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Primeira Edição: artigo publicado no jornal "Arbeiterpolitik", de 18.03.1984. (Tradução livre)
Fonte: Centro de Estudos Victor Myer.
HTML: Fernando A. S. Araújo
"Nós socialistas não somos cultores de personalidades — a objetividade situa-se para nós acima da pessoa. Nós as separamos, mas não a ponto que não as saibamos também unir. Somos dialéticos, o que significa que a obra geral da pessoa é obra pessoal do geral. Quando o mau entendimento burguês nos repreende, segundo seu humor, ora por culto à personalidade, ora por desprezo à personalidade, isso significa que ele nada compreende da relação entre pessoa e objetividade, entre o específico e o geral".
(August Thalheimer, "Die Neue Zelt", 1909, pg. 292)
Lembrar hoje August Thalheimer nestas linhas, já assim introduzido, deve-se a que acontece com ele, no momento do seu centenário, o mesmo que tiveram que suportar após suas mortes Marx e Engels, Mehring, Rosa Luxemburgo e outros antigos combatentes do proletariado revolucionário.
"A essa gente não se homenageia, preferencialmente cala-se quando morre. E ainda mais especialmente quando se trata, alem disso, junto aos atingidos, de renegados da própria classe...".
Assim escreveu Eduard Fuchs por ocasião da edição da obra de Franz Mehring, em 1929. Hoje, poderíamos escrever isso também sobre August Thalheimer. Passar em silêncio nada mais é quando se faz desse espírito revolucionário um "filósofo suevo" ("Wiener Tagebuch", março de 84).
Silenciados em vida ou então caçados, vivendo quase sempre nos limites mínimos da sobrevivência, repartindo a sorte das massas operárias de seu tempo e, não obstante, trabalhando cientificamente, eles foram (ou melhor, seus nomes) após a morte utilizados como escudo por pessoas que não mais participavam da tarefa de organização e da prática política entre os operários. Deve-se conhecer a história de August Thalheimer, sua participação e papel no movimento revolucionário do proletariado, e deve-se esforçar para unir o conhecimento teórico e o direcionamento prático com a própria práxis no movimento atual, se quisermos fazer justiça ao homem e ao comunista August Thalheimer. Todas as outras formas de apreciação contrariariam suas concepções políticas.
Como então August Thalheimer, que presenciou muitas e difíceis derrotas do movimento operário, que passou os últimos 15 anos de sua vida no exílio, que viu tantos companheiros próximos redirecionarem "seu caminho" para uma vida confortável, como, apesar disso, pôde ele ficar ao lado do movimento revolucionário até o fim de sua vida? E como pôde ele, sob essas difíceis condições, prestar uma contribuição ainda tão significativa para o futuro do movimento operário alemão?
Não estamos na posição de apresentar a "história de uma vida", como fez Mehring tão exemplarmente sobre a obra de Marx; poderemos aqui dar apenas uma indicação sobre a relação de Thalheimer com o movimento operário, como ele se expressou em seus feitos durante os diversos períodos do movimento:
A Social-democracia alemã era até o começo da 1ª Guerra Mundial o partido líder do movimento operário europeu. Na luta permanente contra o regime junker semi-feudal e o capital industrial em franco desenvolvimento, ela mostrava o caminho à classe operária, permitindo-lhe, na luta por seus direitos políticos, urna dada participação no desenvolvimento social. Nada lhe foi presenteado; cada pequena reforma tinha que ser arrancada. Assim, formou-se no mundo capitalista burguês um contra-poder político, sindical e cultural. Nesse ambiente, cresceu August Thalheimer. Seu pai, um comerciante, era tesoureiro da União local do SPD (Partido Social-democrata), em Affaltrach. Ele tinha uma das mais importantes funções políticas porque, ao contrário de nós que padecemos atualmente com o cancelamento de contribuições, estava em estreito contato com os companheiros do Partido. Em sua casa, relacionavam-se os líderes do SPD:
"Minha lembrança de Clara Zetkin se estende até a minha infância... Meu pai já era um amigo estreito dela, tendo procurado e encontrado nela o estímulo intelectual que quase ninguém de suas redondezas lhe poderia dar",
escreveu Thalheimer retrospectivamente. Sua formação académica em Oxford, Londres, Estrasburgo e Berlim não foi o ponto de partida para uma carreira brilhante no mundo intelectual burguês, mas o frutífero pressuposto para sua participação na luta pela libertação do proletariado.
