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A revolução popular progride. O proletariado arma-se e hasteia a bandeira da insurreição. As massas camponesas erguem a cerviz e agrupam-se em torno do proletariado. Já se aproxima o tempo em que explodirá a insurreição geral e em que o odiado trono do tzar será "varrido da face da terra". O governo do tzar será derrubado. Sobre suas ruínas será criado o governo da revolução, um governo revolucionário provisório que desarmará as forças reacionárias, armará o povo e se empenhará sem delongas em convocar a Assembléia Constituinte. Assim, o poder do tzar será substituído pelo poder do povo. Este é o caminho pelo qual marcha hoje a revolução popular.
Que deverá fazer o governo provisório?
Deverá desarmar as forças reacionárias, reprimir os inimigos da revolução, a fim de que não possam restaurar a autocracia tzarista. Deverá armar o povo e favorecer a realização da revolução. Deverá assegurar a liberdade de palavra, de imprensa, de reunião, etc. Deverá suprimir o imposto indireto e introduzir o imposto progressivo sobre os lucros e as heranças. Deverá organizar os comitês camponeses, que resolverão as questões da terra no campo. Deverá separar a Igreja do Estado e a Escola da Igreja...
Além destas reivindicações gerais, o governo provisório deverá ainda satisfazer as reivindicações de classe dos operários: liberdade de greve e de organização sindical, jornada de trabalho de oito horas, seguro estatal dos operários, condições higiênicas de trabalho, instituição dos "escritórios de colocação", etc.
Numa palavra, o governo provisório deverá pôr totalmente em prática o nosso programa mínimo(1) e proceder sem demora à convocação da Assembléia Constituinte de todo o povo, que legalizará "para sempre" as modificações realizadas na vida social.
Quem deverá fazer parte do governo provisório?
Quem vai fazer a revolução é o povo; e o povo é constituído pelos operários e pelos camponeses. É evidente que estes deverão assumir também a tarefa de levar a revolução a bom termo, de reprimir a reação, de armar o povo, etc. Mas, para tudo isso, é necessário que, no governo provisório, o proletariado e os camponeses tenham defensores de seus interesses. O proletariado e os camponeses preponderão nas ruas, derramarão o próprio sangue; é claro que deverão também preponderar no governo provisório.
Tudo isto está muito bem, dizem-nos, mas o que há de comum entre o proletariado e os camponeses?
De comum há o fato de que ambos odeiam os restos do regime feudal, ambos lutam até a morte contra o governo do tzar, ambos querem uma república democrática.
Isto, porém, não pode fazer com que esqueçamos a verdade, isto é, que a diferença entre ambos é considerável.
Em que consiste essa diferença?
No fato de que o proletariado é inimigo da propriedade privada, que odeia a ordem burguesa, e a república democrática lhe é necessária apenas para reunir as forças e derrubar em seguida o regime burguês, enquanto os camponeses estão agarrados à propriedade privada, são favoráveis à ordem burguesa, e a república democrática lhes é necessária para fortalecer as bases do regime burguês.
É supérfluo dizer que os camponeses(2) marcharão contra o proletariado apenas na medida em que o proletariado quiser destruir a propriedade privada. Por outro lado, é claro também que os camponeses apoiarão o proletariado somente na medida em que o proletariado quiser derrubar a autocracia. A revolução atual é burguesa, isto é, não toca na propriedade privada; por conseguinte, os camponeses não têm hoje qualquer motivo de voltar as próprias armas contra o proletariado. Além disso, a revolução atual está decididamente contra o poder do tzar; por conseguinte, os camponeses estão interessados em unir-se firmemente ao proletariado, força de vanguarda da revolução. É claro que também o proletariado esta interessado em apoiar os camponeses e em atacar, unido a eles, o inimigo comum, o governo tzarista. Não foi por acaso que o grande Engels disse que até a vitória da revolução democrática o proletariado deve atacar a ordem existente, unido à pequena burguesia.(3) E se, até a repressão total dos inimigos da revolução nossa vitória não poderá ser considerada como tal, se a repressão dos inimigos e o armamento do povo constituem um dever do governo provisório, se o governo provisório deverá assumir o compromisso de alcançar a vitória, é óbvio que no governo provisório, além dos defensores dos interesses da pequena burguesia, deverão entrar ainda os representantes do proletariado, como defensores dos interesses deste último. Seria um absurdo se o proletariado, que age como dirigente da revolução, cedesse à pequena burguesia, sozinha, a tarefa de con duzí-la à vitória, isto seria uma traição a si mesmo. O que não se deve esquecer é que o proletariado, como inimigo da propriedade privada, deve ter um partido próprio, e não deve desviar-se, por um só momento, de seu caminho.
