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31. Acaso foi a questão sindical a única que surgiu na vida do Partido e da República Soviética, durante os anos de trabalho em comum com Lenine? Neste mesmo ano de 1921, alguns meses após o X Congresso, celebrou-se o III Congresso da Internacional Comunista, que desempenhou um enorme papel na história do movimento obreiro internacional. Neste Congresso travou-se uma luita muito séria sobre todas as questões essenciais da política comunista. Esta luita repercutiu-se assim mesmo no nosso Buró político. A este respeito, referi brevemente algumas cousas numa sessão do Buró político, que se realizou quase imediatamente após o XIV Congresso:
«Trotski — O perigo de então consistia na possibilidade da política da Internacional seguir a linha dos acontecimentos de Março na Alemanha, isto é, de tentar criar ficticiamente uma atmósfera revolucionária e uma «eletrização» do proletariado, segundo a expressão dum camarada alemão. No Congresso predominava este estado de espírito e Vladimir Ilitch chegara à conclusão de que, agindo assim, a Internacional se esfarelaria decerto. Antes do Congresso escrevi uma carta a Radek — da qual ignorava a existência Vladimir Ilitch— para informá-lo da impressão que tinha dos acontecimentos de Março. Devido a uma situação tão delicada, não conhecendo a opinião de Vladimir Ilitch e sabendo que Zinoviev, Bukharine e Radek apoiavam em geral a esquerda alemã, não quis, naturalmente, pronunciar-me abertamente e escrevi uma carta (sob a forma de tese) ao camarada Radek para que me desse a sua opinião. Radek e eu não conseguimos chegar a acordo. Quando o soube, Vladimir Ilitch chamou-me e definiu-me a situação na Internacional como contendo imensos perigos. Fomos solidários plenamente na análise da situação e nas tarefas dela decorrentes.
»Depois desta entrevista, Vladimir Ilitch chamou o camarada Kamenev para dispor no Buró político duma maioria segura. O Buró político compunha-se então de cinco pessoas. Com Kamenev éramos três tínhamos, portanto, a maioria. Na nossa delegação estavam, dum lado, os camaradas Zinoviev, Bukharine e Radek; do outro, Vladimir Ilitch, o camarada Kamenev e eu. Cada grupo realizava verdadeiras sessões. Por essa altura Lenine declarou: «Estamos a criar uma nova fracção». Nas conversações que se seguiram acerca do texto da resolução, eu representava a fracção de Vladimir Ilitch e Radek a fracção do camarada Zinoviev.
»Zinoviev — A situação mudou agora!
»Trotski — Efectivamente a situação mudou. Naquela altura Zinoviev acusou, com certa vivacidade, o camarada Radek de ter «atraiçoado» a sua fracção nas conversações, isto é, de ter tolerado demasiadas concessões. A luita foi viva em todos os Partidos da Internacional Comunista. Vladimir Ilitch e eu decidíamos sobre o que se deveria fazer no caso do Congresso se pronunciar contra nós: deveríamos inclinar-nos perante o Congresso, cujas decisões podiam ser desastrosas, ou deveríamos resistir? Ecos destas conversações podem-se encontrar nos estenogramas dos meus discursos. Declarei então — de acordo com Lenine — que se «vós, Congresso, emitis uma decisão contra nós, espero que nos deixareis certos límites para que podamos defender depois os nossos pontos de vista». O sentido desta petição não podia ser mais claro. Devo dizer, no entanto que, no seio da nossa delegação, graças à direcção de Vladimir Ilitch, as relações continuavam a caracterizar-se pola maior camaradagem».