Na época, o movimento operário alemão, por defender da maneira mais consequente os seus interesses de classe, políticos e sindicais, exercia sempre uma atração sobre os melhores elementos da burguesia, que não viam na aspiração por postos sua perspectiva de vida e que se distinguiam por seu caráter e espírito.
A entrada de Thalheimer no trabalho partidário, em 191O, como voluntário do "Leipziger Volkszeitung" (por recomendação de Rosa Luxemburgo) e pouco depois como redator do "Goppinger Freien Volkszeitung", coincidiu com as crescentes tensões no Partido sobre os caminhos alternativos da Social-democracia. Já no Congresso do Partido de 1905, houvera disputas sobre o emprego da greve de massas para a defesa do direito universal do voto e sobre a tendência das cúpulas sindicais de se separarem da luta política e da influência do SPD. Quando, na Prússia em 1910, centenas de milhares de trabalhadores se manifestaram contra o "direito de voto das três classes", já ficava claro que a unidade ainda preservada pelas resoluções do Congresso não valia muito. Kautsky, o teórico do Partido, recusou-se a ampliar as lutas e adiou-as para o dia de São Nunca.
Os representantes da esquerda do Partido, com Rosa Luxemburgo como líder política, queriam reacender o movimento de massas e organizá-lo no grau mais alto da luta de classes, mas não o conseguiram. A disciplina partidária então instituída de cima como medida contra a esquerda, levou em 1912 também à demissão forçada de Thalheimer como redator da "Goppinger Freien Volkszeitung". A influência burguesa sobre o Partido e sobre os sindicatos cresceu e naquela época os métodos não eram muito diferentes dos atuais: fecharam-se as torneiras das finanças.
A colaboração de Thalheimer na esquerda partidária do Wurttemberg, em torno de Clara Zetkin e Fritz Westmeyer, trouxe-o também para o estreito contato com as lutas de Karl Liebknecht, que se opunha decididamente às restrições dos direitos dos operários e ao militarismo. Após uma curta estadia em Berlim, ocupou-se como redator-chefe do "Braunschweiger Volkszeitung" que se desenvolveu, por sua colaboração, depois do início da Guerra, numa das mais importantes vozes de oposição à política de trégua do SPD.
Em 1916, ele tornou parte na 1ª Conferência Nacional da Liga Espartaquista e trabalhou permanentemente no Grupo. Em maio de 1916 ele foi denunciado por sustentar greves e convocado para o serviço militar. Sua irmã Berta tomou então parte, pelas esquerdas, das Conferências de Zimmerwald e Kienthal.
Após a sua transferência para o Quartel General em Stuttgart, tornaram-se possíveis outros trabalhos no grupo clandestino Espártaco, junto com Fritz Ruck, Albert Schreiner e outros.
O USPD, que desde o início de 1917 se separara da Social-democracia, sob a pressão resultante das massas intranquilizadas pelas misérias da guerra, abrigou em suas fileiras a Liga Espartaquista.
A Revolução de novembro de 1918 trouxe o fim da guerra e de volta os até então suspensos direitos democráticos da classe operaria: liberdade de imprensa e de coalizão; direitos eleitorais iguais, jornada de oito horas de trabalho. Era o preço que a classe dominante devia pagar após a derrota na guerra, para impedir que as massas operárias lutassem com a minoria revolucionária pela conquista do poder político e do socialismo. A maioria da classe operária depositou as suas esperanças ainda nas transformações e na tomada gradual do estado burguês, com ajuda do voto e do Parlamento. Uma ilusão que não era conseguida com discursos.
