Lenin e a Democracia

Raul Calas[1*]


Primeira Edição: ......
Fonte: Problemas - Revista Mensal de Cultura Política nº 6 - Janeiro de 1948.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, Maio 2007.
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desenho Lenin
Lenin
fundador
do Estado
Soviético

O aniversário da morte de Lénin está sendo celebrado num momento em que, após o esmagamento militar do hitlerismo, surgiram numerosas transformações na estrutura econômica, social e política de diversos países europeus.

Nesses países, em seguida à guerra de 1939-1945 as forças da democracia se desenvolveram num ritmo impetuoso, dando uma fisionomia particular, um caráter original a cada Estado e à Democracia que lhes serve de base — democracia popular.

Essas transformações já foram objeto de estudos particulares; George Dimitrov e Stalin já se expressaram a seu respeito e Maurice THOREZ concedeu sobre o assunto, uma entrevista de grande repercussão, publicada no jornal inglês — o "Times".

Considerando as proporções gigantescas da obra de Lénin, achei conveniente por ocasião desta comemoração, limitar-me ao estudo da parte de sua obra, que os modernos acontecimentos tornam mais viva e mais atual do que nunca.

E aí está a razão porque intitulei este artigo de "LÉNIN E A DEMOCRACIA".

O esmagamento do hitlerismo, que era por si mesmo, a mais absoluta negação da democracia; a parte preponderante que no seu esmagamento tomou a União Soviética, país onde a democracia existe sob a forma mais ampla, permitiu um prodigioso desenvolvimento das forças democráticas, através do mundo e, principalmente, na Europa. A classe operária, os povos da Europa desempenharam um imenso papel na luta contra o hitlerismo, lutaram com todas as suas forças pela libertação do solo nacional. Lutando nas condições mais difíceis, contra um inimigo impiedoso e armado fortemente, os povos submetidos momentaneamente ao jugo hitlerista, trouxeram uma considerável contribuição à vitória militar sobre o invasor. Sem essa contribuição, os exércitos aliados, teriam gasto muito mais tempo e necessitado muito maiores sacrifícios de homens e material antes de conseguir sucessos definitivos.

Ao contrário, nos países colocados sob o controle do Reich os Partidos da reação, mais ou menos ligados aos “trusts”, após terem preparados desde a época de paz, o triunfo de Hitler, colaboravam com este na guerra, entregavam-lhe as riquezas nacionais, para ele recrutavam combatentes e mão de obra. Dessa maneira apareciam aos olhos de seus povos, como partidos que apenas obedeciam aos seus egoísticos interesses de classe, como traidores dos interesses nacionais, de que haviam pretendido ser os mais fieis interpretes e os melhores defensores.

Por isso, não é de admirar, que no dia seguinte da derrota militar do hitlerismo, as forças democráticas e os Partidos Comunistas, que tinham podido ver mais claro e que haviam feito os maiores sacrifícios no decorrer da luta pela libertação nacional, fossem levados a desempenhar um papel predominante na vida política do país para cuja libertação haviam contribuído.

É, pois, à luz das transformações surgidas na maior parte dos países europeus, que devemos examinar os problemas da democracia, tal como eles se colocam hoje, inspirando-nos nos ensinamentos de Lénin que em sua obra, reservou um considerável lugar para a questão do Estado e da Democracia.

Lénin e a Democracia Burguesa

Foi o próprio Lénin que melhor nos fez penetrar a substância do marxismo, quando afirmou contra os seus falsificadores, do estilo de Kautsky, Bernstein e Blum, que "o marxismo não é um dogma, mas um guia para a ação".

Partindo de dados concretos, o marxismo leva em conta as transformações sobrevindas num período ou numa situação determinada, para adaptar suas conclusões às novas condições históricas.

Por mais que pensem ou que digam os mais desesperados contendores do marxismo e do leninismo, Lénin nunca subestimou a importância e o papel de democracia, mesmo burguesa, na marcha para o socialismo.

Embora mostrando o caráter de classe da democracia burguesa, Lénin não deixa por isso, de insistir sobre o caráter progressista das instituições democráticas em relação à autocracia feudal e sobre o use que dela devem e podem fazer os trabalhadores na luta por sua emancipação.

