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No decurso dos anos 30, Trótski tornou-se o maior perito mundial da luta anticomunista. Ainda hoje, os ideólogos da direita procuram nas obras de Trótski armas contra a União Soviética de Stáline. Em 1982, quando Reagan andava a pregar a nova cruzada anticomunista, Henri Bernard, professor emérito da Escola Real Militar Belga, publicou uma obra popularizando uma mensagem urgente:
«Os comunistas de 1982 são os nazis de 1939. Somos mais fracos frente a Moscovo do que éramos em Agosto de 1939 face a Hitler.»(1)
Encontram-se aí todos os clichés de um Le Pen:
«O terrorismo não é obra de alguns furiosos. A fonte de tudo isto é a URSS e o aparelho clandestino do terrorismo internacional.» (...) «O esquerdismo cristão é uma praga do Ocidente.» (...) «O sincronismo das manifestações “pacifistas” mostra sobejamente o quanto elas são inspiradas por Moscovo.» (...) «Os pára-quedistas britânicos que dão a vida pelas Falkland mostram que há ainda valores morais no Ocidente.»(2) Etc., etc..
As tácticas que utiliza um anticomunista tão visceral são por demais interessantes. Este homem, que não suporta o cheiro de um «cristão esquerdista», alia-se alegremente a Trótski. E, enquanto especialista em informações militares, afirma que as armas ideológicas forjadas por Trótski convêm perfeitamente ao seu combate... Eis o seu pensamento.
«No plano privado Lénine era, tal como Trótski, um ser humano», escreve Henri Bernard neste livro. «A sua vida sentimental não foi desprovida de fineza. Trótski deveria normalmente suceder a Lénine. Ele fora o principal artesão da Revolução de Outubro, o vencedor da Guerra Civil. Apesar das divergências de opinião, Lénine manteve a sua grande afeição por Trótski. Pensava nele como seu sucessor. E considerava Stáline demasiado brutal. No plano interior, Trótski erguia-se contra a burocracia pavorosa que paralisava a máquina comunista. Artista, literato, inconformista e frequentemente profeta, Trótski não podia entender-se com os dogmáticos primários do Partido. Em Stáline há nacionalismo, sentimento que não existia nem em Lénine nem em Trótski. Com Trótski, os partidos comunistas estrangeiros podiam considerar-se como uma força ao serviço exclusivo de uma ordem social a impor. Com Stáline, eles trabalham em benefício do Krémline e da sua política imperialista.»(3)
Apresentamos seguidamente algumas teses essenciais que Trótski lançou durante os anos 1937-1940 e que ilustram bem a natureza do seu combate contra o movimento comunista. Elas permitem-nos compreender por que homens dos serviços secretos ocidentais como Henri Bernard adoram apoiar-se em Trótski para combater os comunistas. E lançam também uma luz sobre a luta de classes entre bolcheviques e oportunistas e sobre certos aspectos da depuração dos anos 1937-1938.
Para Trótski, o inimigo principal estava à cabeça do Estado soviético era a «nova aristocracia» bolchevique, a camada mais anti-socialista e antidemocrática da sociedade, uma camada social que vive «como a burguesia abastada dos Estados Unidos». (!) Veja- se o que afirma:
«A burocracia privilegiada representa actualmente a camada mais anti-socialista e a mais antidemocrática da sociedade soviética.»(4) «Nós acusamos a clique dirigente de se ter transformado numa nova aristocracia que oprime e espolia as massas. (... ) A camada superior da burocracia tem uma vida semelhante à burguesia abastada nos Estados Unidos e nos outros países capitalistas.»(5)
Esta linguagem já não se distingue em nada da usada pelos chefes mencheviques quando lutavam de armas na mão ao lado dos exércitos brancos e intervencionistas. Nem tão pouco da linguagem da direita clássica dos países imperialistas.