Thalheimer, que dentro da Liga Espartaquista posicionava-se pela separação em relação ao USPD, assim julgava o desenvolvimento de então:
"Nosso Partido, como os senhores sabem, estabeleceu durante a guerra relações organizatórias com o USPD. Pode-se, entretanto, falando mais precisamente, dizer que quando essa relação foi estabelecida em Gotha, nosso Partido era apenas uma direção e não propriamente um Partido. Era um grupo de pessoas, de combatentes, que se agrupava em torno da Internacional e tinha em Rosa Luxemburgo a cabeça dirigente. Em Gotha, a integração no USPD foi concluída essencialmente sob os fundamentos de que o Partido deveria ligar-se as massas que estavam reunidas no USPD... "
"O Partido podia realizar essa ligação no USPD porque as diferenças existentes eram essencialmente no terreno da propaganda e também porque se reservava no USPD perfeita liberdade de ação. Essas relações modificaram-se no inicio da Revolução, quando o USPD formou com o SPD um governo de coalizão. Agora, as diferenças situam-se em outro estagio, resumindo-se em poucas palavras: as diferenças reduziram-se às contradições entre a concepção da democracia burguesa e a ditadura do proletariado e tais contradições eram, na Fundação do Partido, mais que contradições somente de propaganda, mas tornaram-se contradições da política pratica imediata".(1)
Na passagem do ano de 1918-19, essas contradições políticas encontraram sua expressão prática na fundação do Partido Comunista da Alemanha (KPD). Em torno do núcleo da Liga Espartaquista, transformada em KPD, urna minoria de operários radicalizados pela guerra e pela revolução começaram a se aglutinar. Após o assassinato de Luxemburgo, Liebknecht e Jogiches e após a morte de Franz Mehring e a saída de Paul Levi para o SPD, Thalheimer chegou à direção do Partido. Dele dissera então Karl Radek que
"da nova geração, era o mais ligado às lutas das quais nascera o KPD".(2)
A fundação do KPD ocorreu no ponto limite do ascenso revolucionário. A tarefa, após a sua constituição e a derrota da Revolução de Novembro, era a de fazer uma política que preparasse a próxima etapa de concentração e consolidação das lutas revolucionárias.
Num relato sobre o 2° Congresso dos Conselhos (Rate) de 1919, escreveu Thalheimer:
"O 1°. Congresso dos Conselhos teve lugar no segundo mês da Revolução e o segundo, no quinto mês. Nos resultados do 2° Congresso deveria ser medida também a soma dos progressos revolucionários de três tempestuosos meses de revolução. A ação da classe operária experimentou nesses três meses avanços poderosos. Situam-se entre os dois congressos os "dias de dezembro", a "semana de janeiro", o crescimento e o atingimento do ápice das primeiras ondas grevistas, sua transformação na greve geral de Berlim e as "lutas de março"... Em grande quantidade, os operários fluíam para a bacia dos independentes e daí transbordavam para a dos comunistas."
Apesar desses movimentos de massa, o SPD foi bem sucedido, mais ou menos sustentado pela direção vacilante do USPD (que expressava mais claramente a voz das massas), em dirigir o 2° Congresso dos Conselhos, sob proteção policial, para seus propósitos.
"A política de nosso Partido, de boicote a esse Congresso e finalmente a linguagem critica dos capacetes de aço e do estado de sítio no local do Congresso diziam às massas proletárias que ele merecia a sua atenção tão pouco quanto a Assembléia Nacional em Weimar."(3)
Com essa atitude e numa situação de crise revolucionária aguda sob a pressão da Revolução Russa, teve sucesso o jovem KPD em ganhar influência junto a parcelas dos operários do USPD, levando finalmente ao Congresso de Unificação de 1920. O KPD transformou-se em um partido de massas.
Hoje, pode-se também ver o outro lado da unificação. Juntamente com os membros do USPD, uma grande massa de militantes anteriormente social-democratas acorreu a um KPD incomparavelmente mais fraco numericamente. Eram os mesmos que insistiam numa ação revolucionária. A eles faltavam as experiências das longas lutas pela formação e consolidação, bem como as experiências do trabalho do KPD. Por outro lado, faltavam aos espartaquistas o tempo e a força para transmitir tais experiências aos novos membros.
A situação política havia se modificado fundamentalmente:
"Porque os Conselhos Operários não se arriscaram a eliminar os órgãos do estado burguês, então esses órgãos eliminaram os Conselhos Operários... Esse estado de coisas impõe uma outra colocação tática do Programa. Há dois anos, estava em evidência a passagem do domínio formal para o domínio econômico do proletariado; hoje, a do domínio formal e de fato da burguesia para o domínio formal e de fato do proletariado".(4)
Assim, não se tratava mais da passagem do domínio dos Conselhos de Operários e Soldados para a expropriação do capital, mas sim da vitória da democracia burguesa a e de seu domínio de classe sobre a revolução socialista.
