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Primeira Edição: Digitalizado a partir de uma cópia mimeografada dos arquivos da Organização Política Operária. Fonte e tradutor desconhecidos
Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
HTML: Fernando A. S. Araújo
A história da palavra de ordem de "Governo Operário" não é só quase que totalmente desconhecida pelos jovens, mas infelizmente também pelos velhos comunistas alemães. No seu lugar existe uma bonita e agradável lenda que leva à conclusão de que o Comitê Central (CC) sob Brandler inventou o monstro oportunista de um "Governo Operário" no quadro da "democracia", que o testou no outono de 1923 na Saxônia e Turíngia e que, depois, o 5° Congresso da Internacional Comunista (IC), sob a direção de Sinovjov, liquidou o monstro e recolocou as coisas no seu lugar.
A verdadeira história dessa palavra de ordem e da sua extinção é bem diferente. É verdade que bem menos agradável para a direção da IC, mas em troca bastante mais rica em experiências. O espaço que temos à nossa disposição aqui não basta nem de longe para enumerá-las. Isso deve acontecer em outra ocasião; aqui queremos somente nos referir à algumas etapas principais desta história.
O início da história já nega frontalmente a lenda tradicional.
O ato do nascimento do "Governo Operário" de linhagem democrática, assim como o procedimento do então CC-Brandler, ainda podem ser averiguados.
Diante de nós temos um folheto de Karl Brenner (Karl Radek): "A derrocada próxima da burguesia alemã e o PCA", Hamburgo, Hoym, 1921. O folheto surgiu por volta de 1921 e podemos ler na sua primeira página :
"A alternativa de um Governo Operário como um governo de salvação do povo alemão deve surgir das massas trabalhadoras, tem de aglomerar-se numa falange de ferro".
De que governo se trata? Como surge? Qual o seu caráter?
Sobre isso se lê o seguinte, na página 29:
"Podemos chegar a um Governo de Rate numa trajetória em que a classe operária permaneça subjugada e oprimida até que, em sua maioria esmagadora, aprenda a entender que só através da constituição da Ditadura do Proletariado e do poder aos Rate poderá alcançar a vitória. Mas, também podemos atingir um Governo dos Rate se a classe operária percorrer o caminho democrático por tanto tempo que, pela via democrática, conquiste a maioria parlamentar, introduza o Governo Operário e somente através das experiências com este Governo, através da luta que a burguesia vai opor a este Governo [por meio dos direitos democráticos — A.Th], seja obrigada a se engajar na luta pela Ditadura do Proletariado."
Na página 30 consta:
"Eles (os comunistas) devem, pois, combater ao lado do proletariado pelo Governo Operário através da via democrática e mostrar ao proletariado com quais meios deve assegurar o Governo Operário, apoiando e fortalecendo sua luta contra o Capital".
Na página 31, o relacionamento dos comunistas com um "Governo Operário" na Alemanha é definido mais precisamente como segue:
"Como podemos apoiar um Governo Operário não comunista? Na media em que combatermos ombro a ombro com os trabalhadores de todos os outros partidos pelas necessárias reivindicações transitórias e, sem quebrar a disciplina de luta, criticarmos objetivamente cada desvio, cada vacilação desse Governo. Devemos, portanto, deixar de participar desse Governo? Devemos apoiá-lo só de fora na medida em que combata o Capital? Ou devemos participar desse Governo? Se o Governo Operário se comprometer a fazer aquilo que, numa determinada situação, é necessário ao combate contra o Capital, o Partido deve participar de tal Governo. Se os social-democratas, os independentes, os dirigentes sindicais — para situar o problema nas condições concretas da Alemanha — se comprometessem, no caso de tomada do Governo, a conquistar através de impostos uma tal participação na indústria que permitisse ao Governo Operário controlar realmente a produção, e desta maneira realizar, caso necessário, o dever de reparação de guerra, se se comprometessem a livrar a administração pública dos elementos reacionários para assegurar essa política, tomar medidas para transformar o Exército em defensor da República e dos interesses dos trabalhadores, se se comprometessem a tomar todas as medidas necessárias para possibilitar a construção conjunta da economia alemã e russa — sem a ligação do país industrial com o agrário, qualquer reconstrução é impossível — nesse caso seria dever dos comunistas tomar parte em tal Governo Operário e aceitar a responsabilidade pela sua política diante da classe operária internacional. Porém, se esse Governo fosse ainda tímido demais para se decidir por esse único caminho viável, não seria possível assumir a responsabilidade por ele. O PC teria de se contentar em apoiá-lo na medida em que combatesse pelos interesses da classe operária. Mas, mesmo assim, o PC não poderia esquecer que, na sua crítica ao Governo, não pode ajudar a burguesia a derrubar o Governo Operário. Um passo à frente até o Governo de Rate só seria possível, se a grande maioria do proletariado se declarasse a favor. Todo golpe, toda tentativa da minoria comunista de aproveitar a ruptura com a burguesia, para derrubar o Governo Operário, seria mais do que um crime. Seria uma asneira sem pé nem cabeça. Porque o socialismo só pode vencer na Alemanha se estiver apoiando na maioria da classe operária. Não existe outro caminho para a vitória".
Quem deveria tomar parte em tal "Governo Operário" democrático-parlamentar?
Sobre isto ficamos sabendo na página 36:
"Depois desse trabalho de agitação e organização, o próximo passo seria tentar reunir todos os partidos que querem ser chamados de partidos operários (!) para a luta pela dissolução do Parlamento e para a luta eleitoral numa frente coesa por um Governo Operário, que assumiria corajosa e decididamente a luta contra a crescente escravização dos trabalhadores alemães".
Até aí, Karl Radek, em novembro de 1921. Deve-se atentar que tais argumentos, embora devidos à iniciativa de Radek, estavam apoiados pela autoridade da Executiva da IC, da qual, como representante e membro, Radek elaborava as propostas e as expunha ao PCA (O simples papel do comando dos representantes da Executiva de então ainda não estava tão desenvolvido como hoje).
A então direção do PCA simplesmente louvou, engoliu e aceitou estas propostas? De maneira nenhuma. E a comprovação de que isso não foi o caso encontra-se no mesmo escrito, em cuja página 27 lê-se:
"Somente em um Governo de Rate os comunistas podem tomar parte — estava escrito em uma resolução sobre a questão do Governo na Turingia". "Mas isto" — continua Radek — "é uma conclusão totalmente errada".