(Acta estenografada da sessão do Buró político do Partido Comunista da U.R.S.S. de 18 de Março de 1926, pp. 12-13)
Eu defendi, de acordo com Lenine, a nossa posição comum perante o Comitê Executivo, cujas sessões precederam as do III Congresso. Fui alvo dum violento ataque por parte dos «esquerdistas». Vladimir Ilitch, apressadamente interviu numa das sessões do Comitê Executivo. Eis o que declarou:
«... Venho para protestar contra o discurso do camarada Bela-Kun, que interviu contra o camarada Trotski, em vez de o defender, como o deveria fazer se tivesse querido actuar como verdadeiro Marxista... »
«... O camarada Laporte equivocou-se absolutamente, e o camarada Trotski teve toda a razão em protestar. Trotski teve mil vezes razão no seu proceder. Ora, vê-se que o camarada luxemburguês agrava o Partido francês por não ter sabotado a ocupação do Luxemburgo. Pensa, tal como o camarada Bela-Kun, que se trata duma questão de geografia. Não. Trata-se duma questão política e o camarada Trotski teve toda a razão em protestar... »
«... Por isso achei que era meu dever apoiar o que de essencial Trotski disse...»
Todos os discursos de Lenine referentes ao III Congresso reflectem o desejo muito claro de sublinhar a sua completa solidariedade com Trotski.
32. Em 1922, por iniciativa do camarada Ter-Vaganián, fundou-se a revista Sob a bandeira do Marxismo. No primeiro fascículo publiquei um artigo sobre a diferença das condições de educação das duas gerações do Partido, a velha e a nova, e sobre a necessidade dum trabalho teórico especial a respeito da nova geração, com o fim de assegurar uma continuidade teórica e política ao desenvolvimento do Partido. No fascículo seguinte da nova revista, Lenine escrevia:
«A respeito das principais tarefas da revista Sob a bandeira do Marxismo, o camarada Trotski disse duma maneira insuperável, no número 1-2 tudo o que de essencial havia a dizer. Não desejaria deter-me senão sobre algumas questões que definem mais de perto o conteúdo e o programa de trabalho que a redacção da revista expôs na declaração publicada no número 1-2».
(Lenine, Obras, vol. XX, segunda parte, p. 492)
Depois disto, afirme-se que a solidariedade nestas questões essenciais foi puramente fortuita! O único facto casual é que esta solidariedade se tenha manifestado tão claramente na Imprensa. Na maior parte do tempo, essa solidariedade manifestava-se unicamente nos actos.
33. Quando Bukharine, depois de ter ignorado, pura e simplesmente, a existência do campesinato, lançou a palavra de ordem: «Kulaks, enriquecei-vos!», pensou que por isso mesmo corrigira para sempre os seus antigos erros. Não contente com isso, tentou misturar os desacordos sobre Brest-Litovsk com outras discrepâncias parciais que tive eu com Vladimir Ilitch sobre uma única e mesma questão: a atitude em relação aos labregos. As inépcias e as vilanias de que usaram os membros da «capelinha bukharinista» são inumeráveis. Para refutá-las seria necessário todo um volume. Deter-me-ei apenas no essencial.
a) Não quero examinar os desacordos que, efectivamente, existiram antes da Revolução. Limitar-me-ei a dizer que estes foram exagerados monstruosamente, deformados, falsificados, pola agência estalinista e a capelinha de Bukharine.
b) Em 1917 não tive a menor discrepância com Lenine sobre a questão labrega.
c) Vladimir Ilitch “adoptou” o programa agrário dos socialistas-revolucionários em total acordo comigo.
d) Fui o primeiro a tomar conhecimento, quando ainda escrito a lápis, do decreto de Lenine sobre a terra. Não houve a este respeito o menor desacordo. A unidade de vistas era completa.
e) Como bem se pode supor, a questão camponesa não ocupou o derradeiro lugar na política alimentar. Só os vulgares lacaios, como Martinov, podem declarar que esta política era «trotskista» (veja-se o artigo de Martinov na Krasnaia Nov., 1923). Não; era uma política bolchevique. Eu tomei parte na sua aplicação, em colaboração íntima com Lenine. E não existiu sequer sombra dum desacordo.