Em outros termos, o proletariado e os camponeses devem, com esforços conjugados, dar cabo do governo tzarista, devem com esforços conjugados reprimir os inimigos da revolução e justamente por isso, também o proletariado, unido aos camponeses, deve ter no governo provisório os defensores de seus interesses, os social-democratas.
Isso é tão claro, tão evidente, que até pode parecer supérfluo falar sobre o assunto.
Mas eis que a "minoria" intervém e, tendo dúvidas a respeito, afirma obstinadamente: não compete à social-democracia participar do governo provisório, isto está contra os princípios.
Examinemos a questão. Quais são os argumentos da "minoria"? Antes de tudo, ela se vale do Congresso de Amsterdam[N42]. Este Congresso, em oposição ao jauresismo, aprovou uma decisão segundo a qual os socialistas não devem tender a participar de um governo burguês, e já que o governo provisório é um governo burguês, a participação no governo provisório é inadmissível para nós. Assim raciocina a "minoria "e não se apercebe de que, à base de semelhante interpretação escolástica da decisão do Congresso, não deveremos nem sequer participar da revolução. Efetivamente: somos inimigos da burguesia, a revolução atual é burguesa, por conseguinte não devemos tomar parte, de modo algum, nessa revolução! Este é o caminho a que nos leva a lógica da "minoria". A social-democracia, ao contrário, diz que nós, proletários, não só devemos tomar parte na revolução atual, como devemos também colocar-nos à sua testa, dirigí-la e conduzí-la até o fim. Mas é impossível conduzir a revolução até o fim sem participar do governo provisório. É incontestável que, nesse ponto, a lógica da minoria capenga das duas pernas. Das duas uma: ou nós, do mesmo modo que os liberais, devemos repelir a idéia de que o proletariado seja o dirigente da revolução, e então cai por si mesma a questão da nossa participação no governo provisório, ou devemos reconhecer abertamente esta idéia como social-democrática, e reconhecer, ao mesmo tempo, a necessidade de participar no governo provisório. A "minoria", entretanto, não quer romper nem com uns nem com outros; quer marchar ao mesmo tempo com os liberais e com os social-democratas! Tão impiedosamente comete essa violência contra a lógica, que despreza por completo...
No que diz respeito ao Congresso de Amsterdam, este se referia ao governo permanente francês, e não a um governo revolucionário provisório. O governo francês é reacionário e conservador, defende o que é velho e luta contra o que é novo: é evidente que um verdadeiro social-democrata não fará parte de semelhante governo; o governo provisório, ao contrário, é revolucionário e progressista, luta contra o que é velho, abre caminho ao que é novo, serve aos interesses da revolução: é evidente que um verdadeiro social-demcrata nele ingressará e tomará parte ativa no coroamento da obra da revolução. Como se vê, trata-se de coisas diferentes. A "minoria" agarra-se em vão, portanto, ao Congresso de Amsterdam: este não a salvará da falência.
Evidentemente, a própria "minoria" o percebeu, e volta-se para outro argumento: passa agora a invocar as sombras de Marx e de Engels. Assim, por exemplo, o Sotzial-Demokrat repete obstinadamente que Marx e Engels "repelem de forma total" a participação no governo provisório. Mas onde, quando a repeliram? Que diz, por exemplo, Marx? Acontece que Marx diz que
"... os pequenos burgueses democráticos... pregam ao proletariado... a tendência para a constituição de um grande partido de oposição que abranja todas as tonalidades do partido democrático...",
que semelhante união seria apenas em proveito deles (os pequenos burgueses) e completamente desvantajosa ao proletariado"(4), etc.[N43]. Numa palavra, o proletariado deve ter um partido de classe independente. Mas quem é contrário a isso, "egrégio e sapiente senhor crítico"? Por que lutais contra os moinhos de vento?
O "crítico" continua, entretanto, a citar Marx:
"Em caso de luta contra um inimigo comum não é necessária qualquer união especial. Já que se deve combater diretamente contra semelhante inimigo, os interesses dos dois partidos coincidem momentaneamente, e... surge uma união válida apenas para esse momento... Durante e após a luta os operários, ao lado das exigências (dever-se-ia dizer: reivindicações) dos democratas burgueses, devem apresentar em toda e qualquer ocasião, suas próprias exigências (reivindicações)... Numa palavra, desde o primeiro instante da vitória, a desconfiança deve voltar-se contra os próprios aliados de ontem, contra o partido que pretenderá desfrutar a vitória comum exclusivamente para si"(5).