Na realidade, o então Comitê Central do PCA rejeitara decididamente a possibilidade de uma participação em um governo operário democrático- parlamentar. Quando Radek apresentou suas propostas em forma de tese ao Comitê Central, elas foram negadas em teses opostas feitas por mim e pela companheira Clara Zetkin, por determinação do CC.
Essa resolução (ou projeto de resolução) trata do relacionamento do PC com os assim chamados "governos socialistas" e pode ser encontrada no Caderno 14, ano 3, da "Internacional" (alemã), de 8 de novembro de 1921. Ali é dito:
Do que está transcrito acima, conclui-se claramente:
Os fatos aqui citados estão, aliás, em contradição nítida com a lenda, que tanto os ultra-esquerdistas alemães quando a Executiva da IC espalharam por boas razões, sobre o desenvolvimento desta questão. Mas estes são os fatos, como os documentos o comprovam.
Em um próximo artigo será descrito o desenvolvimento posterior da alternativa do movimento operário e deverão ser retiradas as experiências desse desenvolvimento.
Mostramos em nosso primeiro artigo como a idéia de um governo operário democrático-parlamentar apareceu primeiro com Karl Radek, o então representante da Executiva da IC e como a direção do PCA a rejeitou.
Mais aí, a pressão da Executiva tornou-se totalmente evidente.
No relatório da reunião da Executiva de 18 de dezembro de 1921 Radek, por exemplo, ataca o CC do PCA por oportunismo, porque este (naquela época) não aceitou a concepção oficial do Governo Operário! Neste relatório lê-se a seguinte surpreendente passagem:
"E mais: nos protocolos do CC (do PCA) vejo uma tomada de posição incorreta na questão de um governo operário com participação de representantes dos sindicatos cristãos. O CC não aceita o tal governo e isto é um grande erro. Não somente porque ficou demonstrado na Alemanha que os operários cristãos lutaram, mas se dizemos: com os cristãos não, com Scheidmann sim, porque ele é socialista, então o ajudamos a enganar os operários. Se apoiássemos Scheidmann não o faríamos porque ele é socialista. Este comportamento do CC mostra que ele encara a questão do Governo Operário de forma oportunista. Temos de encarar o relacionamento com os cristãos, como os russos fizeram em relação aos camponeses. Os trabalhadores cristãos certamente não são mais pequeno-burgueses do que os camponeses russos. Esta questão pode ser decisiva para a próxima campanha do Partido".
É verdade que Bukarin falou nessa reunião dos grandes perigos que esta tática encerrava. Que a tática de Frente Única só poderia ser tomada como manobra estratégica. Mas, tanto Bukarin quanto Zinowjew não rejeitaram a alternativa do governo operário no sentido democrático-parlamentar.
O carimbo oficial da Executiva foi aposto na palavra de ordem do Governo Operário, no sentido citado, em uma carta oficial da Executiva ao CC do PCA, datada de 10 de janeiro de 1922. Nesta carta foi afirmado, entre outros:
"I. No caminho certo...
De forma que se ele (o Partido) tiver elaborado a palavra de ordem do Governo Operário, somente em cima da qual as próximas palavras de ordem poderão ser colocadas em prática, o PCA estará capacitado..."etc.
"... Se os operários cristãos estiverem junto com o proletariado restante nas lutas de classe, não existem razões de princípio para deixar seus líderes fora de um Governo Operário, no qual poderão participar representantes dos sindicatos livres (independentes) que no momento mal se distinguem deles em sua prática conjunta... Se isto acontecer e o modo como um tal (!!) Governo Operário continuar a lutar, isso dependerá das circunstâncias...".
Finalmente está dito aí:
...Para que o PC se torne o dirigente do proletariado ele deve permanecer fiel ao mesmo, lutando ao seu lado em todos os estágios intermediários, sem esquecer o seu próprio objetivo. O Partido deve ter a coragem de se responsabilizar por todas as necessidades da classe operária, também quando se trate de necessidades passageiras, como pode ser um Governo Operário".
A resolução do CC do PCA de 16 de dezembro de 1921 aceitou a palavra de ordem do Governo Operário. Ela foi confirmada pela reunião do CC em janeiro (1922).
Vários artigos na "Internacional" e em outras publicações bateram-se em torno do enredado novelo do "Governo Operário". Em um artigo meu sobre a "Frente Única na França" (Internacional IV, cad 23, de 28 de maio de 1922) foi traçado um paralelo com o Governo Soviético no seu estágio inicial e, em consequência, dito que um governo operário deveria deixar aberta a participação a todos os partidos operários "que estejam dispostos a dele participar baseados na plataforma revolucionária".
O artigo de junho caracterizava o Governo Operário como ainda democrático-burguês na forma, mas proletário no conteúdo e dizia que esta contradição se levada às últimas consequências deveria romper a forma democrático-burguesa.
Então veio o IV Congresso da IC que se ocupou minuciosamente com a questão dos governos operários, porém não a esclareceu e sim aumentou a confusão auto-gerada. No mínimo três, se não mais, diferentes posições existiam paralelas, emaranhadas e opostas. Para provar isso especificamente falta espaço aqui, mas deverá ser feito em outro trabalho com a minunciosidade necessária.
O IV Congresso, o primeiro em que Lênin não participou do início ao fim (ele já estava doente), já demonstrou como a Executiva sem Lênin, mas ainda se baseando na sua autoridade, não estava em condições de sair da confusão por ela mesma criada.
As formulações falsas sobre o Governo Operário no Congresso de Reipzig (janeiro de 1923) não são, portanto, invenções de Brandler ou do então CC. elas correspondem somente ao pensamento da Executiva. Ainda no verão de 1923, a Executiva do Comitern esclarecia através de uma discurso de Radek no Pleno da Executiva da Internacional da Juventude Comunista (13 de julho de 1923):
"A tática da Frente Única significa a disposição dos PC's à coalizão com partidos operários não comunistas para a tomada do poder".
A isto correspondiam também as diretrizes da Executiva no sentido da participação do PCA nos governos social-democratas na Saxônia e Turíngia, diretrizes posta em prática apesar dos protestos de Brandler. Ainda em novembro de 1923 Zinowjew, o então presidente da Executiva do Comitern e membro do Bureau Político do PCUS, escrevia na introdução ao folheto "Problemas da Revolução Alemã";
Alguns camaradas defendem o ponto de vista de que a tática do PCA na Saxônia foi um erro. "A Saxônia é um grande erro e talvez fatal" — escreve-nos um dos velhos companheiros da Alemanha. Esse diagnóstico está certo? Não!". (página 1)
Mais adiante na página 2 está:
"Todas as camadas do proletariado que ainda acreditam poder evitar uma guerra civil sangrenta agarram-se "com unhas e dentes" aos atuais social-democratas de "esquerda". E estas camadas operárias nos responsabilizariam se nos negássemos a juntamente com os social- democratas de esquerda tirar o país da crise através da via pacífica. A importância da experiência da Saxônia está justamente no fato de que as citadas camadas operárias terão que reconhecer no seu exemplo a falta de caráter e a mesquinhez contra-revolucionária."