f) A política sobre o camponês médio foi adoptada com a minha mais activa participação. Os membros do Buró político sabem muito bem que, após a morte de Esverdlov, a primeira idéia de Vladimir Ilitch tenha sido a de designar Kamenev presidente do Comitê Central Executivo. Fui eu quem propôs a escolha duma figura «obreira e camponesa». Avancei a candidatura do camarada Kalinine e fui eu próprio o primeiro a dar-lhe o nome de starosta russo. Tudo isto são pormenores com os quais evidentemente não nos devíamos ocupar. Mas hoje estas minúcias, estes indícios, são outras tantas esmagadoras acusações contra os falsificadores dos acontecimentos de ontem.
g) Noventa por cento da nossa política e da nossa organização militares ligavam-se à questão da atitude do operário respeito do camponês. Apliquei esta política em colaboração íntima com Vladimir Ilitch, contra o sistema pequeno-burguês dos corpos de guerrilheiros e as fantasias na organização.
Assim, por exemplo, eis uma série de telegramas que expedi de Simbirsk e de Russaïevsk (Março de 1919), que tratam da necessidade de tomar medidas enérgicas para melhorar as nossas relações com os camponeses médios. Pedia que fosse enviada uma Comissão oficial ao Volga, com o fim de controlar as autoridades locais e averiguar as causas do descontentamento dos lavradores.
No terceiro desses telegramas — Directo: Moscovo, Kremlin, Estaline (pessoal) — dizia:
«Tarefa da Comissão: manter entre os campesinos do Volga a fé no poder soviético central, pôr remédio no local as injustiças mais clamorosas e castigar os representantes do poder soviético culpados, recolher as queixas e os documentos que podam servir de base a decretos demonstrativos, a favor dos camponeses médios. Um dos membros pode ser Smilga; o outro deve ser Kamenev ou outro camarada com competência».
(22 de Março de 1919, n.º 813)
Este telegrama — entre muitos outros — sobre os necessários decretos em favor dos camponeses médios foi enviado por mim a Estaline, não por Estaline a mim. E isso não se passou na época do XIV Congresso, mas no começo de 1919, quando a opinião de Estaline sobre o camponês médio era ainda desconhecida.
Assim, então, cada folha dos nossos arquivos, indistintamente, desmascara hoje as imbecilidades inventadas tardiamente a má fé sobre a «subestimação» do campesinato em geral ou do camponês médio!
h) No princípio de 1920, com base na análise da situação da economia rural, propus ao Buró político uma série de medidas semelhantes às da NEP. De modo nenhum tais proposições podiam ser inspiradas pola «negligência» a respeito do campesinato.
i) A discussão sindical foi, como se disse, uma tentativa de sair da crise económica. A transição para a NEP operou-se com unanimidade absoluta.
34. Pode-se demonstrar tudo isto por documentos irrefutáveis. Dia virá em que se faça. De momento limitar-me-ei a reproduzir duas citações.
Respondendo às questões relacionadas com a nossa atitude a respeito dos «kulaks», dos campesinos médios e dos camponeses pobres e às pretensas divergências entre Lenine e Trotski sobre os lavradores, escrevi em 1919:
«No Governo soviético nunca houve nem há divergências sobre esta questão. Mas os contra-revolucionários, cujos negócios vão de mal a pior, não têm outro recurso senão enganar as massas a respeito duma pretensa luita intestina, que perturbaria o Conselho dos Comissários do Povo».
(Izvestia, 7. Fevereiro. 1919)
A este respeito, e em resposta a uma pergunta do camponês Gulov, Lenine escreveu o seguinte:
«O Izvestia de 2 de Fevereiro publicou uma carta do camponês G. Gulov, que apresenta a questão da atitude do nosso Governo operário e camponês a respeito dos campesinos médios, e que se faz eco dos rumores que circulam sobre as sérias desarmonias que existiriam entre Lenine e Trotski, e sobre sérias divergências a respeito precisamente do camponês médio.
O camarada Trotski respondeu já a esta questão na sua Carta aos lavradores médios, publicada no Izvestia de 7 de Fevereiro. Trotski declara nesta carta que os rumores de desacordos entre ele e eu são uma falsidade das mais monstruosas e das mais desavergonhadas, difundida polos grandes proprietários e polos capitalistas e os seus agentes conscientes ou inconscientes. Confirmo inteiramente, pola minha parte, a declaração do camarada Trotski. Entre ele e nós não existe o menor desacordo. Quanto aos lavradores médios, não só não temos desacordos com o camarada Trotski, como, em geral, não existem no Partido Comunista, ao qual pertencemos ambos.