Compare-se estas afirmações de Trótski com o que escreveu em 1948 o principal ideólogo do anticomunismo do sindicalismo cristão, P.J.S. Serrarens:
«Graças a Stáline, há de novo “classes”, pessoas ricas.» (...) «Tal como na sociedade capitalista, a elite é recompensada em dinheiro e em poder. Temos o que o Force Ouvrière chama de uma “aristocracia soviética”. Este semanário compara-a à aristocracia criada por Napoleão.»(6)
O sindicato Força Operária, ao qual Serrarens faz referência, foi criado e financiado directamente pela CIA após a II Guerra Mundial. O grupo trotskista dos «lambertistas» instalou-se aí. Nessa época, a confederação internacional dos sindicatos cristãos, tanto na Itália como na Bélgica, trabalhava também em ligação estreita com a CIA para a defesa do sistema capitalista na Europa. E para incitar os trabalhadores contra o comunismo, não tinha pejo em recorrer a uma revoltante demagogia «anticapitalista»: na URSS há «uma nova classe de pessoas ricas», uma «aristocracia soviética»!
Contra esta «nova aristocracia que oprime as massas» estava aos olhos de Trótski o bom povo, os «160 milhões de descontentes». Esse povo defendia a colectivização dos meios de produção e a economia planificada contra os «bandidos stalinistas despóticos e ignorantes». Enfim, com excepção dos «stalinistas», o resto da sociedade é sã e trava lutas justas! Escutemos Trótski.
«Doze a 15 milhões de privilegiados, é este o “povo” que organiza as paradas, as manifestações e as ovações. Mas para além destes homens a soldo, há cento e sessenta milhões de descontentes. O antagonismo entre a burocracia e o povo mede-se pela severidade crescente da regulamentação totalitária. A burocracia não pode ser derrotada senão por uma nova revolução política.»(7)
«A economia é planificada na base da estatização e da colectivização dos meios de produção. Esta economia estatizada tem suas leis próprias que se coadunam cada vez menos com o despotismo, a ignorância e o banditismo da burocracia stalinista.»(8).
Embora considerasse impossível o restabelecimento do capitalismo, toda a oposição social-democrata, revisionista, burguesa e contra-revolucionária era legítima para Trótski! Ela exprime a voz dos «160 milhões de descontentes» e visa «defender» a colectivização dos meios de produção contra a «nova aristocracia». Trótski torna-se o porta-voz mais pérfido de todas as forças retrógradas, anti-socialistas e fascistas.
Trótski foi um dos primeiros a lançar a ideia de que o bolchevismo e o fascismo são irmãos gémeos. Esta tese era muito popular nos anos 30 entre os partidos reaccionários católicos. O Partido Comunista era o seu inimigo jurado, o Partido Fascista, o seu concorrente burguês mais temido. Eis o que diz Trótski:
«O fascismo alcança vitória sobre vitória e o seu melhor aliado, aquele que lhe abre caminho no mundo inteiro, é o stalinismo.»(9).
«Na realidade, os métodos políticos de Stáline em nada se distinguem dos de Hitler. Mas a diferença dos resultados sobre a cena internacional salta aos olhos.»(10)
«Uma parte considerável, e que assume cada vez mais importância no aparelho soviético, é formada por fascistas que ainda não se assumiram como tais. Identificar o regime soviético no seu conjunto com o fascismo é um erro histórico grosseiro. (... ) Mas a simetria das super-estruturas políticas, a similitude dos métodos totalitários e dos padrões psicológicos é impressionante. (...) A agonia do stalinismo é o espectáculo mais horroroso e odioso da história da humanidade.»(11)
Trótski apresenta aqui uma das primeiras versões de um dos temas da agitação levada a cabo pela CIA e pelos fascistas durante os anos 50 - o «fascismo vermelho». Após 1944-1945, todos os fascistas alemães, húngaros, croatas e ucranianos que se refugiaram no Ocidente enfiaram a máscara «democrática»; elogiavam a «democracia» americana, a nova potência hegemónica, que era o principal apoio de todas as forças retrógradas e fascistas no mundo. Estes «antigos» fascistas, fiéis ao seu passado criminoso, todos desenvolveram o tema: «O bolchevismo é o fascismo, mas pior».
Anotamos assim que num momento em que o fascismo já se tinha lançado na guerra (guerras na Etiópia e na Espanha, anexação da Áustria e da Checoslováquia), Trótski afirmava que «o espectáculo mais horroroso e odioso» sobre a terra era a agonia do socialismo!
