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Primeira Edição: Documento escrito por Érico Sachs (Eurico Mendes);
Publicado em Revista Novos Tempos 2: outubro/novembro de 1957
Documento digitalizado em: 10.2009;
Fonte: Cópia Acervo Anita Leocádia Prestes.
Fonte: Projeto: Recuperação do acervo da ORM – Política Operária Centro de Estudos Victor Myer.
HTML: Fernando Araújo
Há certa contradição no fato de o processo de democratizaçào nos países do Bloco Soviético, agrupados em torno da URSS, realizar-se na forma de um movimento comunista nacional, pois a democracia visada pelas diversas oposições, que se manifestaram durante a luta, é legitimamente socialista. As reivíndicacões levantadas tem o objetivo de dar às massas maior participação na administração pública, como medida prática de desburocratização. A palavra de ordem sob a qual se desenrola a luta da vanguarda é a volta ao leninismo.
Se chegamos a um estado de coisas, em que o proletariado de países, nos quais o capitalismo foi virtualmente destruído, levanta novamente reivindicações de caráter nacionalista, deve-se isso unicamente à correlação de forcas lá criadas. O chamado comunismo nacional não é um programa e tampouco uma teoria. É um produto prático do stalinismo, destinado a supera-lo.
O fenómeno é tão antigo como as próprias Democracias Populares. Na maioria desses países a revolução foi trazida de fora, pelo Exército Vermelho. Isso por si não explica o caso, como mostra o exemplo da Iugosiávia, mas traçou desde o inicio as linhas gerais do desenvolvimento. Não demorou, entretanto, para que se fizessem sentir as consequências do desvio de parte da renda nacional desses países para a URSS sob a forma de reparações das chamadas sociedades mistas e de Tratados Económicos desfavoráveis. Não é possível, também, explicar o comunismo nacional unicamente por essas razões, pois ele surgiu igualmente na China, onde esse fator não chegou a se verificar e subsiste na Europa Oriental (Alemanha, Tchecoslováquia) onde essa fase já foi superada. A causa maior e primitiva da rebelião nacionalista, parece-nos, foi a aplicação de padrões de um socialismo russo (stalinismo) em países de estrutura social, cultura e tradições completamente diferentes.
Abstraindo, no momento, o fato de já estarem superados esses mesmos métodos na própria União Soviética, onde se iniciou aberto processo de reformas, que se manifesta, não só pelas mudanças politicas e administrativas, como também pela gigantesca reestruturação económica (descentralização), cujos efeitos sociais não tardarão a se fazer sentir, foram os seguintes fatores que possibilitaram o surgimento do stalinismo:
Depois de 1923, quando se evidenciou a estagnação da revolução mundial, impôs-se à Rússia Soviética a necessidade da industrialização, da realização de uma acumulação socialista primitiva, como condição de sobrevivência num mundo capitalista hostil. Isolada e boicotada, não podia contar com ajuda material do exterior, em forma de créditos, investimentos ou assistência técnica. O processo de industrialização requeria o constante e radical sacrifício do nível de vida da sociedade e a transformação de milhões de “mujiks" em operários industriais. A estes faltaram as premissas mais elementares para o modo de vida industrial e o processo de produção mecanizado. Os constantes sacrifícios materiais exigidos nutriram e reforçaram a oposição primitiva dessas massas contra o novo modo de vida, oposição que se manifestava numa resistência passiva contra as máquinas, horário de trabalho e disciplina industrial em geral.
Nessas condições não restava muito lugar para a democracia económica e administração obreira. "Liberdade é o conhecimento da necessidade", dizia Engels, mas as massas de camponeses que, voluntariamente ou sob pressão, deixaram uma vida semí-asiática para integrar-se num moderno processo de produção industrial, pouco ou nada podiam contribuir para a administração de uma fabrica, necessitando, no início, frequentemente de métodos drásticos para poder integrar-se na marcha da produção. Foi ai que surgiu a hierarquia burocrática, que de seu centro de Moscou determinava e regulava os mínimos detalhes de produção de uma empresa situada a milhares de quilómetros de distância, na Sibéria ou na Ásia Central.
