova classificação explica 25 a 40 por cento das «vítimas da fome-genocídio» calculadas por Dushnyck-Mace.(12)
Acrescentemos que a população da Ucrânia, segundo os números oficiais, aumentou três milhões e 339 mil pessoas entre 1926 e 1939. Compare-se este crescimento com a evolução da população judaica que foi sujeita a um real genocídio organizado pelos nazis...(13)
Para testar a validade do «método Dushnyck», Douglas Tottle fez um exercício sobre a província de Saskatchewan, no Canadá, onde decorreram grandes lutas camponesas nos anos 30. A repressão foi em geral sangrenta. Tottle propôs-se «calcular» as vítimas da «repressão-genocídio» praticada pelo exército burguês canadiano na província de Saskatchewan:
Este «método científico» aplicado ao Canadá seria qualificado por qualquer homem razoável de farsa grotesca; no entanto, aplicado à União Soviética é largamente utilizado nas publicações da direita como uma «prova» do terror «stalinista».
A campanha da «fome-genocídio», lançada pelos nazis em 1933, atingiu o seu auge meio século mais tarde, em 1983, com o filme Harvest of Despair [A Colheita do Desespero], destinado ao grande público, e com o livro Harvest of Sorrow [A Colheita da Dor], de Robert Conquest (1986), dirigido à intelectualidade.
Os filmes A Colheita do Desespero, sobre o «genocídio ucraniano», e The Killing Fields [Terra Sangrenta], sobre o «genocídio» no Cambodja, foram as duas obras mais importantes, criadas pelo séquito de Reagan, para convencer as pessoas de que o comunismo era sinónimo de genocídio.
Harvest of Despair obteve a medalha de ouro no 28.° Festival Internacional do Cinema e da TV de Nova Iorque, e em 1985. Os mais importantes testemunhos sobre o «genocídio» que aparecem neste filme são apresentados por nazis alemães e seus antigos colaboradores. A primeira testemunha, Stepan Skrípnik, foi redactor-chefe do jornal nazi Volin durante a ocupação alemã. Em três semanas, com o beneplácito das autoridades hitlerianas, este homem foi promovido de leigo à posição de bispo da Igreja ortodoxa ucraniana e, em nome da «moral cristã», fez uma ruidosa propaganda a favor da Nova Ordem. No final da guerra, refugiou-se nos Estados Unidos.
O alemão Hans Von Herwarth é outra testemunha. Trabalhou na União Soviética no serviço que recrutava homens para o exército do general Vlássov entre os prisioneiros soviéticos. O seu compatriota Andor Henke, que era um diplomata nazi, figura também no filme.
Para ilustrar a «fome-genocídio» de 1932-1933, os autores utilizaram sequências de notícias filmadas anteriores a 1917, fragmentos dos filmes A Fome do Tsar, de 1922, Arsenal, de 1929, e excertos de O Cerco de Leningrado, filmado durante a II Guerra Mundial.
Atacado publicamente em 1986 por tais falsificações, Marco Carynnik, que esteve na base deste filme e foi responsável pelas pesquisas, fez a seguinte declaração pública:
«Nenhum dos fragmentos filmados de arquivo data da fome ucraniana e só em muito poucos casos foi possível confirmar a autenticidade das fotografias apresentadas de 1932-33. No final do filme, a sequência dramática de uma jovem macilenta, que também tem sido usada na promoção do filme, não data da fome de 1932-33.» (...) «Fiz questão de notar que este género de inexactidões é inadmissível, mas não me quiseram ouvir», disse Carynnik numa entrevista.(14)
Em Janeiro de 1978, Davie Leigh publicou um artigo no Guardian, de Londres, revelando que Robert Conquest tinha trabalhado para o serviço de desinformação, oficialmente designado Information Research Department (IRD), pertencente aos serviços secretos ingleses. Nas embaixadas inglesas, era tarefa do responsável do IRD colocar material «falsificado» nas mãos dos jornalistas e personalidades públicas. Leigh afirmou:
«Robert Conquest pertenceu ao serviço IRD (Information Research Department). Trabalhou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros até 1956.»(15)
Por proposta do IRD, Conquest escreveu um livro sobre a União Soviética; um terço da edição foi comprada pela Praeger, que publica e distribui frequentemente livros por encomenda da CIA. Em 1986, Conquest contribuiu para a campanha de Reagan, que procurava convencer o povo americano do perigo de uma eventual ocupação dos Estados Unidos pelo Exército Vermelho! O livro de Conquest intitulou-se Que Fazer Quando os Russos Chegarem: um manual de sobrevivência.
