MIA > Biblioteca > Pannekoek > Novidades
Dificilmente dois cientistas poderiam ser mencionados, na segunda metade do século XIX, que tenham dominado a mente humana em um grau maior do que Darwin e Marx. Seus ensinamentos revolucionaram a concepção que as grandes massas tinham sobre o mundo. Por décadas seus nomes estiveram na boca de todo o mundo e seus ensinamentos se tornaram o ponto central das lutas intelectuais que acompanham as lutas sociais de hoje. O motivo disso reside primeiramente no alto conteúdo científico de seus ensinamentos.
A importância científica do Marxismo assim como do darwinismo consiste em sua filiação à teoria da evolução, pertencendo o darwinismo ao campo de análise do mundo orgânico, das coisas animadas, vivas, da natureza; e o Marxismo ao campo da sociedade.
Esta teoria da evolução, entretanto, de modo algum era nova, pois já tinha sido defendida antes de Darwin e Marx. Hegel, o filósofo, a fez mesmo o ponto central de sua filosofia. É, portanto, necessário observar mais de perto quais as realizações de Darwin e de Marx neste campo.
A teoria que diz que plantas e animais se desenvolveram uns a partir dos outros foi primeiramente conhecida no século XIX. Em tempos passados a questão "de onde vem todas estas milhares e centenas de milhares de diferentes espécies de plantas e animais que conhecemos?" era respondida: "no momento da criação Deus as criou todas conforme sua espécie".
A teoria primitiva estava em conformidade com as experiências realizadas e com as mais velhas informações que poderiam ser obtidas. De acordo com a informação corrente, todas as plantas e animais conhecidos sempre foram os mesmos. Cientificamente, essa experiência foi assim expressa: "todas as espécies são invariáveis porque os pais transmitem suas características aos seus filhos".
Havia, entretanto, algumas peculiaridades entre plantas e animais que gradualmente forçaram uma diferente concepção a se apresentar. Então elas ficaram bem dispostas dentro de um sistema que foi primeiramente fundado pelo cientista sueco Lineu. De acordo com esse sistema, os animais estão distribuídos em divisões principais; estas divisões em classes; as classes em ordens; as ordens em famílias, as famílias em espécies, cada qual contendo umas poucos tipos. Quanto mais aparência há em suas características, mais próximos estão relacionados entre si no sistema e menor é o grupo ao qual eles pertencem. Todos os animais classificados como mamíferos apresentam as mesmas características gerais em sua estrutura corpórea. Os animais herbívoros, animais carnívoros, macacos, cada qual pertence a uma ordem diferente e são novamente diferenciados. Ursos, cachorros e gatos, todos animais predadores, têm muito mais em comum na forma corporal do que têm com cavalos ou macacos. Esta concordância é ainda mais óbvia quando examinamos variedades das mesmas espécies; o gato, o tigre e o leão parecem-se mais entre si em muitos aspectos onde eles se diferem dos cachorros e ursos. Se nós sairmos da classe dos mamíferos para outras classes, tais como os pássaros ou os peixes, encontraremos maiores diferenças do que encontramos na outra classe.
Há ainda, entretanto, uma leve semelhança na formação do corpo; o esqueleto e o sistema nervoso ainda estão lá. Estas características primeiro desaparecem quando nos afastamos desta divisão principal, a qual abarca todos os vertebrados e vamos até os moluscos (animais de corpo mole) e os pólipos.
O mundo animal inteiro pode assim ser organizado dentro de divisões e subdivisões. Tendo todas as diferentes espécies de animais sido criadas inteiramente independentes de todas as outras, não haveria razão para tais ordens existirem.
Não haveria nenhuma razão em não poder haver mamíferos possuindo seis patas. Teríamos de assumir, então, que no momento da criação Deus tomou o sistema de Lineu como um plano e criou todas as coisas de acordo com esse plano. Felizmente nós temos uma outra maneira de considerar isso. A semelhança na construção do corpo pode ser devida a um real relacionamento familiar. De acordo com essa concepção, a conformidade de peculiaridades demonstra qual a proximidade ou distância do relacionamento; assim como a semelhança de irmãos e irmãs é maior do que de parentes distantes. As classes animais não foram, portanto, criadas individualmente, mas se desenvolveram umas a partir das outras. Elas formam um tronco que se iniciou de uma base simples e que se desenvolveu continuamente; os últimos e mais finos galhos são nossos parentes do presente. Todas as espécies de gatos descendem de um gato primitivo, o qual juntamente com o cachorro e o urso primitivos, é um descendente de algum tipo primitivo de animal predador. O animal predador primitivo, o animal primitivo que tem cascos, ou o macaco primitivo descenderam de um mamífero também primitivo etc.
Esta teoria da descendência foi defendida por Lamarck e por Geoffrey St. Hilaire. Não foi, entretanto, recebida com aprovação geral. Estes naturalistas não puderam provar a correção desta teoria e, portanto, ela permaneceu somente como uma hipótese, uma mera suposição. Quando Darwin apareceu, entretanto, com seu principal livro, A Origem das Espécies, caiu como um raio; sua teoria foi imediatamente aceita como uma verdade fortemente provada. A teoria da evolução, desde então, tornou-se inseparável do nome de Darwin. Por quê?
Isto ocorreu particularmente devido ao fato de que através da experiência uma quantidade maior de material foi acumulado e deu suporte a esta teoria. Animais foram encontrados que não podiam ser facilmente encaixados na classificação, tais como os mamíferos ovíparos, peixes que têm pulmões e animais invertebrados.
A teoria da ascendência reivindicava que estes são simplesmente os remanescentes da transição entre os principais grupos. Escavações revelaram restos fósseis que pareciam ser diferentes dos animais existentes atualmente. Estes restos, mostraram-se, em parte, como sendo as formas primitivas dos nossos animais e que os animais primitivos desenvolveram-se gradualmente até os atuais. Então a teoria das células foi formada: cada planta, cada animal, consiste de milhões de células e tem se desenvolvido pela incessante divisão e diferenciação de células individuais. Tendo chegado a este ponto, o pensamento de que os organismos superiores são descendentes dos seres primitivos que possuem uma só célula, não poderia parecer estranho.
Todas estas novas experiências não puderam, entretanto, elevar a teoria à condição de verdade solidamente provada. A melhor prova da correção desta teoria seria a transformação real de uma espécie animal para outra ter acontecido ante nossos olhos, de modo que pudéssemos observá-la. Mas isso é impossível. Como então é possível provar de algum modo que formas animais estão realmente mudando para novas formas? Isto pode ser feito mostrando a causa, a força propulsora de tal desenvolvimento. Isto Darwin fez. Darwin descobriu o mecanismo do desenvolvimento animal e ao fazê-lo mostrou que sob certas condições algumas espécies animais necessariamente se desenvolverão e se transformarão em outras. Iremos agora esclarecer este mecanismo.
Seu principal fundamento é a natureza da transmissão, o fato de que os pais transmitem suas peculiaridades aos filhos, mas que ao mesmo tempo os filhos diferem de seus pais em alguns aspectos e também diferem entre si.
É por essa razão que os animais da mesma espécie não são todos parecidos, mas diferem em todas as direções do tipo médio. Sem a assim chamada variação seria totalmente impossível para uma espécie animal se desenvolver em outra. Tudo o que é necessário para a formação de novas espécies é que as diferenças do tipo central se tornem cada vez maiores e que prossigam na mesma direção até que estas se tornem tão grandes que o novo animal não mais se pareça com aquele do qual ele descendeu. Mas onde está aquela força que poderia empurrar para frente uma sempre crescente variação na mesma direção?
Lamarck declarou que isto era devido ao uso e muito exercício de certos órgãos; que, devido ao exercício contínuo de certos órgãos, estes tornam-se cada vez mais perfeitos. Assim como os músculos das pernas dos homens ficam mais fortes quando se corre muito, do mesmo modo o leão adquiriu suas poderosas patas e a lebre suas pernas velozes. Da mesma maneira as girafas conseguiram ter seus pescoços compridos porque para alcançar as folhas das árvores, as quais elas comiam, seus pescoços esticavam tanto que um animal de pescoço curto se desenvolveu e se transformou na girafa de pescoço longo. Para muitos esta explicação era inacreditável e não dava conta do fato de que o sapo devesse ter uma cor verde a qual serve a ele como uma boa proteção.
Para resolver a mesma questão, Darwin voltou-se para uma outra linha de experiência. O criador de animais e o jardineiro são capazes de fazer crescer artificialmente novas raças e variedades. Quando um jardineiro quer cultivar uma certa variedade de planta com flores grandes, tudo o que ele tem de fazer é matar antes da maturidade todas aquelas plantas que têm flores pequenas e preservar aquelas que têm flores grandes. Se repetir isto por alguns anos sucessivamente, as flores serão sempre maiores, porque cada nova geração se assemelha à sua predecessora e nosso jardineiro, tendo sempre escolhido as maiores entre as grandes para o propósito de propagação, obtém sucesso em criar uma planta com flores muito grandes. Através desta ação, feita às vezes deliberadamente, às vezes acidentalmente, as pessoas criaram um grande número de raças de nossos animais domesticados os quais diferem de sua forma original muito mais do que as espécies selvagens diferem entre si.
Se questionássemos um criador de animais sobre a transformação de um animal de pescoço curto em um animal de pescoço longo, não pareceria a ele uma impossibilidade. Tudo o que ele teria de fazer seria escolher aqueles que tivessem parcialmente pescoços compridos, cruzá-los, matar os jovens que tivessem pescoços curtos e novamente cruzar os animais com pescoços longos. Se repetisse essa operação a cada nova geração o resultado seria que o pescoço tornar-se-ia cada vez mais longo e teríamos conseguido um animal parecido com a girafa.
Este resultado foi encontrado porque há uma vontade definida com um objetivo definido, o qual, para criar uma certa variedade, escolhe certos animais. Na natureza não há tal vontade e todos os desvios devem novamente ser ajustados através do cruzamento, de modo que é impossível para um animal continuar partindo do tipo original e ir sempre na mesma direção até tornar-se uma espécie complemente diferente. Onde então está o poder da natureza que escolhe os animais do mesmo jeito que faz um criador?
Darwin refletiu sobre este problema muito tempo antes que encontrasse sua solução na "luta pela existência". Nesta teoria temos o reflexo do sistema produtivo do tempo em que Darwin viveu; por isso, foi a luta competitiva capitalista que serviu a ele como retrato da luta pela existência prevalecendo na natureza. Não foi através de sua própria observação que esta solução se apresentou a ele. Veio a ele pela leitura dos trabalhos do economista Malthus. Malthus tentou explicar que em nosso mundo burguês há muita fome, miséria e privação porque a população cresce muito mais rápido do que os meios de subsistência. Não há alimento suficiente para todos; as pessoas precisam, portanto, lutar com cada um pela sua existência e muitos cairão nesta luta. De acordo com esta teoria capitalista a competição, bem como a miséria existente, foram declaradas como uma inevitável lei natural.