Na sua carta, o camarada Trotski explicou duma maneira clara e detalhada por que é que o Partido Comunista e o Governo operário e camponês actual, eleito polos Sovietes, não encaram os labregos médios como inimigos. Subscrevo com ambas as mãos o que disse o camarada Trotski».
(Lenine, Obras, vol. XIV, pp. 28-29 e Pravda de 15.2.1919)
Assim, também aqui, encontramo-nos frente à mesma situação: uma calúnia lançada em primeiro lugar polos guardas brancos e retomada, ampliada e propagada pola escola estalino-bukharinista.
35. A respeito do meu trabalho militar, cujo princípio ascende à primavera de 1918, tenta-se igualmente, sob a direcção de Estaline, refazer toda a história da guerra civil, com o único fim de combater o «trotskismo» ou, mais exactamente, Trotski.
Falar da criação do Exército Vermelho e da minha intervenção nesse empreendimento seria escrever a história da guerra civil. De momento são os Gussiev quem a escrevem. Outros a escreverão mais tarde. Sou obrigado a limitar-me a dous ou três exemplos, apoiados em documentos.
Quando os nossos exércitos tomaram Kazám, recebi de Lenine, em convalescença, um telegrama de felicitações:
«Saúdo com entusiasmo brilhante vitória do Exército Vermelho. Que ela seja o presságio de que a união dos operários e dos camponeses revolucionários derrubará a burguesia, destruirá a resistência dos exploradores e assegurará a vitória do socialismo internacional! Viva a revolução obreira!»
»Lenine
(10 de Setembro de 1918)
O tom muito vivo — vivo quem quer que conhecesse Lenine — do telegrama («saúdo com entusiasmo») testemunha a grande importância que atribuía — e com razão!— à tomada de Kazám. No fundo, é nessa ocasião que foi posta à prova pola primeira vez, a solidez da união dos operários e dos camponeses revolucionários, assim como a capacidade do Partido para criar um exército revolucionário e combativo no meio do caos económico, da desolação e do horrível desespero conseqüente à guerra imperialista. Foi aqui que a constituição do Exército Vermelho foi posta à prova de fogo e Lenine conhecia o valor desta prova.
36. A política militar foi criticada por um grupo de delegados militares no VIII Congresso do Partido. Estaline e Vorochilov, recentemente, deram curso à infâmia de que nom tinha ousado comparecer no VIII Congresso, com medo de ser criticado. Como isso está longe da realidade! Eis a resolução tomada polo Comitê Central sobre a minha viagem à frente, na véspera do VIII Congresso:
EXTRACTO DA ACTA DA SESSÃO DO COMITÊ CENTRAL DO P.C.R. (B.)
DE 16 DE MARÇO DE 1919
Presentes:
Lenine, Zinoviev, Krestinski, Vladimirski, Estaline, Schmidt, Smilga,Dzerjinski, Lachevitch, Bukharine, Sokolnikov, Trotski, Stassova
QUESTÕES
12. Vários camaradas delegados vindos da frente, tendo tomado conhecimento da decisão do Comitê Central acerca do imediato regresso dos militares à frente, consideraram errada esta decisão, visto que as organizações da frente poderiam interpretá-la como uma recusa do Comitê Central em ouvir as opiniões do exército. Alguns, inclusivamente, consideram a partida do camarada Trotski para a frente e a não-admissão dos delegados dos exércitos como pretexto, tornando absolutamente inútil a discussão política militar. O camarada Trotski protesta contra a interpretação dada à decisão do Comitê Central como sendo um pretexto, e invoca a situação extremadamente difícil criada pola retirada de Ufa para o oeste, insistindo na sua partida.
DECISÕES
1. O camarada Trotski partirá imediatamente para a frente.
2. O camarada Sokolnikov declarará à assembléia de delegados da frente que a decisão da sua partida é modificada no sentido de que partirão só aqueles que julguem necessária a sua presença na frente.