A influência na burocracia crescia na medida dos primeiros sucessos industriais. A precária situação material da Rússia Soviética daquele tempo e a não existência de uma democracia económica restringia as já estreitas bases da democracia politica, que já involuiram nos anos da guerra civil e da intervenção imperialista. As lutas de frações e, especialmente, os métodos com que foram travadas por todos os lados acabaram com a democracia interna do Partido Comunista. A União Soviética caiu sob o domínio absoluto da burocracia, que a administrava política e economicamente, imprímindo-lhe as suas feições próprias. É verdade que, mesmo comparado com padrões ocidentais, a administrava mal e deficientemente, gastava muito papel em "ukases" e energia humana, esbanjava os recursos, matava as iniciativas e consumia parte desproporcionalmente alta da renda nacional. Mas é verdade também que conseguiu a obra de transformar o país agrário mais atrasado da Europa em sua primeira potência industrial. E quando os povos soviéticos, na Segunda Guerra, conseguiram aguentar e rechaçar o impacto das divisões blindadas nazistas, equipadas pela indústria alemã, eles sabiam que todos os sacrifícios não eram em vão.
O papel progressista da burocracia no campo económico só perdurou, todavia, enquanto não havia outra alternativa. Esta surgiu no próprio processo de industrialização. Criou-se um proletariado industrial qualificado. Formou-se uma intelectualidade soviética com seus novos quadros técnicos e administrativos. O analfabetismo foi vencido e o nivel cultural dos povos soviéticos cresceu incessantemente. Das Universidades Soviéticas saem hoje mais estudantes formados do que das norte-amerícanas. As bases materiais para a Democracia Socialista estão criadas.
O problema, entretanto, não é de hoje. Já antes da guerra notou-se crescente choque entre esses novos fatores na vida soviética e os velhos métodos burocráticos. "Fenómenos históricos, mesmo os mais importantes, não sabem distinguir a hora em que tem de deixar o cenário", disse Mehring, o biógrafo de Marx. A burocracia não o sabia e foi justamente esse o "erro" de Stalin.
Daqui em diante só podia conservar os velhos métodos contra a crescente oposição das novas forças surgidas na sociedade soviética, o proletariado e a intelectualidade, que tinham aceito os padrões stalinistas como transitórios e de emergência, e que lutavam, consciente ou inconscientemente pelo restabelecimento da democracia socialista em nivel mais alto. Não foram só os velhos bolcheviques que fizeram oposição. Estes serviram mais como bodes espiatórios. Toda a nova geração, saída das escolas, tinha de ser domada de novo. Daqui em diante Stalin só podia conservar o velho "status quo" à base de terror e de sangue. É esse o segredo das constantes ondas de expurgos, liquidações e processos monstros, das quais Khruschiov nos contou uma parte.
Quando os Exércitos Vermelhos penetraram na Europa Central, implantaram um sistema político que, dentro de poucos anos, devia copiar as feições do modelo russo. Os planos de produção das fábricas Zeiss, na Alemanha Oriental, tinham de ser aprovados por Moscou. Os operários da SKODA, na Tchecoslováquia, deviam ter tão pouca voz ativa na administração da sua empresa, como os seus colegas nos Urais. Os métodos da acumulação primitiva foram implantados em paises que, devido às suas tradições industriais, dispunham de uma base de saída mais elevada para iniciar uma produção socialista. Das massas desses paises, habituadas a um nível de vida mais alto, exigia-se uma aproximação ao nivel de vida soviético. A situação económica desses paises foi agravada pela intromissão direta da burocracia russa. A situação política tornou-se insustentável devido à implantação dos métodos políticos do stalinismo em países com um proletariado que, ao contrário do russo, contava com fortes tradições democráticas, sindicais e de co-gestão obreira. Para completar o quadro, implantavam-se os métodos do expurgos e processos monstros para vencer a crescente resistência do proletariado e da própria vanguarda comunista em cada país, sob o domínio dos stalinistas russos e locais. Foram os melhores quadros dentro dos Partidos Comunistas que sentiram primeiro os perigos do alienamento da classe operaria.