Em outros termos, o proletariado deve seguir seu caminho e apoiar a pequena burguesia apenas na medida em que isso não contraria seus interesses. Mas quem está contra isso, surpreendente senhor "crítico", e por que tivestes necessidade de citar as palavras de Marx? Terá Marx dito qualquer coisa sobre um governo revolucionário provisório? Nem uma só palavra! Será que Marx diz que a participação em um governo democrático, durante uma revolução democrática está em contradição com os nossos princípios? Nem uma só palavra! Por que, então, tanto se exalta o nosso autor, onde foi ele desencavar a "contradição de princípios" entre nós e Marx? Pobre "crítico"! Desdobra-se para descobrir semelhante contradição, mas, para pesar seu, não arranja nada.
Que diz Engels, segundo afirmam os mencheviques? Na carta a Turati[N44] diz, ao que parece, que na Itália a revolução iminente será pequeno-burguesa e não socialista, que.o proletariado deve, antes da vitória dessa revolução, atacar, junto com a pequena burguesia, a ordem existente, mas tendo obrigatoriamente um partido próprio; mas que seria extremamente perigoso para os socialistas entrar para o novo governo após a vitória da revolução. Assim repetiriam o erro de Louis Blanc e dos outros socialistas franceses em 1848, etc.(6). Em outras palavras, já que a revolução italiana será democrática e não socialista, seria um erro grave sonhar com o domínio do proletariado e ficar no governo após a vitória; o proletariado pode somente antes da vitória atacar o inimigo comum, junta com os pequenos burgueses. Mas quem contesta seme-lhante coisa, quem diz que devemos confundir a revolução democrática com á socialista! Para que reportar-se a Turati, discípulo de Bernstein! Ou então, por que se teve necessidade de citar Louis Blanc? Louis Blanc era um "socialista" pequeno-burguês e nós estamos falando dos social-democratas. No tempo de Louis Blanc não existia um partido social-democrático, e aqui se trata justamente desse partido. Os socialistas franceses tinham em vista a conquista do poder político; o que nos interessa é a participação no governo provisório... Dirá Engels, por acaso, que a participação" num governo provisório durante uma revolução democrática contradiz nossos princípios? Nem uma só palavra! Para que, então, tagarelar tanto, senhor menchevique; como não compreendeis que confundir as questões não significa resolvê-las? Por que perturbar em vão as sombras de Marx e de Engels?
A própria ''minoria", ao que parece, se deu conta, por si mesma, de que os nomes de Marx e de Engels não a salvarão, e agora, se agarra a um terceiro "argumento". Quereis pôr um freio duplo nos inimigos da revolução, diz-nos a "minoria", quereis que "a pressão do proletariado sobre a revolução não venha apenas "de baixo", apenas das ruas, mas também do alto, dos palácios do governo provisório"(7). Mas isto é contrário aos princípios, censura-nos a "minoria".
Assim, a "minoria" afirma que devemos influir sobre o curso da revolução "apenas de baixo". A "maioria", ao contrário, considera que devemos completar a ação "de baixo" com uma ação "de cima", afim de que a pressão seja total.
Quem, nesse caso, entra em contradição com os princípios da social-democracia, a "maioria" ou a "minoria"?
Apelemos para Engels. Nos anos seguintes a 1870 , houve na Espanha uma insurreição. Colocou-se a questão governo revolucionário provisório. Entraram em cena, então, os bakuninistas (anarquistas). Repeliam qualquer ação de cima, e isso provocou uma polêmica entre eles e Engels. Os bakuninistas pregavam a mesma coisa que a "minoria" agora sustenta.
"Os bakuninistas — diz Engels — pregaram durante muitos anos que qualquer ação revolucionária de cima para baixo é perniciosa, que tudo deve ser organizado e conduzido de baixo para cima".(8)
Segundo eles,
"toda organização de um poder político chamado provisório ou revolucionário só pode ser um novo engodo, e para o proletariado se revelaria tão perigosa quanto todos os governos atualmente existentes".(9)
Engels ridicidariza esta opinião e diz que a vida desmentiu impiedosamente essa doutrina dos bakuninistas. Os bakuninistas foram constrangidos a ceder ante as exigências da vida... tiveram, malgrado seus princípios anarquistas, de formar um governo revolucionário"(10).
Golpearam, assim, o princípio que eles próprios haviam proclamado pouco antes: que a criação de um governo revolucionário não passa de um novo engodo e de uma nova traição à classe operária(11).