Trótski, ele que falava demagogicamente da «revolução mundial» para melhor sufocar a revolução soviética, tornou-se o principal propagandista do derrotismo e do espírito de capitulação na União Soviética. Trótski divulga a ideia de que, no caso de uma agressão fascista contra a URSS, Stáline e os bolcheviques «trairão» e, sob a sua direcção, a derrota da União Soviética não suscita a menor dúvida. Eis as suas teses a este respeito.
«A situação militar na Rússia soviética é contraditória. De um lado, temos uma população de 170 milhões de habitantes despertados pela maior revolução da história, que possui uma indústria de guerra mais ou menos desenvolvida. Do outro lado, temos um regime político que paralisa todas as forças desta nova sociedade. Estou certo de uma coisa: o regime político não sobreviverá à guerra. O regime social, que é a nacionalização da produção, é incomparavelmente mais poderoso que o regime político que é despótico. Os representantes do regime político, a burocracia, estão assustados com a perspectiva da guerra porque sabem melhor do que nós que não sobreviverão à guerra enquanto regime político.»(12)
De novo temos de um lado «os 170 milhões», os «bons» cidadãos que estavam todos despertos pela revolução. Pergunta-se, quem os terá despertado se não foi o partido bolchevique e Stáline? A grande massa camponesa não estava de modo algum «desperta» durante os anos 1921-1928. Trótski constata ainda que esses «170 milhões» possuem «uma indústria de guerra desenvolvida». Como se não tivesse sido a política de industrialização e de colectivização proposta por Stáline, e realizada graças à sua vontade de ferro, que permitiu criar num tempo recorde as fábricas de armamento! Graças à sua linha justa, à sua vontade, à sua capacidade de organização, o regime bolchevique despertou todas as forças populares da sociedade, mantidas até então na ignorância, na superstição, no trabalho individual primitivo. No entanto, segundo as palavras do provocador em que Trótski se converteu, este regime bolchevique paralisava todas as forças da sociedade! E faz uma das suas numerosas profecias desvairadas: Está certo de que o regime bolchevique não sobreviverá à guerra! Encontramos, pois, em Trótski dois temas de propaganda caros aos nazis: o antibolchevismo e o derrotismo.
«Berlim sabe perfeitamente até que grau de desmoralização a clique do Krémline arrastou o exército e a população na luta pela sua autopreservação. (...) Stáline continua a minar a força moral e a resistência do país em geral. Os carreiristas sem honra nem consciência, nos quais é cada vez mais obrigado a apoiar-se, trairão o país nos momentos difíceis.»(13)
Com o seu ódio ao comunismo, Trótski incita deste modo os nazis à guerra contra a URSS. Ele, o «fino especialista» dos assuntos da URSS, informa os nazis de que têm todas as possibilidades de ganhar a guerra contra Stáline: o exército e a população estão desmoralizados (falso!), Stáline mina a resistência (falso!), os stalinistas capitularão logo no início da guerra (falso!).
Na União Soviética esta propaganda trotskista teve dois efeitos: incitou ao derrotismo e ao espírito de capitulação, à ideia de que a vitória do fascismo era inevitável com uma direcção tão corrompida e incapaz; e instigou também «insurreições» ou atentados para eliminar os dirigentes bolcheviques «que trairão nos momentos difíceis». Com efeito, uma direcção da qual se afirma categoricamente que não sobreviverá à guerra poderia ser facilmente derrubada mal começasse o conflito. Os grupos anti-soviéticos e oportunistas podiam então tentar a sua sorte. Em ambos os casos as provocações de Trótski ajudaram directamente os nazis.