O comunismo nacional não é outra coisa do que a manifestação concreta das contradições criadas entre os métodos stalinistas surgidos na União Soviética e as necesisdades do fortalecimento do socialismo nas Democracias Populares.
Representa ele o esforço de vencer o abismo criado pelos stalinistas entre a classe operária das Democracias Populares e a União Soviética. Fortalece ele o campo socialista em seu conjunto — e isso. no momento, só pode ser feito contra a resistência da burocracia soviética.
Na pratica, o comunismo nacional revela dois aspectos, é composto de duas forças: o elemento proletário, consciente e comunista, que se opõe à burocracia soviética e seus satélites nacionais, porque luta pela democracia socialista e pelas relações à base de igualdade entre países socialistas. A outra força é representada pelo elemento pequeno-burgués e contra-revolucionário, que apoia a oposição comunista, porque vê em sua vitória uma etapa vencida na luta peia restauração de formas sociais burguesas. Existe o perigo da fôrça contra-revolucionária tomar a liderança. Isso se pode dar, quando a resistência interna e externa, do stalínismo às reformas, se mostra tão estúpida e brutal que torna antagónica toda uma classe operária e toda uma nação, como aconteceu na Hungria. O proletariado húngaro desesperado, sem uma liderança comunista, aceitou os "slogans" nacionalistas pequeno-burgueses, renunciando à ideia da reforma socialista. Destruindo as bases da Democracia Popular húngara, não havia mais o que reformar. estavam abertas as portas para a contra-revoluçào.
A alternativa para o caso húngaro foi demonstrada na Polónia. Gomulka, ao contrario de Nagy e Kadar, preparou com seu grupo, conscientemente, a luta contra os stalinistas, a base de um programa de reformas socialistas. Organizou a oposição dentro do Partido, mobilizou os operários de Varsóvia e outros centros industriais e aceitou o apoio pequeno-burgués como força auxiliar. O resultado foi o completo isolamento dos stalinistas poloneses, e os soviéticos não se viam com fôrça moral para impedir o processo de democratização.
A precária aliança entre comunistas e oposição pequeno-burguesa tem de desmoronar, quando o comunismo nacional tomar de fato o poder. Chega o momento em que as águas se dividem: de um lado os reformadores socialistas; de outro, as tentativas de volta a formas sociais burguesas. Na Iugoslávia, foi o caso Djillas, que representou a pedra de toque. Na Polónia parecem ter sido as eleições, que iniciaram nova fase. Na China assistimos recentemente à rebelião dos Ministros pequeno-burguêses do governo de Pequim, que pretendiam aproveitar-se da discussão inter-partidáría para fortalecer as suas posições a custa dos comunistas. Em todos esses casos, tanto Tito, como Gomulka e Mao Tse Tung tomaram medidas que garantissem a continuação das reformas pelo caminho socialista.
As forcas contra-revolucionárias têm mais chances quanto mais as reformas socialistas demorarem de ser realizadas e quanto maior tornar-se o abismo que o stalínismo criou entre as Democracias Populares e a URSS. O que restabelece a unidade do campo socialista não são unicamente os gestos amigáveis por parte de Moscou nem as viagens de Khruschiov, que aconselha os stalinistas tchecos e alemães, em conversações particulares, a mudar as suas atitudes, porque as coisas não podem continuar assim. A única maneira de superar o antagonismo explosivo, acumulado dentro do Bloco Oriental, é dar aos operários nacionais a liberdade de decidir de maneira soberana quais os métodos mais apropriados para o desenvolvimento socialista dos seus países. Isto em parte dependerá do ritmo do processo de desestalinização na própria União Soviética, que ainda está longe de ter atingido o seu auge. Mas desde já ficou demonstrado que o movimento comunista nacional pode vencer etapas nessa direção. Ele não desaparecerá enquanto os métodos stalinistas continuarem a ser empregados. É ele um legítimo produto do stalínismo. Só desaparecerá vencendo, quando a Comunidade Socialista, à base de direitos iguais dos seus componentes, for criada, como reabilitação formal do internacionalismo proletário, — o nosso aliado mais poderoso, na hora da luta final.
Uma colaboração do |
Inclusão | 28/12/2012 |
Última alteração | 19/01/2013 |