No seu livro O Grande Terror, publicado em 1973, Conquest calculou o número de mortos da colectivização de 1932-1933 entre cinco e seis milhões, metade dos quais na Ucrânia. Exactamente dez anos mais tarde, com a ajuda da histeria anticomunista do período de Reagan, Conquest julgou oportuno alargar as condições da fome até 1937 e aumentar as suas «estimativas» para 14 milhões de mortos.
O seu livro Harvest of Sorrow, publicado em 1986, é uma versão pseudo-académica da história que é contada desde os anos 30 pela extrema-direita ucraniana. Conquest afirma que a extrema-direita ucraniana travou um combate «anti-alemão e anti- soviético», repetindo assim a mentira que os bandos criminosos inventaram após a sua derrota, quando procuravam emigrar para os Estados Unidos.
Na sua abordagem da história ucraniana, Conquest refere a ocupação nazi uma única vez, como um período entre duas vagas de terror vermelho!(16) No seu relato omitiu completamente o terror bestial que os fascistas ucranianos promoveram durante a ocupação alemã porque encontrou neles os seus melhores informadores sobre a «fome-genocídio».
Románe Chukhévitch comandou o batalhão Rossignol, constituído por ucranianos de direita que vestiam o uniforme alemão. O seu batalhão ocupou Lvov a 30 de Junho de 1941. Em três dias massacrou sete mil judeus. Em 1943, Chukhévitch foi nomeado comandante do Exército Insurreccional Ucraniano (EIU), de Stepan Bandera, cujos membros alegaram após a guerra ter combatido os alemães e os vermelhos.(17)
Todos os «relatos» dos combates alegadamente travados contra os alemães revelaram-se falsos. Afirmaram ter executado o chefe do Estado-Maior das SA, Victor Lutze, quando este faleceu num acidente de viação perto de Berlim. Disseram ter enfrentado dez mil soldados alemães perto de Volnia, no Verão de 1943. No entanto, o historiador Reuben Ainsztein provou que, durante esta batalha, cinco mil ucranianos de direita participaram ao lado de dez mil soldados alemães numa grande operação de cerco e aniquilamento do exército de resistentes dirigido pelo célebre bolchevique Aleksei Fiódorov!(18).
Ainsztein assinala:
«Os bandos do Exército Insurreccional Ucraniano, conhecidos como “banderistas”, revelaram-se os inimigos mais perigosos e mais cruéis dos judeus sobreviventes, dos camponeses e dos colonos polacos e de todos os resistentes anti-alemães.»(19)
A 14.a divisão Waffen-SS da Galícia, ou divisão Galitchina, foi criada em Maio de 1943. No apelo à incorporação dos ucranianos, Kubióvitch, chefe da Organização dos Nacionalistas de Direita ucranianos, tendência Mélnik, declarou:
«Chegou o momento há tanto tempo esperado, agora que o povo ucraniano tem de novo a possibilidade de combater de armas na mão o seu inimigo mais atroz, o bolchevismo moscovita-judeu. O führer do Grande Reich alemão aceitou a formação de uma unidade separada de voluntários ucranianos.»(20)
Inicialmente, os nazis tinham imposto a sua autoridade directa na Ucrânia sem concederam qualquer tipo de autonomia aos seus aliados ucranianos. Foi na base desta rivalidade entre fascistas alemães e ucranianos que os nacionalistas de direita construíram mais tarde o mito da sua «oposição aos alemães». Repelidos pelo Exército Vermelho, os nazis mudaram de táctica em 1943, atribuindo um maior papel aos assassinos ucranianos. A criação de uma divisão «ucraniana» da Waffen-SS foi considerada como uma vitória do «nacionalismo ucraniano»! Em 16 de Maio de 1944, Himmler, o chefe das SS, felicitou a divisão Galitchina por ter desembaraçado a Ucrânia de todos os seus judeus.
