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A revista Die Neue Zeit publicava, há um ano, um artigo de Joseph Diner-Denes, intitulado O marxismo e a revolução moderna das ciências naturais (1907, n. 52). O defeito desse artigo era ignorar as deduções gnoseológicas tiradas da "nova" física e que nos interessam muito especialmente no momento presente. Mas esse defeito apresenta precisamente, ao nosso ver, um interesse particular, segundo o ponto de vista e as deduções do autor. Joseph Diner-Denes apresenta-se, como autor dessas linhas, do ponto de vista do "simples marxista", tratado pelos nossos discípulos de Mach com tão desdenhosa arrogância.
"Todo simples marxista comum tem o costume de qualificar-se de dialético-materialista", — escreve, por exemplo, Iuchkévitch (. 1 do seu livro).
E eis que esse simples marxista, representado no caso por J. Diner-Denes, confronta as mais recentes descobertas das ciências naturais e, sobretudo, da física (raios X, raios Becquerel, rádium, etc.) com o Anti-Dühring, de Engels. A que conclusão conduz tal confronto?
"Novos conhecimentos têm sido adquiridos nos mais variados setores das ciências naturais — escreve J. Diner-Denes; todos se relacionam com esse ponto que Engels quis evidenciar: não existem, na natureza, contradições insolúveis, diferenças e demarcações arbitrariamente fixadas... Se encontramos na natureza contradições e diferenças, somos nós, tão somente nós, que lhes conferimos sua imutabilidade e seu caráter absoluto".
Descobriu-se, por exemplo, que a luz e a eletricidade são manifestações da mesma força natural. Torna-se cada dia mais provável que a afinidade química se relaciona com processos elétricos. Os elementos indestrutíveis e indecomponíveis da química, cujo número continua a aumentar, como para ridicularizar nossa concepção da unidade do mundo, revelam-se destrutíveis e decomponíveis. Conseguiu-se transformar um elemento de rádium em elemento de helium.
"Do mesmo modo que todas as forças da natureza se reduzem a uma só, as substâncias da natureza também se reduzem a uma única substancia".
Citando a opinião de um escritor, para quem o átomo não é mais que uma condensação do éter, o autor exclama:
"Como a expressão de Engels — o movimento é uma forma de existência da matéria é brilhantemente confirmada!... Todos os fenômenos naturais são movimentos e toda a diferença que existe entre eles provem do fato de nós, os homens, os percebermos de maneira diferente... Dá-se exatamente o que Engels havia dito. Do mesmo modo que a história, a natureza está submetida à lei dialética do movimento".
Por outro lado, é-nos impossível entrar em contacto com a literatura da escola de Mach ou com a literatura que trata dessa escola, sem encontrar referencias pretensiosas à nova física, que, a seu ver, refutou o materialismo, etc., etc. Se essas referencias são serias, isso é outra questão. Mas o fato é que as estreitas relações da nova física, ou, antes, de certa escola dessa física, com a doutrina de Mach e com as outras variedades da filosofia idealista contemporânea não levantam qualquer dúvida. Analisar a doutrina de Mach ignorando tais relações, como o fez Plerrânov, é não fazer caso do materialismo dialético, ou, melhor, é sacrificar, no método de Engels, o espírito à letra. Engels diz nitidamente (Ludwig Feuerbach, p. 19, edição alemã) que
"a forma do materialismo deve modificar-se inevitavelmente com toda descoberta importante no domínio das ciências naturais (e com maior razão ainda, no da história da humanidade)".
Desse modo, a revisão das "formas" do materialismo de Engels, a revisão dos seus postulados da filosofia natural, nada tem de "revisionista" no sentido consagrado da expressão: ao contrário, marxismo o exige. Mas não é essa revisão o que reprovamos nos discípulos de Mach; reprovamos seu processo puramente revisionista, que consiste em modificar a essência do materialismo, simulando criticar-lhe apenas a forma, e em tomar à filosofia burguesa e reacionária suas proposições fundamentais, sem tentar francamente, abertamente, resolutamente, restringir, por exemplo, essa afirmação de Engels, que, no caso, se reveste inegavelmente de extraordinária importância:
"O movimento é inconcebível sem a matéria" (Anti-Dühring, p. 50).
Daí se conclui que estamos longe de querer penetrar, no curso da análise das relações de uma das escolas da física moderna com o renascimento do idealismo filosófico, nas doutrinas especiais da física. As conclusões gnoseológicas tiradas de certas proposições determinadas e de descobertas geralmente conhecidas interessam-nos particularmente. Tais conclusões gnoseológicas saltam aos olhos de tal maneira que numerosos físicos já as tomam em consideração. Mais ainda: já existem entre os físicos, nesse particular, diversas correntes; constituem-se escolas. Nossa tarefa reduz-se, portanto, a pôr em evidencia o caráter profundo das divergências dessas correntes e suas relações com as tendências fundamentais da filosofia.