Em sua autobiografia Darwin declara que foi o livro de Malthus que o fez pensar sobre a luta pela existência.
"Em outubro de 1838, isto é, quinze meses depois que eu iniciei minha pesquisa sistemática, comecei a ler, por entretenimento, Malthus, no que concerne à população e estando bem preparado para apreciar a luta pela existência, que ocorre em todas as partes, por uma longa observação contínua dos hábitos dos animais e plantas, iluminou-me o fato de que sob estas circunstâncias variações favoráveis tenderiam a ser preservadas e variações desfavoráveis tenderiam a ser destruídas. O resultado disto seria a formação de novas espécies. Aqui, então, eu encontrei finalmente uma teoria pela qual trabalhar."
É um fato que o aumento do nascimento dos animais é maior do que a comida existente permite sustentar. Não há exceção à regra de que todos os seres orgânicos tendem a aumentar numericamente tão rapidamente que nossa Terra seria coberta muito brevemente pela descendência de um simples casal, se estes não fossem destruídos. É por essa razão que a luta pela existência deve se impor. Cada animal tenta viver, faz o possível para comer e evita ser comido pelos outros. Com suas peculiaridades e armas ele luta contra o mundo inteiro que lhe é antagônico, contra animais, frio, calor, aridez, inundações e outras ocorrências naturais que podem ameaçar destruí-lo.
Acima de tudo, ele luta contra animais de sua própria espécie, que vivem do mesmo modo que ele, tem as mesmas particularidades, usam as mesmas armas e vivem do mesmo alimento. Esta luta não é uma luta direta; a lebre não luta diretamente com a lebre, nem o leão com o outro leão — a não ser a luta pela fêmea — mas esta é uma luta pela existência, uma corrida, uma luta competitiva. Todos eles não podem alcançar uma idade adulta; a maior parte deles é destruída e somente aqueles que vencem a corrida permanecem.
Mas quais são aqueles que vencem a corrida? Aqueles que, através de suas particularidades, através de suas estruturas corporais, são mais capazes de encontrar alimento ou de escapar de um inimigo; em outras palavras, aqueles que são mais adaptados às condições existentes sobreviverão.
"Porque existem sempre mais indivíduos que nascem do que podem permanecer vivos, a luta que decide quem continuará vivo deve começar novamente e aquela criatura que tem alguma vantagem sobre os demais, sobreviverá, mas como estas diferentes particularidades são transmitidas para as novas gerações, a natureza por si mesma faz a escolha e uma nova geração aparecerá contendo peculiaridades modificadas."
Aqui temos uma outra explicação para a origem da girafa. Quando a grama não mais cresceu em alguns lugares, os animais deviam se alimentar de folhas de árvores e todos aqueles cujos pescoços eram muito curtos para alcançar as folhas deveriam perecer. Na própria natureza há seleção e ela seleciona somente aqueles que tem pescoços longos. Do mesmo modo que a seleção feita pelo criador de animais, Darwin chamou este processo de "seleção natural."
Este processo deve necessariamente produzir novas espécies. Pelo fato de muitos nascerem oriundos de uma certa espécie, mais do que a quantidade existente de alimentos pode suprir, eles estão sempre tentando se espalhar por uma grande área.
Para conseguir sua comida, aqueles que vivem nas florestas vão para as planícies, os que vivem na terra vão para a água e aqueles que vivem no chão sobem nas árvores. Sob estas novas condições diferenças são necessárias. Estas diferenças são aumentadas e das velhas espécies uma nova se desenvolve. Este contínuo movimento existente das espécies se ramificando em novas relações resulta nestes milhares de animais diferentes mudando ainda mais.
Enquanto a teoria darwinista assim explicava a descendência geral dos animais, sua transmutação e formação se originando de seres primitivos, ela explica, ao mesmo tempo a admirável conformidade em toda a natureza. Anteriormente esta admirável conformidade poderia somente ser explicada através da sábia e cuidadosa supervisão de Deus. Agora, entretanto, esta descendência natural é claramente entendida. Para isto conformidade é nada mais do que adaptação aos meios de vida. Cada animal e planta está exatamente adaptado a circunstâncias existentes e aqueles cuja construção é menos adaptável serão exterminados na luta pela existência. O sapo verde, tendo descendido do sapo marrom, deve preservar sua cor protetora, porque todos aqueles que desviarem desta cor serão mais rapidamente descobertos por seus inimigos e destruídos ou encontrarão maiores dificuldades de obter seu alimento e deverão perecer.
Foi assim que Darwin nos mostrou, pela primeira vez, que novas espécies continuamente formam-se originadas de velhas espécies.
A teoria da ascendência, que até então era meramente uma inferência de muitos fenômenos que não podiam ser bem explicados de outra maneira, ganhou a certeza de uma dedução absoluta de forças definidas que poderiam ser provadas. É nisto que reside a principal razão pela qual esta teoria dominou tão rapidamente as discussões científicas e a atenção pública.
Se nos voltarmos para o marxismo imediatamente veremos uma grande conformidade com o darwinismo. Como com Darwin, a importância científica da obra de Marx consiste em que ele descobriu a força propulsora, a causa do desenvolvimento social. Não teve que provar que tal desenvolvimento ocorria; todos sabiam que desde os tempos mais primitivos, novas ordens sociais sempre suplantaram as velhas formas, mas as causas e objetivos deste desenvolvimento eram desconhecidos.
Esta teoria Marx iniciou com as informações que tinha à mão em sua época. A grande revolução política que deu à Europa o aspecto que ela tomou, a revolução francesa, era conhecida por todos por ter sido uma luta pela supremacia, conduzida pela burguesia contra a nobreza e a realeza. Depois dessa luta, novas lutas de classes surgiram. A luta levada adiante na Inglaterra pelos capitalistas manufatureiros contra a dominação política dos latifundiários; ao mesmo tempo a classe operária revoltou-se contra a burguesia. O que foram todas essas classes? De que maneira elas se diferenciavam umas das outras? Marx provou que estas distinções eram devidas a várias funções que cada uma cumpria no processo produtivo. É no processo produtivo que as classes têm sua origem e é este processo que determina a que classe cada um pertence.
Produção é nada mais do que o processo de trabalho social pelo qual os homens obtêm seus meios de subsistência da natureza. É a produção das necessidades materiais da vida que forma a estrutura principal da sociedade e que determina as relações políticas e as lutas sociais.
Os métodos de produção mudaram continuamente com a passagem do tempo. De onde vêm essas mudanças? O modo de trabalho e as relações de produção dependem das ferramentas com as quais as pessoas trabalham; do desenvolvimento da técnica e dos meios de produção em geral. Pelo fato de as pessoas na Idade Média trabalharem com ferramentas rudes enquanto agora elas trabalham com maquinarias gigantes, tivemos naquele tempo um pequeno comércio e o feudalismo, enquanto agora temos o capitalismo; é também por essa razão que naquela época a nobreza feudal e a pequena-burguesia formavam as classes mais importantes e atualmente é a burguesia e o proletariado que são as classes fundamentais.
É o desenvolvimento das ferramentas, destes auxiliares técnicos, que o homem conduz, que é a principal causa, a força propulsora de todo desenvolvimento social. Está subentendido que as pessoas estão sempre tentando aperfeiçoar estas ferramentas para que seu trabalho seja mais fácil e mais produtivo e a prática que elas adquirem no seu uso, leva seus pensamentos a outros e maiores aperfeiçoamentos. Devido a este desenvolvimento, um progresso técnico lento ou rápido ocorre, o que ao mesmo tempo muda as formas sociais do trabalho. Isto leva a novas relações de classe, novas instituições sociais e novas classes. Ao mesmo tempo lutas sociais, isto é, políticas, surgem. Aquelas classes predominantes sob o velho processo de produção tentam preservar artificialmente suas instituições, enquanto que as classes ascendentes tentam promover o novo processo de produção; e pelas lutas contra a classe dominante e pela sua derrota pavimentam o caminho para um ainda mais desembaraçado desenvolvimento da técnica.
Assim a teoria marxista descobriu a força propulsora do desenvolvimento social. Desta forma, a teoria provou que a história não é algo irregular e que os vários sistemas sociais não são o resultado do acaso ou eventos acidentais, mas o desenvolvimento regular em uma direção definida. Foi também provado que o desenvolvimento social não cessa com o nosso sistema, porque a técnica continua a se desenvolver.
Assim, ambos ensinamentos, os de Darwin e os de Marx, um no campo do mundo orgânico e o outro sobre a esfera da sociedade humana, elevaram a teoria da evolução para uma ciência positiva.
Agindo dessa maneira, eles tornaram a teoria da evolução aceitável para as massas como uma concepção básica do desenvolvimento biológico e social.
Enquanto é verdade que para uma certa teoria ter uma influência duradoura, estável, na mente humana, é necessário ter um alto valor científico, isso, por si só não é suficiente.
É certo que na maioria das vezes aconteceu que a teoria científica tinha a maior importância para a ciência, todavia, com a provável exceção de uns poucos homens letrados, não produziu qualquer interesse. Como por exemplo foi a Lei da Gravidade, de Newton. Esta teoria é a fundação da astronomia e é devido a ela que temos o conhecimento dos corpos celestes e podemos prever a chegada de certos planetas e eclipses. Mesmo assim, quando a Lei da Gravidade de Newton apareceu, somente uns poucos cientistas ingleses foram seus adeptos. As amplas massas não prestaram atenção a esta teoria. Ela se tornou conhecida da massa através de um livro popular escrito por Voltaire meio século mais tarde. Não há nada de surpreendente nisto. A ciência tornou-se uma especialidade para um certo grupo de homens letrados e seu progresso diz respeito somente a eles, como a fundição é a especialidade do ferreiro e um desenvolvimento na fundição de ferro diz respeito a ele também. Somente aquilo que a massa do povo pode fazer uso e aquilo que é visto por todos como uma necessidade vital, pode ganhar adeptos entre as grandes massas. Quando, então, vemos que uma certa teoria científica causa entusiasmo e paixão nas amplas massas, isto pode ser atribuído ao fato de que esta teoria serve a elas como uma arma na luta de classes.
Pois é a luta de classes que envolve quase todo o povo.