Aliás, em março de 1920, a reação tenta eliminar o parlamentarismo: urna parte dos militares, sob o comando dos generais Kapp e Luttwitz, golpeou o governo. Das experiências do contragolpe ao "Putsch de Kapp", a direção do KPD começou a tirar lições: o próprio KPD fora surpreendido pela intervenção dos operários. Entretanto, ele colocou-se imediatamente e incondicionalmente a serviço da sustentação do movimento.
Com a "Carta Aberta"(5), a direção do KPD tentava, em 1921, apôs a derrota dos putschistas de Kapp, lutar para ganhar a maioria da classe operária, numa situação pós-revolucionária, para levá-la a um novo patamar. Isso se expressou com a "política de Frente Única", que está estreitamente ligada aos dirigentes partidários Thalheimer e Brandler. Através dos obietivos concretos da luta diária a parcela social-democrata da classe operária deveria ser convencida da necessidade final da solução revolucionaria.
Essa plataforma seria suspensa em março de 1921, quando da provocação do Exército, em aliança com a cúpula do SPD e no interesse dos empresários alemães, ocorrida na Saxônia. O Partido respondeu com resistência armada, apesar de faltarem os pressupostos gerais para isso. Sua conclamação para a greve geral encontrou na Alemanha um apoio pequeno, permitindo que as lutas pudessem ser quebradas e fazendo da "ação de março" um contragolpe político e militar para o KPD.
Thalheimer estava à frente daqueles que se mostraram desejosos, um ano antes, de resistir ao Putsch de Kapp (1920) através de uma intervenção ofensiva do KPD em prol do estímulo e do crescimento da luta pelo poder político. O Partido não podia, por nada desse mundo, se separar dos operários combatentes, devendo, porem, tudo fazer para intervir organizando e estimulando. As discussões no Partido e no Comintern sobre a "ação de março" e sua classificação teórica-política por Thalheimer adquiriu significado adicional em função de que esses resultados fundamentaram o afastamento de Paul Levi da política do KPD.
A respeito, em junho/julho de 1921, dizia Lênin no 3° Congresso do Comintern:
"Se alguém após uma luta de classes de centenas de milhares entra em cena contra essa luta e se comporta como Levi, então esse alguém deve ser expulso. Isto aconteceu. Porem temos que tirar lições disso. Nós preparamos a ofensiva? Certamente, de ofensiva tratava-se apenas nos discursos e editoriais. Essa teoria, empregada na "ação de março" na Alemanha no ano de 1921, é errônea. Devemos dizer, entretanto, que a teoria ofensiva no geral não é errada."
Na mesma conferência, Thalheimer interpretou suas próprias experiências da política até então corrente no KPD:
"O rumo da revolução na Alemanha é difícil e complicado. Suas dificuldades são um adversário forte e bem organizado, a fraca centralização política do país, grandes disparidades no desenvolvimento social de cada região, grandes diferenças na estratificação da classe operária e no desenvolvimento de sua consciência de classe, uma forte tradição e organização social-democrata reformista no trabalho operário. Daí o caráter principal do desenvolvimento da Revolução Alemã até aqui: sua dispersão local, difíceis e sacrificantes lutas de vanguarda ou retirada nas regiões e camadas operárias desenvolvidas... A tarefa mais importante agora se refere à separação das massas operárias e de empregados, sob a influência organizatória e política de ambas as direções atuais, e sua ligação com as camadas operárias revolucionárias desenvolvidas."(6)
Isto significou a re-acolhida da política de frente única de janeiro de 1921, que foi colocada como obrigatória para os partidos comunistas, pelo 3° Congresso Mundial da Internacional Comunista.
O KPD foi bem sucedido em ganhar a influência sobre a maioria da classe operária com essa política de frente única, em 1922 e especialmente no início de 1923 (Programa Stinnes, inflação, ocupação francesa na região do Ruhr). O governo de Cuno, que estava sob a influência da indústria pesada, atacou abertamente as conquistas sociais da força de trabalho, o que aumentou a intranquilidade das massas.
Ao lado do KPD, foi iniciada a organização periférica do Partido. Foram formadas "Proletarische Hundertschaften"(7), cujo centro de gravidade era estarem embasadas no trabalho ao nível de empresa. A situação durante a ofensiva do capital, era tão aguçada que o KPD começou a se preparar para a guerra civil. No início de agosto de 1923, durante uma greve geral, o governo de Cuno caiu. Formou-se uma grande coalizão e implantou-se uma moeda estável (Rentenmark) para novamente tranquilizar as massas.