A saída dessa confusão criada pela Executiva não foi, porém, por ela indicada e sim pela então direção do PCA bem antes de outubro.
(Sobre isto um artigo final).
Os documentos que comprovam como já em agosto de 23 a então direção do PCA encontrou a saída do caos que a Executiva iniciara e continuava a aumentar são tão numerosos e vastos que temos de nos concentrar em alguns poucos artigos. Entre eles o editorial da "Rote Fahne" de 5 de agosto de 1923 "Quais os próximos objetivos que a classe operária tem de se colocar na guerra civil", escrito por mim e no qual dizia:
"Não há dúvida que a guerra civil é inevitável na Alemanha, a não ser que a classe operária queira submeter-se sem resistência às organizações de luta legais e ilegais da burguesia... se as coisas são assim, a próxima tarefa da classe operária será a de tomar todas as medidas para derrotar o adversário, isto é, destruí-lo. Sobre as medidas técnicas e organizatórias necessárias, o PCA falou claramente no seu último manifesto.
Porém, é ainda necessário que o Partido já apresente agora, com a mesma clareza, quais os próximos objetivos que a classe operária deve colocar na guerra civil...
É óbvio que a simples "defesa da república burguesa" não é nenhum objetivo...
Os objetivos da classe operária na guerra civil resultam simplesmente da necessidade de uma defesa bem sucedida, da situação real e da compreensão desta situação existente na classe operária. Os próximos objetivos têm de levar a classe a um passo adiante, mas no momento só podem dar aquele passo adiante que a parte mais ativa da classe operária já reconhece antes da luta e que a maioria reconhecer durante a luta como sendo necessário.
Os primeiros passos que são necessários para consolidar a vitória da classe operária na guerra civil e evitar a reorganização do adversário tem de ser os seguintes: a transformação do armamento e das organizações da classe casuais, em gerais e sistemáticas; formação de uma guarda vermelha como tropa ativa, e uma milícia vermelha como reserva. O princípio básico é a estrutura de classe proletária dentro da qual o PCA tem de ter a direção e dentro da qual os elementos de outras camadas e outros agrupamentos de luta tem de enquadrar-se...
Puramente como medida de defesa para cortar as reservas financeiras do adversário e com isso os recursos de sua reorganização, apresenta-se a necessidade da apreensão de no mínimo mais da metade das propriedades, e do controle da produção através dos órgãos de classe de operários.
Mas essa medida resulta igualmente obrigatória devido a necessidade de aliviar as amplas massas e de dar imediatamente o primeiro passo no sentido da economia socialista planificada. Outras medidas de luta: o imediato abastecimento das camadas proletárias e dos que lutam ao seu lado com alimentos dos armazéns da grande burguesia; imediata distribuição dos latifúndios aos camponeses e semicamponeses pobres, entrega da administração dos bens dos latifundiários aos trabalhadores do campo.
A democracia burguesa se sentirá em situação incômoda na ponta das baionetas proletárias e por isso fará bem em "modificar-se" um pouco. É óbvio que a defesa contra um ataque no sentido de uma ditadura capitalista aperfeiçoada (fascista) só poderá consistir, no mínimo, num passo em direção à ditadura proletária. A natureza determinada deste passo resulta da situação da luta de classes. Os conselhos de empresa apoiados nos operários armados formarão por si só órgãos políticos dirigentes; os parlamentos terão de se subordinar a estes órgãos, que representam a população operária de uma forma completamente diferente, mais direta do que o legislativo burguês; senão haverá conflitos que são solucionáveis de diferentes maneiras (também sem a dissolução imediata do Parlamento). Como isso se dará, dependerá muito do comportamento dos parlamentos em relação à classe operária e aos seus órgãos.
É claro também que a burocracia reacionária superior e a organização da contra-revolução deverão ser afastadas imediatamente. Uma coexistência entre órgãos de classe proletária e órgãos burocráticos é também impossível, portanto, a baixa e média burocracia deverão ser absorvidas pelos órgãos de classe proletários de auto-gestão.
O que descrevemos aqui não é senão o Governo dos Operários e Camponeses. Visto do ponto de vista partidário ele será uma coalizão de todos os partidos operários e organizações das camadas médias que participam da luta da classe operária. A direção ficará naturalmente com o partido que liderou a luta. Esse Governo Operário ainda utiliza algumas formas da democracia burguesa, mas deve preenchê-las totalmente com o caráter de classe proletário. Ele terá de tomar medias ditatoriais e se livrar paulatinamente das formas superadas da democracia burguesa."
Além disso, citamos as diretrizes para a situação política, aceitas pelo CC do PCA (Rote Fahne de 9 de agosto de 1923), nas quais está dito, entre outros:
... ”O objetivo desta luta tem de ser: a derrubada do Governo de Cuno, o impedimento de qualquer novo governo de coalizão e a criação de um Governo Operário e Camponês sob a direção da classe operária, que faça desta, das camadas médias da cidade e do campo, o sustentáculo de todos os trabalhadores aliados contra a exploração.
Este poder estatal, cuja base é a classe operária, o bloco dos não- proprietários e pequeno-burgueses, será o governo mais forte que pode ser atingindo na Alemanha. É o governo de todos os explorados, isto é, o governo da maioria esmagadora do povo. Quem designa um tal governo como minoritário, porque no momento não tem a maioria no Parlamento, não compreende que este governo tem uma força decisiva em órgãos proletários extra-parlamentares (conselhos de empresa, conselhos económicos, comitês de controles, milícias armadas); não entende que este governo, enraizado nas amplas massas e em seus órgãos, pode obrigar a dissolução do Parlamento e agir sem consideração contra qualquer poder inimigo do bloco dos proletários"...
Indico ainda os editoriais dos números 209 e 215 do "Rote Fahne", do mesmo ano. No último dizia-se sobre "O caminho à Ditadura Proletária na Alemanha":
"...A condição política básica para a Ditadura do Proletariado — que pressupõe os instrumentos suficientes na mão da classe operária — é a formação dos órgãos de classe proletários e o seu reconhecimento pela maioria do proletariado como seu centro político, de um lado, e por outro lado a perda da autoridade que os órgãos burocrático-parlamentares tem sobre as massas".