No capítulo consagrado ao complot militar de Tukhatchévski mostrámos que existiu realmente uma oposição anticomunista entre os quadros do Exército Vermelho. A atitude de Trótski em relação a esta realidade é muito significativa. Vejamos textualmente as posições de Trótski sobre o caso Tukhatchévski:
«Devo dizer aqui quais foram minhas relações com Tukhatchévski. Nunca levei a sério as convicções comunistas deste antigo oficial da Guarda. (...) Os generais (próximos de Tukhatchévski) lutaram para defender a segurança da União Soviética contra os interesses pessoais de Stáline.»(14)
«O exército precisa de homens capazes, honestos, como os economistas e os cientistas, homens independentes com espírito aberto. Todo homem ou mulher com espírito independente entra em conflito com a burocracia e a burocracia tem de decapitar todo o bloco para se preservar a si própria. (...) Um bom general como Tukhatchévski tem necessidade de assistentes, de outros generais à sua volta, e aprecia cada homem pelo seu valor intrínseco. A burocracia tem necessidade de homens dóceis, bizantinos, escravos, e esses dois tipos de homens entram sempre em conflito onde quer que seja.»(15)
«Tuchatchévski e com ele a flor dos quadros militares pereceram na luta contra a ditadura policial sobre os oficiais do Exército Vermelho. Pelas suas qualidades sociais, a burocracia militar não é naturalmente melhor que a burocracia civil. A burocracia no seu conjunto concentra nas suas mãos duas funções: o poder e a administração. Ora precisamente estas duas funções estão hoje em contradição aguda. Para assegurar uma boa administração é necessário liquidar o poder totalitário.»
«Que pode pois significar a nova dualidade do comando: a primeira etapa da decomposição do Exército Vermelho e o início de uma nova guerra civil no país? Os comissários da nova formação representam o controlo da clique bonapartista sobre a administração militar e civil e, através dela, sobre o povo. Os actuais comandantes formaram-se no Exército Vermelho e estão indiscutivelmente ligados a ele. Ao invés, os comissários são recrutados entre os filhos dos burocratas que não têm experiência revolucionária, conhecimentos militares ou capital ideológico. É o exemplo acabado dos carreiristas da nova escola. Não são chamados a comandar porque encarnam a “vigilância”, ou seja, a supervisão policial do exército. Os comandantes demonstram- lhes um ódio bem merecido. O regime de dualidade do comando transforma-se numa luta entre a polícia política e o exército, na qual o poder central está ao lado da polícia.»
«O desenvolvimento do país, e em particular o crescimento das suas novas necessidades, é incompatível com a lama totalitária; é por isso que se manifestam tendências para repelir, perseguir, expulsar a burocracia de todos os domínios da vida. Nos domínios da técnica, do ensino, da cultura, da defesa, as pessoas experientes, conhecedoras, com autoridade repelem automaticamente os agentes da ditadura stalinista que são, na sua maioria, canalhas incultos e cínicos do género Mekhlis e Ejov.»(16)
Antes de mais nada, Trótski é obrigado a reconhecer que Tukhatchévski e os seus semelhantes nada tinham de comunistas: tempos antes, o próprio Trótski tinha, aliás, designado Tukhatchévski como candidato a um golpe de estado militar do tipo de Napoleão. Por outro lado, por imposição da sua luta cega contra Stáline, Trótski nega a existência de uma oposição burguesa, contra-revolucionária, na direcção do exército. Na verdade apoia qualquer oposição contra Stáline e o núcleo bolchevique, incluindo a de Tukhatchévski, Álksnis, etc.. Trótski conduz uma política de frente única com todos os anticomunistas no seio do Exército. Isto mostra claramente que não via outra forma de chegar ao poder senão em aliança com as forças da contra-revolução. Trótski afirma que todos aqueles que combatem Stáline e a direcção do Partido no seio do Exército estão efectivamente preocupados com a segurança do país, enquanto que os oficiais que são leais ao Partido defendem a ditadura de Stáline e os interesses pessoais deste último.
Ficamos impressionados ao constatar que a análise de Trótski sobre a luta no seio do Exército Vermelho se assemelha, como duas gotas de água, à que Roman Kolkowiz faz no seu estudo para o exército americano. Primeiro, Trótski opõe-se a todas as medidas do Partido no sentido de exercer controlo político sobre o Exército Vermelho. Em particular, ataca a reintrodução dos comissários políticos, que viriam a desempenhar um papel essencial como alma política da guerra de resistência antifascista, mantendo um moral revolucionário a toda prova e ajudando os jovens soldados a adoptarem uma orientação política clara face à complexidade extrema dos problemas colocados pela guerra. Trótski estimula sentimentos elitistas e exclusivistas dos militares contra o Partido, com o objectivo explicitamente mencionado de fazer rebentar o Exército Vermelho e provocar uma guerra civil. Em seguida, Trótski declara-se partidário da independência e portanto do «profissionalismo» dos oficiais, dizendo que são capazes, honestos e com espírito aberto na medida em que se opõem ao Partido! Torna-se assim evidente que todos os elementos anticomunistas do género de Tokáev defendiam as suas ideias dissidentes burguesas em nome da independência e da abertura de espírito!