Isto pode ser visto mais claramente no marxismo. Se os ensinamentos econômicos do marxismo não tivessem importância na moderna luta de classes, apenas poucos economistas profissionais gastariam tempo os estudando. No entanto, devido ao fato de que o marxismo serve como arma aos proletários na luta contra o capitalismo, é que as lutas científicas estão centradas nesta teoria. É devido ao serviço que Marx presta que seu nome é honrado por milhões de pessoas que conhecem muito pouco de seus ensinamentos e, por outro lado, é desprezado por milhares que não entendem nada de sua teoria. É pelo grande papel que cumpre a teoria marxista na luta de classes que é diligentemente estudada pelas amplas massas e domina a mente humana.
A luta de classe proletária existe antes de Marx pois é o resultado da exploração capitalista. Nada mais natural que os trabalhadores, sendo explorados, pensassem sobre a necessidade de um outro sistema social onde a exploração fosse abolida e o reivindicassem. Mas tudo o que podiam fazer era ter esperança e sonhar com isso. Eles não estavam certos de como isso se passaria. Marx deu ao movimento operário e ao socialismo uma fundamentação teórica. Sua teoria social mostrou que os sistemas sociais estavam num fluxo contínuo onde o capitalismo era apenas uma forma temporária. Seus estudos sobre o capitalismo mostraram que devido ao desenvolvimento contínuo do aperfeiçoamento da técnica, o capitalismo deve necessariamente se desenvolver até chegar ao socialismo. Este novo modo de produção pode ser estabelecido somente pelos proletários em luta contra os capitalistas, os quais tem o interesse em manter o velho sistema de produção. O socialismo é, portanto, o fruto e o objetivo da luta de classe proletária.
Graças a Marx, a luta do proletariado adquiriu uma forma inteiramente diferente. O marxismo se tornou uma arma nas mãos do proletariado; no lugar de vagas esperanças ele deu um objetivo positivo e ao ensinar um claro reconhecimento do desenvolvimento social Marx deu força ao proletariado e ao mesmo tempo criou os fundamentos para as táticas corretas a perseguir. É do marxismo que os trabalhadores podem provar a transitoriedade do capitalismo e a necessidade e certeza da sua vitória.
Ao mesmo tempo o marxismo destruiu as visões utópicas de que o socialismo seria conquistado pela inteligência e boa vontade de alguns homens sensatos; como se o socialismo fosse uma exigência por justiça e moral; como se o objetivo fosse estabelecer uma sociedade infalível e perfeita. Justiça e moralidade mudam de acordo com o sistema produtivo; e cada classe tem diferentes concepções delas.
O socialismo só pode ser conquistado pela classe cujo interesse reside no socialismo e não é uma questão de um sistema social perfeito, mas de uma mudança nos métodos de produção, que leve a um degrau mais elevado, isto é, à produção social.
Pelo fato da teoria marxista do desenvolvimento social ser indispensável ao proletariado em sua luta, eles os proletários tentam fazer dela parte do seu ser interior, ela domina seus pensamentos, sentimentos, toda sua concepção do mundo. Porque o marxismo é a teoria do desenvolvimento social, no centro do qual estamos, ele se coloca como o ponto central das grandes lutas mentais que acompanham nossa revolução econômica.
Que o marxismo deve sua importância e posição somente pelo papel que cumpre na luta do proletariado, todos sabem. Com o darwinismo, entretanto, as coisas parecem diferentes para o observador superficial, pelo fato de o darwinismo lidar com uma nova verdade científica, que luta contra os preconceitos religiosos e a ignorância. Todavia não é difícil ver que, na realidade, o darwinismo se submeteu às mesmas experiências que o marxismo.
O darwinismo não é uma mera teoria abstrata que foi adotada pelo mundo científico depois de discutida e testada de uma maneira puramente objetiva. Não, imediatamente depois de seu aparecimento, houve entusiastas defensores e apaixonados oponentes; o nome de Darwin, também, foi altamente honrado pelas pessoas que entenderam alguma coisa de sua teoria, ou desprezado por aqueles que não conheciam nada mais de sua teoria do que "o homem descendeu do macaco” e que eram certamente desqualificados para julgar de um ponto de vista científico a correção ou falsidade da teoria de Darwin. O darwinismo, também, teve um papel na luta de classes e é devido a esse papel que a teoria se espalhou tão rapidamente e teve entusiastas defensores e venenosos oponentes.
O darwinismo serviu como uma ferramenta para a burguesia em sua luta contra a classe feudal, contra a nobreza, os direitos do clero e dos senhores feudais. Esta luta foi inteiramente diferente da luta que agora os proletários travam. A burguesia não era uma classe explorada se esforçando para abolir a exploração. Não!
O que a burguesia queria era livrar-se do poder da velha classe dominante que estava em seu caminho.
A burguesia queria ela própria dominar, baseando suas exigências no fato de que ela era a classe mais importante, os líderes da indústria.
Que argumento poderia a velha classe, a classe que havia se tornado nada mais do que inútil parasita, apresentar contra a burguesia? Eles se apoiaram na tradição, nos seus antigos “direitos divinos”. Estes foram seus pilares. Com a ajuda da religião os padres mantiveram a grande massa na sujeição e pronta para se opor às exigências da burguesia.
Foi, portanto, por seu próprio interesse que a burguesia trabalhou para minar o direito "divino" dos governantes. A ciência natural tornou-se uma arma na oposição à crença e à tradição; a ciência e as recentes descobertas de leis naturais foram promovidas. Foi com estas armas que a burguesia lutou. Se as novas descobertas pudessem provar que o que os padres estavam ensinando era falso, a autoridade "divina” destes padres se esfarelaria e os “direitos divinos” gozados pela classe feudal seriam destruídos. É claro que a classe feudal não foi derrotada por isso somente; como um poder material só pôde ser derrubada por um poder também material, mas as armas mentais se tornaram ferramentas materiais. Foi por essa razão que a burguesia apoiou-se tanto na ciência material.
O darwinismo veio no tempo desejado. A teoria de Darwin de que o homem descendeu de um animal mais primitivo destruiu todo o fundamento do dogma cristão. É por essa razão que tão logo o darwinismo apareceu, a burguesia o agarrou com grande entusiasmo.
Não foi o caso da Inglaterra. Aqui vemos novamente como foi importante a luta de classes para a expansão da teoria de Darwin. Na Inglaterra a burguesia já dominava havia alguns séculos e, em massa, eles não tinham interesse em atacar ou destruir a religião. É por essa razão que embora esta teoria tenha sido amplamente lida na Inglaterra, mesmo assim não causou alvoroço em ninguém; ela simplesmente permaneceu como uma teoria científica sem grande importância prática.
Darwin considerou-a como tal e por medo que sua teoria pudesse chocar os preconceitos religiosos vigentes, ele propositalmente evitou aplicá-la imediatamente ao homem. Foi somente depois de numerosos adiamentos e depois de outros fazerem antes dele, que decidiu dar esse passo. Em uma carta a Haeckel ele deplorou o fato de que sua teoria deveria bater de frente com muitos preconceitos e tanta indiferença e que não tinha a perspectiva de viver o suficiente para vê-la transpor estes obstáculos.
Mas na Alemanha as coisas eram inteiramente diferentes e Haeckel corretamente respondeu a Darwin que sua teoria teve uma recepção entusiasmada na Alemanha. Isso aconteceu porque no momento em que apareceu naquele país a teoria de Darwin, a burguesia estava se preparando para levar adiante um novo ataque ao absolutismo e ao junkerismo. A burguesia liberal era encabeçada pelos intelectuais. Ernest Haeckel, um grande cientista e de ainda maior ousadia, imediatamente esboçou em seu livro, “Criação Natural”, conclusões mais ousadas contra a religião. Então, enquanto o darwinismo conhecia a recepção mais entusiasmada por parte da burguesia progressista, era amargamente rejeitado pelos reacionários.
A mesma luta também aconteceu em outros países europeus. Em todo lugar a burguesia liberal progressista tinha que lutar contra os poderes reacionários. Esses reacionários possuíam ou tentavam obter, através dos seguidores religiosos o poder cobiçado. Sob estas circunstâncias mesmo as discussões científicas eram imbuídas de entusiasmo e paixão da luta de classes. Os escritos que aparecem a favor ou contra Darwin tinham, portanto, a marca de polêmicas sociais, a despeito do fato de que eles levavam os nomes de autores científicos. A litania dos escritos populares de Haeckel, quando olhada de um ponto de vista científico, é muito superficial, enquanto os argumentos e demonstrações de seus oponentes mostram tolices inacreditáveis que só podem ser encontradas nos argumentos usados contra Marx.
A luta travada pela burguesia liberal contra o feudalismo não foi levada até o fim, foi particularmente devido ao fato de que em todo lugar os proletários socialistas faziam sua aparição, ameaçando todos os poderes dominantes, incluindo o da burguesia.
A burguesia liberal se afrouxou, enquanto as tendências reacionárias ganharam força. O entusiasmo anterior em combater a religião desapareceu inteiramente e enquanto é verdade que os liberais e os reacionários se mantiveram lutando entre si, na realidade, entretanto, eles se aproximaram. O interesse anteriormente manifestado na ciência como uma arma na luta de classes, desapareceu totalmente, enquanto que a tendência reacionária de que as massas deveriam assimilar a religião tornou-se cada vez mais acentuada.
A estima pela ciência também sofreu uma mudança. Antes, a educação burguesa era fundada sobre uma concepção materialista do universo, de onde eles viam a solução para o enigma universal. Agora o misticismo se fortaleceu; tudo o que foi explicado aparece como trivial, enquanto todas as coisas que permanecem sem explicação, aparecem como sendo muito grandes, abarcando a mais importante questão vital. Um estado de espírito cético, crítico ou de dúvida tomou o lugar do júbilo anterior em favor da ciência.
Isto poderia também ser visto na posição tomada contra Darwin. “O que demonstra esta teoria? Ela deixa sem resolução o enigma universal! De onde vem esta maravilhosa natureza da transmissão; De onde vem a habilidade dos seres animados de se modificar tão adequadamente?" Aqui reside o misterioso enigma da vida, que não podia ser superado com princípios mecânicos. Então, o que restou do darwinismo à luz da crítica posterior?
É claro, o avanço da ciência começou a fazer um rápido progresso. A solução de um problema sempre traz novos problemas à superfície para serem resolvidos, os quais estavam escondidos sob a teoria da transmissão que Darwin teve que aceitar como uma base de investigação, que foi cada vez mais investigada; uma calorosa discussão se colocou sobre os fatores individuais do desenvolvimento e a luta pela existência.