3. O problema da política militar será discutido no Congresso como primeiro ponto da ordem do dia.
4. O camarada Vladimir Mikaïlovitch Smirnov fica autorizado, ao seu pedido, a permanecer em Moscovo.
Eis aqui um bom exemplo do regime do Partido naquela época: permitia-se a todos os que atacavam a política militar do Comitê Central e, em primeiro lugar, ao dirigente da oposição militar, V.M.Smirnov, permanecerem em Moscovo para assistir ao Congresso. Os partidários da política oficial foram, no entanto, de novo enviados para a frente antes da abertura do Congresso. Actualmente é o contrário que sucede.
As actas da secção militar do VIII Congresso, em que interveio Lenine para defender resolutamente a política militar por mim aplicada por ordem do Comitê Central, não foram até aqui publicadas. Porquê? Precisamente porque elas expunham ao desprezo as falsidades de Estaline e de Gussiev sobre a guerra civil.
37. Estaline tentou pôr a circular uma versão exagerada da divergência militar surgida no Buró político nos princípios de 1919, a respeito da frente oriental. O desacordo consistia no seguinte: «Deve prosseguir-se o avanço na Sibéria ou estabilizar nos Urais e lançar todas as forças disponíveis para o Sul para liquidar liquidar a ameaça sobre Moscovo?» A certa altura inclinei-me para a segunda solução. A primeira, que foi adoptada e que deu resultados excelentes, tinha sido sustentada por muitos dos meus colaboradores militares, como Smilga, Lachevitch, I. N. Smirnov, K. I. Grunstein, etc. Esta divergência não era de princípios, mas unicamente sobre medidas práticas. A experiência demonstrou que os exércitos de Koltchak estavam completamente desmoralizados. A ofensiva na Sibéria foi coroada de pleno sucesso.
38. O trabalho militar era um duro labor. Era impossível evitar as medidas de coerção e de repressão. Feriram-se muitas susceptibilidades, geralmente porque não havia outra forma de agir, e muitas vezes devido a medidas erradas. Quando surgiu o desacordo sobre a frente oriental e decidir o Comitê Central mudar o comandante em chefe, propugem ao Comitê Central a minha exoneração das funções de Comissário do Povo para a Guerra. Nesse mesmo dia (5 de Julho de 1919), o Comitê Central tomou a decisão da qual se transcreve a parte mais principal:
«O Buró político e a Comissão de Organização do Comitê Central, depois de ter tomado conhecimento da declaração do camarada Trotski e de a ter discutido, decidem que de modo nenhum podem aceitar a demissão do camarada Trotski.
»O Buró político e a Comissão de Organização farão tudo o que estiver na sua mão para tornar o mais cómodo para eles e o mais fecundo possível para a República o trabalho do camarada Trotski na frente Sul, que ele próprio escolheu e que é o mais perigoso, o mais difícil e o mais importante. Nos seus decretos como Comissário para a Guerra e como Presidente do Conselho Militar Revolucionário, o camarada Trotski terá inteira liberdade de acção, tal como membro do Conselho Militar Revolucionário da frente Sul com a ajuda do comandante dessa frente (Iégorov), que ele próprio escolheu e que confirmou o Comitê Central.
»O Buró político e a Comissão de Organização deixam ao camarada Trotski plena liberdade para corrigir por todos os meios a linha de política militar e, se ele o desejar, apressarão a convocação do Congresso do Partido».
Esta resolução é assinada por Lenine, Kamenev, Krestinski, Kalinine, Serebriakov, Estaline e Stassova. Por esta decisão, que fala por si mesma, o litígio foi liquidado.
Por outro lado, na sessão conjunta do Buró político e do Presidium do Comitê Executivo, de 8 de Setembro de 1927, Estaline declarou, segundo consta no estenograma, que o Comitê Central ter-me-ia «proibido» assumir o cargo de comandante da frente Sul. A resolução que é transcrita antes lhe dá um categórico desmentido.