Wasyl Veryha, um veterano da 14.a divisão Waffen-SS, tendência Mélnik, escreveu em 1968:
«O pessoal integrado na divisão tornou-se a coluna vertebral do Exército Insurreccional Ucraniano (...). O comando do EIU enviou também homens para receberem treino militar adequado na divisão. Isto reforçou o EIU que permaneceu sobre o solo da pátria (após a retirada alemã), sobretudo ao nível das chefias, comandantes e instrutores.»(21)
Embora a Organização dos Nacionalistas Ucranianos («ONU»), da tendência Mélnik, e a «ONU», da tendência Bandera, fossem concorrentes que, por vezes, chegavam ao confronto armado, constatamos que ambas colaboraram contra os comunistas sob a direcção dos nazis alemães.
O oficial nazi Schtolze revelou diante do Tribunal de Nuremberga que Canaris, o chefe da espionagem alemã, havia
«dado instruções para formar redes clandestinas para continuar a luta contra o poder soviético na Ucrânia. (...) Agentes competentes eram deixados no terreno especialmente para dirigirem o movimento nacionalista.»(22)
Assinale-se que o grupo trotskista de Mandel continuou a apoiar a luta armada «anti-stalinista», conduzida pelos bandos de nazis ucranianos entre 1944 e 1952.
Durante a guerra, John Loftus foi responsável pelo serviço de investigações especiais do Departamento de Justiça de Washington, encarregado de detectar nazis que tentavam infiltrar-se nos Estados Unidos. No seu livro, The Belarus Secret, afirma que o seu serviço se opôs à entrada no país de nazis ucranianos. Todavia, Frank Wisner, que dirigia o Office de coordenação política, um serviço de informações, permitiu a entrada sistemática nos EUA de antigos nazis ucranianos, croatas e húngaros.
Wisner, que teria mais tarde um importante papel na CIA, declarou:
«A Organização dos Nacionalistas Ucranianos e o Exército Insurreccional Ucraniano, exército de resistentes por ela criado em 1942 (sic), lutaram duramente tanto contra os alemães como contra os russos soviéticos.»
Aqui se vê como os serviços de informações americanos, imediatamente após a guerra, recuperaram a versão da história apresentada pelos nazis ucranianos, com o objectivo de utilizar estes anticomunistas na luta clandestina contra a União Soviética.
Loftus responde a Wisner:
«É completamente falso. Um agente do Corpo de Contra-Informação dos Estados Unidos fotografou 11 volumes de fichas secretas internas da “ONU” relativas a Bandera. Essas fichas mostram claramente que a maior parte dos seus membros trabalhava para a Gestapo ou para as SS como polícias, executores, caçadores de resistentes e de funcionários municipais.»(23)
Nos Estados Unidos, antigos nazis ucranianos criaram «institutos de investigação» para difundir a sua história «revista» da II Guerra Mundial. Loftus assinala:
«O financiamento desses “institutos de investigação”, que não eram outra coisa senão grupos de cobertura para antigos oficiais das informações nazis, era assegurado pelo Comité Americano para a Libertação do Bolchevismo.»(24)
«Contra Hitler e contra Stáline», tal foi a consigna sob a qual antigos hitlerianos e a CIA uniram os seus esforços. Os mais desprevenidos poderão pensar que a fórmula «contra o fascismo e contra o comunismo» é uma espécie de «terceira via», mas não é nada disso. Na verdade, após a derrota nazi, esta fórmula juntou os antigos partidários da Grande Alemanha e os seus sucessores americanos, que visavam a hegemonia mundial.
