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46. É sabido que Martinov considera como «trotskismo» a guerra civil e o comunismo de guerra. Esta doutrina tornou-se agora muito popular. A criação de exércitos de trabalho, a militarização do trabalho, os métodos de distribuição dos produtos, e outras medidas nascidas das condições da época, são apresentados polos filisteus e polos ignorantes como manifestações de «trotskismo». Qual era a posição de Lenine nesta questão?
Na secção de organização do VII Congresso dos Sovietes discutiu-se o problema de burocratismo dos órgãos directores e das instituições centrais. Sublinhei no meu discurso, que a burocracia pode estrangular a economia, que o centralismo não é um princípio absoluto, que as relações recíprocas e necessárias entre a iniciativa local e a direcção central eram ainda a determinar na prática. No seu discurso, Lenine declarou-se em completo acordo com a minha intervenção sobre o centralismo, e acrescentou:
«Declaro, por fim, que estou inteiramente de acordo com Trotski quando diz que se fizeram aqui tentativas completamente erradas para apresentar os nossos desacordos como um diferendo entre os operários e os lavradores, e para misturar nesta questão à ditadura do proletariado».
(Discurso de 8 de Dezembro de 1918. Obras, vol. XVI, pg. 433)
Sinalando Lenine «os nossos desacordos», aludia os prolongados diferendos, nos quais Lenine e Trotski se encontravam dum lado, e Rikov, Tomski, Larine, etc., do outro. Estaline permanecia durante estas discussões, como em outros muitos casos, na expectativa.
47. Na sessão da fracção bolchevique da C.G.T., de 12 de Janeiro de 1920, Lenine dizia, em relação aos «nossos desacordos» com Rikov, Tomski, etc.:
«Quem foi que começou essas repugnantes polêmicas? Não foi o camarada Trotski; não se acha o menor vestígio disso nas suas teses. A querela foi provocada por Lomov, Rikov e Larine. Todos eles se encontram no cimo da hierarquia como membros do Presidium do Conselho Superior de Economia pública. Na presidência desse Conselho encontra-se um homem com tantos títulos que necessitaria de cinco dos dez minutos do meu discurso para enumerá-los. Por isso é uma estupidez dizer aqui que se atribui a esta Assembléia uma importância especial. O camarada Rikov e outros iniciaram esta repugnante polêmica pública. Trotski apresentou o problema das novas tarefas a fazer, e os outros provocaram uma polêmica contra o VII Congresso dos Sovietes. Sabemos, decerto, que Lomov, Rikov e Larine abertamente não o diziam no seu estúpido artigo. Até disse aqui um orador: “Não se deve polemicar contra o VII Congresso dos Sovietes”. Se esse Congresso cometeu uma falta, dizei-o abertamente, corrijam-no na Assembléia, mas não tagarelem sobre a centralização e a descentralização. Rikov diz que é de necessidade falar da centralização e da descentralização porque Trotski não tinha tido isso em conta. Mas este homem pensa estar a tratar com pessoas de espírito tão acanhado, que até teriam já esquecido as primeiras linhas das teses de Trotski, onde se diz: “A economia tem por condição um plano geral...”, etc. Sabeis ler russo, caros Rikov, Lomov, Larine? Voltemos à época em que não tínhais mais do que dezasseis anos e comecemos a falar de centralização e de descentralização. É essa a tarefa pública dos membros do Buró do Presidum do Conselho Superior de Economia! Tudo isto é tal contra-senso, dum tão miserável raciocínio, que é verdadeiramente vergonhoso perder tempo com tal matéria».
E mais adiante:
«A guerra ensinou-nos a endurecer ao máximo a disciplina e a reunir dezenas e centenas de milhares de homens, de camaradas, que tombaram para salvar a República Soviética. Sem isso, teríamos ido para o demo!»