O célebre físico francês Henri Poincaré diz, no Valor da ciência, que existem "sintomas de uma crise séria" na física e consagra todo um capítulo (o cap. VIII) a essa crise. Não se esgota o conteúdo dessa crise dizendo-se que "o rádium, esse grande revolucionário" solapa o princípio da conservação da energia. "Todos os outros princípios estão igualmente em perigo" (p. 180). O princípio de Lavoisier, ou princípio da conservação da massa, é minado, desse modo, pela teoria eletrônica da matéria. Segundo essa teoria, os átomos são constituídos de partículas minimas carregadas de eletricidade positiva ou negativa, chamadas eléctrons e "mergulhados num meio que chamamos de éter". As experiencias dos físicos permitem-nos apreciar a velocidade do movimento dos eléctrons, bem como sua massa (ou a relação entre sua massa e a carga elétrica). Os cálculos revelam que a velocidade do movimento dos eléctrons é comparável à da propagação da luz (300.000 quilômetros por segundo) atingindo, por exemplo, um terço dessa última. Nessas condições, é necessário tomar em consideração o dobro da massa do eléctron, correspondendo à necessidade de vencer, em primeiro lugar, a inércia do eléctron e, por fim, a do éter. A primeira massa será a massa real ou mecânica do eléctron, e a segunda "a massa eletrodinâmica, representando a inércia do éter". Ora a primeira massa é igual a zero. A massa inteira do eléctron, ou, pelo menos, dos eléctrons negativos, é, por sua origem, inteira e exclusivamente eletrodinâmica. A massa desaparece. As próprias bases da mecânica são minadas. São minados igualmente o princípio de Newton, a igualdade da ação e da reação, etc.
Estamos, diz Poincaré, diante das "ruínas" dos velhos princípios da física, diante de "uma derrocada dos princípios". É verdade, acrescenta ele à maneira de restrição, que todas essas exceções aos princípios dizem respeito a grandezas infinitamente pequenas; é possível que não conheçamos ainda outras grandezas infinitamente pequenas que se opõem a essa subversão das antigas leis; e, ademais, o radium é muito raro. Em todo caso, "o período das duvidas" é inegável. Já vimos quais as conclusões gnoseológicas que o autor tira daí:
"Não é a natureza que nos impõe as concepções do espaço e do tempo, mas nós é que as impomos à natureza"; "tudo quanto não é pensado é simplesmente o nada".
Conclusões idealistas. A subversão dos princípios fundamentais demonstra (tal é, pelo menos, a orientação das ideias de Poincaré) que esses princípios não são cópias, reproduções da natureza, as imagens das coisas exteriores em relação à consciência do homem, mas produtos dessa consciência. Poincaré não desenvolve tais conclusões de maneira consequente e quase não se interessa pelo aspecto filosófico da questão. O escritor francês Abel Rey, que se interessa pelas questões filosóficas, detêm-se longamente nesse ponto, em seu livro sobre A teoria física entre os físicos contemporâneos, (Paris, F. Alcan, 1907). É verdade que esse autor é positivista, isto é, confusionista, e semi-adepto de Mach, o que, no caso, é, para nós, antes uma vantagem, porque não se pode suspeitá-lo de querer "caluniar" o ídolo dos nossos machistas. Não se pode confiar em Rey quando se trata de definir com precisão as noções filosóficas, e, sobretudo, o materialismo, uma vez que Rey é, igualmente, um professor e, como tal, professa, em relação aos materialistas, o mais absoluto desprezo (e muito se distinguindo pela mais completa ignorância da gnoseologia materialista). Nem é necessário dizer que Marx e Engels, personagens vulgares, não existem para tais "homens de ciência". Em compensação, Rey resume cuidadosamente, e, em geral, conscienciosamente, a rica literatura que existe sobre a questão, tanto inglesa e alemã (Ostwald e Mach, principalmente) como francesa; recorremos frequentemente ao seu trabalho.
A atenção dos filósofos em geral, diz esse autor, e também a de todos os que, por diversos motivos, querem dedicar-se a uma critica da ciência em geral, está focalizada, neste momento, sobretudo na física. Analisando os limites e o valor dos conhecimentos físicos, critica-se, em suma, a legitimidade da ciência positiva, a possibilidade de conhecer o objeto (pp. 1 e 2). Apressou-se em tirar da "crise da física contemporânea" conclusões céticas (p.14). Qual é, então, a natureza dessa crise? Nos primeiros dois terços do seculo XIX, os físicos estiveram de acordo nos pontos essenciais.