"A República burguesa, diz Lénin, o Parlamento, o sufrágio universal, tudo isso, representa um enorme progresso do ponto de vista do desenvolvimento da sociedade no mundo inteiro".

E é Lénin ainda quem afirma em sua obra "Duas Táticas":

"Para tornar o socialismo mais próximo, não há e não pode haver atualmente outro meio, senão uma inteira liberdade política, senão uma República democrática".

Assim, quando em 1934, ante a ameaça fascista, nosso Partido Comunista proclamava que a escolha não era entre capitalismo e socialismo, mas entre democracia burguesa e fascismo, ele defendia, fiei aos ensinamentos de Lénin, não somente os interesses presentes do povo e da Nação, mas também o futuro do movimento.

Mas é, certamente, na seguinte citação de Lénin, extraída de sua obra capital "O Estado e a Revolução", que melhor se pode descobrir e penetrar o sentido das transformações profundas que se processaram em alguns países europeus, logo após a segunda guerra imperialista.

Quando Lénin fala da Democracia, baseia-se antes de mais nada em seu conteúdo de classe, em seu conteúdo social. Põe em destaque o caráter dialético do desenvolvimento da democracia. Mostra a influência recíproca da democracia política sobre a democracia social e inversamente.

Eis como se exprime Lénin, no ESTADO E A REVOLUÇÃO:

"Desenvolver a democracia até suas últimas conseqüências, pesquisar as formas desse desenvolvimento, pô-las a prova na prática etc. eis uma das tarefas essenciais da luta pela revolução social.

Tomando isoladamente, nenhum democratismo produzirá o socialismo; mas na vida, o democratismo nunca será tomado isoladamente, ele será tomado em conjunto; ele exercerá uma definida influência sobre a economia, provocará transformações e por sua vez sofrerá a influência do desenvolvimento econômico, etc. Tal é a dialética da história viva".

As Transformações Democráticas nos Países da Europa Central e Oriental

Nessa genial previsão de Lénin, encontramos como que um quadro traçado por antecipação, do que se passa atualmente em certos países democráticos da Europa Central e Oriental e, embora numa escala menor, também na França, vejamos, pois, que transformações profundas, que mudanças, se processaram nesses países da Europa Central e Oriental e particularmente na Hungria, Romênia, Polônia, Tchecoslováquia, Bulgária, Iugoslávia, nos dias que se seguiram à derrota hitleriana ou no momento em que essas transformações se tornaram nítidas.

Examinemos também quais as causas gerais e particulares dessas transformações.

Vejamos inicialmente as transformações verificadas na divisão da terra em cada um desses países que são essencialmente agrícolas e onde a maioria da população retira seus recursos da agricultura.

Grande número de barões feudais e de grandes proprietários desses países foram expropriados e em certos casos suas terras lhes foram confiscadas, na medida em que haviam colaborado com os nazis ou haviam pertencido à minorias étnicas alemães.

Vejamos num relato sumário, quais os resultados dessa nova divisão das terras nos países da Europa Central e oriental.

A reforma agrária foi realizada na Hungria em março de 1945, antes mesmo da libertação do território húngaro. Sobre o volume total de terras tornadas disponíveis pela reforma agrária, 2.710.000 geiras foram distribuídas a 550.000 pessoas, sendo os beneficiários, empregados de fazendas, trabalhadores agrícolas, pequenos proprietários, artesãos que se ocupavam na agricultura. Foi concedida prioridade para obtenção das terras divididas aos soldados, ex-partisans, inválidos, etc.

Idênticas medidas, na Polônia, onde foram redistribuídas 1.341.213 hectares a trabalhadores agrícolas sem terra ou a camponeses que dispunham de pouca terra.

Na Romênia, em conseqüência da reforma agrária que teve lugar em março de 1945, a propriedade acima de 100 hectares, caiu de 37,2% para 9,8% da superfície total das terras aráveis.

Na Tchecoslováquia, a reforma agrária incidiu sobre 3.000.000 de hectares, sendo 7.480.000 de acres de terras aráveis e florestas correspondentes a 250.000 explorações agrícolas, quase todas de origem alemã.