Por outro lado, este discurso, que se encontra à disposição do Instituto Lenine, não foi reproduzido unicamente porque embaraça os actuais falsificadores. A dissimulação duma parte das idéias de Lenine é um elemento necessário do desvio em relação ao leninismo. Esse discurso de Lenine não será publicado até que se procure anular Rikov.
48. No VII Congresso dos Sovietes, Lenine diz o seguinte acerca do meu trabalho nos transportes e caminhos de ferro:
«... Já viram, polas teses dos camaradas Echmanov e Trotski, que estamos em presença, neste domínio [a recuperação dos transportes], dum verdadeiro plano, elaborado para muitos anos. O decreto n.º 1.042 estabelece uma previsão para cinco anos. Em cinco anos, poderemos restaurar os nossos transportes, diminuir o número das locomotivas estragadas e, de resto, se se acredita na 9.ª tese, talvez o mais difícil foi já feito e reduzido aquele prazo.
»Quando se elaboram grandes projectos calculados para vários anos surgem freqüentemente cépticos que dizem: «Porquê falar com vários anos de avanço? Que o céu nos ajude a fazer o que é necessário e urgente de imediato.» É preciso, camaradas, saber conciliar um e outro; não é possível trabalhar sem um plano concreto em longo prazo, com séria garantia de êxito.
»O incontestável impulso do trabalho no domínio dos transportes demonstra que é necessário um plano. Desejaria chamar a vossa atenção para a passagem da 9.ª tese que diz que o prazo da restauração será de quatro anos e meio, mas que este prazo já foi reduzido, uma vez que trabalhamos acima da norma. O prazo não será finalmente de mais do que três anos e meio. É assim que se deverá também trabalhar nos outros domínios da economia...»
(Lenine, Obras, vol. XVII, pp. 423-424)
Sinalemos ainda que um ano após a promulgação do decreto n.º 1.042, no decreto de Dzerjinski «Sobre as bases do trabalho futuro do Comissariado do Povo dos Transportes», de 27 de Maio de 1921, lê-se:
«Visto que a redução da norma de trabalho dos decretos 1.042 e 1.157, que constituem as primeiras experiências brilhantes do trabalho segundo um plano económico, é temporária e devida à crise do abastecimento em combustível... é necessário adoptar medidas para apoiar e restabelecer o abastecimento das fábricas...»
49. As teses de Rikov, redigidas em Outubro de 1927, isto é, quatro anos depois, aludem novamente à tentativa de encerrar as fábricas Putilov. Neste caso como em muitos outros, Rikov é muito imprudente, pois fornece armas contra ele próprio.
Foi Rikov em pessoa, presidente do Conselho Superior de Economia, quem propôs, nos princípios de 1923, ao Buró político, o encerramento das fábricas Putilov. Rikov demonstrava que durante os próximos dez anos não haveria necessidade dessas fábricas e que a sua manutenção artificial teria efeitos desfavoráveis nas outras empresas. O Buró político — incluindo eu próprio — tomou a sério as informações de Rikov. Depois do relatório de Rikov, não só eu mais Estaline e outros, votamos polo encerramento. Zinoviev, daquela em férias, protestou a determinação. O Buró político reexaminou o problema e tomou uma decisão contrária. Nesta questão, a iniciativa permaneceu totalmente em mãos de Rikov, presidente do Conselho de Economia. Até que ponto se terá desenvolvido em Rikov o sentimento da inocência para que se decida a atribuir-me, passados quatro anos, o seu próprio «pecado»? Não duvidamos que este caso venha a apresentar-se sob outra forma no dia em que Estaline defronte Rikov. Não haverá que esperar muito...