Evidencia-se, desse modo, que o princípio da "minoria" — ação apenas "de baixo" — é um princípio anárquico, que de fato contradiz radicalmente a tática social-democrática. A opinião da "minoria", de que qualquer participação no governo provisório seria ruinosa para os operários, é uma frase anarquista já ridicularizada por Engels. Torna-se evidente, ainda, que a vida repelirá as posições da "minoria" e as destruirá pelo ridículo, tal como aconteceu com os partidários de Bakúnin.
A "minoria", entretanto, continua a dizer com obstinação: não estamos contra os princípios. É estranhavel a concepção que eles formam dos princípios social-democráticos. Tomemos apenas suas afirmações de princípio concernentes ao governo revolucionário provisório e à Duma de Estado. A "minoria" é contra a participação num governo provisório, nascido dos interesses da revolução: isto contradiz os princípios. Mas é pela participação na Duma de Estado, que surgiu dos interesses da autocracia: isto, ao que parece, não contradiz os princípios! A "minoria" é contra a participação num governo provisório, que será criado pelo povo revolucionário e que o próprio povo legalizará: isto contradiz os princípios. Mas é pela participação na Duma de Estado, convocada pelo tzar autocrático e legalizada pelo mesmo tzar: isto, ao que parece, não contradiz os princípios. A "minoria" é contra a participação num governo provisório, chamado a sepultar a autocracia: isto contradiz os princípios. Mas é pela participação na Duma de Estado, que é chamada a fortalecer a autocracia: isto, ao que parece, não contradiz os princípios... De que princípios falais então, egrégios senhores, dos princípios dos liberais ou dos social-democratas? Seria conveniente que désseis uma resposta direta a esta pergunta. Temos, porém, nossas dúvidas a esse respeito.
Deixemos, porém, estas questões.
O fato é que a "minoria", tendo partido em busca dos princípios, rolou para o caminho dos anarquistas.
Eis o que agora ficou evidenciado.
Não agradaram aos nossos mencheviques as resoluções aprovadas pelo terceiro Congresso do Partido. Seu significado genuinamente revolucionário alarmou o "pântano" menchevique e suscitou nele a mania da "crítica". Evidentemente, a resolução sobre o governo revolucionário provisório influenciou de modo considerável seu temperamento oportunista e eles se empenham em "aniquilá-la". Mas já que nada descobriram em que se pudessem pegar para fazer críticas, recorreram a seu processo habitual e, ainda por cima, barato, a demagogia! Essa resolução foi formulada para seduzir os operários, para enganá-los e cegá-los, escrevem esses "críticos". E, é claro, ficaram muito satisfeitos com essa sua barulhada. Imaginaram o adversário ferido de morte, e, considerando-se a si próprios críticos-vitoriosos, exclamam: "E são estes (os autores da resolução) que querem dirigir o proletariado!". Olhando esses críticos, acode-nos à memória o herói de Gógol, que tinha enlouquecido e imaginava ser o rei da Espanha. Este é o destino daqueles que sofrem de mania de grandeza!
Examinemos, porém, a "crítica" que se encontra no n.° 5 do Sotzial-Demokrat. Conforme já sabeis, nossos mencheviques não podem recordar sem terror o fantasma cruento do governo revolucionário provisório e imploram a seus santos, os Martínov, os Akimov, que os libertem desse monstro e o transformem no Zemski Sobor, hoje já tornado Duma de Estado. Para esse fim, elevam às nuvens o "Zemski Sobor" e se esforçam em fazer passar por moeda boa essa podre criação do podre tzarismo: "Sabemos que a grande revolução francesa instituiu a república sem ter governo provisório" — escrevem eles. É só isso? Não sabeis mais nada, "egrégios senhores"? É pouco. Deveríeis saber mais! Deveríeis saber também, por exemplo, que a grande revolução francesa triunfou como movimento revolucionário burguês, enquanto que o "movimento revolucionário russo ou triunfa como movimento dos operários ou então não triunfará absolutamente" como disse com justeza J. Plekhánov. Na França, à testa da revolução estava a burguesia, enquanto na Rússia está o proletariado. Lá, era a primeira quem dirigia a sorte da revolução, aqui é o segundo. E não é claro, portanto, que, dada esta transposição das forças revolucionárias dirigentes, não é possível obterem-se resultados idênticos para uma e para outra classe? Se na França a burguesia, estando à frente da revolução, colheu seus frutos, deverá ela colhê-los também na Rússia, embora o chefe da revolução aqui seja o proletariado? Sim, dizem os nossos mencheviques, o que aconteceu lá, na França, deve acontecer também aqui, na Rússia. Estes senhores, como fabricantes de caixões funerários, medem o que de há muito está morto e querem aplicar essa mesma medida aos vivos. Além