Como Hitler foi relegado ao passado, a extrema-direita alemã, ucraniana, croata, etc., uniu-se à extrema-direita americana. Uniram esforços contra o socialismo e contra a União Soviética, que tinha carregado o peso essencial da guerra antifascista. Para reunirem todas as forças burguesas, cobriram o socialismo com um dilúvio de mentiras, afirmando que era pior que o nazismo. A fórmula «contra Hitler e contra Stáline» serviu para a fabulação dos «crimes» e «holocaustos» de Stáline, para melhor camuflar e, em seguida, negar terminantemente os crimes monstruosos e os holocaustos de Hitler.
Em 1986, os veteranos do Exército Insurreccional Ucraniano, os mesmos que afirmaram ter lutado «contra Hitler e contra Stáline», publicaram um livro intitulado Por Que Valerá Mais Um Holocausto Que Outro?, escrito por um antigo membro do EIU, Iúri Chumátski. Lamentando que «historiadores revisionistas neguem a existência de câmaras de gás e afirmem que menos de um milhão de judeus foram mortos ou foram perseguidos», Chumátski acrescenta:
«Segundo as declarações dos sionistas, Hitler matou seis milhões de judeus, mas Stáline, apoiado pelo aparelho de Estado judeu, conseguiu matar dez vezes mais cristãos.»(25)
Se, em Harvest of Sorrow, Conquest recupera a versão da história dos nazis ucranianos é porque os antigos efectivos da divisão Waffen-SS Galitchina e do Exército Insurreccional Ucraniano lhe forneceram o essencial das suas «fontes» sobre a «fome-genocídio» de 1932-1933!
Eis as provas. O segundo capítulo, a parte crucial de Harvest of Sorrow, intitula-se «A fome dá raiva». Contém uma lista impressionante de 237 referências. Mas um olhar um pouco mais atento mostra-nos que mais da metade conduzem a emigrados de direita ucranianos. A obra dos fascistas ucranianos Black Deeds of the Kremlin está citada 55 vezes!
No mesmo capítulo, Conquest cita 18 vezes o livro The Ninth Circle, de Olexa Woropay, publicado em 1953 pelo movimento juvenil da organização fascista de Stepan Bandera. O autor apresenta a sua biografia detalhada nos anos 30, mas nada diz sobre as suas actividades durante a ocupação! Uma confissão mal disfarçada do seu passado nazi. Recomeça a sua biografia em 1948, na cidade Munique, onde muitos fascistas ucranianos encontraram refúgio. Foi lá que entrevistou ucranianos sobre a «fome-genocídio» de 1932-1933. Nenhuma das «testemunhas» está identificada, o que torna o trabalho desprovido de qualquer carácter científico. Nada nos diz sobre a actividade das testemunhas durante a guerra, o que levanta a hipótese provável de se tratar de nazis ucranianos em fuga que «revelam a verdade sobre o stalinismo.»(26)
Beal, que colaborou com a polícia americana e escreveu na imprensa pró-nazi de Hearst, é citado cinco vezes por Conquest. Krávtchenko, emigrado anticomunista, serviu duas vezes de fonte, Lev Kópelev, outro emigrado russo, cinco vezes. Entre as referências científicas, figura em lugar destacado um romance de Grossman, ao qual Conquest se refere 15 vezes.
Conquest cita as entrevistas do Projet Refugies de Harvard, financiado pela CIA. Cita o Comité do Congresso sobre a Agressão Comunista do tempo de MacCarthy, o livro nazi de Ewald Ammende, publicado em 1936. Conquest refere-se cinco vezes a Eugène Lyons e a William Chamberlain, dois homens que exerceram funções no comité de direcção da Radio Liberty, a estação da CIA.
Na página 244, Conquest cita «um americano» que viu pessoas famintas «numa aldeia a 30 quilómetros a Sul de Kíev»: «Numa cabana, ferviam uma porcaria que era impossível de descrever». Referência: New York Evening Journal, 18 de Fevereiro de 1933. Na realidade, trata-se do artigo de Thomas Walker na imprensa de Hearst, publicado em 1935! Conquest alterou deliberadamente a data do jornal para que coincidisse com a fome de 1933. Conquest não identifica o americano: receou que alguém se recordasse que Thomas Walker era um falsificador que nunca pôs os pés na Ucrânia. Conquest é um falsificador.