50. Confunde-se ao Partido fantasiando com uma história a respeito de que «Lenine queria enviar Trotski à Ucrânia como comissário do povo para o abastecimento». Misturam-se e desfiguram-se aí os factos até os tornar irreconhecíveis. Empreendi não poucas viagens deste género por ordem do Comitê Central. Estive na Ucrânia, em completo acordo com Lenine, para restaurar a indústria carbonífera do Donetz. Em pleno acordo com Lenine, trabalhei no Ural como presidente do exército soviético do trabalho. É exacto que Lenine insistiu por que fosse, por duas semanas (duas semanas!), para a Ucrânia para ali melhorar os abastecimentos. Telefonei a Rakovski, que me declarou que tinham sido tomadas todas as medidas necessárias para o abastecimento em pão, de todos os centros obreiros. Lenine insistiu, a princípio, para que partisse, mas depois mudou de opinião. E isto foi tudo. Tratava-se tão só dum trabalho corrente, duma tarefa que Lenine considerava como das mais graves daquela.
51. Eis o que Lenine disse no VIII Congresso dos Sovietes, em 22 de Dezembro de 1920, acerca da minha viagem à bacia do Donetz:
«A região do Dom fornece cerca de 25 milhões de puds(6*) de carvão por mês e atingiremos os 50 milhões graças ao trabalho da Comissão enviada a esta região, com plenos poderes, sob a direcção de Trotski, e que alá decidiu delegar em camaradas responsáveis e com experiência. Agora é Piatakov quem ali se encontra para dirigir o trabalho.»
(Lenine, Obras, vol. XVII, pg. 422)
52. De resto Piatakov sentiu nojo do trabalho conduzido no Dom, polas maquinações de bastidores de Estaline. Lenine considerou as intrigas como um duro golpe assestado na indústria hulhífera; manifestou a sua indignação ao Buró político e protestou publicamente contra a acção desorganizadora de Estaline:
«A prova de termos obtido êxitos bastante consideráveis é demonstrado, sobretudo pola região do Dom, onde alguns camaradas como Piatakov trabalharam com uma dedicação e um êxito extraordinários no domínio da grande indústria...»
(Lenine, Obras, vol. XVIII, 1.ª parte, pág. 443. Relatório de Lenine ao IX Congresso dos Sovietes, em 23.12.1921)
«... Na direcção central da indústria hulhífera, encontravam-se não só camaradas indubitavelmente dedicados, mas duma cultura real e de grandes capacidades, e não exagero ao dizer, até com grande talento; por isso precisamente o Comitê Central para aí dirigiu a sua atenção... Nós, Comitê Central, temos certa experiência e decidimos por unanimidade não afastar das suas funções ali os camaradas dirigentes. Informei-me acerca dos camaradas ucranianos e pedim em especial ao camarada Ordjonikidzé — o Comitê Central deu-lhe a ordem — de ir ver o que se passava. Parece que terá havido ali NÃO POUCAS INTRIGAS e um caos tal, que o Instituto Histórico nada chegaria a compreender, mesmo que disso se ocupasse durante dez anos. Mas o facto certo é que, CONTRARIAMENTE ÀS DIRECTIVAS UNÁNIMES DO COMITÉ CENTRAL, ESTA DIRECÇÃO TINHA SIDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA.»
(Lenine, Relatório ao XI Congresso do P.C.R., 23 de Março de 1923. Obras, vol. XVIII, 2.ª parte, pp. 50-51)
Todos os membros do Buró político sabem, e sobretudo Estaline, que estas duras palavras de Lenine acerca das intrigas contra os dirigentes leais, cultos e inteligentes da bacia do Dom, visam as intrigas de Estaline contra Piatakov.
53. Durante o IX Congresso dos Sovietes, em Dezembro de 1921, Lenine escreveu as suas teses sobre as tarefas fundamentais da reconstrução económica. Recordo-me de ter achado magníficas essas teses, mas comportavam uma lacuna a respeito dos especialistas. Disse-lhe em poucas palavras o que eu pensava. No mesmo dia recebi a seguinte carta de Lenine:
«Extremadamente secreto.
»Camarada Trotski,
»Encontro-me com Kalinine numa reunião dos «SEM PARTIDO». Este aconselha fazer-se um pequeno relatório com base na resolução que apresentei eu e à qual juntou você um aditamento muito justo sobre os especialistas.