Trótski afirma que havia um conflito entre o poder «stalinista» e a administração do Estado, e apoia esta última. De facto, a oposição que evoca entre poder e administração era a oposição entre o partido bolchevique e a burocracia do Estado. Como todos os anticomunistas do mundo, Trótski cola ao Partido o rótulo infamante da «burocracia». Ora o verdadeiro perigo de burocratização do regime encontra-se em sectores da administração que nada têm a ver com o ideal comunista, que procuram desembaraçar- se do controlo político e ideológico «sufocante» do Partido para assim se colocarem acima da sociedade, obtendo privilégios e vantagens de todo género. O controlo político do Partido sobre a administração militar e civil teve como objectivo principal combater as tendências de degeneração burocrática. Quando Trótski declara textualmente que para assegurar a boa administração do País é preciso libertá-la do Partido, torna-se o porta- voz das piores tendências burocráticas no seio do aparelho.
No plano mais geral, Trótski arvora-se em defensor do «profissionalismo» dos quadros militares, técnicos, científicos e culturais, enfim, de todos os tecnocratas que tendem a libertar-se do controlo do Partido, que gostariam de «expulsar o Partido de todos os domínios da vida», segundo o conselho de Trótski...
Na luta de classes que o Partido e o Estado atravessaram nos anos 30 e 40, a linha de demarcação estava entre as forças que defendiam a política leninista de Stáline e aquelas que encorajavam o tecnocratismo, o burocratismo e o militarismo. Foram estas últimas forças que adquiriram a hegemonia na direcção do Partido, com o golpe de estado de Khruchov.
Trótski defendeu a tese segundo a qual, para preparar o País para a guerra contra a agressão nazi, era preciso abater Stáline e os bolcheviques. Ao fazê-lo, Trótski tornou-se um instrumento ao serviço dos hitlerianos. Recentemente, num encontro na Universidade Livre de Bruxelas, um energúmeno berrou:
«Isso são mentiras! Trótski sempre disse que defendia incondicionalmente a URSS contra o imperialismo.»
Sim, Trótski sempre defendeu a União Soviética... se aceitarmos no mínimo que destruir o partido bolchevique era a melhor preparação para a defesa! O ponto capital é que Trótski incitava à insurreição antibolchevique — que não aproveitaria ao punhado de trotskistas, mas aos nazis. Trótski bem podia pregar a insurreição em nome de uma «melhor defesa» da URSS, mas isso em nada altera o facto de que ele conduzia uma política anticomunista e que mobilizava todas as forças anti-socialistas. Não há dúvida de que os nazis foram os primeiros a apreciar esta «melhor defesa da URSS».
Vejamos as declarações exactas de Trótski sobre a «melhor defesa da URSS».
