Materialismo e Empiro-Criticismo
Notas e Críticas Sobre uma Filosofia Reacionária

V. I. Lênin

Capítulo V - A Revolução Moderna nas Ciências Naturais e o Idealismo Filosófico


28. "A Matéria Desaparece"


Encontra-se essa expressão, textualmente, nas descrições que os físicos contemporâneos fazem das mais recentes descobertas. Assim, em seu livro A evolução das ciências, L. Houllevigue intitula um capítulo sobre as novas teorias da matéria: "A matéria existe?".

"O átomo desmaterializa-se — diz esse autor —; a matéria desaparece"(1).

Afim de mostrar com que facilidade os adeptos de Mach tiram daí conclusões filosóficas radicais, tomemos, se o quiserdes, Valentinov.

"A asserção de que a explicação científica do mundo não tem base sólida senão no materialismo não passa de ficção, escreve esse autor e, mais ainda, de ficção absurda" (p. 55)

E Valentinov cita como destruidor dessa ficção absurda o célebre físico italiano Augusto Righi, que diz que a teoria dos eléctrons

"é menos uma teoria da eletricidade do que uma teoria da matéria; o novo sistema substitui simplesmente a matéria pela eletricidade" [Augusto Righi, Die moderne Theorie der physikalischen Erscheinungen, (A teoria moderna dos fenômenos físicos), Leipzig, 1905, p. 131].

Feita essa citação, Valentinov exclama:

"Por que Righi permite esse atentado contra a santa matéria? Seria ele solipsista, idealista, crítico burguês, empiro-monista ou pior ainda?"

Essa observação, que parece ao sr. Valentinov um golpe mortal vibrado nos materialistas, revela sua virginal ignorância das bases filosóficas do materialismo. O sr. Valentinov nada compreendeu da verdadeira relação entre o idealismo filosófico e o desaparecimento da matéria. E o "desaparecimento da matéria", de que ele fala após os físicos contemporâneos, nenhuma relação tem com a distinção gnoseológica do materialismo e do idealismo. Dirijamos-nos, para esclarecer esse ponto, a um dos mais consequentes e mais claros discípulos de Mach, K. Pearson. O mundo físico é constituído, para esse último, de grupos de percepções dos sentidos. Esse autor nos dá, como "nosso modelo mental do mundo físico", o diagrama seguinte, não sem precisar que, nele, as proporções não foram tomadas em consideração (The Grammar of Science, p. 282).

figura

Simplificando seu diagrama, K. Pearson eliminou o problema das relações do éter e da eletricidade ou dos eléctrons positivos ou negativos. Pouco importa. O principal é que, do ponto de vista idealista de Pearson, os "corpos" são considerados como percepções dos sentidos; quanto a formação desses corpos de partículas constituídas, por sua vez, de moléculas, etc., ela diz respeito às transformações de estrutura do mundo físico e não, absolutamente, à questão de saber se os corpos são símbolos das sensações ou se as sensações são as imagens dos corpos. O materialismo e o idealismo diferem pelas soluções que proporcionam ao problema das origens do nosso conhecimento, das relações entre o conhecimento (e o "psíquico" em geral) e o mundo físico; a questão da estrutura da matéria, dos átomos e dos eléctrons não diz respeito senão a esse "mundo físico". Quando os físicos dizem que "a matéria desaparece", entendem que as ciências naturais relacionam, até o momento, todos os resultados das pesquisas sobre o mundo físico a estas três concepções finais: matéria, eletricidade, éter. Ora, apenas as duas últimas subsistem doravante, uma vez que se pode relacionar a matéria à eletricidade e representar o átomo como um sistema solar infinitamente pequeno, no qual eléctrons negativos gravitam, com uma velocidade determinada (extremamente grande, como já vimos), em torno de um eléctron positivo. Chega-se, desse modo, a reduzir-se todo o mundo físico a dois ou três elementos, em vez de muitas dezenas (na medida em que os eléctrons positivos e negativos representam "duas matérias essencialmente diferentes", como diz o físico Pellat, que Rey cita, pp. 294 e 295). As ciências naturais conduzem, pois, à "unidade da matéria" (loc. cit.)(2) — tal é o sentido efetivo da frase sobre o desaparecimento da matéria, sobre a substituição da matéria pela eletricidade, etc., que perturba tanta gente. "Desaparecimento da matéria": isso significa que o limite até o qual conhecemos a matéria desaparece e o nosso conhecimento se aprofunda; propriedades da matéria que antes nos pareciam absolutas, imutáveis, primordiais (impenetrabilidade, inércia massa,etc.) desaparecem, reconhecidas agora como relativas, exclusivamente inerentes a certos estados da matéria. Aliás, a única "propriedade" da matéria, cuja admissão o materialismo filosófico definiu, é a de ser uma realidade objetiva, a de existir independentemente da nossa consciência.