Assim o Governo Operário "democrático-parlamentar" foi enterrado ainda antes de outubro. Nossa entrada nos governos da Saxônia e Turíngia não se deu de acordo com o que então se compreendia como "Governo Operário", mas em contradição com isto.
O V Congresso declarou a palavra de ordem do Governo Operário como "sinônimo" da Ditadura do Proletariado, isto é, enterrou-a e a manteve ao mesmo tempo. Não se atreveu a reconhecer abertamente a confusão indescritível que a própria Executiva criara nessa questão e, assim, permitiu que a falta de clareza persistisse até hoje. Mas é tempo de se acabar com isso, mesmo se se arrebentar com a auréola da Executiva.
A história da palavra de ordem do Governo Operário é só um exemplo entre muitos, que provam como a direção da Internacional Comunista falhou, desde o 5° Congresso. E isto permanece assim até hoje.
A apresentação acima do conceito do "Governo dos Operários e Camponeses", como está contida não somente no artigo de Peregrinus, mas também no projeto de plataforma aceito em princípio pelo Congresso de Weimar, procede. As questões suplementares feitas pelo camarada H.T. são bem-vindas já que são apropriadas para esclarecer ainda mais o verdadeiro conceito de Governo dos Operários e Camponeses e, além disso, para esclarecer algumas dúvidas que se notam através das perguntas do camarada H.T. Passemos logo às respostas:
Porque o estágio inicial da Ditadura do Proletariado é chamado de Governo Operário-Camponês?
Resposta:
Esta pergunta coloca, na realidade, duas perguntas que tem de ser separadas para que possamos respondê-las. A primeira pergunta: Porque o estágio inicial da Ditadura do Proletariado pode ou deve ser apresentado com um nome especial? A segunda: Porque justamente como o nome de Governo Operário-camponês?
A designação especial para o estágio inicial da Ditadura do Proletariado, isto é, a ênfase na separação desse estágio, é necessária e consequentemente útil, porque através disso torna-se compreensível que a Ditadura do Proletariado não sai do céu como algo completamente pronto e sim que é algo em desenvolvimento. Não tem somente uma pré-história — a luta pelo poder, na frente da qual encontram-se os Rote como órgãos de luta, — mas também uma história — a luta pela afirmação da Ditadura do Proletariado e pela construção do Socialismo, na qual a composição e a estrutura da Ditadura de Rote se modificam.
O desenvolvimento da Ditadura dos Sovietes na Rússia mostra dois novos aspectos importantes: Primeiro, aí existe um setor partidário, os social-revolucionários de esquerda, que se aliam aos bolcheviques porque estão de acordo com o Programa Agrário desses últimos, na medida em que exprimem a vontade das massas camponesas de tomar a terra de latifundiários. Ao mesmo tempo, porém, os social-revolucionários de esquerda não aceitam algumas medidas necessárias da Ditadura do Proletariado, ainda estão parcialmente presos a ilusões pequeno-burguesas, democráticas e nacionalistas. Assim, participam em parte da insurreição, tomam parte, no início, no Governo dos Sovietes (como minoria) e finalmente se afastam. Isso não precisa se repetir sob esta forma em outros países, porém mostra uma possibilidade geral no estágio inicial da Ditadura do Proletariado: a participação (como minoria) daquela parcela de um partido reformista pequeno-burguês que participou da luta pelo poder, que se assenhorou dos interesses específicos da camada por ela representada e que significa a aceitação prática dessa camada da parte do programa que a atinge diretamente. A Ditadura do Proletariado avança com tais camadas pequeno-burguesas, mas o mencionado setor partidário fica estacionado e dessa maneira se transforma em fator contra-revolucionário. Estas são possibilidades gerais, isto é, aquelas que independem das formas e condições especiais da revolução russa.
O âmago da questão consiste no fato de que o desenvolvimento de determinadas camadas pequeno-burguesas em direção ao comunismo pode estar tão adiantado no momento de insurreição que elas dela participem, porque querem superar a democracia burguesa, instituir a ditadura da classe operária e fazer com que prevaleçam determinados pontos sociais e económicos do programa com todas as suas consequências — que, entretanto, ainda não estão firmes. No momento do levante participam dele, mas após ainda apresentam todas as oscilações anteriores.
Ultimamente estas oscilações e restos de concepções antigas se expressam no fato de que tais camadas ainda não se encontram sob a bandeira do Partido Comunista, e sim, chegam à Ditadura do Proletariado primeiro sob a direção de uma cisão de um partido reformista. As formas sob as quais determinadas parcelas da pequena burguesia e também da classe operária se desenvolverão em direção ao ponto de vista da Ditadura do Proletariado e do Comunismo serão diferentes nos diversos países, de acordo com a estrutura e história dessas camadas e com a estrutura e história do Partido em cada um desses países.
Mas, em toda parte é de se esperar que esse início seja um processo complicado e não linear. Na Alemanha especialmente são de se esperar tais processos na transição de determinadas camadas pequeno-burguesas e operárias do reformismo para o comunismo, bem como do centro para o comunismo e possivelmente do fascismo para o comunismo.
2. O estágio inicial da Ditadura do Proletariado na Rússia mostra ainda como o resto de normas parlamentares (a Constituinte) ainda tem de ser carregadas algum tempo, como lastro, para depois serem eliminadas. Ainda persistiu por algum tempo e liberdade de imprensa, etc. Também isso são possibilidades gerais. Aqui, porém, deverá atentar-se de que não se trata de combinar órgãos de Rate com órgãos parlamentares, que não se trata de um trabalho em conjunto, mas do processo de liquidação dos restos parlamentares e democrático-burgueses; portanto, como luta do poder de Rate contra estes restos, pois os restos das organizações parlamentar-democráticas tornam-se os centros de organização da contra-revolução. Isto não só nacionalmente, como também localmente (Assembléias Municipais, etc).
Enquanto os órgãos democrático-parlamentares preponderarem terão em mira a destruição dos órgãos dos Rate. Se os órgãos do Rate estão em maioria, se se tornarem os órgãos do poder estatal proletário, devem destruir os restos dos órgãos e instituições democrático-parlamentares, para garantir a sua própria sobrevivência.
Os ultra-esquerdistas negam tanto que o poder dos Rate tenha uma pré-história quanto que tenham uma história. A pré-história abrange a parte das palavras de ordem de transição. A história começa no estágio inicial quando algumas cascas da democracia parlamentar ainda estão coladas à Ditadura do Proletariado.