Embora a Bulgária tenha sido sempre um país onde predominavam os pequenos proprietários, as expropriações e os confiscos foram realizados baseando-se na lei búlgara da reforma agrária: — "A terra deve pertencer a quem a trabalha".

Enfim na Iugoslávia, o fundo agrário comporta um total de 417.789 hectares, dos quais 237.737 já foram repartidos entre os beneficiários operários agrícolas e pequenos proprietários, tendo-se concedido prioridade aos operários combatentes, aos partizans, aos inválidos e às famílias que mais sofreram em conseqüência da invasão alemã.

Dessa maneira, a fisionomia do campo, nos países da Europa Central e Oriental, mudou consideravelmente após a derrota do hitlerismo.

Onde dominavam anteriormente os barões feudais e grandes proprietários, sobre uma grande massa de camponeses analfabetos e miseráveis privados de terra ou que possuíam insuficientes extensões de terra, começou a se constituir uma nova classe de proprietários: operários agrícolas, empreitados de fazendas, pequenos proprietários, que não possuíam outrora senão os próprios braços e sua força de trabalho e um ou outro insignificante canto de terra.

Essas notórias modificações na repartição da propriedade, constituiu, pois, um grande progresso social e seus resultados não se fizeram esperar. O operário agrícola, o empregado da fazenda, o pequeno proprietário que teve seu canto de terra aumentado, todos passam a trabalhar o solo com mais cuidado, mais entusiasmo, porque sabem que receberão desse trabalho, uma remuneração direta.

É assim, para não citar senão um exemplo, que na Romênia, após a reforma agrária, as terras semeadas que atingiam apenas 5.843.908 hectares em 1944, se elevaram a 7.767.000 hectares em 1945.

Se levarmos em conta que as medidas de expropriação e confisco da terra, nos países da Europa Central e oriental (balcânica), foram completadas pela nacionalização da grande e média indústria, em escala mais profunda do que a realizada na França, será fácil compreender que os Partidos democráticos, artífices essenciais dessas transformações sociais, tenham conseguido o apoio total do povo.

Mas essas transformações só se tornaram possíveis, pela luta decidida dos (Partidos Comunistas e das forças progressista desses países, contra o invasor hitlerista e pela independência.

É a essa situação que se explica de maneira notável o seguinte julgamento de Lénin:

"...ele (o democratismo) exercerá igualmente sua influência sobre à economia e estimulará a transformação..."

E não é preciso, senão consultar o quadro impressionante, publicado pela "France Nouvelle", de 23 de novembro, sob o título de "As eleições na Europa e o desenvolvimento do movimento democrático", para se constatar que é nos países que acabamos de citar que a vitória dos partidos democráticos, foi mais brilhante.

As recentes eleições na Polônia apenas confirmaram brilhantemente essa constatação. Lénin previra a inevitabilidade desse processo quando falando do democratismo escreveu no "O Estado e a Revolução":

"...e por sua vez (o democratismo) sofrerá a influência do desenvolvimento econômico..."

Uma Democracia de Novo Tipo: A Democracia Popular

Compreende-se assim, que a democracia instituída nos países da Europa Central e Oriental, seja uma democracia de novo tipo: — uma democracia popular que toma um caráter cada vez mais social.

Falando dos meios de desenvolvimento da democracia popular na Polônia, o camarada Gomulka Wieslaw, secretário do Partido Operário Polonês, definiu a democracia popular da seguinte maneira:

"Nossa democracia contém muitos elementos da democracia socialista e muitos elementos da democracia liberal burguesa, da mesma forma que nosso regime econômico contém ao mesmo tempo elementos do regime socialista e do regime capitalista: damos à nossa democracia o título de Democracia Popular e definimos nosso regime social como um regime de democracia popular. Nossa democracia é o regime social que estamos edificando e consolidando não tem precedentes na história (sublinhado pelo autor). A experiência mostrou que eles saíram vitoriosos das provas a que foram submetidos. Não somos um país de regime capitalista típico, porque nossas indústrias-chaves, nossos bancos, nossos meios de transporte e comunicação, foram nacionalizados. Mas também, não temos um regime socialista porque o setor da produção não socialista, ocupa em nossa economia um lugar considerável. Reconhecemos a necessidade e a utilidade da iniciativa individual e das formas de produção não socializadas, num setor da produção industrial, rejeitamos a coletivização da economia agrícola. No entanto criamos as condições que nos permitem regular a produção do setor não socializado, conforme as necessidades da economia nacional."