Para justificar a utilização de livros de emigrados relatando boatos e rumores, Conquest declarou:
«Desta forma, a verdade não pode ser filtrada senão sob a forma de boatos» e «sobre questões políticas, a melhor fonte — apesar de não ser infalível — é o rumor».(27)
Isto é elevar a intoxicação, a desinformação, as mentiras fascistas ao nível da respeitabilidade académica.
Em 1932-1933 houve fome na Ucrânia. Mas foi provocada principalmente pela luta de morte que a extrema-direita ucraniana moveu contra o socialismo e contra a colectivização da agricultura. No decurso dos anos 30, esta extrema-direita ligada aos hitlerianos já tinha utilizado a fundo o tema da «fome provocada deliberadamente para exterminar o povo ucraniano». Após a II Guerra Mundial esta propaganda foi «ajustada» com o objectivo principal de encobrir os crimes cometidos pelos nazis e mobilizar as forças do Ocidente contra o comunismo.
Com efeito, desde o começo dos anos 50, a realidade do extermínio de seis milhões de judeus impôs-se ante a consciência mundial. A extrema-direita mundial tinha necessidade de uma quantidade superior de mortos «vítimas do terror comunista». E, em 1953, o ano do macartismo triunfante, assistiu-se a um crescimento espectacular do número de mortos na Ucrânia durante a fome ocorrida 20 anos antes. Como os judeus tinham sido mortos de forma deliberada, científica, era necessário que «o extermínio» do povo ucraniano tomasse também a forma de um genocídio cometido a sangue frio. A extrema-direita, que nega com convicção o holocausto dos judeus, inventa então o holocausto ucraniano!
A fome de 1932-1933 na Ucrânia teve quatro causas. Antes de mais foi provocada pela verdadeira guerra civil desencadeada pelos kulaques e os elementos reaccionários contra a colectivização da agricultura.
Frederick Schuman viajou como turista pela Ucrânia durante o período da fome. Já como professor do Williams College, publicou, em 1957, um livro sobre a União Soviética. Nesta obra fala-se da fome.
«A oposição (dos kulaques) manifestou-se de início pelo abate do gado bovino e cavalar, que consideravam preferível a vê-los colectivizados. Dado que a maioria das vacas e dos cavalos pertencia aos kulaques, o resultado foi terrível para a agricultura soviética. Entre 1928 e 1933, o número de cavalos passou de cerca de 30 milhões para menos de 15 milhões; de 70 milhões de cabeças de gado bovino, das quais 31 milhões vacas, passou-se para 38 milhões, das quais 20 milhões de vacas; o número de carneiros e cabras diminuiu de 147 milhões para 50 milhões e o de porcos, de 20 milhões para 12 milhões. Em 1941, a economia rural soviética ainda não tinha recuperado completamente destas perdas terríveis (... ) Alguns (kulaques) assassinaram funcionários, incendiaram propriedades colectivas e chegaram a queimar as suas próprias colheitas e sementes. Um número ainda maior recusou-se a semear e a colher, talvez na convicção de que as autoridades lhes fariam concessões e lhes assegurariam de qualquer forma a alimentação. O que se seguiu foi a “fome” de 1932-1933. (...) Relatos macabros, fictícios na sua maior parte, apareceram na imprensa nazi e na imprensa de Hearst nos Estados Unidos (...). A fome, nas suas fases ulteriores, não foi o resultado de um défice de alimentação, apesar da redução importante das sementes e das colheitas, consequência das requisições especiais na Primavera de 1932, motivadas aparentemente pelo receio de uma guerra com o Japão. A maior parte das vítimas foram kulaques que se haviam recusado a semear os seus campos ou que tinham destruído a sua colheita.»(28)
É interessante constatar que este testemunho é confirmado por um artigo publicado em 1934, de Isaac Mazepa, chefe do movimento nacionalista ucraniano e antigo primeiro-ministro de Petliúra em 1918. Na altura, gabou-se de a direita ter conseguido em 1930-1932 sabotar em grande escala os trabalhos agrícolas.