disso, cometeram um erro considerável: decapitaram o assunto que nos interessa, e deslocaram para a cauda o centro da polêmica. Nós, como todos os social-democratas revolucionários, falamos em instaurar uma república democrática. Eles, ao contrário, esconderam não se sabe onde a palavra "democrática" e começaram a tagarelar sobre "república". "Sabemos que a grande revolução francesa instaurou a república", pregam eles. Sim, instaurou a república, mas qual: uma república verdadeiramente democrática? Igual à que reivindica o Partido Operário Social-Democrata da Rússia? Deu aquela república ao povo o direito do sufrágio universal? As eleições de então eram completamente diretas? Foi introduzido o imposto progressivo sobre a renda? Dizia-se, então, qualquer coisa sobre a melhoria das condições do trabalho, sobre a diminuição da jornada de trabalho, sobre o aumento do salário e assim por diante?... Não, ali não existia nem podia existir nada disso, porque os operários não possuíam então uma educação social-democrática. Por isso, seus interesses na república francesa daquele tempo foram esquecidos e descurados pela burguesia. É ainda possível, senhores, que inclineis diante de uma república semelhante vossas "veneráveis" cabeças? É este o vosso ideal? Boa viagem! Mas lembrai-vos, egrégios senhores, de que inclinar-se diante de tal república nada tem de comum com a social-democracia e seu programa: é democracia da pior espécie. E vós introduzis tudo isso de contrabando, cobrindo-o com o nome de social-democracia.
Além disso, os mencheviques devem saber que a burguesia da Rússia com seu Zemski Sobor não nos oferece nem sequer uma república no gênero da república francesa. Ela não tem a menor intenção de destruir a monarquia. Conhecendo muito bem a "insolência" dos operários onde não existe monarquia, ela se esforça por conservar intata esta fortaleza e por transformá-la numa arma sua contra o inimigo inconciliável, o proletariado. É ainda com esse objetivo que, em nome do "povo", ela negocia com o tzar carniceiro e o aconselha, no interesse da "pátria" e do trono, a convocar o Zemski Sobor para evitar a "anarquia". É possível que vós, mencheviqus, ainda ignoreis tudo isso?
Não necesitamos da república introduzida, no século XVIII, pela burguesia francesa, mas da que o Partido Operário Social-Democrata da Rússia reivindica no século XX. Mas esta república só pode ser criada por uma insurreição popular vitoriosa, tendo à frente o proletariado e um governo revolucionário provisório por ela criado. Somente tal governo provisório é que pode provisoriamente executar nosso programa mínimo e nesse sentido submeter propostas de modificações à aprovação da Assembléia Constituinte por ele convocada.
Nossos "críticos" não acreditam que a Assembléia Constituinte, convocada de acordo com o nosso programa, possa exprimir a vontade do povo (e como poderiam formar uma idéia a esse respeito, se não vão além da grande revolução francesa realizada há 115 ou 116 anos passados?).
"Os ricos e as pessoas influentes — continuam os críticos — dispõem de tantos meios para manipular as eleições a seu favor, que o palavrório sobre a vontade do povo é totalmente supérfluo. A fim de que os eleitores sem posses não exprimam a vontade dos ricos, é necessária uma grande luta, uma longa disciplina partidária" (a que não é reconhecida pelos mencheviques?). "Também na Europa(?), malgrado uma educação política de longos anos, essas coisas não se realizaram. E eis que os nossos bolcheviques pensam que o governo provisório tem em suas mãos esse talismã!".
Eis um genuíno seguidismo! Eis, "repousando em Deus", a "tática-processo" e a "organização-processo" em seu tamanho natural! Não se pode nem sequer falar, — ensinam-nos os críticos — em reivindicar na Rússia o que não foi ainda realizado na Europa! Mas sabemos que não só "na Europa", mas nem mesmo na América, nosso programa mínimo foi completamente realizado, e, por conseguinte, quem o aceita e luta pela sua execução na Rússia, após a queda da autocracia, é, segundo os mencheviques, um incorrigível sonhador, um pobre D. Quixote! Numa palavra, nosso programa mínimo é errado, é utópico, e nada tem de comum com a "vida" real! Não é assim, senhores "críticos"? É a isto justamente que nos arrastais. Deveis ser mais corajosos, então, e declará-lo abertamente, sem subterfúgios! Saberemos, então, com quem estamos tratando, e ficareis livres das formalidades programáticas que vos são odiosas! Mas falais de modo tão tímido e vil sobre a escassa importância do programa, que muitos, exceto os bolcheviques naturalmente, pensam que ainda reconheceis o programa do Partido Operário Social-Democrata da Rússia, aprovado pelo segundo Congresso do Partido. Mas para que esse farisaísmo?