Aos esquerdistas deve-se enfatizar a pré-história. Porém, em relação aos desvios de direita, deve ser enfatizado que a transição da pré-história à história do poder dos Rate é um salto que se dá através da vitória da insurreição, através da batalha decisiva na guerra civil. Por isso deve-se constatar tanto que o poder estatal proletário é uma ditadura desde o início, quanto que essa ditadura se desenvolve no conteúdo e na forma.
Estas são as razões que explicam porque o estágio inicial da Ditadura do Proletariado deva ser separado conceitualmente dos próximos estágios e que, consequentemente, tenha denominação especial.
A outra pergunta — porque justamente o nome "Governo Operário" ou "Governo Operário e Camponês" é usado para designar esse estágio inicial — pode ser respondida mais rapidamente. Todas as designações são mais ou menos arbitrárias. Quanto ao uso da designação de "Governo Operário" para o estágio inicial da Ditadura do Proletariado explica-se pelo fato de que, quando existem dois nomes para um determinado conceito e torna-se necessário diferenciar, um deles é mais adequado. O fato do termo "governo operário" ter sido mal utilizado temporariamente, no sentido de uma (impossível) forma intermediária entre a democracia burguesa e a Ditadura do Proletariado, não pode ser impedimento para dar-lhe o conteúdo correto, depois que se reconheceu tal conceito como insustentável.
Se o Governo Operário-Camponês já é a Ditadura do Proletariado, porque não o dizemos na formulação de nossa propaganda e palavras de ordem de ação?
Resposta:
Aqui a pergunta é incorreta. Caracterizamos o Governo dos Operários e Camponeses como Ditadura do Proletariado, na medida em que o contrapomos à república parlamentar-burguesa e na medida em que o ligamos às palavras de ordem dos Rate. Fizemo-lo o tempo todo enquanto Oposição Comunista e com isso caracterizamos o Governo Operário como uma forma da Ditadura do Proletariado.
Porque a Ditadura do Proletariado "pura" já não se chama Governo Operário-Camponês?
Resposta:
Porque, se o nome de "Governo Operário-Camponês" é utilizado para o estágio inicial da Ditadura do Proletariado, está correto, tanto para outros estágios quanto para todos os seus estágios, ou seja, para o seu conceito global, utilizar outros nomes. As diferenças de nomes devem corresponder às diferenças conceituais, se não queremos criar confusão.
A designação de "Governo dos Operários e Camponeses" é mais identificada do que a de "Ditadura do Proletariado" ou República de Rate. Por isso é aconselhável como designação para o estágio menos desenvolvido da Ditadura do Proletariado.
De que forma o "Governo dos Operários e Camponeses" se transforma na Ditadura do Proletariado "pura"?
Resposta:
Através dos Rate no poder que afastam totalmente os restos de instituições e métodos democrático-parlamentares; através do combate à contra-revolução que aproveita estes restos como CENTROS de organização e como armas contra a Ditadura do Proletariado. Do ponto de vista partidário, na medida em que os partidos de coalizão do Governo de Rate são eliminados e que o Partido Comunista dirige sozinho os Rate e suprime todas as outras organizações partidárias. O sinal da transição é, portanto, o surgimento do monopólio do Partido como dirigente dos Rate.
De acordo com isso, qual é o conteúdo do Governo Operário e Camponês nas suas relações políticas e de classe?
Resposta:
Ambas as perguntas já são respondidas pelo que está dito acima. Resumimos as respostas mais uma vez, em tópicos, para maior clareza. Do ponto de vista de classe, tanto o "Governo Operário-Camponês" como a Ditadura do Proletariado "pura" — a ditadura da classe operária é uma aliança da classe operária e camadas trabalhadoras não protelarias (pequena-burguesia da cidade, pequenos camponeses, etc) contra a classe até então dominante.
Politicamente estas ditaduras se diferenciam com relação à forma e ao método.
A forma:
No caso do Governo Operário:
No caso da Ditadura de Rate pura:
O método:
No primeiro caso, ainda determinados direitos "democráticos" para a burguesia; no segundo, liquidação disso.
Os comunistas podem entrar num governo num país em que a revolução burguesa está claramente na ordem do dia?
Resposta:
Lênin e o Partido Bolchevique antes de 1905 baseavam-se na Resolução sobre o Governo Provisório, que entendiam como a "Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses", portanto uma espécie de ditadura jacobina. Na prática isto não se deu na medida em que a "Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses" se realizou sob a forma de duplo governo, em março de 1917, quando os Sovietes, que na época ainda estavam sob a influencia dos mencheviques e social-revolucionários, criaram um governo paralelo e "controlavam" o governo Kerenski.
Uma parte dos bolcheviques (Kamevev, Stalin) era favorável à participação no governo provisório; Lênin e a maioria dos bolcheviques eram contra. Com razão, pois somente de fora do Governo Provisório, nos Sovietes, era possível dirigir a luta contra o Governo Provisório, isto é, a coalizão entre burguesia e classe operária.
Também na Alemanha, em novembro de 1918, foi correto que a Liga Espartaquista não tenha participado do "Governo dos Comissários do Povo".
A participação de comunistas num "Governo Provisório" na revolução democrático-burguesa está ligada a determinadas condições: Engels não aceitou em 1849, durante a Campanha da Constituição do Reich, participar no Governo Revolucionário do Palatinado, porque não havia apoio de uma organização operária que pudesse defender energicamente os interesses específicos de classe do proletariado. Na Resolução do 3° Congresso do Partido Bolchevique (1905) foram citadas como condições para a participação no governo: o controle do Partido sobre os seus representantes no governo e o armamento dos operários.
Os comunistas têm que poder se apoiar no armamento das massas trabalhadoras e seus órgãos, numa "Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses". Por isso, a participação dos comunistas chineses no Governo do Wuhan foi errada. Ela impediu o reforço do movimento e organização das massas proletárias em vez de incentivá-las.
Revoluções puramente burguesas em regra já não se dão mais nos países altamente capitalistas. A revolução de novembro de 1918 estava no limite entre a revolução burguesa e a proletária. Unia o fim da revolução burguesa ao início da proletária. Estágios intermediários burguês-proletários ainda são possíveis também em países altamente capitalistas, na transição da ditadura fascista para a ditadura do proletariado.
A possibilidade de revoluções burguesas ainda existe hoje (mas também com maior ou menor influência proletária) para países coloniais, para países como a Índia, o Egito, etc, e também para países como a Espanha.