O erro da doutrina de Mach em geral e da nova física de Mach é o de não tomar em consideração essa base do materialismo filosófico que separa o materialismo metafisico do materialismo dialético. A admissão de não se sabe que elementos imutáveis, da "essência imutável das coisas" não constitui o verdadeiro materialismo: não passa de um materialismo metafisico, isto é, antidialético. J. Dietzgen frisava, por esse motivo, que "o objeto da ciência é infinito" e o "átomo mais reduzido" é tão incomensurável, incognoscível no fundo, inesgotável, quanto o infinito, "não tendo a natureza, em todas as suas partes, nem começo e nem fim" (Kleinere philosophische Schriften, pp. 229 e 230). Por isso, criticando o materialismo mecanicista, Engels citava a descoberta da alizarina no alcatrão da hulha. Se se quer colocar a questão do único ponto de vista exato, isto é, do ponto de vista dialético-materialista, cumpre perguntar: Os eléctrons, o éter, etc. existem fora da consciência humana, têm realidade objetiva ou não? A essa pergunta os naturalistas devem responder e sempre respondem sem hesitar pela afirmativa, não vacilando em admitir a existência da natureza anteriormente ao homem e à matéria orgânica. A pergunta é, desse modo, respondida a favor do materialismo, uma vez que a noção de matéria não significa, como já dissemos, em gnoseologia, senão o seguinte: a realidade objetiva existe independentemente da consciência humana que a reflete.

O materialismo dialético insiste no caráter aproximado, relativo, de toda proposição científica referente à estrutura da matéria e suas propriedades; insiste na ausência, na natureza, linhas de demarcação absolutas, nessa transição da matéria em movimento de um estado para outro estado que, por vezes, nos parece incompatível com o primeiro, etc. Por mais singular que pareça ao "bom senso" a transformação do éter imponderável em matéria ponderável, e, inversamente, por mais "estranha" que pareça a ausência, no eléctron, de qualquer outra massa que não seja a massa eletromagnética; por mais incomum que pareça a limitação das leis mecânicas do movimento no domínio exclusivo dos fenômenos da natureza e sua subordinação às leis mais profundas dos fenômenos eletromagnéticos, etc. tudo isso não faz outra coisa senão confirmar, ainda uma vez, o materialismo dialético. A nova física desviou-se para o idealismo, principalmente porque os físicos ignoravam a dialética. Eles combateram o materialismo metafisico (no sentido em que Engels empregava essa expressão e não no sentido positivista, isto é, inspirado em Hume) com sua "mecanicidade" exclusiva e rejeitaram o essencial juntamente com o secundário. Negando a imutabilidade das propriedades e dos elementos da matéria conhecidos até então, deslisaram até a negação da matéria, isto é, da realidade objetiva do mundo físico. Negando o caráter absoluto das mais importantes leis fundamentais, chegaram à negação de toda lei objetiva na natureza; as leis naturais, afirmaram, não passam de convenções, de "limitação do alcance", de "necessidade lógica", etc. Insistindo no caráter aproximado, relativo, dos nossos conhecimentos, concluíram pela negação do objeto independente do conhecimento, refletido por esse último com uma exatidão aproximada, relativa. E assim por diante, a não mais acabar.