»Não quereria encarregar-se dum breve relatório sobre esta resolução, quarta-feira, no plenário do Congresso?
»O seu relatório militar está já pronto e pode terminá-lo terça-feira.
»É-me impossível encarregar-me dum outro relatório ao Congresso. Escreva duas palavras ou envie um telegrama. Seria bom que aceitasse. Poder-se-ia dar confirmação disso por um voto telefónico do Buró político.»
Lenine
A nossa solidariedade nos problemas fundamentais da edificação socialista era tão grande que Lenine julgava possível que eu fizesse, em seu lugar, o relatório sobre estas importantes questões. Lembro ter-me esforçado por persuadi-lo da necessidade de ser ele próprio a fazer esse relatório se o seu estado de saúde lho permitisse. Por fim acedeu a isso.
54. As falsificações e as invenções relacionadas com o último período da vida de Lenine são muito numerosas. Estaline deveria ser particularmente prudente, contudo, no que respeita a este período, durante o qual Vladimir Ilitch chegou precisamente a certas conclusões definitivas a seu respeito. Evidentemente é muito difícil reconstituir o que se passou no Buró político em vida de Vladimir Ilitch. Nessa altura não se tomavam notas estenografadas, e nas actas só se mencionavam os acordos. Eis porque é tão fácil extrair delas certos episódios (até os mais insignificantes), desnaturá-los e acrescentá-los, mesmo por vezes muito simplesmente inventar «desacordos», aonde nunca houve a menor aparência deles.
A lenda da «ave de mau agoiro» que, extemporaneamente, devia ilustrar o meu «pessimismo» é, polo seu absurdo, verdadeiramente uma autêntica vergonha. Essa parva história de «coruja», é o último argumento de Estaline—Bukharine quando os argumentos ou os acontecimentos os colocam entre a espada e a parede. O conto foi tirado duma conversa que tive com Vladimir Ilitch, no primeiro período da NEP. A disposição em almoeda dos nossos magros recursos públicos inspiravam-me, nesse momento, grande inquietação, tanto polo desperdício de recursos, já muito escassos, do Estado obreiro, como devido à possibilidade duma rápida acumulação de capital privado naquele período de transição. Muitas vezes conversei sobre este assunto com Lenine. Com o fim de verificar os processos económicos que se operavam no país, organizei então o que se chamou «a barragem combinada de Moscovo». Durante uma conversa com Lenine, e apoiando-me em alguns exemplos particularmente desordeiros de lapidação, servi-me desta expressão, ou de outra aproximada: «se nos mantemos a administrar desta maneira, a ave de mau agoiro determinará alguns anos de menos ao nosso destino». Cada um de nós deve ter pronunciado com freqüência frases deste género. Quantas vezes o mesmo Lenine não disse: «Se continuamos neste ritmo certamente sucumbiremos»! É uma frase dura, mas em caso nenhum um prognóstico pessimista. Tal é, pouco mais ou menos, a história da coruja com os juros da qual Estaline e Bukharine querem pagar as suas dívidas que contrariam por ocasião da Revolução chinesa, do Comitê anglo-russo, da direcção económica e do regime do Partido.
Não se pode negar, obviamente, que muitas vezes se manifestaram desacordos de ordem prática no Buró político, particularmente com Vladimir Ilitch. Toda a questão está em saber que lugar ocuparam estes desacordos no trabalho em geral. A este respeito, a fracção estalinista, com atroz imprudência, difunde mal-intencionadas lendas que se desmoronam mal se lhes toca, voltando-se, abofé, de todo contra Estaline.
55. Para refutar estas lendas há que considerar, à partida, o período de doença de Vladimir Ilitch, ou mais exactamente, o período compreendido entre as suas duas grandes crises, quando os médicos autorizaram Lenine a retomar as suas ocupações e se resolveram por correspondência um grande número de importantes problemas. Conforme esta correspondência — portanto em atenção a documentos irrecusáveis — pode-se ver quais são os diferendos que surgiram no Comitê Central, de que lado estavam os desacordos e também, em certa medida, quais as relações de Lenine com certos camaradas. Citarei alguns exemplos.