Enquanto alguns cientistas dirigiram sua atenção à variação, a qual eles consideravam devida ao exercício e adaptação à vida (de acordo com o princípio posto por Lamarck), esta idéia foi expressamente negada por cientistas como Weissman e outros. Enquanto Darwin somente supôs graduais e lentas mudanças, De Vries encontrou repentinos e abruptos casos de variação resultantes de súbitos aparecimentos de novas espécies.
Tudo isto, enquanto fortalecia e desenvolvia a teoria da descendência, em alguns casos deram a impressão de que as novas descobertas despedaçavam a teoria darwinista e, portanto, cada nova descoberta que causasse esta impressão era saudada pelos reacionários como uma falência do darwinismo. Esta concepção social teve sua influência na ciência. Cientistas reacionários clamaram que um elemento espiritual é necessário. O sobrenatural e o insolúvel tomaram o lugar do darwinismo e aquela classe que no início usou a bandeira do darwinismo se tornou cada vez mais reacionária.
O darwinismo prestou um serviço inestimável à burguesia na sua luta contra os velhos poderes. Foi, portanto, apenas natural que os burgueses devessem aplicá–lo contra seus futuros inimigos, os proletários; não porque os proletários tivessem uma disposição contrária ao darwinismo, mas exatamente o oposto.
Tão logo o darwinismo apareceu, a vanguarda do proletariado, os socialistas, saudaram a teoria darwinista, porque viam no darwinismo uma confirmação que completava sua própria teoria; não como alguns oponentes superficiais acreditavam, que queriam basear o socialismo no darwinismo, mas no sentido em que a descoberta darwinista — de que mesmo no aparentemente estagnante mundo orgânico há um contínuo desenvolvimento — é uma gloriosa confirmação que completa a teoria marxista do desenvolvimento social.
Mesmo assim era natural para a burguesia fazer uso do darwinismo contra o proletariado. A burguesia teve que lutar com dois exércitos e as classes reacionárias sabiam disso muito bem.
Quando a burguesia ataca sua autoridade eles apontam o proletariado e previnem-na do desmoronamento da autoridade. Agindo assim, os reacionários tentam assustar os burgueses de tal modo que eles desistam de qualquer atividade revolucionária. É claro, os representantes burgueses respondem que não há nada a temer; que sua ciência apenas refuta a infundada autoridade da nobreza e a sustenta em sua luta contra os inimigos da ordem.
No congresso dos naturalistas, o cientista e político reacionário Virchow atacou a teoria darwinista sobre a base que esta dava suporte ao socialismo.
"Cuidado com esta teoria", disse aos darwinistas, "pois esta teoria está intimamente relacionada com aquela que causou muito pavor no país vizinho".
Esta alusão à Comuna de Paris, feita no famoso ano da caça aos socialistas, deve ter tido um grande efeito. O que deveria ser dito, entretanto, sobre a ciência de um professor que ataca o darwinismo com o argumento de que não é correto porque é perigoso!
Esta censura, a de estar coligada com os revolucionários vermelhos, causou um grande aborrecimento em Haeckel, seu defensor. Ele não podia suportá-la. Imediatamente depois tentou demonstrar que é precisamente a teoria darwinista que mostra a insustentabilidade das reivindicações socialistas e que darwinismo e marxismo "relacionam-se um ao outro como água e fogo".
Vejamos a alegação de Haeckel, cujos principais pensamentos reaparecem na maior parte dos autores que baseiam seus argumentos contra o socialismo no darwinismo.
O socialismo é a teoria que pressupõe a igualdade natural entre as pessoas e se esforça para realizar a igualdade social; direitos e deveres iguais, iguais posses e gozo. O darwinismo, ao contrário, é a prova científica da desigualdade.
A teoria da descendência estabeleceu o fato de que o desenvolvimento animal caminha sempre na direção de uma maior diferenciação ou divisão do trabalho; quanto mais complexo ou perfeito o animal, maior a desigualdade existente. O mesmo vale para a sociedade. Aqui também vemos a grande divisão do trabalho entre vocações, classes etc. e quanto mais alto estivermos no desenvolvimento social, maiores as desigualdades de força, habilidade e capacidade. A teoria da descendência é, portanto, recomendável como "o melhor antídoto às aspirações do socialismo de transformar tudo em igualdade".
O mesmo vale, mas numa extensão maior, para a teoria darwinista da sobrevivência. O socialismo quer abolir a competição e a luta pela existência mas o darwinismo nos ensina que esta luta é inevitável e é uma lei natural para o mundo orgânico inteiro. Não apenas esta luta é natural, como é útil e benéfica. Esta luta pela sobrevivência traz uma perfeição cada vez maior e essa perfeição consiste numa maior exterminação dos inaptos.
Somente a minoria escolhida, aquela que é qualificada para suportar a competição, pode sobreviver; a grande maioria deve perecer. Muitos são chamados, mas poucos escolhidos. A luta pela existência resulta ao mesmo tempo na vitória do melhor, enquanto os piores e inaptos devem perecer.
Isto pode ser lamentável, como é lamentável que todos deverão morrer, mas o fato não pode ser negado nem mudado.
Gostaríamos de observar aqui como uma pequena mudança de palavras quase similares serve como defesa do capitalismo. Darwin falou da sobrevivência do mais apto, daqueles que são melhores adaptados às condições. Vendo que nesta luta aqueles que estão melhor organizados vencem os outros, os vencedores foram chamados de vigilantes e depois os “melhores”.
Esta expressão foi cunhada por Hebert Spencer. Vencendo em seu campo, os vencedores na luta social, os grandes capitalistas foram proclamados a melhor gente.
Haeckel tomou para si e ainda mantém esta concepção. Em 1892 ele disse:
“O darwinismo, ou a teoria da seleção, é completamente aristocrática; ela é baseada na sobrevivência dos melhores. A divisão do trabalho gerou, por causas de desenvolvimento, uma variação cada vez maior nas características e sempre uma maior desigualdade entre indivíduos, em sua atividade, educação e condição. Quanto maior o avanço da cultura humana, maior a diferença e o fosso entre as várias classes existentes. O comunismo e as demandas apresentadas pelos socialistas ao reivindicar uma igualdade de condições e atividades é sinônimo de uma volta aos estágios primitivos da barbárie”.
O filósofo inglês Hebert Spencer já tinha uma teoria do desenvolvimento social antes de Darwin. Esta era a teoria burguesa do individualismo, baseada na luta pela existência.
Mais tarde ele trouxe esta teoria para uma relação mais estreita com o darwinismo.
“No mundo animal”, ele disse, “os velhos, fracos e doentes perecem sempre e somente os fortes e saudáveis sobrevivem. A luta pela existência serve, portanto, como uma purificação da raça, protegendo-a da deterioração.
Este é o feliz efeito desta luta, pois, se por acaso a luta cessasse e cada um tivesse a certeza de encontrar sua subsistência sem nenhuma luta, a raça necessariamente deterioraria.
A ajuda dada ao doente, fraco e inapto causa uma degeneração geral na raça. Se a simpatia, encontrando suas expressões na caridade, vai além de limites razoáveis, ela frustra seus objetivos; ao invés de diminuir, aumenta o sofrimento para as novas gerações. O bom efeito da luta pela existência pode melhor ser visto nos animais selvagens. Todos eles são fortes e saudáveis porque sofreram milhares de perigos, nos quais aqueles que não estavam qualificados tiveram que perecer.
Entre os homens e animais domésticos, a doença e a fraqueza são tão comuns devido ao fato de o fraco e o doente serem preservados.
O socialismo, tendo como objetivo a abolição da luta pela existência no mundo humano, trará necessariamente um crescimento da deterioração física e mental".
Estas são as principais posições daqueles que usam o darwinismo como uma defesa do sistema burguês. Fortes como estes argumentos podem parecer à primeira vista, não são difíceis de ser superados pelos socialistas. Em grande medida, são os velhos argumentos usados contra o socialismo, mas desta vez com uma roupagem terminológica nova darwinista e mostram uma completa ignorância do socialismo bem como do capitalismo.
Aqueles que comparam o organismo social com o corpo animal deixam desconsiderado o fato de que os homens não diferem entre si como as várias células ou órgãos, mas somente em graus de sua capacidade.
Na sociedade a divisão do trabalho não pode ir tão longe a ponto de que todas as capacidades devam perecer a custa de uma única e mais, qualquer um que conheça algum coisa de socialismo sabe que a eficiente divisão do trabalho não acabará com o socialismo; que sob o socialismo divisões reais serão possíveis. A diferença entre os trabalhadores, suas habilidades e os empregos não acabarão; o que terminará é a diferença entre trabalhadores e exploradores.
Enquanto é verdadeiro que na luta pela existência aqueles animais fortes, saudáveis e bem preparados sobrevivem, isto não acontece sob a competição capitalista. Aqui a vitória não depende da perfeição daqueles que estão na disputa, mas em algo que está fora de seu corpo. Enquanto esta luta pode ser válida para a pequena burguesia, onde o sucesso depende de habilidades e qualificações pessoais, com o desenvolvimento cada vez maior do capital, o sucesso não depende mais de habilidades pessoais, mas sim da posse de capital.
Aquele que tem um capital maior em seu comando, mas é doente, vencerá um que tenha um capital menor à sua disposição, mesmo sendo o último mais habilidoso. Não são as qualidades pessoais, mas a posse de dinheiro, que decide quem será o vencedor da luta. Os pequenos capitalistas perecerão, não como homens, mas como capitalistas, eles não são varridos da existência física, mas da classe burguesa. Eles ainda existem, mas não mais como capitalistas. A competição existente no sistema capitalista é, portanto, algo diferente em requisitos e resultados da luta animal pela existência.
As pessoas que perecem como pessoas são membros de uma classe inteiramente diferente, uma classe que não participa da luta competitiva. Os trabalhadores não competem com os capitalistas, apenas vendem sua força de trabalho a eles. Não tendo propriedade alguma, eles não têm a oportunidade de medir suas grandes qualidades e entrar numa corrida com os capitalistas. Sua pobreza e miséria não podem ser atribuídas ao fato de que eles caíram na luta competitiva devido à sua fraqueza, mas porque eles foram muito mal pagos pela sua força de trabalho e é por essa razão que, embora seus filhos nasçam fortes e saudáveis, eles perecem em massa, enquanto as crianças nascidas de pais ricos, mesmo nascendo doentes, permanecerão vivas por meio de alimentação e grande cuidado dispensado a elas. Estas crianças pobres não morrem porque são doentes ou fracas, mas devido a causas externas. É o capitalismo quem cria todas as condições desfavoráveis por meio da exploração, redução de salários, crises de desemprego, péssimas moradias, longas jornadas de trabalho. É o sistema capitalista que causa a destruição de muitos fortes e saudáveis.