E eis que chegamos à origem de nossas divergências. Vós não acreditais em nosso programa e contestais sua justeza; nós, ao contrário, partimos sempre dele, ajustamos a ele todas as nossas ações!
Acreditamos que "os ricos e as pessoas influentes" não poderão enganar e corromper todo o povo, reinando a liberdade de agitação pré-eleitoral. Em contraposição à sua influência e ao seu dinheiro nós apresentaremos a verdadeira palavra social-democrática (sobre essa veracidade, não temos, ao contrário de vós, qualquer dúvida) e assim desmascararemos as manobras fraudulentas da burguesia. Não acreditais nisso, e eis por que arrastais a revolução para o lado do reformismo.
"Em 1848 — continuam os "críticos" — o governo provisório da França (novamente a França!) do qual faziam parte também os operários, convocou uma Assembléia Constituinte de tal forma que nela não entrou um só delegado do proletariado parisiense".
Eis outra incompreensão total da doutrina social-democrática e uma concepção esquemática da história! De que serve fazer frases? Na França, embora os operários participassem do governo provisório, nada se conseguiu, e, portanto, na Rússia a social-democracia deve recusar-se a participar do governo provisório, porque aqui também dele nada sairá de bom, concluem os "críticos". Mas a questão estará, por acaso, na participação dos operários? Dizemos nós, por acaso, que o operário, seja ele qual fôr e seja qual fôr a sua tendência, deva participar do governo revolucionário provisório! Não, ao menos enquanto não nos tivermos transformado em vossos discípulos e enquanto não tivermos fornecido a cada operário um atestado de social-democrata. Não nos passa nem sequer pela cabeça chamar de membro do Partido Social-Democrata os operários que participavam do governo provisório francês! De que adianta esta analogia fora de propósito? Que paralelo se pode estalecer entre a consciência política do proletariado francês em 1848 e a consciência política do proletariado russo no momento atual? Fizera, por acaso, o proletariado francês daquela época ao menos uma demonstração política contra a ordem de então? Havia festejado alguma vez o 1.º de maio sob o signo da luta contra a ordem burguesa? Estava ele organizado num partido operário social-democrático? Tinha o programa da social-democracia? Sabemos que não. De tudo isso o proletariado francês não tinha a mínima idéia. Pergunta-se, então: podia o proletariado francês utilizar, naquela época, os frutos da revolução na medida em que pode utilizá-los o proletariado da Rússia, este proletariado que se acha há tanto tempo organizado num Partido Social-Democrata, que tem um programa social-democrático inteiramente definido e que abre conscientemente o caminho em direção à própria meta? Quem quer que ao meuos de leve seja capaz de compreender a realidade responderá negativamente. E somente aqueles que são capazes de guardar de memória os fatos históricos, mas não sabem esclarecer sua origem em relação ao lugar e ao tempo, podem identificar estas duas grandezas diversas.
— "É necessária — continuam a ensinar os "críticos" — a violência por parte do povo, a revolução ininterrupta e não nos devemos contentar com as eleições e ir para casa".
Outra calúnia! Mas quem vos disse, egrégios senhores, que nós nos contentamos com as eleições e vamos para casa? Citai seu nome!
Estão ainda agitados os nossos "críticos" por exigirmos do governo revolucionário provisório a execução do nosso programa mínimo. Por isso. exclamam eles:
"Isto: é uma absoluta incompreensão da questão; a questão é. que as reivindicações políticas e econômicas de nosso programa só podem ser realizadas através da legislação; entretanto, o governo provisório não é uma instância legislativa".
Ao ler esta arenga de promotor, dirigida contra as "ações ilegais", perguntamo-nos se não foi algum burguês liberal prostrado perante a legalidade quem dedicou este artigo ao Sotzial-Demokrat.(12) Como explicar de outro modo este sofisma burguês, segundo o qual um govêrno revolucionário provisório não teria o direito de derrogar as velhas leis e de introduzir leis novas! Na tem esse raciocínio a marca de um liberalismo vulgar? E não é estranho ouví-lo da boca de um revolucionário? Isso faz lembrar o caso de um condenado cuja cabeça se preparavam para cortar, e que pedia não lhe tocassem numa ferida que tinha no pescoço. Tudo, aliás, se pode perdoar a "críticos" que não distinguem um governo revolucionário provisório de um conselho de ministros comum (eles não têm culpa, são seus mestres Martínov e Akimov que os levaram a esse ponto). Que vem a ser um conselho de ministros? É o resultado da existência de um governo permanente. E que vem a ser um governo revolucionário provisório? É o resultado da destruição do governo permanente. O primeiro executa as leis existentes, com o auxílio do exército permanente. O segundo suprime as leis existentes e em seu lugar legaliza a vontade da revolução com o auxílio do povo insurreto. Que há de comum entre eles?