56. Em últimos do 1922, houve uma séria discrepância no Comitê Central a respeito do monopólio do comércio externo. De modo algum quero eu, fora de tempo, aumentar a sua importância, mas, no entanto, o grupo político que se formou no Comitê Central à volta deste problema é bastante característico.
O Comitê Central adoptou, por iniciativa do camarada Sokolnikov, uma decisão que provocou uma séria fenda no monopólio do comércio externo. Vladimir Ilitch opunha-se absolutamente a esta decisão. Tendo sabido por Krassine que eu não assistira a esta sessão do Comitê Central e que me pronunciava contra a decisão tomada, Lenine escreveu-me. Essas cartas, até ao presente não foram publicadas, nem também a correspondência de Lenine com o Buró político sobre o caso deste monopólio. A rigorosa censura que exerce sobre a herança de Lenine é das mais implacáveis. Imprimem-se duas, três palavras de Lenine, lançadas num pedaço de papel, se —directa ou indirectamente— podem atingir a oposição. Mas omite-se publicar documentos de grande importância, se — directa ou indirectamente — podem embaraçar Estaline.
Passo a dar conhecimento de cartas de Lenine referentes a esta questão:
«Camarada Trotski:
»Envio-lhe uma carta de Krestinski. Faça saber rapidamente se está de acordo. Eu luitarei na sessão polo monopólio. E você?
Seu,
Lenine.
PS. O melhor seria devolver-no-la o mais cedo possível.»
«Aos camaradas Frunkine e Stomoniakov(7*). Cópia para Trotski.
»Devido ao agravamento da minha doença, vejo-me forçado a não poder assistir à sessão. Compreendo perfeitamente até que ponto o meu obrar é desastrado, principalmente a vosso respeito, mas, de qualquer forma, não me seria possível intervir com algum êxito. Recebi hoje a carta junta do camarada Trotski, com a qual quadro conforme nos pontos essenciais, com excepção talvez das últimas linhas sobre o Gosplan. Escreverei ao camarada Trotski informando-o do meu acordo e pedindo-lhe, em vista da minha doença, que se encarregue na sessão da defesa da minha posição.
»Creio útil dividir esta defesa em três partes:
1. — A defesa do princípio essencial do monopólio do comércio externo e o seu estabelecimento total e definitivo.
2. — A transmissão a uma comissão especial do exame detalhado dos planos de ordem prática para a realização deste monopólio, apresentados por Avanessov. Nesta comissão, os delegados do Comissariado do Comércio Externo devem constituir polo menos metade da mesma.
3. — A questão do trabalho do Gosplan deve ser colocada à parte. Acho que não estarei em desacordo com Trotski se este se limitar a pedir que o Gosplan, que se coloca sob o signo do desenvolvimento da Indústria do Estado, tenha que dar a conhecer a sua opinião em todos os domínios da actividade do Comissariado do Comércio Externo.
»Ainda espero poder-lhes escrever amanhã ou depois de amanhã e enviar-lhes a declaração que tenho intenção de dirigir à sessão do Comitê Central sobre o fundo da questão. De qualquer forma, considero que a importância de princípio desta questão é tão grande que, no caso de não se poder haver acordo na sessão, deverei levá-la perante o Congresso. Por outro lado, sem esperar mais, porei ao corrente do desacordo actual à fracção do Partido Comunista do próximo Congresso dos Sovietes.
Lenine
12. XII.22»
«Ao Camarada Trotski. Cópia para Frunkine e Stomoniakov.