Assim os socialistas provam que diferentemente do mundo animal, a luta competitiva entre os homens não conduz ao melhor e ao mais qualificado, mas destrói muitos fortes e saudáveis devido à sua pobreza, enquanto aqueles que são ricos, mesmo fracos e doentes, sobrevivem. Os socialistas provam que a força pessoal não é o fator determinante, mas que este é algo exterior ao homem, isto é, a posse de dinheiro que determina quem deve sobreviver e quem deve morrer.
As falsas conclusões tiradas por Haeckel e Spencer sobre o socialismo não surpreendem. O darwinismo e o marxismo são duas teorias distintas, uma que se aplica ao mundo animal, enquanto a outra é aplicada à sociedade.
Elas se completam na medida que, de acordo com a teoria da evolução de Darwin, o mundo animal se desenvolve até o estágio do homem e a partir daí, depois de o animal se tornar homem, já é um campo de análise da teoria marxista. Quando, entretanto, alguém deseja levar a teoria de um ao domínio do outro, onde diferentes leis são aplicáveis, deve extrair deduções erradas.
Tal é o caso quando queremos verificar através da lei natural qual forma social é natural e aplicável e isso é exatamente o que os darwinistas burgueses fizeram. Eles deduziram que as leis que governam o mundo animal, onde a teoria darwinista se aplica, valem com igual força no sistema capitalista e que, portanto, o capitalismo é uma ordem natural e deve durar para sempre. Na outra ponta da argumentação, houve alguns socialistas que desejaram provar que, segundo Darwin, o sistema socialista é o sistema natural.
Estes socialistas disseram:
“Sob o capitalismo os homens não levam adiante a luta pela existência com ferramentas iguais, mas sim com ferramentas desiguais, fabricadas artificialmente. A superioridade natural daqueles que são mais saudáveis, mais fortes, mais inteligentes ou moralmente melhores não tem utilidade, enquanto que o nascimento, a classe ou a posse de dinheiro controla esta luta. O socialismo, abolidas todas estas dessemelhanças artificiais, dará provisões iguais a todos e então somente a luta pela existência prevalecerá, onde as superioridades pessoais reais serão os fatores determinantes".
Estes argumentos críticos, enquanto não são ruins quando usados como refutação contra os darwinistas burgueses, são falhos. Ambos os argumentos, aqueles usados pelos darwinistas burgueses a favor do capitalismo e aqueles dos socialistas, que baseiam seu socialismo em Darwin , são fundamentalmente falsos. Ambos os argumentos, embora chegando a conclusões opostas, são igualmente falsos porque eles procedem de premissas erradas, ou seja, as da existência de um natural e permanente sistema de sociedade.
O marxismo nos ensinou que não há, não existe um sistema social natural, permanente e que nenhum, ou, dito de outra forma, todo sistema social é natural, ou seja, é natural e necessário sob dadas condições. Não há um simples e definido sistema social que pode ser aceito como natural; os vários sistemas sociais ocupam o lugar de outros como resultado de desenvolvimentos nos meios de produção. Cada sistema é, portanto, o natural para seu tempo particular de existência. O capitalismo não é a única ordem natural, como a burguesia acredita e nem o socialismo é o único sistema natural, como alguns socialistas tentam provar. O capitalismo foi natural sob as condições do século XIX, como o feudalismo foi na idade média e como o socialismo será na época vindoura. A tentativa de colocar um certo sistema como o único natural e permanente é uma futilidade similar a de tomar um animal qualquer e afirmar que este animal é o melhor e o mais perfeito entre todos os animais. O darwinismo nos ensina que todo animal é igualmente adaptado e igualmente perfeito na forma em que se ajusta ao seu ambiente especial e o marxismo nos ensina que todo sistema social é particularmente adaptado às suas condições e que neste sentido, pode ser chamado de bom e perfeito.
Aqui reside a principal razão de porque os esforços dos darwinistas burgueses em defender os fundamentos do sistema capitalista estão fadados ao fracasso. Argumentos baseados na ciência natural, quando aplicados a questão sociais, devem quase sempre levar a conclusões inversas. Isto acontece porque, enquanto a natureza é muito lenta em seu desenvolvimento e mudanças no marco da história humana são imperceptíveis, podendo ser caracterizada como estável, a sociedade humana, não obstante, é submetida a rápidas e constantes mudanças. Para entender a força propulsora e a causa do desenvolvimento social, devemos estudar a sociedade como tal. É só aí que encontramos a razão do desenvolvimento social. O marxismo e o darwinismo devem permanecer em seus próprios campos; eles são independentes um do outro e não há ligação direta entre eles.
Aqui surge uma questão muito importante. Podemos parar na conclusão de que o marxismo se aplica somente à sociedade e o darwinismo somente ao mundo orgânico e que nenhuma destas teorias é aplicável ao campo da outra?
Na prática é muito conveniente ter um princípio para o mundo dos homens e um outro para o mundo animal. Ao fazê-lo, entretanto, esquecemos que o homem também é um animal. O homem se desenvolveu do animal e as leis que regem o mundo animal não podem, de repente, perder sua aplicabilidade para o homem. É verdade que o homem é um animal muito peculiar, mas se esse é o caso, é necessário encontrar nessas particularidades o porquê daqueles princípios aplicáveis a todos animais não servirem aos homens e porque eles assumem uma forma diferente.
Aqui nós chegamos em outro grave problema. Os darwinistas burgueses não vêem como um problema; eles simplesmente declaram que o homem é um animal e sem maiores cerimônias lançam-se a aplicar princípios darwinistas aos homens. Vimos em quais conclusões errôneas eles chegam. Para nós esta questão não é tão simples; devemos primeiro estar esclarecidos sobre as diferenças entre homens e animais e então poderemos ver porque, no mundo dos homens, os princípios darwinistas se transformam em princípios diferentes, quer dizer, se transformam em marxismo.
A primeira peculiaridade que vemos no homem é que ele é um ser social. Nisto ele não difere de todos os animais, pois mesmo nestes últimos há muitas espécies que vivem socialmente. Mas o homem difere de todos os animais que observamos até agora ao lidar com a teoria darwinista; ele difere daqueles animais que não vivem socialmente, mas que lutam uns contra os outros pela sobrevivência.
Não é com os animais predadores, os quais vivem isoladamente, que o homem deve ser comparado, mas com aqueles que vivem socialmente. A sociabilidade dos animais é uma força de que não falamos até aqui; uma força que resulta em novas qualidades entre os animais.
É um erro considerarmos a luta pela sobrevivência como a única força que dá forma ao mundo orgânico. A luta pela existência é a principal força que causa a origem de novas espécies, mas Darwin sabia muito bem que outros fatores cooperavam para dar a configuração às formas, hábitos e peculiaridades das coisas animadas. Em seu livro Ascendência do Homem, Darwin, de forma elaborada, tratou da seleção sexual e mostrou que a competição de machos por fêmeas aumentava e desenvolvia as cores alegres dos pássaros e borboletas, bem como o canto dos pássaros. Ele também dedicou um capítulo à vida em sociedade.
Muitas ilustrações nesta direção são também encontradas no livro de Kropotkin Ajuda mútua como um fator na evolução.
A melhor representação dos efeitos da sociabilidade é dada no livro de Kautsky Ética e concepção materialista da história.
Quando um número de animais vive em um grupo, rebanho ou manada, travam a luta pela sobrevivência em comum contra o mundo exterior; dentro do grupo a luta pela existência cessa. Os animais que vivem socialmente não travam uma luta uns contra os outros, na qual o fraco sucumbe; pelo contrário, o fraco aproveita as mesmas vantagens que o forte. Quando alguns animais têm uma vantagem devida à maior força, faro mais fino, apurado ou experiência em encontrar a melhor pastagem ou em despistar o inimigo, esta vantagem não é revertida somente para o melhor adaptado, mas também para o grupo inteiro. Esta combinação de forças animais separadas em uma unidade dá ao grupo uma nova e muito maior força do que qualquer potencialidade individual, mesmo a mais forte. É devido a esta forte união que os herbívoros indefesos podem repelir animais predadores. É só por meio desta união que alguns animais são capazes de proteger seus filhotes.
Uma segunda vantagem advém do fato de que onde os animais vivem em sociedade, existe a possibilidade de divisão do trabalho. Tais animais mandam vigias ou colocam sentinelas cujo objetivo é velar pela segurança de todos enquanto outros passam o tempo ou comendo ou recolhendo alimentos, contando com sua defesa para preveni-los do perigo.
Tal sociedade animal se torna, em alguns aspectos, uma unidade, um organismo único. Naturalmente, a relação permanece mais debilitada do que as células do corpo de um animal individual. Porém, o grupo se torna um corpo coeso e deve haver alguma força que unifica os membros individuais.
Esta força é encontrada nas motivações sociais, o instinto que os põe juntos e gera a continuidade do grupo. Cada animal deve colocar o interesse do grupo como um todo acima dos seus; deve sempre agir instintivamente para o sucesso e a manutenção do grupo sem pensar em si mesmo.
Enquanto os fracos herbívoros pensam só em si mesmos e fogem quando atacados por um animal predador, cada um se importando apenas com sua própria vida, a manada inteira desaparece. Somente quando um forte sentimento de auto-preservação é suprimido por um motivo mais forte de união e cada animal arrisca sua vida para a proteção de todos, então o rebanho permanece e aproveita as vantagens de se manter unido. Em tais casos, auto-sacrifício, bravura, devoção, disciplina e consciência devem surgir, pois onde essas qualidades não existem, a sociedade se dissolve; só pode haver sociedade com estas qualidades.
Estes instintos, enquanto têm sua origem no hábito e na necessidade, são fortalecidos pela sobrevivência. Cada animal de um rebanho ainda permanece em uma luta competitiva com os mesmos animais de uma outra manada; aqueles que são melhor adaptados para resistir ao inimigo sobreviverão, enquanto aqueles mais pobremente equipados perecerão.
Aquele grupo no qual o instinto social é mais desenvolvido será capaz de se afirmar, enquanto o grupo cujo instinto social é menor, cairá como presa fácil dos seus inimigos ou não estará em condições de encontrar lugares favoráveis para a alimentação. Estes instintos sociais se tornam, portanto, os mais importantes e decisivos fatores que determinam quem sobreviverá na luta pela existência. É devido a isto que os instintos sociais elevaram-se à posição de fatores predominantes.