"Acredita-se (então) numa explicação puramente mecânica da natureza; afirma-se que a física não passa de uma complicação da mecânica: uma mecânica molecular. Diverge-se apenas nos processos empregados para reduzir a física à mecânica e nos pormenores do mecanismo... Atualmente parece, o espetáculo que as ciências físico-químicas nos oferecem modificou-se completamente. Uma extrema diversidade substituiu a unidade geral e não mais apenas nos detalhes, mas igualmente nas ideias diretrizes e fundamentais.
Seria exagero dizer que cada sábio tem suas tendências particulares, mas pode-se constatar que, do mesmo modo que a arte, a ciência, e, sobretudo, a física, tem suas inúmeras escolas, de conclusões muitas vezes divergentes e, às vezes, antagônicas e hostis...
Compreende-se, então, em seu princípio e em toda sua extensão, o que se veio a chamar a crise da física contemporânea.
A física tradicional, até meados do século XIX, afirmava não devia senão prolongar-se para tornar-se a metafísica da matéria. Proporcionava às suas teorias um valor ontológico. E suas teorias eram todas mecanicistas. O mecanicismo tradicional (essa expressão, que Rey utiliza num sentido particular, designa aqui, um conjunto de ideias que relacionam a física à mecânica) representava, então, por cima e além dos resultados da experiência, os conhecimentos reais do universo material. Não era uma expressão hipotética da experiência; era um dogma..." (p. 16).
Somos obrigados a interromper, neste ponto, o respeitável "positivista". Ele nos expõe, evidentemente, a filosofia materialista da física tradicional, sem querer chamar o diabo (no caso, o materialismo) pelo próprio nome. A um discípulo de Hume o materialismo deve aparecer sob o aspecto de uma metafísica, de um dogma, de uma excursão além dos limites da experiência, etc. Não conhecendo o materialismo, Rey, discípulo de Hume, ignora, com mais razão, a dialética e a diferença entre o materialismo dialético e o materialismo metafisico, no sentido dado por Engels a essas palavras. Do mesmo modo, as relações entre a verdade absoluta e a verdade relativa, por exemplo, escapam-lhes inteiramente.
"As criticas do mecanicismo tradicional, formuladas durante toda a segunda metade do seculo XIX, invalidaram a proposição da realidade ontológica do mecanicismo. A respeito de tais criticas, estabeleceu-se uma concepção filosófica da física, que se tornou quase tradicional na filosofia de fins do seculo XIX.
A ciência não foi mais que uma fórmula simbólica, um meio de formulação (de criação de sinais, de marcas, de símbolos), e como esse meio de formulação variava de acordo com as escolas, logo se chegou à conclusão de que só se formulava aquilo que se tinha estabelecido previamente para ser formulado. A ciência tornou-se obra de arte para os diletantes, uma obra de arte para os utilitários: atitudes que se tinha bem o direito de traduzir universalmente pela negação da possibilidade da ciência. Uma ciência, puro artificio para atuar sobre a natureza, simples técnica utilitária, não tem o direito, sob pena de desfigurar o sentido das palavras, de se chamar ciência...
A derrocada do mecanicismo tradicional, ou, mais exatamente a critica à qual foi submetido acarretou esta proposição: a ciência também fracassou. Da impossibilidade de se restringir pura e simplesmente ao mecanicismo tradicional, deduziu-se: a ciência, não é possível" (p. 17).
O autor fórmula a seguinte questão:
"A crise atual da física é um incidente transitório e exterior, na evolução da ciência, ou a ciência dá meia volta bruscamente e abandona o rumo que vinha seguindo?...
Se tais ciências (físico-químicas), que, historicamente, têm sido essencialmente libertadoras, naufragam numa crise que não lhes deixa mais que o valor de receitas tecnicamente uteis e lhes arrebata toda significação do ponto de vista do conhecimento da natureza, deve resultar daí, na arte lógica e na história das ideias, uma completa subversão. A física perde todo valor educativo; o espírito positivo que ela representava é um espírito falso e perigoso... Doravante, a ciência apenas pode proporcionar receitas praticas e não conhecimentos reais. O conhecimento do real deve ser pesquisado e proporcionado por outros meios... É necessário caminhar noutro sentido e restituir a uma intuição subjetiva, a um sentido místico da realidade, ou, numa palavra, ao mistério tudo quanto se acreditava ter-lhe sido arrebatado" (p. 19).