»Camarada Trotski:
Recebi a sua opinião sobre a carta de Krestinski e sobre os planos de Avanessov. Parece-me que existe entre nós um acordo máximo e penso que, tal como está posta neste momento a questão do Gosplan, afasta a discussão sob o ponto de saber se é necessário ao Gosplan ter direitos activos. De qualquer forma, prego-lhe com teimosia que se encarregue, na próxima sessão, da defesa do nosso comum ponto de vista sobre a absoluta necessidade de manter e fortalecer o monopólio do comércio externo.
»Visto que a sessão precedente adoptou a este respeito uma decisão totalmente contrária ao monopólio do comércio externo, e que, nesta questão, é impossível recuar, penso que, como digo na minha carta a Frunkine e Stomoniakov, no caso de sermos derrotados nesta questão, deveremos apresentá-la perante o Congresso do Partido. Para tal fim, será necessário fazer uma breve exposição dos nossos desacordos perante a fracção do Partido do próximo Congresso dos Sovietes. Se tiver tempo para isso, redigirei essa declaração e ficaria muito satisfeito se você fizesse o mesmo. A vacilação que se manifesta a este respeito causa-nos um prejuízo desmedido, e os argumentos que se fazem valer em contrário consistem unicamente em acusar o aparelho de imperfeição. Mas o nosso aparelho distingue-se, em geral, pola sua imperfeição e se se renunciasse ao monopólio por causa da imperfeição do aparelho, isso equivaleria a derramar o meninho com a água da banheira.
Lenine
13. XII.22»
»Camarada Trotski:
»Envio-lhe a carta que recebi hoje de Frunkine. Penso que é absolutamente necessário acabar duma vez por todas com esta questão. Que se receie que este assunto me atormente e até que influia no meu estado de saúde é uma opinião que considero fundamentalmente falsa, porque o atraso que torna a nossa política em extremo instável sobre uma das questões essenciais atormenta-me mil vezes mais. Por isso é que chamo a sua atenção para a carta junta e lhe prego com insistência para apoiar a imediata discussão desta questão. Estou convencido que, se nos arriscamos a ser batidos, há muito mais vantagens em o ser antes do que depois do Congresso do Partido para dirigirmos prontamente à fracção do Congresso. O seguinte compromisso talvez seja aceitável: de momento, tomamos a decisão de confirmar o monopólio, e no Congresso do Partido levantamos apesar de tudo o problema. Penso que em nenhum caso devemos aceitar outro compromisso.
Lenine.
15. XII.22»
«Camarada Trotski:
»Considero que nos pusemos plenamente de acordo. Peço-lhe que dê a conhecer a nossa solidariedade na sessão. Espero que passará a nossa decisão, porque uma parte daqueles que votaram contra ela em Outubro, passam no presente, no todo ou em parte, para o nosso lado.
»Se, no pior dos casos, a nossa decisão não for adoptada, dirigir-nos-emos à fracção do Congresso dos Sovietes e informá-la-emos de que levaremos a questão ao Congresso do Partido.
»Mantenha-me ao corrente neste caso e enviarei a minha declaração.
»Se esta questão vier a ser retirada da presente sessão — o que não creio e contra o que deveria você evidentemente protestar no nosso nome com todas as suas forças —, penso que deveria dirigir-se à fracção do Congresso dos Sovietes, apesar de tudo, e exigir que a questão seja levantada perante o Congresso do Partido, porque titubeações ulteriores seriam absolutamente inadmissíveis.
»Podem ficar nas suas mãos até depois da sessão, todos os documentos que lhe enviei,
Seu,
Lenine.
15. XII.22.»
«Leão Davidovitch:
»O professor Foerster autorizou hoje Vladimir Ilitch a ditar uma carta e ele ditou-me a seguinte para você:
«Camarada Trotski:
»Parece-me que conseguimos ocupar a posição sem dar um só tiro, por uma simples manobra ardilosa. Proponho não nos deter por aí e prosseguir a ofensiva, e, com este fim, fazer aprovar a proposta de levantar perante o Congresso do Partido a questão do fortalecimento do monopólio do comércio externo e as medidas a tomar para melhorar a sua aplicação. Informe disso a fracção do Congresso dos Sovietes. Espero que não levante objeções e que não recuse fazer o relatório à fracção. — Lenine.»