39. No entanto, foi o desacordo sobre a frente oriental o único do género? De maneira nenhuma. Houve também divergências quanto ao plano estratégico de luita contra Denikine. Existiram, abofé, divergências sobre Petrogrado: seria necessário entregar a cidade a Iudenitch, ou defendê-la? Houve, do mesmo modo, desconformidades sobre a ofensiva contra Varsóvia e sobre a possibilidade duma segunda campanha depois da nossa retirada sobre Minsk. Os desacordos deste género resultavam da prática da luita e resolviam-se durante a luita.
Os documentos típicos sobre a questão da frente Sul encontram-se publicados no meu livro Como se armou a Revolução? (Vol.II, p. 301).
Durante o avanço de Iudenitch sobre Petrogrado, Lenine julgou por momentos que haveria resultar impossível defender a cidade e que seria necessário recuar a linha de defesa na direcção de Moscovo. Pronunciei-me em contrário. Zinoviev e, segundo creio, Estaline, apoiaram-me. Em 17 de Outubro de 1919, Lenine enviou-me o seguinte telegrama para Petrogrado:
«Camarada Trotski: Passamos a última noite reunidos no Conselho de Defesa e enviamos-lhe a nossa decisão cifrada...
»Como você pode ver, o seu plano foi adoptado, mas a eventualidade duma retirada dos obreiros de Petrogrado para o Sul não está naturalmente afastada (diz-se que a haveis desenvolvido perante Krassine e Rikov). Falar disso sem absoluta necessidade seria distrair a atenção da luita.
»A tentativa de contornar e cortar Petrogrado suscitará, naturalmente, apropriadas modificações sobre as quais vos incumbe decidir no local.
»Em cada Secção do Executivo regional encarregue uma pessoa de confiança, de recolher os documentos soviéticos, em caso de evacuação.
»Junto o manifesto que o Conselho da Defesa me encarregou de redigir. Fixem-no muito à pressa e está bastante mal. Coloque a minha assinatura abaixo da sua.
»Saúde!
»Lenine».
Episódios semelhantes não eram raros. Eram duma grande importância no próprio momento, mas sem importância de fundamentos. Não se tratava duma luita de princípios, mas da elaboração do melhor plano para repelir o inimigo no momento dado e no lugar pontual.
Os Estaline e os Gussiev tentam reescrever a história da guerra civil. Não o conseguirão!
40. O lado mais odioso desta campanha contra a minha pessoa é a acusação de ter «feito fuzilar comunistas». Esta acusação foi outrora propagada polos nossos inimigos, isto é, polos serviços políticos dos exércitos brancos, que tentavam difundir entre os soldados vermelhos, manifestos acusando o Comando Maior Vermelho — especialmente Trotski — de particular ferocidade.
Hoje a agência Estaline segue os mesmos passos.
Admitamos por um instante que tudo isto seja exacto. Porque, nesse caso, Estaline, Iaroslavski, Gussiev e outros agentes de Estaline se mantiveram calados durante a Guerra Civil? Que significam estas tardias «revelações» feitas agora pola agência Estaline? Significam que o Partido vos enganou, a vós, obreiros, lavradores, soldados vermelhos, quando vos disseram que Trotski, à frente do exército, executava a vontade do Partido e aplicava a sua política. Nos seus inúmeros artigos sobre o trabalho de Trotski, nas decisões dos seus congressos e dos congressos dos sovietes, o Partido enganou-vos ao aprovar o trabalho militar de Trotski e ao ocultar-vos factos como a execução de comunistas. E Lenine, que apoiou resolutamente a política militar de Trotski, foi cúmplice desta mistificação. Eis o sentido das tardias «revelações» de Estaline. Não é Trotski que elas comprometem, mas o Partido e a sua direcção. Minam a confiança das massas nos bolcheviques em geral, pois se no passado, quando Lenine e o núcleo central dos seus colaboradores se encontravam à frente do Partido, podiam-se dissimular a alto nível faltas tão monstruosas, e até crimes, o que não se há-de esperar hoje, que o Comitê Central tem muitíssimo menos autoridade? Se, por exemplo, em 1923, quando há muito tinha terminado a Guerra Civil, Iaroslavski entoava frenéticos elogios a Trotski, exaltava a sua fidelidade e a sua dedicação revolucionária, que deve dizer hoje, após reflexão, o jovem membro do Partido? Há-de perguntar-se: «quando, pois me engana Iaroslavski: ao elevar a Trotski até às nuvens, ou agora que procura enlameá-lo?»