"O gabinete Stresemann—Hilferding significa a tentativa da média burguesia, com a ajuda da burocracia dos partidos e sindicatos reformistas, de alcançar a liquidação das lutas do Ruhr e a consolidação no interior, por meio de alguns sacrifícios por parte da grande burguesia".(8)
Apesar disso estar ligado a urna modificação na situação política, o KPD ainda em outubro tentou (sob a instrução de um conselheiro russo) desencadear a luta pelo poder. Porem, os operários social-democratas ainda não estavam preparados para isso. Numa conferência dos Conselhos de Empresa, a proposta dos representantes do KPD para a greve geral não foi acolhida. Assim, a organização do Partido em Hamburgo foi levada apenas a uma luta isolada não tendo sido informada a tempo da decisão da direção partidária de interromper a luta pelo poder.(9)
A grande burguesia aproveitou a situação para proclamar a ditadura militar sob a direção do General Seeckt e proibir o KPD.
A retirada ensejou em princípio de 1924 uma total modificação na cúpula do Partido. Foram decisivos para isso:
A eliminação, da direção partidária, da maior parte dos militantes provenientes da Liga Espartaquista e a ascensão de radicais falantes, politicamente fracos, em sua maior parte oriundos da pequena burguesia, como Ruth Fischer e Maslow, rodeados de operários do USPD fieis, porem não amadurecidos, em torno de Thalmann, mostrava: o Partido Comunista não pode ser um partido de massas (por exemplo, equivalente ao SPD), mas apenas um partido de vanguarda, que sem dúvida ganha influência nas massas através de seus militantes. Alem disso, através da intervenção da Internacional Comunista, foi impedida a discussão própria sustentada no KPD, a digestão de suas derrotas e sucessos.
Desde esse tempo, o KPD perdeu-se cada vez mais fortemente nas experiências russas (bolchevização), a cúpula partidária foi cada vez mais fortemente definida de fora e nasceu a lenda da traição de Brandler e Thalheimer.
Em 1923, Thalheimer, assim como Brandler, foi "cominternizado" em Moscou, como ele dizia brincando. Tornou-se membro do PCUS. Seu trabalho era de natureza preponderantemente científica: ensinava economia política, dialética (inclusive para comunistas chineses) e história na Universidade Sun-Yat-Sen. Ainda hoje é interessante sua posição sobre a teoria da relatividade de Einstein.(10) As suas conferências reunidas em 1928 para urna "Introdução ao Materialismo Dialético" foram publicadas em muitas línguas e são também ainda hoje um fundamento extraordinário para o estudo do materialismo dialético pelos operários.
A estadia na União Soviética de 1924-1928 foi, entretanto, também um importante pressuposto para o conhecimento das diferenças fundamentais das condições iniciais, tarefas e métodos dos movimentos russo e alemão.
A estabilidade econômica da Alemanha a partir de 1924 deixou as oscilações políticas do KPD parecerem "miudezas" de curta duração. Para Thalheimer, que podia observar de longe o desenvolvimento da Alemanha de 1924 a 1928, através de sua atuação nos órgãos dirigentes da Internacional Comunista, estava se processando um enfraquecimento contínuo, que levaria a ameaças de crise. Na resolução da Internacional Sindical Vermelha e do 6° Congresso Mundial da IC, em 1927, para a formação de sindicatos "vermelhos" próprios, na caracterização do SPD como "irmão gêmeo do fascismo" — e palavras de ordem abstratas como "classe contra classe", em função da crise que se aguçava na Alemanha, observava-se o agravamento dos conflitos no KPD. Thalheimer recebeu autorização de retornar "em caráter privado" à Alemanha. Seus outrora colaboradores no "Roten fahne" foram, entretanto, solenemente impedidos de voltar, pois a luta contra a "direita" no KPD estava na ordem do dia. Numa declaração de 19/10/28, ele escreveu:
"Sim, eu não encontrava satisfação em me enfronhar na velha história do Partido no Instituto Marx-Engels de Moscou, ou em dar conferências filosóficas na Academia Comunista, enquanto via como o Partido, ao qual estou ligado desde o seu nascimento, ao qual contribuí com meu óbulo para sua gestação e crescimento, como esse Partido se via reduzido cada vez mais de fator de poder à falta de influência."