«Começou por haver distúrbios nos kolkhozes, noutros lugares foram mortos funcionários comunistas e seus colaboradores. Mas depois desenvolveu-se sobretudo um sistema de resistência passiva que visava entravar sistematicamente os planos dos bolcheviques para as sementeiras e colheitas. Os camponeses faziam parte da resistência passiva; mas, na Ucrânia, a resistência adquiriu o carácter de uma luta nacional. A oposição da população ucraniana provocou o descalabro do plano de colheitas de 1931 e, sobretudo, de 1932. A catástrofe de 1932 foi o golpe mais duro que a Ucrânia soviética suportou depois da fome de 1921-1922. As campanhas das sementeiras falharam tanto no Outono como na Primavera. Vastas áreas foram deixadas incultas. Ainda por cima, no ano anterior, no início das ceifas, em várias regiões, sobretudo no Sul, 20, 40 e mesmo 50 por cento dos cereais foram deixados nos campos, não foram colhidos ou foram destruídos durante a malha.»(29)
A segunda causa da fome foi a seca que atingiu grandes zonas da Ucrânia em 1930, 1931 e 1932. Para James E. Mace, de Harvard, trata-se de uma história inventada pelo regime soviético. No entanto, Michail Kruchevski, um dos principais historiadores nacionalistas, na sua História da Ucrânia, refere-se ao ano de 1932 nos seguintes termos:
«Este novo ano de seca coincidiu com condições agrícolas caóticas.»(30)
O professor Nicholas Riasnovsky, que leccionou no Russian Research Center, em Harvard, escreve que os anos 1930 e 1931 foram marcados por condições de seca. O professor Michael Florinsky, que lutou contra os bolcheviques durante a Guerra Civil, assinala:
«Secas severas em 1930 e 1931, especialmente na Ucrânia, agravaram a situação da agricultura e criaram condições próximas da fome.»(31)
A terceira causa da mortalidade foi uma epidemia de tifo que assolou a Ucrânia e o Cáucaso do Norte. Hans Blumenfeld, um arquitecto canadiano de renome, que se encontrava na época na cidade de Makaiévka, escreveu:
«Não há dúvida de que a fome tem feito muitas vítimas. Não disponho de dados para calcular o seu número. (...) Provavelmente a maior parte das mortes de 1933 foi causada por epidemias de tifo, de febre tifóide e de disenteria. Doenças transmitidas pela água eram frequentes em Makaiévka; eu próprio sobrevivi à justa de um ataque de febre tifóide.»
Horslet Grant, o homem que inventou a estimativa absurda de 15 milhões de mortos pela fome (isto é, 60 por cento da população ucraniana, que contava 25 milhões de pessoas em 1932), assinala, todavia, que
«o pico da epidemia de tifo coincidiu com o da fome». (...) É impossível separar estas duas causas que foram as mais importantes em número de vítimas.»(32)
A quarta causa da fome foi a inevitável desordem provocada pela reorganização total da agricultura e igualmente profunda transformação de todas as relações económicas e sociais: a falta de experiência, a improvisação e confusão nas directivas, a falta de preparação, o radicalismo esquerdista de determinadas camadas mais pobres e de alguns funcionários.
O número de um a dois milhões de mortos da fome é importante. Estas perdas humanas foram largamente causadas pela oposição feroz das classes exploradoras à organização e à modernização da agricultura numa base socialista. Mas a burguesia inscreverá estas mortes na conta de Stáline e do socialismo. Este número, de um a dois milhões, deve ser comparado com os nove milhões de mortos causados pela fome de 1920-1921. Esta foi essencialmente provocada pela intervenção militar de oito potências imperialistas e pelo apoio que prestaram aos grupos armados reaccionários.
A fome não foi além do período que precedeu a colheita de 1933. Medidas extraordinárias tomadas pelo governo soviético garantiram o sucesso da colheita desse ano. Logo na Primavera, 16 mil toneladas de sementes, alimentos e forragens foram enviados para a Ucrânia. A organização e a gestão dos kolkhozes foram melhoradas e vários milhares de tractores, de debulhadoras e de camiões suplementares foram fornecidos.