Tal é, em geral, o conjunto da obra actual de Estaline e os seus agentes, que se esforçam extemporaneamente por fabricar uma nova história «à Estaline». Tal é, em particular, a famosa «revelação» estalinista sobre Miguel Romanov.(4*) No fundo, que disse Estaline ao Partido e à Internacional Comunista? Isto: «O Comitê Central vos enganou durante dez anos acerca de Kamenev. O Pravda inseriu, no nome da Redacção, um desmentido falso. Lenine enganou o Partido. Eu próprio, Estaline, participei nesse engano. Mas, como Kamenev tem agora algumas divergências políticas comigo, quero desmascarar toda essa burla». A massa do Partido não tem possibilidade de comprovar a maior parte das «revelações» estalinistas; mas, há uma cousa que não há dúvida e que firmemente penetra na consciência do Partido, é a diminuição da confiança na direcção, seja a de ontem, a de hoje ou a de amanhã. O Partido tem que reconquistar esta confiança contra Estaline e o estalinismo.
41. É sabido que o camarada Gussiev deu provas duma destreza muito peculiar na refundição literária do meu passado militar. Mesmo escreveu um folheto: Os nossos desacordos militares. E pola primeira vez, ao que me parece, foi propagada através desse folheto, a peçonhenta lenda das execuções de comunistas (não de desertores ou de traidores, mas de comunistas).
A desdita de Gussiev, como de muitos outros, consiste em ter escrito duas vezes sobre os mesmos acontecimentos e as mesmas questões, uma vez em vida de Lenine e outra sob Estaline.
Eis o que escreveu Gussiev da primeira vez:
«A chegada do camarada Trotski (a Kazán) mudou profundamente a situação. O comboio de Trotski trouxo, ao parar na perdida estação de Sviaisk, com a firme vontade de vencer, a iniciativa e a influência decisiva em todos os domínios da actividade militar. Desde o primeiro dia, na estação congestionada polos carruagens cheios de tropas, polos serviços da retaguarda dum grande número de regimentos, polos serviços da secção política do Comissariado e do reabastecimento, e nas divisões acantonadas a 15 verstas(5*) da frente, sentia-se que uma mudança profunda acabava de se operar.
Isso se manifestou, sobretudo, no domínio da disciplina... Os enérgicos métodos do camarada Trotski, neste período de guerra de guerrilhas, de indisciplina e de petulância grosseira eram, sobretudo, oportunos e necessários. Nada se podia fazer pola persuasão e, além do mais, não havia tempo para isso. Durante os dias que Trotski permaneceu em Sviaisk, realizou-se um imenso trabalho que transformou as divisões desorganizadas e em plena decomposição do quinto exército num corpo de tropas capazes de combater, preparando-as para a tomada de Kazán».
(Proletarskaïa Revoliutsia, n.º 2-25, 1924)
Cada membro do Partido que tenha participado na guerra civil e que não tenha perdido a memória, dirá — polo menos, para consigo, se é que teme dizê-lo em voz alta — que poderiam citar-se, não dezenas, mas centenas de testemunhos escritos análogos ao de Gussiev.
42. Limitar-me-ei a expor ao meu favor testemunhos mais autorizados. Nas suas memórias sobre Lenine, Gorki diz:
«Dando uma punhada na mesa (Lenine), exclamou: “Poderia indicar-me outro homem capaz de organizar num ano um exército quase modelo e, além disso, de captar a simpatia dos especialistas militares? Nós temos esse homem. Temos tudo o que necessitamos. E vai ver você até milagres”».