O que acontece num país no qual a revolução burguesa está diretamente na ordem do dia, os comunistas participam do governo e a revolução burguesa é vitoriosa, como devem se comportar os comunistas?
Resposta:
Uma pergunta mal formulada. Como é possível que exista um governo burguês-revolucionário se a revolução burguesa ainda não venceu? Para que um governo burguês-revolucionário seja possível, tem que ter derrotado o seu ou os seus adversários.
A pergunta bem formulada seria: Durante quanto tempo e sob que condições, comunistas podem participar de um governo revolucionário-burguês? A resposta a isto já está dada através das condições acima formuladas, para a entrada de comunistas em um governo revolucionário-burguês.
Um governo revolucionário-burguês encontra-se diante de duas tarefas:
Em primeiro lugar, liquidar a classe ou classes até então dominantes (feudais ou semi-feudais) que ela derrotou e as quais não se conformam com a sua derrota — e que tentam eventos contra-revolucionários, e intervenções exteriores — quebrar total e definitivamente sua oposição. Isso abrange a guerra civil à contra-revolução interna e a guerra revolucionária aos inimigos externos. Esta tarefa só pode ser cumprida consequentemente, como demonstra a experiência histórica, se a revolução ultrapassa os limites burgueses, isto é, quando os plebeus, operários e camponeses, lutam pela causa da revolução burguesa através de uma "ditadura democrática" jacobina contra as traições e oscilações inevitáveis da grande burguesia. Já a realização consequente da luta contra o feudalismo exige medidas contra a burguesia, contra o capital. Quando o feudalismo estiver derrotado, a revolução encontrar-se-á diante da encruzilhada: ou é encerrada, no sentido burguês, na medida em que a burguesia derruba as massas populares revolucionárias e impõe-lhes o seu domínio de classe (Thermidor, na Grande Revolução Francesa), ou a revolução é impulsionada, no sentido socialista, à Ditadura do Proletariado e liquidação do capitalismo (esta possibilidade existe hoje nos países coloniais em vista da decadência em escala mundial do capitalismo). Os comunistas lutam, obviamente, pela segunda possibilidade.
O critério decisivo para os comunistas é que eles têm a cada instante que impulsionar a luta contra a contra-revolução e estimular o desenvolvimento revolucionário da classe operária e dos camponeses. Os meios e métodos necessários dependem da situação concreta. Também através desse critério é que deve ser decidida a questão da participação de comunistas num governo burguês-revolucionário, tanto a possibilidade de entrada quanto a necessidade de saída do governo.
Se os comunistas podem ingressar no governo de um país no qual a revolução burguesa está diretamente na ordem do dia, porque não podem fazê-lo num país em que a revolução proletária está na ordem do dia?
Resposta:
Uma indagação tão simplista, para não usar uma expressão mais forte, não deveria ocorrer a um comunista experiente. Pois a questão não é, tanto no caso da revolução burguesa quanto da proletária, simplesmente a do ingresso em um "governo" mas do ingresso em que governo. A pergunta clara e precisa deveria ser: porque os comunistas podem ingressar num governo da Ditadura Democrática dos Operários e Camponeses, em situações conhecidas no caso de uma revolução burguesa e porque, a Ditadura Proletária não pode utilizar as formas estatais e de governo democrático-parlamentar da burguesia?
Se a pergunta estiver corretamente formulada, a resposta é dada por si mesma a comunistas, e já foi resolvida há muito tempo. revoluções burguesas podem utilizar formas de Estado burguesas democrático-parlamentares. Revoluções proletárias não podem atingir seus objetivos através da máquina estatal burguesa, e tem de destruí-la, arrebentá-la e criar um aparelho estatal de outro tipo — de Rate.
Na revolução burguesa o denominador comum para a participação dos comunistas com outros grupos no governo, é o reconhecimento dos princípios da revolução burguesa, isto é, a luta consequente contra o feudalismo; na revolução proletária os comunistas ingressam no Governo para realizar os princípios do comunismo.
Supomos que para os comunistas experientes não sejam necessárias explicações mais extensas.
A formulação geral da pergunta, como "entrada em um governo", sem dizer que tipo de governo se trata, não é uma pergunta comunista e historicamente objetiva e, portanto, também não é marxista.
A pergunta aqui é paradoxal, inclusive sofística. A aparência do paradoxo e a realidade da sofística são atingidas por meio de duas colocações historicamente diferentes, relativas a estágios opostos da luta de classe, o da revolução burguesa e o da proletária que, situadas no mesmo nível, são erroneamente equiparadas.
As duas questões jamais ocorrerão ao mesmo tempo num mesmo país, pois correspondem a estágios diferentes da luta de classes e do desenvolvimento sócio-político. Pode, porém, surgir simultaneamente em diferentes países, já que ainda hoje, ao lado de países que já realizaram a revolução burguesa, ainda existem aqueles que têm de fazê-la.
Mas isso não modifica nada no fato de que os problemas da revolução burguesa e da proletária são completamente diferentes. Distinguí-las faz parte do ABC da teoria marxista.
Em que medida o Governo Operário-Camponês é uma palavra de ordem de transição após uma insurreição armada vitoriosa?
Resposta:
O Programa Comunista apresenta como palavras de ordem de transição aquelas que preparam a transição das lutas diárias à luta pelo poder e que se tornam reais nessa luta. As mais importantes são: Rate, controle operário sobre a produção.
Está claro que o "Governo Operário" não é uma palavra de ordem de transição nesse sentido, pois a realização não se dá enquanto a luta pelo poder continuar, isto é, não está decidida, enquanto a burguesia ainda não tiver sido derrotada pela insurreição proletária vitoriosa. Antes do novo governo ser instalado, o velho tem de ser derrotado, afastado. Isto é uma verdade elementar.
Durante a luta pelo poder a palavra de ordem de transição correspondente a esse período é: Rate como órgãos de luta de classe operária. Eles se concretizarão na luta pelo poder. A insurreição será dirigida sob a palavra de ordem: Todo o poder aos Rate.
O "Governo Operário" é uma transição para que? Para a ditadura pura. Isto é algo diferente. Tais palavras de ordem, porém, não denominamos mais como palavras de ordem de transição no sentido do controle operário da produção, etc. Como também a nacionalização da grande indústria não é considerada uma palavra de ordem de transição nesse sentido. Isto já são instituições e ações da classe operária vitoriosa. Chamamo-las de palavras de ordem finais. Essas palavras de ordem finais também são de "transição" — como toda ditadura do proletariado é uma "transição" — mas transições de uma fase superior, estágios da marcha vitoriosa do proletariado, que transforma a economia capitalista em socialista e a sociedade de classes na sociedade sem classes.