«Não posso ser pela URSS em geral. Estou com as massas trabalhadoras que criaram a URSS e contra a burocracia que usurpou os ganhos da revolução.» (...) «O dever de um verdadeiro revolucionário é declarar francamente e abertamente: Stáline prepara a derrota da URSS.»(17)
«A principal fonte de perigo para a URSS nas condições actuais reside em Stáline e na oligarquia da qual é o chefe. A luta contra esta gente está para mim inseparavelmente ligada à defesa da URSS.»(18)
«O antigo partido bolchevique foi transformado num aparelho de casta. (...) Contra o inimigo imperialista, nós defendemos a URSS com todas as nossas forças. No entanto, as conquistas da Revolução de Outubro não servirão o povo se este não se mostrar capaz de agir com burocracia stalinista como antes o fez com a burocracia tsarista e a burguesia.»(19)
«Só uma insurreição do proletariado soviético contra a infame tirania dos novos parasitas pode salvar o que ainda subsiste nos fundamentos da sociedade das conquistas de Outubro. Neste sentido, e apenas neste sentido, nós defendemos a Revolução de Outubro contra o imperialismo, fascista ou democrático, contra a burocracia stalinista e os seus “amigos” a soldo.»(20)
Destas citações ressalta com clareza que as palavras «nós defendemos a URSS contra o imperialismo» são pronunciadas por um anticomunista que é obrigado a dizê-las se quer ter alguma possibilidade de ser ouvido pelas massas decididas a defender com corpo e alma o regime socialista. Mas só pessoas politicamente cegas podiam enganar-se sobre o verdadeiro sentido desta «defesa». Com efeito só traidores e inimigos pregam a defesa desta forma: «Stáline trairá, ele prepara a derrota; é preciso então eliminar Stáline e a direcção bolchevique para poder defender a URSS.» Uma tal propaganda convinha perfeitamente aos nazis.
Trótski «defende» a URSS... mas não a URSS de Stáline e do partido bolchevique. Alega que defenderá a URSS «com todas as nossas forças», o que significa com alguns milhares de adeptos que dispunha na URSS! Mas para já aqueles milhares de marginais deviam esforçar-se para provocar uma insurreição contra Stáline e o partido bolchevique! Bela defesa, com efeito.
Mesmo um adversário do socialismo como Tokáev considera que estas palavras de Trótski faziam o jogo dos agressores alemães. Tokáev é partidário do imperialismo inglês. No início da guerra faz as seguintes reflexões:
«Os povos da URSS, guiados pelos seus sentimentos elementares face a um perigo mortal, estavam identificados com o regime de Stáline. As forças oposicionistas deram-se as mãos num movimento espontâneo. Em geral pensava-se: aliemo-nos até com o diabo para derrotar Hitler. Por esta razão, conduzir uma oposição contra Stáline não era apenas nocivo à frente internacional contra as Potências do Eixo, mas significava também tomar uma posição antagónica em relação aos povos da URSS.»(21)
Ao aproximar-se a II Guerra Mundial, o derrubamento do partido bolchevique na União Soviética tornou-se a principal obsessão, se não a única, de Trótski. Eis as suas declarações:
«A burocracia reaccionária deve ser e será derrotada. A revolução política na URSS é inevitável.»(22)
«Só o derrubamento da clique bonapartista do Krémline pode permitir a regeneração do poder militar da URSS. (...) A luta contra a guerra, o imperialismo e o fascismo exigem uma luta sem piedade contra o stalinismo coberto de crimes. Quem quer que defenda directamente ou indirectamente o stalinismo, quem quer que guarde silêncio sobre as suas traições ou exagere o poder do seu exército é o pior inimigo da revolução, do socialismo e dos povos oprimidos.»(23)
Em 1938, quando estas frases foram escritas, uma feroz luta de classes desenvolvia-se na cena mundial entre o imperialismo e o socialismo, entre o fascismo e o bolchevismo. Só os homens políticos mais à direita do imperialismo francês, inglês e americano e os ideólogos fascistas defendiam esta tese propagada por Trótski:
«Aquele que defende directamente ou mesmo indirectamente Stáline e o partido bolchevique é meu pior inimigo.»