Estas relações lançam uma luz inteiramente nova sobre as visões dos darwinistas burgueses. Sua posição é que o extermínio do fraco é natural e necessário para prevenir a corrupção da raça, pois a proteção dada ao fraco serve para deteriorá-la. Mas o que vemos? Na natureza, no mundo animal, observamos que os fracos são protegidos; que não é pela sua própria força pessoal que eles se mantêm e que eles não são postos de lado por causa de sua fraqueza pessoal. Esta combinação não enfraquece o grupo, mas dá a ele nova força. O grupo animal no qual a ajuda mútua é melhor desenvolvida é melhor adaptado para se manter na luta. Aquilo que, de acordo com a concepção mais estreita, aparece como uma causa da fraqueza, torna-se o contrário, a causa da força.
Os animais sociáveis estão em condições de vencer aqueles que travam a luta individualmente. Esta suposta raça em degeneração e deterioração leva à vitória e prova na prática serem os mais habilidosos e melhores.
Aqui podemos ver completamente como são míopes, estreitos e anticientíficos os clamores e argumentos dos darwinistas burgueses.
Suas leis naturais e suas concepções do que é natural são derivadas de uma parte do mundo animal, aquela parte com a qual o homem se assemelha menos, enquanto que os animais que praticamente vivem de modo parecido com o homem, nas mesmas circunstâncias, são deixados sem qualquer observação. A razão para isto pode ser encontrada nas próprias circunstâncias da existência da burguesia; eles pertencem a uma classe onde cada um compete individualmente contra o outro, portanto, eles vêem entre os animais somente esta forma de luta pela existência. É por esta razão que eles deixam passar sem análise aquelas formas de luta que são de enorme importância para os homens.
É verdade que estes darwinistas burgueses estão cientes do fato de que o homem não é regido por mero egoísmo, sem a preocupação com seus próximos. Os cientistas burgueses dizem muito freqüentemente que todo homem é possuidor de dois sentimentos, o egoísta, ou amor-próprio e o altruísta, ou amor aos outros. Mas como eles não sabem a origem social deste altruísmo, não podem entender suas limitações e condições. Altruísmo em suas bocas se transforma em uma idéia muito abstrata que eles não conseguem devidamente tratar. Tudo o que se aplica aos animais sociais também se aplica ao homem. Nossos ancestrais macacos e os homens primitivos desenvolvidos destes eram todos indefesos, animais fracos que, como quase todos os macacos fazem, viviam em tribos.
Aqui as mesmas motivações sociais e instintos tiveram que surgir e mais tarde se transformaram em sentimentos morais. Que nossos costumes e morais não são mais do que sentimentos sociais, sentimentos que encontramos nos animais, é sabido de todos; mesmo Darwin falou sobre “os hábitos dos animais que seriam chamados moral entre os homens”. A diferença está somente na medida da consciência; tão logo estes sentimentos sociais se tornem claros aos homens, eles assumem o caráter de sentimentos morais. Aqui vemos que a concepção moral – que os autores burgueses consideram como a principal distinção entre homens e animais – não é comum aos homens, mas é um produto direto das condições existentes no mundo animal.
É na natureza da origem destes sentimentos morais que eles não vão além do grupo social que o animal ou o homem pertence.
Estes sentimentos servem ao objetivo prático de manter o grupo unido; fora disso são inúteis. No mundo animal, a extensão e natureza do grupo social é determinada pelas circunstâncias da vida e, portanto, o grupo quase sempre permanece o mesmo.
Entre os homens, entretanto, os grupos, estas unidades sociais, estão sempre mudando de acordo com o desenvolvimento econômico e isto também muda os instintos sociais.
Os grupos originais, os troncos dos selvagens e bárbaros, eram mais fortemente unidos do que os grupos animais. Relacionamento familiar e uma língua em comum fortaleceram esta união ainda mais. Cada indivíduo tem o apoio da tribo inteira. Sob tais condições, as motivações sociais, os sentimentos morais, a subordinação do individual ao coletivo, devem se desenvolver ao máximo.
Com um desenvolvimento cada vez maior da sociedade, as tribos são dissolvidas e seu lugar tomado por novas uniões, por cidades e povoados.
Formações antigas são substituídas por novas e os membros desses grupos travam a luta pela existência em comum contra outros povos. Na mesma proporção do desenvolvimento econômico, o tamanho desta uniões aumenta, a luta de cada um contra o outro diminui e os sentimentos sociais se ampliam. Ao final dos tempos antigos, encontramos todos os povos formando uma união, o Império Romano e nessa época surgiu a teoria – os sentimentos morais tendo sua influência em quase todo o povo – que lançou a máxima de que todos os homens são irmãos.
Quando consideramos nossos tempos atuais, vemos que economicamente todos os povos formam uma unidade, embora muito frágil; no entanto os sentimentos abstratos de irmandade tornam-se cada vez mais populares. Os sentimentos sociais são mais fortes entre membros de uma mesma classe, isto é, unidades essenciais que incorporam interesses particulares e incluem certos membros.
Assim vemos que as unidades sociais e os sentimentos sociais mudam na sociedade. Estas mudanças são trazidas por transformações econômicas e quanto mais elevado o estágio de desenvolvimento econômico, mais elevados e nobres os sentimentos sociais.
A sociabilidade, com suas conseqüências, os sentimentos morais, é uma peculiaridade que diferencia o homem de alguns mas não de todos animais. Existem, entretanto, algumas peculiaridades que pertencem só ao homem e que o separam do restante do mundo animal. Estas, em primeiro lugar, são a linguagem, isto é, a razão. O homem é também o único animal que faz uso de ferramentas por ele mesmo criadas.
Para todas estas coisas os animais têm uma leve propensão, mas entre os homens elas desenvolveram características essencialmente novas. Muitos animais têm algum tipo de voz e por meio de sons eles podem chegar a algum entendimento, mas somente o homem tem sons que servem como um meio de nomear coisas e ações.
Animais também têm cérebros com os quais eles pensam, mas a mente humana mostra, como veremos mais tarde, um fato inteiramente novo, que chamamos de razão ou pensamento abstrato. Animais também fazem uso de coisas inanimadas que servem para certos fins; por exemplo, a construção de ninhos. Macacos as vezes usam paus ou pedras, mas somente o homem usa ferramentas cujo fim é deliberado por ele mesmo. Estas tendências primitivas entre os animais nos mostram que as peculiaridades possuídas pelo homem lhes foram conseguidas, não por meio de alguma criação maravilhosa, mas por um contínuo desenvolvimento.
Animais vivendo isoladamente não podem chegar a tal estágio de desenvolvimento. É só como ser social que o homem atinge este estágio. Fora do âmbito da sociedade, a linguagem é tão inútil quanto um olho na escuridão e está fadada a morrer. A linguagem só é possível em sociedade e só existe como meio pelo qual os membros desta sociedade podem se entender. Todos os animais sociais possuem alguns meios de entendimento entre si, pois de outra maneira, eles não seriam capazes de executar certas planos conjuntamente. Os sons que foram necessários como meio de comunicação para o homem primitivo na concretização de suas tarefas devem ter se desenvolvido na invenção de nomes de atividades e depois nomes de coisas.
O uso de ferramentas também pressupõe uma sociedade, por isso é somente nela que o material obtido, acumulado, pode ser preservado. Num estado de vida isolada cada um tem que fazer descobertas por si mesmo e, com a morte do descobridor, morre também a descoberta e cada um tem de começar tudo de novo do zero.
É somente através da sociedade que a experiência e o conhecimento de gerações anteriores podem ser preservados, perpetuados e desenvolvidos. Em um grupo ou corpo alguns poucos podem morrer, mas o grupo, tal qual ele é, não. Ele permanece. O conhecimento no uso de ferramentas não nasceu com o homem, mas foi adquirido depois.
Tradição mental, que só é possível em sociedade, é, portanto, necessária.
Enquanto essas características especiais do homem são inseparáveis da sua vida social, elas também mantêm fortes relações mútuas. Essas características não se desenvolveram isoladamente, mas todas progrediram em conjunto. Que pensamento e linguagem possam existir e se desenvolver apenas em comum é sabido por todo aquele que tenta pensar a natureza com sua própria cabeça. Quando pensamos ou consideramos, nós, na verdade, falamos conosco mesmos; observamos então que nos é impossível pensar claramente sem usar palavras. Onde não pensamos com palavras nossos pensamentos permanecem confusos e não podemos associar os vários pensamentos.
Qualquer um pode perceber isso por experiência própria. Isso se dá porque a assim chamada razão abstrata é o pensamento perceptivo e pode acontecer apenas por meio de percepções. Percepções nós podemos designar e sustentar apenas por meio de nomes.
Toda tentativa de estender nossas mentes, toda tentativa de avançar nosso conhecimento tem de começar por distinguir e classificar através de nomes ou por dar aos velhos nomes um significado mais preciso. A linguagem é o corpo da mente, o material pelo qual toda a ciência humana pode ser construída.
A diferença entre a mente humana e a do animal foi muito adequadamente mostrada por Schopenhauer.
Essa citação é feita por Kautsky no seu livro Ética e Concepção Materialista da Historia. As ações dos animais dependem de percepções e motivações visuais. É apenas desta forma que eles vêem, ouvem ou observam de todas as maneiras.
Podemos sempre dizer que o que induziu o animal a fazer esse ou aquele ato, pois nós também podemos ver se olharmos.
Com os homens, no entanto, é completamente diferente. Não podemos prever o que ele irá fazer, pois não sabemos as causas que o induzem ao ato; estas são pensamentos em sua cabeça. O homem considera e ao fazê-lo, todo seu conhecimento, o resultado de experiência anterior entra em ação e é então que decide como agir. As ações de um animal dependem de impressões imediatas, enquanto as do homem dependem de concepções abstratas, a partir de seu pensamento e observações. O homem é ao mesmo tempo influenciado por delicadas causas invisíveis. Dessa maneira todos os seus movimentos dão a impressão de serem guiados por princípios e intenções que dão a eles a aparência de independência e evidentemente os distinguem daqueles princípios dos animais.
Devido às suas necessidades físicas, homens e animais são forçados a procurar satisfaze-las nos objetos naturais que os rodeiam. A impressão na mente é o impulso imediato e inicial; a satisfação dos desejos é o objetivo e fim do ato. Com o animal, a ação acontece imediatamente após a impressão. Ele vê sua presa ou comida e imediatamente salta, agarra, come ou faz o que é necessário para agarrar e isso é herdado como instinto. O animal ouve algum som hostil e imediatamente foge se suas pernas são desenvolvidas para correr rapidamente ou deita como morto para não ser visto se suas cores servem como um protetor. Entre as impressões e atos do homem, no entanto, vem à sua cabeça uma longa cadeia de pensamentos e considerações. Suas ações irão depender do resultado dessas considerações.