As medidas disciplinares e finalmente a exclusão da "direita" — quer dizer, daqueles que não queriam se sujeitar ao curso ultra-esquerdista — levou a formação da Oposição do KPD, principalmente pelos operários mais antigos e pelos sindicalistas mais experientes.
Já no verão de 1928, Thalheimer analisava o perigo do fascismo (num escrito para a IC, que lá passou despercebido), considerando o desenvolvimento do "novo imperialismo alemão", como foi destacado por Richard Sorge (posteriormente acusado de espião japonês) sob o pseudónimo de Sonter, tendo participado, após janeiro de 1929, no trabalho de publicista do KPD-O. (Mais tarde, ele também participou na edição da obra de Franz Mehring, e dos trabalhos relativos à história da Literatura).
Num relato de fundação, em 1928-29, ele formulou para o KPD-O as tarefas imediatas:
"Trata-se daí, que nós distinguimos as características específicas da Revolução Russa, que não conseguimos a generalização correta, ou, como disse Lênin, a "tradução" correta das experiências russas em outras línguas, isto é, sua transposição para outras condições. Trata-se, alem disso — e esta é a diferença, o núcleo da questão — de destacar, à base de urna correta generalização das experiências revolucionárias russas e próprias, as feições concretas, específicas, especiais da revolução proletária na Alemanha, sob as relações de classe que observamos aqui. Isso pode ser mostrado com poucas palavras no termo final do conteúdo da luta dos últimos cinco anos dentro do Partido Alemão e do Comintern e é o conteúdo do trabalho vindouro que teremos de realizar".
("De que se trata? Sobre a Crise no KPD, um discurso aberto sobre a Carta Aberta do Comintern contra o Desvio Direitista no KPD").
Esse documento, publicado posteriormente como brochura pelo KPD-O, indicava os problemas dos caminhos específicos da revolução na Alemanha, até hoje ainda não resolvidos.
O KPD-O ficou como um "estado-maior sem exército". Não lhe coube conseguir, exceto em alguns locais, influência decisiva, no curto espaço de tempo da crise aguda de 1929-33, no seio das massas operárias reunidas no KPD e SPD. Os sucessos eleitorais dos "grandes partidos" obscureceram o estado real do movimento operário, despertaram renovadas esperanças parlamentares que não tinham fundamento, até que a classe operária sucumbiu quase sem luta aos nazistas. Thalheimer teve que ir para Estrasburgo e depois para Paris, como membro do Comitê do Exterior do KPD-O, clandestino na Alemanha.
Paris era, naqueles anos, não apenas o centro da emigração antifascista da Alemanha; a França era, e isso quer dizer precisamente Paris, o ponto de encontro de muitas cabeças dirigentes do movimento proletário internacional, os quais dispunham de bons conhecimentos sobre os movimentos proletários ou antiimperialistas em seus países e os podiam transmitir.
Dos tempos em Paris, data a crítica à política de Frente Popular, defendida desde o 7° Congresso da Internacional pelos partidos comunistas oficiais após a derrota na Alemanha, que tinha como conteúdo a aliança com todas as forças burguesas que não faziam parte do capital monopolista, acomodando- se politicamente a elas. Esse era um instrumento inútil da política externa soviética de adiar o perigo da guerra, através de alianças com as potências ocidentais. Os resultados práticos dessa política Thalheimer pôde observar quando do desmoronamento da Frente Popular na França e, sobretudo, na Espanha, onde a política de Frente Popular contribuiu para a derrota da Revolução. (Thalheimer esteve ele próprio em 1936 na Espanha, onde conversou com dirigentes do POUN, a força revolucionária mais significativa de então na Catalunha)
Está também ligada ao nome de Thalheimer a análise das relações de classe na II Guerra Mundial, já antes do início da guerra, quando dominava a confusão nas fileiras dos operários sobre a política externa soviética.
O KPD-O não pôde conhecer resultados de sua política, sob a forma de sucessos práticos. Como Organização, ele esteve ativo na Alemanha, apesar dos maiores sacrifícios, até o final da guerra — ainda em 1943, ele mantinha em estreito contato em Berlim mais de 200 simpatizantes clandestinos e publicava material ilegal. Mas a guerra foi terminada de fora — essencialmente através do Exército Vermelho da URSS.