As reflexões de Bogdanov sobre a "essência imutável das coisas", expostas em 1899, as reflexões de Valentinov e de Iuchkévitch sobre a "substancia", etc. também não passam de frutos da ignorância da dialética. Nada existe de imutável, segundo Engels, senão o reflexo, na consciência humana (quando ela existe), do mundo exterior que existe e se desenvolve fora dela. Nenhuma outra "imutabilidade", nenhuma outra "essência", nenhuma outra "substancia absoluta", no sentido em que as entende a filosofia ociosa dos professores, existem para Marx e Engels. A "essência" das coisas ou a "substancia" também são relativas; apenas significam o conhecimento aprofundado que o homem tem dos objetos, e, se esse conhecimento não ia, ontem, além do átomo e não ultrapassa, hoje, o eléctron ou o éter, o materialismo dialético insiste no caráter transitório, relativo aproximado, de todos esses limites do crescente conhecimento da natureza, por parte da ciência humana. O eléctron é tão inesgotável quanto o átomo, a natureza é infinita e existe infinitamente; e somente esse reconhecimento absoluto, categórico, da sua existência fora da consciência e das sensações humanas é que distingue o materialismo dialético do agnosticismo e do idealismo relativistas.

Dois exemplos mostrarão as flutuações inconscientes e indefensáveis da física moderna, entre, de um lado, o materialismo dialético, que continua ignorado pelos sábios burgueses, e o "fenomenalismo" com suas inevitáveis conclusões subjetivistas (então, nitidamente fideístas).

Augusto Righi, que o sr. Valentinov não soube interrogar a respeito da questão do materialismo que tanto lhe interessa, escreve na introdução de seu livro:

"A natureza dos eléctrons ou dos átomos elétricos ainda continua misteriosa; entretanto, talvez a nova teoria adquirirá, no futuro, grande valor filosófico, na medida em que venha a chegar a novas conclusões a respeito da estrutura da matéria ponderável e em que venha a reduzir todos os fenômenos do mundo exterior a uma origem única.

Do ponto de vista das tendências positivistas e utilitários do nosso tempo, essa superioridade pode não ter muita importância e a teoria pode ser considerada, em primeiro lugar, como um meio comodo de pôr em ordem os fatos, de compará-los, de orientá-los nas pesquisas posteriores. Mas se, no passado, se concedeu uma confiança talvez demasiada nas faculdades do espírito humano e se se supôs apreender muito facilmente as causas últimas de todas as coisas, está-se inclinado, hoje, ao erro oposto" (loc. cit., p. 3).

Por que Righi se afasta das tendências positivistas e utilitárias? Porque, não tendo filosofia determinada, ele se aferra instintivamente à realidade do mundo exterior e à ideia de que a nova física não é apenas uma "comodidade" (Poincaré), um "empiro-símbolo" (Iuchkévitch) e tudo quanto se quiser, segundo os subterfúgios do subjetivismo, mas um progresso no conhecimento da realidade objetiva. Se esse físico tivesse tomado conhecimento do materialismo dialético, seu julgamento do erro oposto ao do antigo materialismo metafísico talvez fosse, nele, o ponto de partida de uma filosofia justa. Mas toda a situação dos homens dessa categoria afasta-os de Marx e Engels e lança-os nos braços da mais banal filosofia oficial.

Rey também ignora inteiramente a dialética. Mas ele se vê obrigado a concluir que existem, entre os físicos modernos, os continuadores do "mecanicismo" (isto é, do materialismo).

Kirchhof, Hertz, Boltzmann, Maxwell, Helmholtz e Lord Kelvin não são os únicos, diz ele, a seguir o rumo do "mecanicismo".

"Puros mecanicistas, e, sob certos pontos de vista, mais mecanicistas do que quaisquer outros, e representantes do fim do mecanicismo são os que, seguindo Lorentz e Larmor, formulam uma teoria elétrica da matéria e chegam a negar a constância da massa, dela fazendo uma função do movimento. São todos MECANICISTAS, PORQUE TEM SEU PONTO DE PARTIDA NOS MOVIMENTOS REAIS" (p. 290).

"Se, por exemplo, as hipóteses de Lorentz, Larmor e Langevin chegassem a ter, graças a certa concordância experimental, uma base suficientemente solida para assegurar a sistematização física, seria certo que as leis da mecânica atual não constituiriam senão uma dependência das leis do eletro-magnetismo; formariam um caso especial dessas últimas, em limites bem determinados. A constância da massa, nosso princípio da inércia só seriam admissíveis para as velocidades médias dos corpos, sendo a palavra "média" tomada em relação aos nossos sentidos e aos fenômenos que constituem nossa experiência geral. Seguir-se-ia uma revisão geral da mecânica e, em consequência, uma revisão geral da sistematização física" (p. 275).