Positivista, o autor acha que essa opinião é errônea e tem a crise da física como transitória. Veremos mais adiante como depura Mach, Poincaré & Cia. dessas ideias. Limitemo-nos, no momento, a constatar a "crise" e sua importância. As últimas palavras citadas de Rey revelam muito bem que elementos reacionários exploraram essa crise e a aprofundaram. Rey diz nitidamente, no Prefácio do seu livro, que o "movimento fideísta e anti-intelectualista de fins do seculo XIX" (p. II) pretende estar "baseado" no espírito geral da física contemporânea. Chamam-se, na França, fideístas (do latim fides, fé) os que colocam a fé acima da razão. O anti-intelectualismo nega os direitos ou as pretensões da razão. Desse modo, do ponto de vista da filosofia, a essência da "crise da física contemporânea" consiste em que a física antiga via em suas teorias o "conhecimento real do mundo material", isto é, a imagem da realidade objetiva, enquanto a nova corrente da física nela não vê senão símbolos sinais, pontos de referência de uma utilidade prática, ou, numa palavra, nega a existência da realidade objetiva independente da nossa consciência e refletida pela nossa consciência. Se Rey utilizasse uma exata terminologia filosófica, deveria dizer: a teoria materialista do conhecimento, adotada inconscientemente pela física antiga, deu lugar à teoria agnóstica e idealista do conhecimento, que beneficiou o fideísmo, apesar dos idealistas e dos agnósticos.
Mas essa substituição, que forma o fundo da crise, Rey não a representa com todos os novos físicos em oposição a todos os velhos físicos. Não. Ele mostra que os físicos contemporâneos se dividem, de acordo com suas tendências gnoseológicas, em três escolas: energética ou conceitual (do termo conceito, ideia pura); mecanicista ou neo-mecanicista, a que abrange a grande maioria dos físicos; e criticista, intermediaria entre as duas primeiras. Mach e Duhem pertencem à primeira; Henri Poincaré pertence à última; os velhos físicos Kirchhof, Helmholtz, Thomson (Lord Kelvin), Maxwell e os físicos modernos Larmor e Lorentz pertencem à segunda. Rey mostra claramente, nas linhas seguintes, a diferença essencial das duas tendências fundamentais (a terceira é intermediaria e não autônoma):
"O mecanicismo tradicional construiu o sistema do mundo material" procedeu, em sua doutrina da estrutura da matéria, de "elementos qualitativamente homogêneos e idênticos", que deveriam ser considerados "invariáveis", "impenetráveis", etc. A física "construiu um edifício real, de materiais reais e de alicerce real. O físico estava de posse dos elementos materiais, das causas e do modo de sua ação, das leis reais de sua ação" (páginas 33-38). "A transformação dessa concepção da física consiste em rejeitar a significação ontológica das teorias e em acentuar exageradamente a significando fenomenológica da física". A teoria conceitual opera sobre "abstrações puras" e "elabora uma teoria puramente abstrata, afastando tanto quanto possível a hipótese da matéria". "A noção de energia tornava-se, desse modo, a infraestrutura da nova física. Eis por que a física conceitual ainda pode, muito frequentemente, ser chamada de física energética" (p. 46), embora essa denominação não se possa aplicar a um representante da física conceitual como Mach.
Essa confusão, em Rey, da energética e da doutrina de Mach não é certamente mais justa do que sua asserção de que a escola neo-mecanicista (p. 48) adotaria pouco a pouco, apesar de tudo que a distancia dos conceitualistas, a concepção fenomenológica da física. A terminologia "nova" de Rey obscureceu a questão em vez de esclarecê-la por isso, não nos foi possível silenciar a seu respeito, desejosos que estávamos de dar ao leitor uma ideia da interpretação da crise da física por um "positivista". No fundo, a oposição da "nova" escola à velha doutrina coincide inteiramente, como o leitor pôde se convencer, com a critica de Helmholtz por Kleinpeter. Expondo as concepções dos diversos físicos, Rey traduz tudo que há de vago e de inconsistente em suas concepções filosóficas. A essência da crise da física contemporânea consiste na subversão das velhas leis e dos princípios fundamentais e na rejeição da verdade objetiva existente fora da consciência, isto é, consiste na substituição do materialismo pelo idealismo e pelo agnosticismo. "A matéria desaparece": pode-se exprimir nessas palavras a dificuldade fundamental, tipica em relação a certas questões particulares, que suscitou essa crise. É sobre essa dificuldade que falaremos agora.
Inclusão | 03/01/2015 |