Tendo assim definido o que é a democracia popular, o problema que se coloca é o de seu futuro, de suas possibilidades de desenvolvimento e do papel que ela deve desempenhar na marcha para o socialismo.

George Dimitrov, o herói de Leipzig, antigo e eminente secretário da Internacional Comunista, já respondeu a essa questão.

Constatando o desenvolvimento impetuoso das forças democráticas em certos países da Europa, levando em conta também, as novas condições objetivas do mundo atual que não é mais o de 1939, levando em conta também a experiência adquirida pelo proletariado, através de suas lutas, escreveu Dimitrov:

"A democracia popular não é nem socialista nem soviética. Ela é a passagem da democracia ao socialismo. Ela cria as condições favoráveis ao desenvolvimento do socialismo por um processo de lutas e de trabalho. Cada país passará ao socialismo, por seus próprios caminhos. A vantagem da democracia popular é que essa passagem tornou-se possível sem a ditadura do proletariado. Tal resultado é devido ao exemplo da União Soviética e às lições de todas as lutas travadas no mundo pelo proletariado."

É incontestável que especialmente na Bulgária, as forças democráticas que tomaram parte ativa na obra de libertação nacional, foram suficientemente poderosas para impor uma verdadeira depuração que contribuiu decisivamente para quebrar o antigo aparelho do Estado reacionário E era isso que frisava Stalin em sua entrevista com a delegação trabalhista britânica, em agosto de 1945:

"Os marxistas-leninistas, declarou ele, segundo o relatório de Morgan Phillips publicado no "Daily Herald", de 22 de agosto de 1946, os marxistas-leninistas não pensam que esse caminho seja o único que permita chegar ao socialismo."

Era enfim o que lembrava Maurice Thorez em sua entrevista sensacional no "Times":

"Os progressos da democracia através o mundo, apesar das raras exceções que confirmam a regra, permitem encarar, para a marcha do socialismo, caminhos diferentes dos que foram seguidos pelos comunistas russos."

Alguns dos nossos adversários pretenderam ver nessa declaração, não se sabe que manobra, que manifestação de oportunismo destinada a acalmar os que se assustavam com a participação dos comunistas no Governo ou com a ascensão de um comunista à direção dos negócios públicos.

Na verdade, Maurice Thorez não fez senão dar uma forma concreta, adotada às circunstâncias presentes à sua declaração feita no Comité Central de Ivry de 21 de janeiro de 1945, no 21.° aniversário da morte de Lénin:

"A situação é nova, nossos métodos são diferentes."

Desejamos examinar esse problema, à luz de um exemplo concreto, mostrando os novos caminhos que se abrem para atingir o socialismo.

Esse exemplo é a democracia popular polonesa. E o melhor modo de fazê-lo é tomar emprestado ao camarada Gomulka-Wieslaw os trechos essenciais da argumentação por ele desenvolvida ante a Assembléia dos militantes do Partido Operário Polonês e do Partido Socialista Polonês, ligados pelo Pacto de Unidade e Coordenação, em Varsóvia a 30 de novembro de 1946:

"Certas pessoas repetem constantemente — declara Gomulka —, que o Partido Operário Polonês se inclina para a ditadura do Proletariado e que tenciona chegar ao socialismo pelos mesmos caminhos seguidos pela União Soviética. É desnecessário demonstrar que os que fazem esses comentários não só ignoram todo o marxismo e não sabem tirar as conclusões que a comparação das diferentes épocas históricas nos impõem, mas o fazem com o fim essencial de deformar os fatos políticos e para conseguir lançar com maior facilidade a luta contra nosso Partido."

Em seguida Gomulka distingue o que diferencia os caminhos do desenvolvimento da Polônia e os da União Soviética. As transformações sociais e políticas se realizaram na Rússia por meio de uma revolucão sangrenta enquanto que na Polônia essas transformações tiveram lugar de maneira pacífica.