(Vladimir Lenine, Edições do Estado, Leninegrado, 1924, p. 23)
Segundo Gorki, Lenine firmou durante a mesma conversa:
«Sim, sim; já sei que se conta todo o género de mentiras sobre as minhas relações com ele. Mentiras é o que não falta. Contam-se muitas falsidades, e ao que parece, fala-se de desavenças entre o camarada Trotski e eu.»
(Ibid.)
Com efeito, disseram-se muitas falsidades sobre as relações entre Lenine e Trotski. Mas poder-se-á comparar os grosseiros embustes de então, com o que hoje sistematicamente se organiza à escala nacional e internacional? Daquela eram os ultra-reaccionários, os guardas brancos e, até certo ponto, os socialistas revolucionários e os mencheviques que mentiam. Mas, agora é a fracção estalinista que perfilhou este método!
43. Na sessão da fracção bolchevique do Conselho Central dos Sindicatos, de 12 de Janeiro de 1920, Lenine declarou:
«Se vencemos Denikine e Koltchak foi porque da nossa parte a disciplina foi superior do que em todos os países capitalistas do mundo. O camarada Trotski estabeleceu a pena de morte e nós aprovámo-la. Estabeleceu-a apoiando-se na organização consciente e no trabalho de agitação dos comunistas».
44. Não tenho à mão muitos dos outros discursos que Lenine pronunciou para defender a política militar que eu apliquei em completo acordo com ele. Não foi publicada, em particular, a acta da Conferência dos delegados do VIII Congresso sobre a questão militar. Porquê? Porque, nessa Conferência, Lenine protestou com toda a sua energia contra os adeptos de Estaline, que hoje tão bem se dedicam à falsificação o passado.
45. Mas possuo um documento que vale por cem. Falei já desta prova perante o Buró da Comissão Central de Controle, quando Iaroslavski — não sem protestos do camarada Ordjonikidzé — lançou a sua peçonhenta calúnia; e apresentei-o na última sessão ampliada de Agosto de 1927, quando Vorochilov decidiu seguir as pegadas de Iaroslavski.
Por iniciativa própria, Lenine enviou-me uma folha em branco, ao fundo da qual figuravam as seguintes linhas:
«Camaradas:
»Conhecendo o rigor das ordens do camarada Trotski, estou de tal maneira persuadido, tão absolutamente convencido da justeza, da oportunidade e da necessidade, no interesse da causa, da ordem dada polo camarada Trotski, que a aprovo inteiramente.
V.Ulianov [Lenine]».
Expliquei já ao Buró da Comissão Central de Controle a que uso se destinava esta folha em branco:
«Quando ma entregou e vi a fundo da folha em branco estas linhas escritas, fiquei perplexo.
»Chegaram informações — disse-me — segundo as quais é posto a correr contra si o rumor de que executa comunistas. Dou-lhe esta folha em branco e podo dar-lhe quantas você desejar, a fim de que se saiba que aprovo as suas decisões. Ao alto da página pode redigir qualquer decisão que, desta maneira, fica garantida da minha assinatura.»
»Isto se passava em Junho de 1919. Espalham-se hoje tantas histórias sobre a minha atitude a respeito de Lenine e, o que é ainda mais importante, sobre a atitude de Lenine a meu respeito, que eu desejaria que alguém me apresente uma, uma folha em branco, como esta, com a assinatura de Vladimir Ilitch ao fundo e na qual Lenine declare aprovar antecipadamente toda a decisão seja qual ela for, quando dessa decisão dependeria não só a sorte de certos comunistas, mas de cousas muito mais graves».
continua>>>
Notas:
(4*) A «revelação» liga-se a um telegrama que Kamenev assinou, após a revolução de Março, dirigido ao grão-duque Miguel Romanov felicitando-o por não ter aceitado a coroa sem o consentimento da Assembléia Constituinte. (retornar ao texto)
(5*) Medida de longitude russa. 1 versta é igual a 1, 0667 km. (José Rogina, Cálculos mercantiles. Litografía e Imprenta Roel. A Corunha, 1915. pág. 36) (retornar ao texto)
Inclusão | 25/10/2007 |
Última alteração | 15/12/2010 |