Admitamos que a revolução tenha triunfado e que o povo vitorioso tenha formado um governo revolucionário provisório. Surge a questão: como pode existir esse governo, se não tem o direito de derrogar e fazer leis? Esperar a Assembléia Constituinte? Mas a própria convocação desta Assembléia reclama novas leis: a lei relativa ao sufrágio universal, direto, etc, à liberdade de palavra, de imprensa, de reunião, etc. Tudo isso consta de nosso programa mínimo. E se o governo provisório não o puder executar, que fará para convocar a Assembléia Constituinte? Servir-se-á do programa composto por Buliguin[N47], e aprovado por Nicolau II?
Suponhamos, ainda, que o povo vitorioso, após haver sofrido inúmeras perdas por falta de armas, peça ao governo revolucionário provisório que, para combater a contra-revolução, seja suprimido o exército permanente e se arme o povo. Neste ponto, intervém os mencheviques pregando: a supressão do exército permanente e o armamento do povo não competem a este órgão (o governo revolucionário provisório), mas a um outro, à Assembléia Constituinte; apelai para ela, não reclameis atos ilegais, etc. Belos conselheiros, não se pode negar!
Examinemos, agora, com que fundamento os mencheviques privam o governo revolucionário provisório da "faculdade legislativa". Em primeiro lugar, baseando-se na consideração de que ele não é um órgão legislativo, e em segundo lugar no fato de que a Assembléia Constituinte passaria, então, a não ter mais o que fazer. Eis a que ponto chegam esses mocinhos! Ao que parece, eles não sabem nem sequer que a revolução triunfante e o governo revolucionário provisório, que lhe expressa a vontade, são, até a formação de um governo permanente, senhores da situação e podem, por conseguinte, derrogar e fazer leis! Se assim não fosse, se o governo revolucionário provisório não tivesse esses poderes, sua existência não teria, então, nenhum sentido, e o povo insurreto não teria criado esse organismo. É estranho que os mencheviques tenham esquecido o ABC da revolução.
Perguntam os mencheviques: que deverá então fazer a Assembléia Constituinte, se o governo revolucionário provisório é que realizará nosso programa mínimo? Temeis, então, egrégios senhores, que a Assembléia venha a sofrer por falta de trabalho. Não temais, trabalho haverá de sobra. Ela sancionará as modificações introduzidas pelo governo revolucionário provisório com o auxílio do povo insurreto; elaborará a Constituição do país, da qual o nosso programa mínimo será apenas uma das partes constitutivas. Eis o que pediremos à Assembléia Constituinte!
"Eles (os bolcheviques) não podem conceber a cisão entre a própria pequena-burguesia e os operários, cisão que, se refletirá também nas eleições, pelas quais o governo provisório procurará oprimir os operários eleitores em benefício de sua própria classe", escrevem os "críticos".
Compreenda quem puder esta bela história! Que significa: "o governo provisório procurará oprimir os operários eleitores em benefício de sua própria classe?"!!? De que governo provisório falam eles, contra que moinhos de vento combatem esses D. Quixote? Terá alguém, por acaso, dito que se a pequena burguesia fôr a única a ter nas mãos o governo provisório, ela defenderá os interesses dos operários? Por que atribuir aos outros a própria ignorância? O que dizemos é que, ao lado dos representantes da democracia, é também admissível, em determinadas condições, a participação no governo revolucionário provisório de nossos delegados social-democráticos. Se é assim, se se trata de um governo revolucionário provisório do qual participem também os social-democratas, como poderá esse governo ser de composição pequeno-burguesa? Baseamos nossos argumntos, relativos à participação no governo provisório, no fato de que a execução de nosso programa mínimo não contraria substancialmente os interesses da democracia — dos camponeses e da pequena burguesia urbana (que vós, mencheviques, convidais para o vosso partido) — e, por isso, consideramos possível executá-lo junto com ela. Se, ao contrário, a democracia opuser obstáculo à realização de alguns pontos, então nossos delegados, apoiados na praça pública pelos seus eleitores, pelo proletariado, procurarão realizar esse programa pela força, se existir essa força (se não existir, não entraremos no governo provisório nem sequer seremos eleitos para ele). Como se verifica, a social-democracia deve entrar no governo revolucionário provisório justamente para defender ali as posições social-democráticas, para não permitir às outras classes lesarem os direitos do proletariado.