Porque apresentamos o Governo dos Operários e Camponeses como palavra de ordem de propaganda e em parte até como palavra de ordem de luta, no período atual?
Resposta:
Como resposta basta colocar uma contra-pergunta do mesmo tipo: porque apresentamos, ao lado da palavra de ordem do controle operário da produção e da desapropriação dos capitalistas, a da estatização socialista da grande indústria, etc?
Ligamos a propaganda das palavras de ordem finais com as das reivindicações parciais e palavras de ordem de transição. Não as colocamos em oposição uma às outras. O abandono das palavras de ordem finais é social-democrata. Certamente o camarada H.T. o sabe tão bem como qualquer outro, mas, neste caso poderia ter-se poupado a pergunta. O que é que o camarada H.T. entende por "palavra de ordem de luta" em oposição à "palavras de ordem de propaganda"? Uma palavra de ordem de ação, talvez? Em caso positivo, perguntamos: quando, nos últimos anos, a palavra de ordem do "Governo Operário" já foi palavra de ordem de ação? Segundo o nosso conhecimento não o foi, pois nessa época a classe não estava em luta pelo poder. Ela era, portanto, uma palavra de ordem de propaganda. "Palavra de ordem de luta" é um termo indefinido, que abrange as duas, portanto, não está bem colocado aqui, onde se dever fazer uma distinção.
Porque não utilizamos a palavra de ordem da Ditadura Proletária, como palavra de ordem de luta, atualmente:
Resposta:
Todos os nossos manifestos contêm a Ditadura do Proletariado como palavra de ordem de propaganda. Ela é a fórmula geral da Ditadura do Proletariado. O Governo Operário é uma fórmula específica. Não estão em contradição. O específico está contido no geral. Sob a fórmula geral da estatização socialista da grande indústria está compreendida a palavra de ordem específica da estatização das minas.
Uma fórmula contradiz a outra? Parece que não. Uma destas fórmulas é somente um caso especial da outra.
Tanto a palavra de ordem do "Governo Operário" quanto a da Ditadura Proletária são no "período atual" palavras de ordem de propaganda — que amanhã podem se transformar na luta pelo poder.
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As respostas tiveram de ser um pouco mais extensas do que as perguntas. Não estão esgotadas, mas esperamos que tenham tornado claras as perguntas fundamentais.
Atingir esta clareza é ainda mais urgente, porque não é de se excluir que, continuando a desagregação da social-democracia, surjam nela posições centristas que dêem vida, sob nova forma, ao famoso "Enraizamento dos Rate na Constituição" de Hilferding. Pois a essência do centrismo consiste justamente na falta de clareza e na indecisão na questão da democracia burguesa e da Ditadura do Proletariado. O centrismo oscila entre ambos e exprime esta oscilação em fórmulas que contém uma unificação das contradições entre democracia burguesa e a Ditadura do Proletariado. Cuidemos para que estas tendências não possam se apegar a velhos erros do nosso desenvolvimento, para que alguns dos nossos companheiros não caiam no risco de esquecer a posição certa frente ao centrismo.
Por outro lado, temos de defender diante dos ultra-esquerdistas a concepção de que a Ditadura do Proletariado tem tanto uma pré-história, quanto uma história.
Porém, na medida em que combatemos as concepções ultra-esquerdistas, de acordo com as quais a Ditadura do Proletariado surge de repente, sem preparação, como também sem desenvolvimento posterior, devemos cuidar para que não cedamos absolutamente nada às concepções centristas, que procuram diluir a contradição fundamental entre a democracia burguesa e a Ditadura do Proletariado, e que sempre tem por fim permanecer no terreno da democracia burguesa e desistir da luta pela Ditadura do Proletariado.
A menor imprecisão nisso pode levar a consequências práticas as mais desastrosas.
Pretendo fazer aqui somente algumas constatações e considerações rápidas a respeito do assunto. Se aquilo que o companheiro H.T. chama de "notas" tem um conteúdo objetivo ou não, os leitores poderão verificar por si mesmo. Vamos, pois às constatações.
A primeira, bastante agradável, é que o camarada H.T. já não mantém as concepções apresentadas no seu primeiro artigo. O Governo Operário (como o chama abreviadamente) baseia-se agora nos Rate. O caráter dúbio democrático-parlamentar desapareceu. Nesta questão o camarada H.T. deu um passo à esquerda. Mas, agora um pouco demasiado à esquerda.
Agora, o Governo Operário é um Governo dos Rate que surge na LUTA PELO PODER, onde o governo burguês ainda continua ao seu lado, apesar de se encontrar bastante enfraquecido. Como governo paralelo, o Governo Operário organiza a insurreição. Da insurreição vitoriosa surge a Ditadura dos Rate.
Esta é uma concepção bem nova — o que em si não seria mau, mas ela é teoricamente incorreta e pode conduzir a consequências muito perigosas na prática. É teoricamente errado que os Rate possam formar um governo já durante a luta pelo poder. Ainda não são governo mesmo se já exercem o poder político local e parcial.
No período de luta pelo poder, também na Alemanha, o governo burguês e os Rate, como órgãos de luta e insurrecionais da classe operária, confrontar-se- ão durante certo tempo.
A formação de um Governo Proletário Central é impossível, enquanto o governo burguês não tiver sido derrotado no seu centro político, isto é, enquanto a insurreição não tiver sido vitoriosa na capital. Qual seria nestas circunstâncias a consequência prática das concepções do camarada H.T.? Só poderia ser que local, regional, ou estadualmente fossem criados governos do Rate antes da queda do governo central burguês. SE isso acontecer, antes de se ter alcançado a maturidade geral para a insurreição em todo o país, conduzirá a golpes, a Repúblicas de Ratebávaras, etc, que seriam a curto ou longo prazo — provavelmente curto — novamente esmagadas pela contra- revolução. Já que isto representa na prática o cerne do assunto, penso que o camarada H.T., agora, avançou muito à esquerda.
Essas insurreições locais ou regionais, como prelúdios da insurreição geral, naturalmente são possíveis e até prováveis. Mas, não tem nada a ver com o "Governo Operário"; onde se dão (mais ou menos casuais), fazem parte da insurreição para a instituição da Ditadura dos Rate, e onde não está em ligação direta com isto, estão fadadas ao insucesso.