Hans Blumenfeld apresenta nas suas Memórias um resumo da experiência que viveu durante a época da fome na Ucrânia.
«Uma conjunção de um número de factores (a causa). Em primeiro lugar, o Verão quente e seco de 1932, que já tinha visto no Norte de Viátka,(33) fez fracassar a colheita nas regiões semi-áridas do Sul. Depois, a luta pela colectivização tinha desorganizado a agricultura. A colectivização não era um processo que seguia uma ordem e regras burocráticas. Consistia em acções dos camponeses pobres, encorajados pelo Partido. Os camponeses pobres revelavam grande entusiasmo em expropriar os kulaques, mas mostravam menos fervor na organização de uma economia cooperativa. Em 1930, o Partido já tinha enviado quadros para combater e corrigir os excessos. (...) Depois de, em 1930, ter dado provas de prudência, o Partido desencadeou nova ofensiva em 1932. Como consequência, a economia dos kulaques deixou de produzir nesse ano e a nova economia colectiva ainda não estava a produzir em pleno. Com uma produção insuficiente, assegurava-se, em primeiro lugar, as necessidades da indústria urbana e das forças armadas; não era possível fazer de outro modo, já que o futuro de toda a nação, inclusive dos camponeses, dependia delas (... ) Em 1933, as chuvas foram suficientes. O Partido enviou os seus melhores quadros para ajudar no trabalho organizativo dos kolkhozes. Tiveram êxito. Após a colheita de 1933, a situação melhorou radicalmente e com uma velocidade impressionante. Tive a impressão de que havíamos puxado uma carroça muito pesada através de uma montanha na incerteza de o conseguirmos, mas, no Outono de 1933, tínhamos ultrapassado o cume e a partir daí podíamos avançar em ritmo acelerado.»(34)
Hans Blumenfeld sublinha que a fome atingiu tanto as regiões do Baixo Volga e a Região do Cáucaso do Norte como a Ucrânia.
«Isso refuta o “facto” de um genocídio anti-ucraniano similar ao holocausto anti- semita de Hitler. Para os que conheceram bem o défice desesperado de força de trabalho que havia na altura na União Soviética, a ideia de os seus dirigentes reduzirem deliberadamente esse recurso raro é absurda.»(35)
Os exércitos japoneses ocuparam a Manchúria em 1931 e tomaram posição ao longo da fronteira soviética. Em Janeiro de 1933, Hitler chegou ao poder. Os programas de reorganização industrial e agrícola, empreendidos pela URSS no período 1928-1933, tinham vindo no momento certo. Só a sua realização, a custo de uma mobilização total das forças, tornou possível a resistência vitoriosa contra os nazis. Por ironia da história, os nazis começaram por acreditar nas suas próprias mentiras sobre o genocídio ucraniano e sobre a precariedade do sistema soviético.
O historiador Heinz Hohne escreveu o seguinte:
«Dois anos de guerra sangrenta na Rússia, que tinham desalentado mais do que um, constituíam a prova cruel da inexactidão da fábula dos “unter-menschen ”. Desde Agosto de 1942, as Sicherheitsdienst [SD] assinalavam, nos seus Relatórios do Reich, que crescia no povo alemão o sentimento de ter sido vítima de quimeras. As grandes massas dos exércitos soviéticos, a sua qualidade técnica e o esforço gigantesco da industrialização empreendido pelos soviéticos — tudo isto em contradição aguda com a imagem anterior da União Soviética — provoca uma impressão avassaladora e apavorante. As pessoas perguntam-se como conseguiu o bolchevismo produzir tudo isto.»(36)
O professor americano William Mandel escreveu em 1985:
«Na parte Oriental, a mais extensa da Ucrânia, que era soviética há 20 anos, a lealdade era dominante e quase geral. Havia meio milhão de guerrilheiros soviéticos (...) e 4,5 milhões de homens de etnia ucraniana combatiam no exército soviético. É evidente que este exército teria ficado extremamente enfraquecido se tivesse havido desentendimentos importantes num contingente tão amplo».