A União Soviética teve que passar pela etapa da ditadura do proletariado, enquanto que a Polônia não conheceu essa etapa e pode evitá-la.

Na União Soviética, o poder é exercido pelo Conselho de Delegados, isto é, pelos Soviets, que reúnem as funções legislativas e as funções executivas e são uma forma do poder socialista. Na Polônia, as funções legislativas e executivas são separadas e o poder está baseado na democracia parlamentar.

Essas diferenças não surgiram da vontade subjetiva de alguns homens ou da linha política dos partidos que atuam na Polônia ou na URSS.

Foi a relação interna e externa das forças das classes, tal como se apresentou no momento da revolução russa e tal como existe hoje na Polônia ou como existia no momento da tomada do poder pela democracia, que decidiu as vias diferentes do desenvolvimento na Polônia e na Rússia.

Na Rússia, a revolução tornou-se necessária devido ao poderio do tzarismo e à força do capitalismo mundial, ou de outra maneira, devido à fraqueza da democracia mundial. Na Polônia, em 1944, a classe operária e as massas trabalhadoras polonesas não precisaram usar meios violentos para pôr abaixo os barões feudais e os grandes capitalistas, porque eles estavam fracos, politicamente comprometidos e isolados; por isso puderam ser afastados por outros meios.

A fraqueza dos barões e capitalistas poloneses provinha do fato de que, no momento em que a democracia tomava o poder, não havia no país um aparelho estatal para lutar contra ela É verdade que eles tinham de seu lado, diversos grupos reacionários e fascistas, mas não representavam esses grupos uma força suficiente para se opor com eficácia às forças democráticas. A destruição do aparelho estatal reacionário provocada pela catástrofe de setembro de 1939 e o caráter completamente ilusório do aparelho de delegação do Governo de Londres no país foram a primeira causa que permitiu pôr abaixo, de maneira pacífica, a reação na Polônia.

Na ocasião da libertação do solo polonês, o poder se encontrava simplesmente nas ruas. Foi a democracia que o tomou porque ela se mostrou mais forte do que a reação.

Ao lado dessa primeira causa, houve outras; uma grande parte da reação estava comprometida perante o povo pela catástrofe de setembro de 1939 e pela política anti-soviétíca orientada pelo Governo dos Emigrados. Muitos tinham fugido da Polônia, com os alemães ou mais tarde, para organizar e preparar na emigração, as forças para lutar contra a democracia na própria Pátria.

Por outro lado, a derrota hitlerista e as vitórias do Exército Vermelho encheram de medo a reação, tornando-a inapta a lutar eficazmente contra a democracia, Além disso, tomando o poder, a democracia polonesa, não se chocou senão com a sua inclusão no index por parte da reação mundial que, de início, não quis reconhecer o governo democrático da Polônia nova. No entanto a luta contra a democracia na Polônia, por parte dos círculos imperialistas estrangeiros se limitou a sustentar a atividade dos grupos divisionistas reacionários. Essa situação favorável à democracia polonesa é devida ao crescimento das forças da democracia mundial que se seguiu à derrota militar do fascismo. Essas forças são hoje muito maiores que no momento da queda do tzarismo na Rússia. A reação mundial não está em condições de organizar uma ajuda considerável a seus amigos poloneses, a relação de forças políticas em seus próprios países não lhes permite essa ajuda.

Enfim, na Polônia, as forças democráticas foram levadas ao poder pelo ascenso produzido pela luta de libertação nacional, enquanto a reação polonesa se opunha por motivos bem compreensíveis, à luta armada contra a Alemanha e se comprometia dessa maneira, aos olhos do povo polonês e da opinião democrática mundial.

Não é necessário prolongar mais essa demonstração para se julgar as diferenças fundamentais que se apresentaram entre a situação da Rússia em 1917 e a da Polônia em 1944 e que explicam porque a Polônia possa se dirigir para o socialismo por caminhos diferentes dos que tiveram que escolher os comunistas russos. É o momento de relembrar, para concluir essa parte de nosso estudo, a declaração de Dimitrov:

"Cada País passará ao socialismo por seu próprio caminho."