Os representantes do Partido Operário Social-Democrata da Rússia no governo revolucionário declararão guerra, não ao proletariado, como supõem, por incompreensão, os mencheviques, mas sim, unidos com o proletariado, aos inimigos do proletariado. Mas que tendes vós que ver com a revolução e com seu governo provisório? Vosso lugar é ali, na "Du[ma de Estado]")... [N48]
Notas de rodapé:
(1) Ver quanto ao programa mínimo: "Informações sobre o II Congresso do P.O.S.D.R." (retornar ao texto)
(2) Isto é, a pequena burguesia. (retornar ao texto)
(3) Vide "Iskra", n.° 96. Este ponto é reproduzido no quinto número do "Sotzial-Demokrat". Vide "Democracia e social-democracia". (retornar ao texto)
(4) Vide " Sotzial-Demokrat", n.° 5. (retornar ao texto)
(5) Vide " Sotzial-Demokrat", n.° 5. (retornar ao texto)
(6) Vide "Sotzial-Demokrat", n.° 5. O "Sotzial-Demokrat" cita essas palavras entre aspas. Poder-se-ia supor que as palavras de Engels são citadas de forma integral. Na realidade, não o são. Aqui é exposto somente, com palavras próprias, o conteúdo da carta de Engels. (retornar ao texto)
(7) Vide "Iskra", n." 93. (retornar ao texto)
(8) Vide o terceiro número do "Proletari", em que são citadas essas palavras de Engels[N45]. (retornar ao texto)
(9) Ibidem. (retornar ao texto)
(10) Ibidem. (retornar ao texto)
(11) Ibidem. (retornar ao texto)
(12) Impõe-se ainda mais fortemente esta conjetura, daddo que os mencheviques, no n.° 5 do "Sotzial-Demokrat", de toda a burguesia de Tíflis só declararam traidores da "causa comum" cerca de dez comerciantes. Como se verifica, os restantes são seus sustentáculos e fazem "causa comum" com os mencheviques. Que haveria de surpreendente se algum desses sustentáculos da "causa comum" houvesse resolvido enviar ao órgão de seus colegas um artigo "crítico" contra a irredutível "maioria"? (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N41] No número 11 do jornal Proletariatis Brdzola (A Luta do Proletariado) foi publicada só a primeira parte deste artigo. A segunda parte do artigo devia ser publicada no n.° 13 do jornal que, porém, foi suprimido no duodécimo número. Essa parte foi conservada nos arquivos da polícia somente numa tradução manuscrita em língua russa. O texto georgiano do manuscrito não foi encontrado. (retornar ao texto)
[N42] O Congresso de Amsterdam da II Internacional foi realizado em agosto de 1904. (retornar ao texto)
[N43] C. Marx-F. Engels, Mensagem do Comitê Central a Liga dos Comunistas, em C. Marx-F. Engels, O Partido e a Internacional, Edições Rinascita, Roma, 1948, págs. 92-94. (retornar ao texto)
[N44] Trata-se da famosa carta escrita por Engels a Turati em 26 de janeiro de 1894 e publicada em Critica Sociale, ano de 1894, n.° 3, sob o título: La futura rivoluzione italiana e il Partido Socialista. Vide Lênin, Sul movimento operário italiano, Edições Rinascita, Roma, 1947, págs. 195-197. (retornar ao texto)
[N45] Trata-se do escrito de Lênin "Sobre o governo revolucionário provisório", em que é citado o artigo de F. Engels "Os bakuninistas em trabalho" (Lênin, Obras, cit, vol. 8, págs. 442, 443, 445). (retornar ao texto)
[N47] Trata-se do projeto de lei sobre a instituição da Duma de Estado consultiva e das normas para as eleições à Duma, elaboradas por uma comissão sob a presidência do ministro do interior Buliguin. O projeto de lei e as normas para as eleições foram publicados com o manifesto do tzar a 6 (19) de agosto de 1905. Os bólcheviques declararam o boicote ativo à Duma de Buliguin que não conseguiu reunir-se e foi varrida pela revolução.(retornar ao texto)
[N48] Aqui se interrompe o manuscrito. (retornar ao texto)
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Inclusão | 17/12/2010 |
Última alteração | 22/09/2011 |