E o historiador Roman Szporluk confessa que as
«zonas operacionais do nacionalismo ucraniano organizado (...) estavam limitadas aos antigos territórios polacos», quer dizer, à Galícia. Sob a ocupação polaca, o movimento fascista ucraniano manteve a sua base até 1939.(37)
As mentiras do holocausto ucraniano foram inventadas pelos hitlerianos no âmbito da preparação para a conquista dos territórios ucranianos. Mas desde que puseram o pé em solo ucraniano, os «libertadores» nazis encontraram uma das mais encarniçadas resistências. Aleksei Fiódorov comandou um grupo de resistentes que eliminou 25 mil nazis durante a guerra. No seu livro, Resistentes da Ucrânia, mostra de forma admirável a atitude do pequeno povo, ucraniano ante os nazis. Aconselha-se vivamente a sua leitura como antídoto contra todas as historietas sobre o «genocídio ucraniano» de Stáline.(38)
Notas:
(1) Douglas Tottle, Fraud, Famine and Fascism, The Ukranian Genocide Mith From Hitler to Harvard, Progress Books, Toronto, 1987, pp. 5-6. (retornar ao texto)
(2) Louis Fisher, «Hearst’s Russian Famine», The Nation, vol. 140, n.° 36, 13 de Março de 1935, citado em Tottle, op. cit., pp. 7-8. (retornar ao texto)
(3) Casey James, in Daily Worker, 21 de Fevereiro de 1935, citado em Tottle, op. cit, p. 9. (retornar ao texto)
(4) Tottle, op. cit., pp. 13 e 5. (retornar ao texto)
(5) Ibidem, pp. 19-21. (retornar ao texto)
(6) Tottle, op. cit., pp. 38-44. (retornar ao texto)
(7) Tottle, op. cit., p. 41. (retornar ao texto)
(8) Ibidem, p. 50. (retornar ao texto)
(9) Ibidem, p. 51. (retornar ao texto)
(10) Ibidem, p. 61. (retornar ao texto)
(11) Ibidem, pp. 70-71. (retornar ao texto)
(12) Ibidem, p. 71 (retornar ao texto)
(13) Ibidem, p. 74 (retornar ao texto)
(14) Tottle, op. cit., pp. 78-79. (retornar ao texto)
(15) Ibidem, p. 86. (retornar ao texto)
(16) Robert Conquest, Harvest of Sorrow, p. 334. (retornar ao texto)
(17) Tottle, op. cit., p. 105. (retornar ao texto)
(18) Tottle, op. cit., p. 113. (retornar ao texto)
(19) Ibidem, p. 113. (retornar ao texto)
(20) Tottle, op. cit., p. 115. (retornar ao texto)
(21) Ibidem, p. 118. (retornar ao texto)
(22) Ibidem, p. 118. (retornar ao texto)
(23) Ibidem, p. 122. (retornar ao texto)
(24) Ibidem, p. 128. (retornar ao texto)
(25) Ibidem, p. 129. (retornar ao texto)
(26) Ibidem, p. 58. (retornar ao texto)
(27) Arch Getty, Origins of the Great Purges, Cambridge University Press, Cambridge, 1985, p. 5. (retornar ao texto)
(28) Tottle, op. cit., p. 94. (retornar ao texto)
(29) Ibidem, p. 94, e Sydney and Beatrice Webb, op. cit., p. 247. (retornar ao texto)
(30) Tottle, op. cit., p. 91. (retornar ao texto)
(31) Ibidem, p. 92. (retornar ao texto)
(32) Ibidem, p. 97. (retornar ao texto)
(33) Antigo nome da cidade de Kírov (NT). (retornar ao texto)
(34) Ibidem, p. 97. (retornar ao texto)
(35) Ibidem, p. 100. (retornar ao texto)
(36) Ibidem, p. 99. (retornar ao texto)
(37) Ibidem, p. 101. (retornar ao texto)
(38) Alexei Fédorov, Partisans d’Ucraine, em dois tomos, Ed. J’ai lu, Paris, 1966, também publicado sob o título, LObkom Clandestin, Les Editeurs Français Reunis, 1951. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/01/2016 |