A França Encontrará Seu Próprio Caminho

Maurice Thorez retomou essa mesma idéia em sua entrevista de 18 de novembro de 1946, publicado no "Times":

"Sempre pensamos e declaramos que o povo francês, com sua gloriosa tradição, encontra por si mesmo, seu caminho para conquistar mais democracia, progresso e justiça social."

No X Congresso de nosso Partido (junho de 1945), Thorez traçara o quadro da democracia tal como a concebem os comunistas e a maioria do povo francês:

"Parece que a palavra democracia, não tem o mesmo sentido para todos. Alguns sonham uma democracia no gênero ateniense ou melhor ainda no gênero espartano. Uma democracia para os privilegiados, para os proprietários de escravos. Nós temos o conceito de democracia tal como a definia Condorcet, uma democracia em que "todas as instituições sociais devem ter por finalidade o melhoramento social, moral, intelectual e físico da classe mais numerosa e mais pobre."

A democracia é uma criação contínua. Já na época da Frente Popular, nossas Assembléias, nossos Congressos, insistiam que os Republicanos unidos, conferiam todo o seu valor ao belo nome de República. A Frente Popular conseguindo para as massas a realização de suas reivindicações de ordem econômica, política e cultural, constituía um novo progresso da democracia. Hoje, ao lado da imensa maioria dos franceses, concebemos uma democracia, desembaraçada de "trusts", uma democracia onde não há lugar para os grupos e para os homens que serviram Hitler e traíram a França."

Entretanto, basta que lembremos as condições concretas que permitiram à Polônia atingir à democracia popular (condições bem semelhantes às que se verificaram na Tchecoslováquia, Hungria, Iugoslávia, Romênia e Bulgária) para compreender que as condições da França são bastante diferentes, como diferentes são as dos países da Europa Ocidental que participaram na luta contra o hitlerismo e no seu esmagamento militar.

Resta no entanto o fato de que as forças democráticas na França se reforçaram consideràvelmente, que o Partido Comunista Francês que tomou parte ativa e preponderante na Resistência e na luta de libertação nacional, conquistou uma posição de primeiro plano, reunindo em torno de si perto de seis milhões de eleitores.

Por outro lado, se é verdade que os "trusts" conservaram o essencial de seu poder, os antigos partidos reacionários e os que ligaram sua sorte à antiga política muniquista, perderam uma grande parte da autoridade e da influência que exerciam sobre importantes setores do povo francês. E os que os substituíram com outros nomes, são obrigados a mascarar suas ambições reacionárias sob uma fraseologia social e democrática que leva em conta as aspirações da massa a conquistar mais democracia, mais bem estar social e à paz.

É a homenagem que o vício presta à virtude. E no entanto, foram dados passos importantes no caminho da renovação e do alargamento da democracia. Nossa democracia exposta aos ataques furiosos da reação toma um caráter mais e mais social.

A retomada de algumas empresas do patronato que tinha colaborado e traído os comités de direção; a constituição de comités de Empresa; o estabelecimento de um sistema completo e progressivo de segurança social; as nacionalizações das minas de carvão, das fábricas de gás, das empresas de eletricidade, estradas de ferro, de um certo número de companhias de seguros, de Bancos e do Crédito, são sem dúvida uma prova de que o democratismo, como afirmava Lénin:

"...exercerá igualmente sua influência sobre a economia, etc., estimulando sua transformação."

Os progressos da democracia afirmaram-se ainda entre nós, por medidas de progresso social como, por exemplo, o Estatuto da Função Pública — e enfim pela votação da Constituição de 15 de outubro que mostra um progresso evidente sobre a Constituição de 1875 em razão dos princípios novos que nela são estabelecidos, em razão mesmo da derrota que ela infligiu às forças da reação que queriam o renascimento do Senado. Enfim o voto das mulheres e a redução do limite da maioridade para 20 anos alargaram consideravelmente o corpo eleitoral, permitindo ao sufrágio universal praticado na França, merecer com mais razão o seu nome.