"O mecanicismo seria abandonado? De nenhum modo; a pura tradição mecanicista continuaria a ser seguida e o mecanicismo prosseguiria no caminho normal do seu desenvolvimento" (p. 295).

"A física eletrônica, que deve ser classificada entre as teorias de espírito geral mecanicista, tende, atualmente, a impor à física sua sistematização. É de espírito mecanicista, embora os princípios fundamentais da física não sejam mais fornecidos pela mecânica, mas pelos dados experimentais da teoria da eletricidade, e isso porque:

  1. emprega elementos figurados, materiais, para representar as propriedades físicas e suas leis; exprime-se em termos de percepção;
  2. e não mais considera os fenômenos físicos como casos particulares dos fenômenos mecânicos, considera os fenômenos mecânicos como caso particular dos fenômenos físicos. As leis da mecânica, por conseguinte, estão sempre em continuidade direta com as leis da física; e as noções da mecânica se situam no mesmo plano que as noções físico-químicas. No mecanismo tradicional, os movimentos calcados nos movimentos relativamente lentos é que, sendo os únicos conhecidos e os mais diretamente observáveis, foram tomados... como paradigma de todos os movimentos possíveis. As novas experiencias, ao contrário, mostram que é necessário ampliar nossa concepção dos movimentos possíveis. Toda a mecânica tradicional fica de pé, mas não mais se aplica senão aos movimentos relativamente lentos... Em velocidades consideráveis, as leis do movimento são outras. A matéria parece reduzir-se a partículas elétricas, elementos últimos dos átomos...
  3. o movimento, o deslocamento no espaço, reduz-se ao elemento figurativamente único da teoria física;
  4. finalmente, o que, do ponto de vista do espírito geral da ciência física, se antecipa a qualquer outra consideração, e que a concepção da física, de seus métodos, de suas teorias e de sua relação com a experiência resulta absolutamente idêntico à do mecanicismo e à concepção da física desde o Renascimento" (páginas 46 e 47).

Citei esses longos trechos de Rey, porque seu eterno receio de cair na "metafisica materialista" não permite expor de outro modo suas afirmações. Qualquer que seja a aversão de Rey e dos físicos que ele cita a proposito do materialismo, não é menos verdade que, a mecânica reproduzia os movimentos reais lentos, enquanto a nova física reproduz os movimentos reais que se verificam em velocidades prodigiosas. O materialismo consiste em admitir, em teoria, que nossas reproduções, nossas cópias, são aproximações da realidade objetiva. Não poderíamos desejar melhor confirmação do fato de que a luta se desenrola, no fundo, entre as tendências idealistas e materialistas, do que a que Rey nos dá, quando menciona a existência, entre os físicos modernos, de uma "reação contra a escola conceitual (a de Mach) e a escola energética" e quando classifica os físicos que professam a teoria dos eléctrons entre os representantes dessa reação (p. 46). Importa somente não esquecer que os mais ilustres teóricos se ressentem de sua completa ignorância da dialética.


Notas de rodapé:

(1) L. Houllevigue, L'évolution des sciences, Paris (A. Colin), 1908, págs. 63, 87, 88; cf. o artigo do mesmo autor, As ideias dos físicos a respeito da matéria, em Année Philosophique, 1908. (retornar ao texto)

(2) Cf. Oliver Lodge, Sur les électrons, Paris, 1906, pág. 159: "A teoria eletrônica da matéria", o reconhecimento da "substancia fundamental" na eletricidade, constitui "uma aquisição teórica mais próxima da unidade da matéria, para a qual tendem continuadamente os filósofos". Cf. também Augusto Righi, Über die Structur der Materie (Sobre a estrutura da matéria), Leipzig, 1908; J. Thomson, The corpuscular Theory of Matter (A teoria corpuscular da matéria), Londres, 1907; P. Langevin, La physique des életrons, na Revue Générale des Sciences, 1905, págs. 257-276. — N. L. (retornar ao texto)

Inclusão 05/01/2015