Em geral a tomada do Poder Central pelos Rate, em consequência da insurreição na capital, criará as premissas e dará o sinal para a tomada do poder pelos Rate local, regional e estadualmente. E a tarefa dos comunistas será a de impedir que os operários revolucionários dêem golpes locais que permitam à contra-revolução derrotar os operários isoladamente. O "Governo Operário-Camponês" como a parte revolucionária do "duplo poder" é uma construção teórica e praticamente insustentável. Certamente a denominação "duplo poder" confundiu o camarada H.T. e o levou a suposição de que possam existir dois governos centrais ao mesmo tempo, um burguês e um proletário, ou que possam surgir governos proletários locais ou regionais independentemente da decisão quanto ao poder no centro político do país.
Respondo antes de tudo à segunda parte positiva do artigo do Camarada Enderle. Peço desculpas se tenho de fazê-lo com "conceitos teóricos abstratos", mas "o que pode oferecer um pobre homem como Hamlet" se não aprendeu a pensar sem usar conceitos?
Talvez a discussão seja sensivelmente abreviada se, seguindo o exemplo do camarada H.T., eu também formular algumas perguntas.
O Governo Operário não deve ser parlamentar, deve se apoiar em órgãos de massa como milícias armadas, comitês de controle, conselhos de empresas, conselhos operários políticos, representantes dos desempregados, das camadas médias, — mas ainda não deve ser uma Ditadura do Proletariado. Um governo que não se apóia em órgãos parlamentares e sim em órgãos de classe do proletariado é um Governo de Rate. Mas ele não deve sê-lo. O que é um governo que não é parlamentar, embora também não seja uma ditadura de Rate, mas que apesar disso se apóia nos Rate? (o importante não é o nome de órgãos de classe e sim o objetivo).
As características que o camarada Enderle apresenta são as de um governo de Rate. Só que os Rate no governo devem ser denominados de outra forma. Ou será que é possível um governo de Rate que não um governo ditatorialmente?
Esse governo que já não é parlamentar, que se apóia nos Rate, mas não é um governo de Rate, também deve poder surgir antes da insurreição vitoriosa.
O camarada Enderle me permita a seguinte pergunta a respeito disso: como pode um governo ser exercido através de órgãos de classe proletários se os velhos órgãos governamentais burgueses ainda existem intactos ao seu lado?
Como podem ser vencidos os órgãos governamentais burgueses (os quais em conjunto formam o governo burguês) pela classe operária sem insurreição?
É possível atingir o Governo dos Rate através da via pacífica? De acordo com Marx e Lênin, não. De acordo com a experiência histórica também não, mas evidentemente de acordo com o camarada Enderle, para o qual o Governo dos Rate (que, porém não deve ser denominado assim) pode surgir antes da insurreição, isto é, sem insurreição, ou seja, pacificamente.
Se "todas as formas de governos burgueses se desgastarem", quais as possíveis ainda, além da Ditadura do Proletariado?
Em que consiste o "desgaste de todas as formas de governo burguês", senão na aceitação da Ditadura do Proletariado, ou seja, na disposição de lutar pela sua instituição?
Um não implica no outro? — a não ser que se imagine uma situação em que os operários não querem governo algum e não querem lutar por ele. Eles querem, portanto, a anarquia através da via pacífica ou talvez absolutamente nada.
Que situação seria essa, na cabeça dos operários, em que se as "ilusões democrático-parlamentares" desapareceram, mas na qual a Ditadura do Proletariado é negada?
A propaganda atual dos Rate e da Ditadura dos Rate é totalmente errada? Ou será que ela não tem efeito somente porque não está ligada a ações de massa, palavras de ordem cotidianas e de transição?
O Governo Operário é considerado uma palavra de ordem de transição. O Governo Operário é transição de que e para o que? Da democracia burguesa para a Ditadura do Proletariado? Qual é o tipo de governo que não é nem democracia burguesa nem Ditadura do Proletariado? A "transição" é a luta pelo poder, e enquanto dura, os Rate continuam órgãos de luta; tornam-se finalmente órgãos insurrecionais, mais ainda não são órgãos de governo.
Como estão os operários que têm uma visão crítica em relação aos dirigentes reformistas, mais ainda não estão no PCA, em relação ao comunismo? A disposição de luta pelo poder do proletariado não é a aceitação do comunismo? Como devem e podem operários lutar pelo poder, se ainda não estão dispostos a lutar pelo poder?
Como a tomada do poder é possível, sem a direção de um PC, ou seja, um partido que se coloque a tomada do poder como objetivo? Pode surgir um Governo Operário sem direção comunista? Devemos ser pela palavra de ordem de Kronstadt: Sovietes sem comunistas? Ou por Machno?
Que "experiências" farão um governo operário, no qual os operários ainda têm que adquirir a "experiência" de que a burguesia não deve ser acariciada e sim derrotada e subjugada?
Penso que tal governo fará a "experiência" de ser derrubado num abrir e fechar de olhos. Para criar um governo proletário esta "experiência" já deve ter sido adquirida pelos operários. A experiência na luta pelas reivindicações diárias e palavras de ordem de transição leva a compreensão da necessidade da luta pela Ditadura do Proletariado. As próprias lutas parciais pressupõem a compreensão da necessidade da luta pelas reivindicações diárias. A luta pela ditadura do proletariado pressupõe a compreensão da necessidade de luta por ela, adquirida nas lutas parciais.
Um "Governo Operário" como "governo paralelo" é alguma coisa diferente do que um outro nome para os Rate que dirigem a luta pelo poder contra o governo burguês? Como pode um "governo operário" exercer o poder enquanto o governo burguês não tiver sido derrubado? Como pode um "governo operário" exercer o poder se ainda não está no poder?
Porque não se pode chamar a organização que deve levar adiante a luta pelo poder, que, portanto, ainda não está no poder, de Comitê Revolucionário, o que ela é na realidade, e, sim, chamá-la de Governo, o que ela não é ainda?
O que é um "Governo Operário" que deve substituir um governo burguês, mas simultaneamente pode coexistir com ele; que pode surgir tanto antes, como durante ou após a luta armada; que exerce o poder sem tê-lo e que não é parlamentar nem democrático, mas também não é ditatorial; que se apóia nos Rate mas também não é um governo dos Rate? Que "governo operário" é esse que se instala pacificamente, mas que deve organizar a insurreição, através do qual os operários lutam pelo poder, mas não tem nada a ver com o comunismo? "Governo Operário" através do qual os operários perdem as ilusões parlamentares, mas não querem saber nada da Ditadura do Proletariado? O que é tudo isso, a não ser — para dizê-lo com palavras afáveis — uma tentativa muito bem sucedida de pensar sem conceitos.
Uma colaboração do |
Inclusão | 25/03/2013 |