»V.I. pede que lhe dê você a resposta por telefone
N. K. Ulianova.
21. XII.22. »
Tanto o conteúdo como o tom destas cartas reproduzidas, dispensam comentários. Sobre a questão do comércio externo, o Comitê Central adoptou uma nova decisão que anulava a precedente. O gracejo na carta de Lenine sobre a vitória obtida «sem dar um só tiro» é a isso que faz alusão.
Para terminar, nada mais resta do que perguntarmos-nos o que teria acontecido se Trotski se encontrasse entre os que votaram a decisão de preterir o monopólio do comércio externo, e se Estaline, de acordo com Lenine, tivesse luitado para fazer anular esta decisão. Que quantidade de livros, de folhetos, de diatribes, não se teriam escrito para demonstrar o desvio «kulak» e pequeno-burguês de Trotski!
57. Eu atribuía o esbanjamento à falta dum plano para a nossa economia em geral. Acerca da direcção do plano e do papel do Gosplan, houve discussões no Buró político e particularmente entre mim e Vladimir Ilitch. Houve-as, também, a respeito do pessoal dos órgãos do plano. Na sua carta aos membros do Buró político, sobre a questão do Gosplan, Vladimir Ilitch dizia o seguinte:
«A propósito da concessão de funções legislativas ao Gosplan, penso que desde há já muito tempo esta idéia foi destacada polo camarada Trotski. Declarei-me oposto a isso porque estimava que, nesse caso, existiria uma falta total de ligação no sistema das nossas instituições legislativas. Mas, depois de examinar atentamente a questão, parece-me que no fundo há aí uma boa idéia. A saber, que o Gosplan é mantido um pouco à margem das nossas instituições legislativas, se bem que seja ele que, graças aos homens competentes, aos peritos e aos representantes da ciência e da técnica, que reúne, dispõe no fundo de maior número de dados para se pronunciar com conhecimento de causa, sobre as questões.
Neste sentido, penso que se pode e se deve dar acolhida à idéia do camarada Trotski, salvo no que diz respeito à direcção do Gosplan, atribuída quer a um dos chefes políticos, quer a um representante do Conselho Superior da Economia Pública».
(27 de Dezembro de 1922.)
Anteriormente encontramos uma alusão a estes desacordos nas cartas que Lenine me escreveu sobre o monopólio do comércio externo. Lenine propunha então afastar esta questão, designando-a polo termo — um tanto impróprio — de «questão dos direitos activos do Gosplan». Embora insistindo por que se robustecesse o Gosplan por todos os meios e por que se lhe subordinasse todos os planos dos outros departamentos, não tinha proposto investir o Gosplan de direitos administrativos, pois considerava que estes deviam continuar concentrados nas mãos do Conselho do Trabalho e da Defesa. Mas o essencial não está aí. Tanto polo carácter como polo tom da carta, vê-se com que tranqüilidade apreciava Lenine, colocando-se simplesmente no ponto de vista do trabalho, os desacordos que tinham ocorrido anteriormente, propondo ao Buró político resolver estes desacordos aproximando-se consideravelmente das idéias que eu tinha definido. E, no entanto, quanto não se tem mentido ao Partido sobre esta questão!
continua>>>
Notas:
(6*) Medida de peso russa. 1 pud é igual a 16, 381 kg. (Op. cit. pág. 37) (retornar ao texto)
(7*) Camaradas com os que Lenine tinha-se unido contra a maioria do Comitê Central, sem pertencerem eles ao Comitê Central. — L.T.
Nota do Tradutor. - Eram os dous principais colaboradores de Krassine no Comissariado do Comércio Externo. (retornar ao texto)
Inclusão | 25/10/2007 |
Última alteração | 15/12/2010 |