A partir de 1935, Trótski passa a pregar publicamente e de forma constante o derrubamento dos bolcheviques pelo terrorismo e a insurreição armada. Em Abril de 1937 afirma que é inevitável que se produzam atentados contra Stáline e os outros dirigentes bolcheviques na URSS. Em palavras declara que o terror individual não faz parte das tácticas leninistas. Mas ressalva que «as leis da história dizem-nos que os atentados e actos de terror contra gangsters como Stáline são inevitáveis». Eis os termos nos quais Trótski advogou o terror individual em 1938:
«Stáline destroi o Exército e espezinha o país. O ódio acumula-se em torno dele, implacável, e uma vingança terrível está suspensa sobre a sua cabeça. Um atentado? É possível que este regime, que exterminou todas as melhores mentes do país sob o pretexto da luta contra o terrorismo, atraia finalmente sobre ele próprio o terror individual. Pode acrescentar-se que seria contrário às leis da história que os gangsters no poder não levantem contra si a vingança de terroristas desesperados. Mas a IV Internacional não tem nada a ver com o desespero, e a vingança individual é demasiado limitada para nós. (... ) Por muito que o destino pessoal de Stáline nos interesse, apenas podemos desejar que viva o tempo suficiente para ver o seu sistema desmoronar-se. Não terá de esperar muito.»(24)
Assim, para os trotskistas, seria «contrário às leis da história» que ninguém tentasse matar Stáline, Mólotov, Jdánov, Káganovitch, etc., através de um atentado. Esta era uma forma «inteligente» e «hábil» de a organização clandestina trotskista fazer passar a sua mensagem terrorista. Não diz, «organizem atentados»; diz, «a vingança terrorista contra Stáline inscreve-se nas leis da história». Recorde-se que nos meios anticomunistas, frequentados por Tokáev e Aleksandr Zinóviev, colocava-se amiúde a questão da preparação de atentados contra os dirigentes bolcheviques. Vemos assim qual a natureza das forças que se «inspiravam» nos apelos de Trótski.
Trótski alterna os apelos ao terrorismo individual com a propaganda da insurreição armada. Em geral, utiliza a expressão velada e hipócrita da «revolução política». Quando num debate com o trotskista Mandel, em 1989, afirmámos que Trótski pregava a luta armada contra o regime soviético, Mandel teve um dos seus acessos de cólera e clamou que se tratava de uma das «mentiras stalinistas», já que «revolução política» quer dizer revolução popular, mas pacífica. Esta anedota é exemplar da duplicidade a que têm de recorrer sistematicamente os anticomunistas profissionais cuja tarefa principal é infiltrar os meios de esquerda. Aqui, Mandel queria lisonjear o pacifismo do público ecologista para o qual falávamos.
Eis o programa de luta armada antibolchevique apresentado por Trótski:
«O povo viveu três revoluções e derrubou a monarquia tsarista, a nobreza e a burguesia. Em certo sentido, a burocracia soviética reúne no presente traços de todas as classes derrubadas, mas não têm as suas raízes sociais, nem as suas tradições. Só através do terror organizado consegue defender os seus privilégios monstruosos. (... ) Só poderemos garantir a defesa do País destruindo a clique autocrática dos sabotadores e dos derrotistas.»(25)
Verdadeiro contra-revolucionário, Trótski pretende que o socialismo reúne os traços opressivos do tsarismo, da nobreza e da burguesia. Mas, diz ele, o socialismo não tem uma base social tão ampla como esses regimes exploradores! As massas anti-socialistas poderão assim derrubá-lo mais facilmente. Novamente é um apelo a todas as forças reaccionárias para que tomem de assalto esse regime abominável e precário e realizem a «quarta revolução».
Em Setembro de 1938, a Áustria já estava anexada. É o mês de Munique, onde os imperialismos inglês e francês darão sinal verde a Hitler para a ocupar a Checoslováquia. No seu novo Programa de Transição, Trótski desenvolve as tarefas a cumprir pela sua organização, a qual ele próprio confessa que «é, sem dúvida, extremamente fraca na URSS».
«É impossível realizar este programa sem derrubar a burocracia que se mantém pela violência e a falsificação. Só a sublevação revolucionária vitoriosa das massas oprimidas pode regenerar o regime soviético e assegurar a marcha em direcção ao socialismo. Só o Partido da IV Internacional é capaz de conduzir as massas soviéticas para a insurreição.»