De onde vem essa diferença? Não é difícil ver que está estreitamente associado com o uso de ferramentas. Da mesma maneira que o pensamento origina-se das ações e impressões do homem, a ferramenta é o meio entre o homem e o que ele procura alcançar. Além disso, desde que a ferramenta fica entre o homem e os objetos externos, o pensamento deve surgir entre a impressão e a execução. O homem não parte de mãos vazias contra seu inimigo ou arranca o fruto, mas avança sobre ele de uma maneira indireta, pega uma ferramenta, uma arma (armas também são ferramentas) a qual usa contra o animal hostil; portanto sua mente também deve fazer o mesmo percurso, não seguir as primeiras impressões, mas deve pensar nas ferramentas e então seguir para o objeto. Esse percurso material causa o percurso mental; os pensamentos guiados para um certo ato são o resultado das ferramentas necessárias para a execução do ato.
Aqui tomamos o caso bem simples de ferramentas primitivas e os primeiros estágios de desenvolvimento mental. Quanto mais complicada se torna a técnica maior é o percurso material e como resultado a mente tem de fazer percursos maiores.
Quando cada um faz suas próprias ferramentas, a idéia de fome ou luta deve ter dirigido a mente humana para a fabricação de ferramentas. Aqui temos uma mais longa cadeia de pensamentos entre as impressões e a satisfação final das necessidades do homem. Quando voltamos para nossa própria época, vemos que essa cadeia é muito longa e complicada. O trabalhador que é demitido prevê a fome que está destinada a chegar; ele compra um jornal diário para ver se há alguma vaga para operários; ele vai à ferrovia, se oferece por um salário que apenas receberá mais tarde, de modo que ele possa estar em condições de comprar comida e se proteger da fome. Que longa cadeia de percursos a mente deve fazer antes de alcançar seu destino. Mas está de acordo com nossa técnica altamente desenvolvida, pelo meio da qual o homem pode satisfazer suas necessidades.
O homem, no entanto, não administra apenas uma ferramenta e sim muitas, as quais aplica para diferentes propósitos e das quais pode escolher. O homem, por causa dessas ferramentas, não é como o animal. O animal nunca avança além das ferramentas e armas com as quais nasceu, enquanto o homem faz suas ferramentas e as modifica de acordo com a sua vontade. O homem, sendo um animal que usa diferentes ferramentas, deve possuir a capacidade mental de as escolher. Em sua cabeça vários pensamentos vêm e vão, sua mente considera todas as ferramentas e as conseqüências de sua aplicação e suas ações dependem dessas considerações. Ele também combina um pensamento com outro e aferra-se à idéia que encaixa com seus propósitos.
Os animais não tem essa capacidade; seria desnecessário para eles em razão de que não saberiam o que fazer com ela. Devido à sua forma corporal, suas ações são definidas dentro de estreitas fronteiras. O leão pode apenas pular sobre sua presa, mas não pode pensar em pegá-la correndo atrás dela. A lebre é formada de tal modo que possa correr; não tem outros meios de defesa embora é possível que gostasse de ter. Esses animais não têm nada a considerar exceto o momento de correr ou pular. Todo animal é formado de tal modo a se adaptar a algum lugar definido. Suas ações devem se tornar fortes hábitos. Esses hábitos não são imutáveis. Os animais não são máquinas, quando trazidos a diferentes circunstâncias eles podem adquirir hábitos diferentes. Não é na qualidade de seus cérebros, mas na má formação de seus corpos que residem as restrições do animal. As ações do animal são limitadas por sua forma corpórea e pelo ambiente e consequentemente têm pouca necessidade de reflexão. Raciocinar seria portanto desnecessário para ele e apenas conduziria a um dano, antes que a um benefício.
O homem, por outro lado, deve possuir essa habilidade porque exercita um critério no uso de armas e ferramentas, as quais escolhe de acordo com exigências específicas. Se deseja matar a veloz lebre, ele pega o arco e flecha; se encontra o urso, usa o machado e se deseja abrir certa fruta pega um martelo. Quando ameaçado pelo perigo, o homem tem que considerar se deve correr ou se defender lutando com armas. Essa habilidade de pensar e considerar é indispensável ao homem no uso de ferramentas artificiais.
Essa forte conexão entre pensamentos, linguagem e ferramentas, cada qual impossível sem a outra, mostra que elas devem ter se desenvolvido ao mesmo tempo. Como esse desenvolvimento aconteceu podemos apenas supor. Sem dúvida foi uma mudança nas circunstâncias da vida que mudou os homens de seus antecessores macacos. Tendo migrado das florestas, o habitat original dos macacos, para as planícies, o homem teve de atravessar uma mudança completa de vida. A diferença entre os pés e as mãos devem ter-se desenvolvido então.
A sociabilidade e a mão como a do macaco, bem adaptada para agarrar, tiveram uma porção adequada no novo desenvolvimento. Os primeiros objetos rudes, tais como pedras ou paus, vieram às mãos sem que fossem procurados e foram jogados fora. Isso deve ter se repetido tão freqüentemente que deve ter deixado uma impressão nas mentes daqueles homens primitivos.
Para o animal, a natureza circundante é uma unidade singular de cujos detalhes é inconsciente. Ele não pode distinguir entre os vários objetos. Nosso homem primitivo, no seu mais baixo estágio, deve ter estado no mesmo nível de consciência. Da grande massa de objetos que o cercava, alguns (ferramentas) vieram às suas mãos, os quais ele usou para assegurar sua existência. A essas ferramentas, sendo objetos muito importantes, logo foram dadas algumas designações, foram designadas por um som que ao mesmo tempo nomeava a atividade específica. Devido ao seu som ou designação, a ferramenta e o tipo específico de atividade sobressaiu ao resto dos objetos da natureza circundante. O homem começou a analisar o mundo por conceitos e nomes, a auto consciência fez sua aparição, objetos artificiais foram intencionalmente procurados e usados com conhecimento no trabalho.
Esse processo – pois é um processo muito lento – marca o início de nossa transformação em homem. Assim que os homens deliberadamente procuraram e aplicaram certas ferramentas, nós podemos dizer que estes se desenvolveram; desse estágio para a fabricação de ferramentas, há apenas um passo. As primeiras ferramentas brutas diferiam de acordo com o uso; da pedra cortante temos a faca, o dardo, a broca e a lança; do pau nós temos a machadinha. Com a diferenciação posterior das ferramentas, servindo mais tarde para a divisão do trabalho, linguagem e pensamento se desenvolveram em formas mais ricas e novas, enquanto o pensamento conduzia o homem para o uso das ferramentas de um modo melhor, para aperfeiçoar o velho e inventar novas.
Então vemos que uma coisa traz a outra. A prática da sociabilidade e a aplicação ao trabalho são as molas nas quais a técnica, o pensamento, as ferramentas e a ciência têm sua origem e se desenvolvem continuamente. Pelo seu trabalho, o homem-macaco ascendeu à humanidade real. O uso de ferramentas marca o grande afastamento que é constantemente ampliado entre os homens e os animais.
Nos órgãos animais e nas ferramentas humanas temos a principal diferença entre os homens e os animais. O animal obtém sua comida e subjuga seus inimigos com seus próprios órgãos corporais; o homem faz a mesma coisa com a ajuda de ferramentas. Órgão (organon) é uma palavra grega que também significa ferramentas. Os órgãos são ferramentas naturais, adnatas, (um crescimento próprio) do animal. As ferramentas são os órgãos artificiais dos homens. Melhor ainda, o que o órgão é para o animal, a mão e a ferramenta são para o homem. As mãos e as ferramentas realizam as funções que o animal deve realizar com seus próprios órgãos. Devido à construção da mão para segurar várias ferramentas, torna-se um órgão geral adaptado a todos os tipos de trabalho; torna-se portanto um órgão que pode realizar uma variedade de funções.
Com a divisão dessas funções, um amplo campo de desenvolvimento é aberto para os homens que os animais não têm conhecimento. Pelo fato de a mão humana poder usar várias ferramentas, pode combinar as funções de todos os órgãos possíveis possuídos pelos animais. Todo animal é construído e adaptado para um certo ambiente. O homem com suas ferramentas, está adaptado a todas circunstâncias e equipado para todos ambientes. O cavalo é feito para a pradaria e o macaco é feito para a floresta. Na floresta o cavalo estaria tão desamparado quanto o macaco estaria se trazido para a pradaria. O homem por outro lado, usa o machado na floresta e a pá na pradaria. Com suas ferramentas, pode forçar seu caminho em todas as partes do mundo e se estabelecer por toda parte.
Enquanto quase todos os animais podem viver em regiões específicas, tais como suprem os seus desejos e se levado a diferentes regiões não pode existir, o homem conquistou o mundo inteiro. Todo animal tem, como um zoólogo expressou certa vez, sua força pelo meio da qual se mantém na luta pela existência e sua fraqueza, devido a qual cai presa de outros e não pode se multiplicar.
Nesse sentido, o homem tem apenas força e não fraqueza. Devido às suas ferramentas, o homem é igual a todos os animais. Enquanto essas ferramentas não permanecem estagnadas, mas melhoram continuamente, o homem cresce acima de todo animal. Suas ferramentas fazem dele mestre de toda criação, o rei da Terra.
No mundo animal há também um contínuo desenvolvimento e aperfeiçoamento de órgãos. Esse desenvolvimento, no entanto, está ligado com as mudanças do corpo do animal, que faz o desenvolvimento dos órgãos infinitamente lento, como ordenado por leis biológicas. No desenvolvimento do mundo orgânico, milhares de anos eqüivalem a nada. O homem, no entanto, transferindo seu desenvolvimento orgânico para objetos externos foi capaz de se libertar da cadeia da lei biológica. As ferramentas podem ser transformadas rapidamente e a técnica faz progressos tão rápidos que, em comparação com o desenvolvimento dos órgãos animais, deve ser chamado maravilhoso. Devido a esse novo curso, o homem tem sido capaz, dentro do curto período de alguns milhares de anos, de elevar-se acima do mais alto animal. Com a invenção desses instrumentos, o homem conseguiu ser um poder divino e toma posse da terra como seu domínio exclusivo.
O calmo e até aqui livre desenvolvimento do mundo orgânico cessa de desenvolver de acordo com a teoria darwinista. É o homem que age como criador, domador, cultivador; e é o homem que faz a limpeza. É o homem que muda todo o ambiente, fazendo as formas avançadas das plantas e animais se ajustarem ao seu objetivo e vontade.
Com a origem das ferramentas, mudanças maiores no corpo humano cessaram. Os órgãos humanos permanecem o que eram, com a exceção do cérebro. O cérebro humano teve que se desenvolver junto com as ferramentas; e, de fato, vemos que a diferença entre a mais alta e a mais baixa raça do gênero humano consiste principalmente no conteúdo de seus cérebros. Mas até mesmo o desenvolvimento deste órgão tem de parar num certo estágio.