Diante das tropas alemãs, Thalheimer e Heinrich Brandler fugiram, em 1940, para Cuba; nenhum outro país esteve aberto para eles.
Lá, Thalheimer trabalhou com outros numa História da Dialética. O manuscrito, que ele queria ainda aprimorar incondicionalmente em alguma grande universidade européia, não está acessível até agora.
No pós-guerra, Thalheimer e Brandler deram respostas as questões políticas mais estimulantes, para os companheiros da Alemanha isolados durante muitos anos e separados do desenvolvimento internacional. Com essa finalidade, editaram, após 1945, os "Internationales Monatlichen tJbersichten", que chegavam à Alemanha através da Inglaterra e da Dinamarca. As posições sobre a "Declaração de Potsdam" dos Aliados, seu trabalho "Princípios e Noções sobre a Política Internacional após a 2ª. Guerra Mundial" e os "Fundamentos da Avaliação da União Soviética" foram os primeiros guias; sem tal radiografia marxista das relações do pós-guerra, não era possível compreender as sociedades que se desenvolviam desde então na Europa e, especialmente, na Alemanha.(11)
Quanto as questões concretas nas diferentes Zonas de Ocupação, ele não queria e nem podia se manifestar de longe a respeito dos passos a serem dados:
"Devemos deixar à nossa própria gente na Alemanha a decisão de como proceder organizatòriamente em cada caso. Isso deverá ser diferente em cada lugar distinto. O decisivo é que fique assegurada a coesão entre eles e a própria face política".
E na mesma carta:
"Eu tenho a intenção de tratar de uma série de outras questões do mesmo modo (como nos "Princípios..."; NR), questões que não estão diretamente ligadas ao dia-a-dia, mas que devem trazer esclarecimentos aos mais importantes elementos da atualidade. (Outros temas seriam: socialismo e nacionalização, capitalismo de estado e socialismo de estado, desenvolvimento interno da URSS, etc.). A idéia com isso é fornecer a nossa gente o fio vermelho, ao invés de comentários sobre os acontecimentos correntes (que quando chegam, na maioria das vezes já estão ultrapassados), com o qual a própria orientação sobre os acontecimentos correntes se torna possível, e com isso estimular o pensamento crítico junto aos operários do PC e PS."(12)
Esforços contínuos para receber permissão para retornar à Alemanha naufragaram, não em ultimo lugar, em gente como Tarnow, cuja influência junto ao governo militar fizera valer de maneira negativa.
Era 26 de agosto de 1947, ele escreveu a sua irmã Berta, em Stuttgart:
"Eu agradeço a vocês naturalmente ter colocado Tarnow diante da questão de meu emprego no ensino sindical. Sobre a pergunta dele, pode-se dar apenas urna resposta: Gotz von Berlichingen.(13) Penso que sou pelo "socialismo democrático" como a maioria dos que respondem a essa questão inclusive o próprio Tarnow (hoje, assim se posicionam sobre isso, não apenas o SPD, mas também o SED, o KPD e sabe-se lá quantos mais). Mas assim a pergunta nada quer dizer. O que ela quer dizer e se se deve subscrever cegamente a política que o SPD e dirigentes sindicais fazem hoje na Alemanha. Na minha concepção, isso não é nem democracia, nem socialismo. E se o pensamento de Tarnow, de que "o socialismo a maneira de Marx" está ultrapassado (ele disse isso publicamente em Frankfurt), também deve ser normativo para o ensino sindical nas regiões em que Tarnow dirige, o que eu deveria exatamente ensinar eu não sei, porque para mim o "socialismo à maneira de Marx" não está de forma alguma ultrapassado. Alem disso, eu sou da opinião que hoje ainda há rnuito o que aprender do ponto de vista marxista (senão seríamos realmente fósseis e não verdadeiros marxistas). Sob a xxxx colocação, eu entendo porem algo completamente diferente, como aproveitar isso ou aquilo do lixo ideológico da decadência burguesa, com o propósito de "complementar" ou modernizar o marxismo.
Aliás, devem estar num estado mais do que triste os sindicatos onde um Tarnow possa determinar dessa forma o que deve ser ensinado em seus cursos. Onde ficam os outros então nos sindicatos? Está claro que não há nenhum lugar para mim enquanto o "espírito" de Tarnow for determinante por lá.