Unidade Operária, Fator Decisivo da Luta Pela Nova Democracia

Certamente a obra realizada teria sido mais considerável e mais progressista se o Partido Socialista tivesse consentido em desenvolver uma ação comum com o Partido Comunista em vez de "namorar" com o M.R.P. e se ele tivesse aceito as propostas de unidade orgânica que nos levariam à constituição do Grande Partido Operário Francês.

Porque o que fez a força da democracia popular nos países da Europa Central e Oriental, foi o entendimento realizado entre os comunistas e socialistas desses países tendo em vista uma ação comum.

Falando das condições que permitiram à Polônia de conquistar uma democracia popular, declarou o camarada Gomulka:

"A unidade de ação de nossos dois Partidos e a ação coordenada de todos os Partidos democráticos em uma frente democrática comum, são indispensáveis em primeiro lugar para quebrar a resistência da reação. Se admitimos as possibilidades de um caminho polonês, livre de convulsões revolucionárias violentas, isso não quer dizer que o desenvolvimento e o progresso se possam realizar sem nenhuma luta em geral."

Dimitrov havia insistido sobre esse aspecto dialético do futuro da democracia popular:

"A passagem da democracia ao socialismo não é uma coisa doce. Ela não se desenvolve por um caminho calmo, mas por um caminho íngreme e cheio de obstáculos. Sem luta não haverá resultados. Se a democracia pára ou recua, ela dá lugar à reação e ao fascismo."

Meditemos sobre esse ensinamento, escutando ainda a advertência que nos fazia Maurice Thorez, em sua entrevista no "Times":

"No entanto a História mostra que não há progresso sem luta. Não há caminhos completamente livres pelos quais os homens possam avançar sem esforço. Tem sido sempre necessário sobrepujar obstáculos. É o próprio sentido da vida."

Tais são, nos parecem, embora o assunto não esteja nem de longe esgotado porque ele é de uma riqueza incomparável — as lições que convinha tirar dos aspectos atuais do problema da democracia em alguns países da Europa, à luz dos ensinamentos de Lénin.

Referindo-se a uma declaração de Engels, escrevia Lénin no "O Estado e a Revolução"

"que nos países republicanos ou de uma grande liberdade, pode-se conceber (somente conceber) uma revolução pacífica para o socialismo.”

Nosso grande Dimitrov diz:

"Se a democracia pára ou recua, ela dá lugar á reação ou ao fascismo."

Maurice Thorez proclama:

"os progressos da democracia através do mundo, apesar das raras exceções que confirmam a regra, permitem considerar para a marcha do socialismo, outros caminhos diferentes dos que foram seguidos pelos comunistas russos."

Conclusão: Não Há Progresso Sem Luta

O representante do Partido Operário Polonês afirma:

"A reação não se submete nunca por sua própria vontade, não cede nunca suas posições sem luta, e continuará a lutar para retomar as posições perdidas, enquanto suas forças lhe permitirem. Essa luta entre a democracia e a reação não cessou entre nós, desde a renascença da Polônia."

Eis o que não devemos jamais esquecer. E se tínhamos tendência a desprezar esse ensinamento, a ofensiva enlouquecida da reação na França para tentar impedir os comunistas de ter um de seus delegados na direção ao governo ou de ao menos ser membro desse Governo, a atividade dessa mesma reação para conseguir a revisão de nossa constituição num sentido reacionário e para destruir a obra de progresso social realizada após a libertação, deveriam ser suficientes para nos convencer que a renovação e o alargamento de nossa democracia que nos conduzirá ao socialismo "por caminhos diferentes dos que foram seguidos pelos comunistas russos" não pode ser obtido sem luta, sem combate. Lutar para fazer penetrar na vida o programa de Puteaux, realizar a unidade das forças operárias e republicanas, utilizar as relações mais fraternais que se criaram nos últimos tempos entre socialistas e comunistas para fazer progredir a idéia do Partido Operário Francês que "será o guia de nossa democracia nova e popular (entrevista de Maurice Thorez no "Times")" tal é a tarefa que neste aniversário da morte de Lénin, nos impõe a fidelidade aos seus ensinamentos.


Notas de rodapé:

[1*] Deputado comunista francês. (retornar ao texto)

 

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Inclusão 28/07/2007