Desde o começo da civilização, as funções do cérebro são cada vez mais substituídas por meios artificiais; a ciência é entesourada em livros. Nossa faculdade do raciocínio de hoje não é muito melhor do que a possuída pelos gregos, romanos ou até dos germânicos, mas nosso conhecimento tem crescido imensamente e isso é muito devido ao fato de que o órgão mental estava aliviado por seus substitutos, os livros.
Tendo aprendido a diferença entre os homens e os animais, vamos agora considerar como eles são afetados pela luta pela existência. Que essa luta é a causa da perfeição e da eliminação do imperfeito, não pode ser negado. Nessa luta os animais se tornam cada vez mais perfeitos. Aqui, no entanto, é necessário ser mais preciso na expressão e na observação do que consiste a perfeição. Sendo assim, não podemos mais dizer que os animais como um todo lutam e se tornam perfeitos. Os animais lutam e competem por meio de seus órgãos específicos. Os leões não travam a luta por meio de suas caudas; as lebres não dependem dos seus olhos; nem os falcões são bem sucedidos por meio de seus bicos. Os leões levam adiante a luta por meio de seus músculos saltadores e seus dentes; as lebres confiam em suas patas e ouvidos e falcões são bem sucedidos por causa de seus olhos e asas.
Se agora perguntarmos o que são essas lutas e o que compete a resposta é, a luta dos órgãos. Os músculos e dentes do leão, as patas e ouvidos da lebre e os olhos e as asas do falcão conduzem a luta. É na luta que os órgãos se tornam perfeitos. O animal como um todo depende desses órgãos e compartilha do seu destino.
Vamos agora fazer a mesma questão sobre o mundo humano. Os homens não lutam por meio de seus órgãos naturais, mas por meio de órgãos artificiais, por meio de ferramentas (e por armas devemos entender ferramentas). Aqui, também, o princípio da perfeição e da eliminação do imperfeito, através da luta, permanece verdadeiro. As ferramentas lutam e isso conduz a uma ainda maior perfeição de ferramentas. Aqueles grupos de tribos que usam melhores ferramentas e armas podem melhor assegurar sua subsistência e quando se torna uma luta direta com outra raça, a raça que é melhor equipada com ferramentas artificiais irá ganhar. Aquelas raças cuja técnica é melhor desenvolvida podem expulsar ou subjugar aqueles cujos auxiliares artificiais não são desenvolvidas. A raça européia domina porque seus recursos externos são melhores.
Aqui vemos que o princípio da luta pela existência, formulada por Darwin e enfatizada por Spencer, tem um efeito diferente nos homens e nos animais. O princípio de que a luta conduz à perfeição das armas usadas na guerra, leva a resultados diferentes entre homens e animais. No animal, leva a um desenvolvimento contínuo dos órgãos naturais; que é a base da teoria da descendência, a essência do darwinismo. Nos homens, leva a um desenvolvimento contínuo das ferramentas, dos meios de produção.
Essa, no entanto, é a base do marxismo. Aqui vemos que marxismo e darwinismo não são duas teorias independentes, cada qual aplicada ao seu domínio especial, sem ter nada em comum com a outra. Na realidade, o mesmo princípio subjaz ambas as teorias. Elas formam uma unidade. O novo curso tomado pelos homens, a substituição dos órgãos naturais pelas ferramentas, faz com que esse princípio fundamental se manifesta diferentemente nos dois domínios; aquele do mundo animal que se desenvolve de acordo com o princípio de Darwin, enquanto entre o gênero humano o princípio de Marx é aplicado. Quando os homens se libertaram do mundo animal, o desenvolvimento de ferramentas e métodos produtivos, a divisão do trabalho e do conhecimento se tornam a força propulsora do desenvolvimento social. São esses fatores que originamos diferentes sistemas, tais como o comunismo primitivo, o sistema camponês, o início da produção de mercadorias, o feudalismo e agora o capitalismo moderno e o qual nos traz cada vez mais perto do socialismo.
A forma específica que a luta darwinista pela existência assume no desenvolvimento é determinada pela sociabilidade do homem e seu uso das ferramentas. A luta pela existência, enquanto ainda é levada adiante entre membros de diferentes grupos, contudo cessa entre membros do mesmo grupo e seu lugar é tomado pela ajuda mútua e o sentimento social. Na luta entre grupos, o equipamento técnico decide quem deve ser o vencedor; isso resulta no progresso da técnica. Essas duas circunstâncias levam a diferentes efeitos sob sistemas diferentes. Vamos ver de que maneira eles funcionam sob o capitalismo.
Quando a burguesia ganhou poder político e fez do sistema capitalista o dominante, começou quebrando as algemas feudais e libertando o povo de todos os laços feudais. Era essencial para o capitalismo que todos estivessem aptos a tomar parte na luta competitiva; que o movimento de ninguém estivesse amarrado ou limitado por deveres corporativos ou dificultado por estatutos legais, pois apenas desta maneira era possível para a produção desenvolver sua capacidade total. Os trabalhadores devem ter livre comando de si mesmos e não estar amarrados por deveres feudais ou de guildas pois apenas como livres trabalhadores eles podem vender sua força de trabalho aos capitalistas como uma mercadoria inteira e somente como trabalhadores livres os capitalistas podem usá-los. É por essa razão que a burguesia varreu com todos os velhos laços e deveres. Fez o povo completamente livre, mas ao mesmo tempo os deixou completamente isolados e sem proteção.
Anteriormente o povo não estava isolado; eles pertenciam a alguma corporação; eles estavam sob a proteção de algum senhor ou comunidade e nisso eles achavam força. Eles eram parte de um grupo social para o qual eles tinham deveres e do qual eles recebiam proteção. Esses deveres a burguesia aboliu; destruiu as corporações e aboliu as relações feudais. A libertação do trabalho significou ao mesmo tempo que todo amparo foi retirado dele e que ele não podia mais confiar nos outros.
Todos tinham que confiar em si mesmos. Sozinhos, livres de todos os laços e proteção, ele deve lutar contra tudo.
É por essa razão que, sob o capitalismo, o mundo humano muito se assemelha ao mundo dos animais vorazes e é por esse exato motivo que os darwinistas burgueses procuraram pelo protótipo dos homens entre os animais que vivem isolados. A isso eles foram levados por sua própria experiência. Seu erro, no entanto, consistiu em considerar as condições capitalistas como eternas. A relação existente entre nosso sistema capitalista competitivo e os animais vivendo isolados, foi desta forma expressa por Engels em seu livro Anti-Duhring (Isso também pode ser encontrado na página 59 de “Do socialismo utópico ao socialismo científico) como segue:
“Finalmente, a indústria moderna e a abertura do mercado mundial fizeram a luta universal e ao mesmo tempo deram a ele virulência inaudita. As vantagens em condições naturais ou artificiais de produção agora decidem a existência ou não existência de capitalistas individuais bem como indústrias e países inteiros. Ele, que cai é sem nenhum remorso jogado a parte. É a luta darwinista da existência individual transferida da natureza para a sociedade com intensificada violência. As condições de existência natural para o animal aparece como o termo final do desenvolvimento humano.”
O que é isso que leva adiante a luta na competição capitalista, a perfeição da qual decide a vitória?
Primeiro vem as ferramentas técnicas, máquinas. Aqui de novo se aplica a lei de que a luta conduz à perfeição. A máquina que é mais aperfeiçoada exclui as menos aperfeiçoadas, as máquinas que não podem realizar muito e as ferramentas simples são exterminadas e a técnica da máquina se desenvolve com passos gigantes para uma sempre crescente produtividade. Essa é a aplicação real do darwinismo na sociedade humana. A particularidade disto é que sob o capitalismo há a propriedade privada e detrás de toda máquina há um homem. Detrás da máquina gigante há um grande capitalista e detrás da pequena máquina há um pequeno capitalista. Com a derrota da pequena máquina, o pequeno capitalista, como capitalista, perece com todas suas esperanças e felicidade. Ao mesmo tempo a luta é uma corrida do capital. O grande capital é melhor equipado; o grande capital está ficando cada vez maior. Essa concentração de capital mina o próprio capital , pois diminui a burguesia cujo interesse é manter o capitalismo e aumenta a massa que procura aboli-lo.
Nesse desenvolvimento, uma das características do capitalismo é gradualmente abolida. No mundo onde cada um luta contra todos e todos contra um, uma nova associação se desenvolve entre a classe operária, a organização de classe. As organizações da classe operária começam com o término da competição existente entre operários e combinando seus poderes separados em um grande poder em sua luta com o mundo externo. Tudo que se aplica aos grupos sociais também se aplica a essa organização de classe, trazida por condições naturais. Nas fileiras dessa organização de classe, causas sociais, sentimentos morais, auto sacrifício e devoção do corpo inteiro se desenvolvem de uma maneira mais esplêndida. Essa organização sólida dá à classe trabalhadora a grande força que ela necessita para derrotar a classe capitalista. A luta da classe, que não é uma luta com ferramentas mas para a posse de ferramentas, uma luta pelo direito de comandar a indústria, será determinada pela força da organização de classe.
Vamos agora olhar para o sistema de produção futuro levado adiante sob o socialismo. A luta que leva à perfeição das ferramentas não cessa. Como antes no capitalismo, a máquina inferior será distanciada e substituída pela superior. Como antes, esse processo levará à maior produtividade do trabalho. Mas a propriedade privada tendo sido abolida, não haverá mais um homem detrás de cada máquina dizendo que ela lhe pertence e compartilhando do seu destino
As máquinas serão propriedade comum e a substituição da menos desenvolvida pela maquinaria mais desenvolvida será conduzida com cuidadosa consideração.
Com a abolição das classes todo o mundo civilizado se tornará uma grande comunidade produtiva.
Dentro dessa comunidade a luta mútua entre membros cessará e prosseguirá contra o mundo exterior. Não será mais uma luta contra nossa própria espécie, mas uma luta para subsistência, uma luta contra a natureza.
Mas devido ao desenvolvimento da técnica e da ciência, dificilmente poderá ser chamado de luta. A natureza submete-se ao homem e com muito pouco esforço de sua parte ela o abastece com abundância.
Aqui um novo curso se abre para o homem: o homem ascendendo do mundo animal e prosseguindo sua luta pela existência pelo uso das ferramentas, cessa e um novo capítulo na história da humanidade se inicia.
Fonte |
Inclusão | 01/04/2009 |
Última alteração | 03/09/2011 |