Estou agora inclinado ao que aparece no Ministério da Cultura de Wurttemberg. Aliás, quem são lá as pessoas decisivas? Deve-se imaginar que simples aulas especializadas numa escola superior não representem problema político, caso não se trate de nazistas ou aparentados. E em Wurttemberg as coisas recebem um aspecto especial, porque as pessoas sabem bem que eu sou natural de Wurttemberg e aí se trata, em última instância, se me permitem ou não retornar à minha mais estreita terra natal."
Isso foi a última coisa que nós ouvimos sobre August Thalheimer:
"Ele tinha ainda tantos planos de trabalho... Ele falava com muitos amigos sobre o movimento operário do tempo passado e dos velhos e bons companheiros. Ele sofreu muito com a decadência do movimento operário."(14)
A morte de Thalheimer, em 19.09.48, foi o fim pessoal de um homem, mas não de sua política. É como seu companheiro de luta Heinrich Brandler escreveu:
"A memória de August se tornará viva apenas na medida em que o nosso movimento se imponha e se fortaleça. É mais fácil não alcançar isso. Mas será alcançado, porque apenas alicerçado nesse trabalho nosso movimento pode se fortalecer. O próprio August protestaria violentamente se lhe "dignificassem" santo, como se permitiu a canalha jornalística de hoje."(15)
Notas de rodapé:
(1) Documento "A Situação no Partido", para o 5° Congresso do KPD, 1920. (retornar ao texto)
(2) "Die Kommunistische Internationale", n° 17, pg. 62. (retornar ao texto)
(3) "Die Internationale", caderno .2/3, 1919. (retornar ao texto)
(4) "Die Internationale", caderno 26, 1920, pg. 9. (retornar ao texto)
(5) A Central do KPD dirigiu, em janeiro de 1921, uma "carta aberta" à ADGB, Afa, SPD, KAPD e outras diferentes organizações operarias, exortando-as a reunirem-se em Conselho quanto a medidas concretas: 1. segurança de salário; 2. segurança de cesta básica; 3. colocar em funcionamento as fabricas paralisadas; 4. desarmamento e dissolução das organizações burguesas de "autoproteção".
A "Carta Aberta" acentuava que todas as contradições factuais existentes entre as diferentes organizações operárias não deveriam representar obstáculo para a proposição de reivindicações. (retornar ao texto)
(6) Órgão do 3° Congresso da IC, Moscou, 22.06.1921. (retornar ao texto)
(7) As "Proletarische Hundertschaften" foram organizadas por operários em greve, no inicio de 1923, na região do Ruhr. Elas tinham como objetivo se prepararem para o confronto militar contra seu oponente de classe. Eram órgãos de Frente Única, isto é, eram suprapartidários, porem organizados de maneira classista. (retornar ao texto)
(8) "Internationale Pressekorrespondenz", 27.08.1923. (retornar ao texto)
(9) Acrescentamos que, sobre a feitura da resolução sobre o levante armado em Hamburgo, existem diferentes versões. Entretanto não sobre o fato de que era e ficara uma luta isolada da minoria dos operários. (retornar ao texto)
(10) "Sobre alguns Conceitos Fundamentais da Teoria Física da Relatividade, sob o Ponto de Vista do Materialismo Dialético", "Unter dem Banner dês Marxismus", Caderno 2, pgs. 302—338. (retornar ao texto)
(11) As três brochuras aqui nomeadas foram divulgadas desde 1949 pelo grupo Arbeiterpolitik. Os "Internationalen Monatlichen Ubersichten" serão publicados, completados com notas de pé de página esclarecedoras e resumos das cartas de Thalheimer que os acompanhavam, proximamente pelo Grupo Arbeiterpolitik. (retornar ao texto)
(12) Carta Fritz Wiest, de 28.01.48. (retornar ao texto)
(13) Alusão a Goetz von Berlichingen, Cavaleiro alemão (1480—1562), que foi atraído a Augsburg sob a promessa de salvo conduto e foi preso traiçoeiramente (1528) por dois anos. Drama de Goethe (NT). (retornar ao texto)
(14) Carta de 20.0.1948 a Berta Thalheimer. (retornar ao texto)
(15) Carta a Berta Thalheimer, de 01.11.1948. (retornar ao texto)
Uma colaboração do |
Inclusão | 19/09/2013 |
Última alteração | 30/07/2016 |