Este documento, que as diferentes seitas trotskistas continuam a considerar como o seu programa fundamental, contém uma frase extraordinária. Quando chegará o dia da «insurreição» e da «sublevação» na União Soviética? A resposta de Trótski é de tal franqueza que nos deixa estupefactos: Trótski planeia a sua «insurreição» assim que os nazis tiverem agredido a União Soviética! Di-lo do seguinte modo:
«O impulso para o movimento revolucionário dos operários soviéticos será dado, provavelmente, por acontecimentos exteriores.»(26)
A seguinte citação apresenta-nos um belo exemplo da duplicidade. Em 1933, Trótski afirmou que um dos «crimes» dos stalinistas alemães foi terem recusado a frente única com a social-democracia contra o fascismo. Ora, até a tomada do poder por Hitler, a social-democracia defendia com unhas e dentes o regime capitalista e rejeitou todas as propostas de unidade anticapitalista e antifascista apresentadas pelo Partido Comunista Alemão. Mas agora estamos em 1940 e a II Guerra Mundial começou há oito meses. E é neste preciso momento que Trótski, o grande especialista da «frente única», propõe ao Exército Vermelho que desencadeie uma insurreição contra o regime bolchevique! Escreveu-o numa Carta Aberta aos Trabalhadores Soviéticos:
«O objectivo da IV Internacional é regenerar a URSS expurgando-a da sua burocracia parasitária. Isto só pode ser feito de uma forma: pelos operários, os camponeses, os soldados do Exército Vermelho e os marinheiros da Frota Vermelha que se levantarão contra a nova casta de opressores e de parasitas. Para preparar este levantamento de massas, é necessário um novo partido, a Quarta Internacional.»(27)
Na altura em que Hitler ultimava já os planos de guerra contra a União Soviética, o provocador Trótski apela ao Exército Vermelho para que efectue um golpe de estado. Um tal acontecimento teria criado uma desordem monstruosa, abrindo o país inteiro aos tanques fascistas.
Notas:
(1) Henri Bernard, Le communisme et l’aveuglement occidental, Ed. André Grisar, 1982, p. 9. (retornar ao texto)
(2) Ibidem, pp. 121, 123, 122, 11. (retornar ao texto)
(3) Ibidem, pp. 48, 50. (retornar ao texto)
(4) 22 de Fevereiro de 1937; Trotski, La lutte antibureaucratique en URSS, U.G.E., 10-18, Paris 1975 pp. 143-144. (retornar ao texto)
(5) 14 de Fevereiro de 1940; Ibidem, pp. 281-284. (retornar ao texto)
(6) Serrarens, La Russie et l’occident, C.I.S.C., Utrecht, não datado, pp. 33. (retornar ao texto)
(7) 14 de Fevereiro de 1940; Trotski, op. cit., p. 282. (retornar ao texto)
(8) 24 de Março de 1940. Ibidem, p.126. (retornar ao texto)
(9) Abril de 1938; Trotski, L’appareilpolicier du stalinisme, Ed. 1049, 1976, p. 239. (retornar ao texto)
(10) 24 de Março de 1940; Trotski, La lutte antibureaucratique, op. cit., p. 216. (retornar ao texto)
(11) 17 de Março de 1938; Ibidem, pp. 161-162. (retornar ao texto)
(12) 23 de Julho de 1939; Ibidem, pp. 257-259. (retornar ao texto)
(13) 12 de Março de 1938; Trotski, L’appareilpolicier, op. cit., p. 234. (retornar ao texto)
(14) 6 de Março de 1938; Ibidem, pp. 197 e 201. (retornar ao texto)
(15) 23 de Julho de 1939; Trotski, La lutte antibureaucratique, op. cit., pp. 258-259. (retornar ao texto)
(16) 3 de Julho de 1939; Ibidem, pp. 166-169. (retornar ao texto)
(17) 20 de Dezembro de 1938; Ibidem, pp. 209 e 211. (retornar ao texto)
(18) 13 de Março de 1940; Ibidem, pp. 294-297. (retornar ao texto)
(19) Maio de 1940; Ibidem, pp. 301-303. (retornar ao texto)
(20) 14 de Novembro de 1938; Ibidem, pp. 205-206. (retornar ao texto)
(21) Tokáev, Comrade X, Harvill Press, Londres, 1956, p. 188. (retornar ao texto)
(22) 13 de Janeiro de 1938; La lutte antibureaucratique, op. cit., pp. 159-160. (retornar ao texto)
(23) 10 de Outubro de 1938; Ibidem, p. 188. (retornar ao texto)
(24) Abril de 1938; L’appareilpolicier, op. cit., p. 239. (retornar ao texto)
(25) 2 de Julho de 1938; La lutte antibureaucratique, op. cit., pp. 165 et 169. (retornar ao texto)
(26) Programme de transition, 1946, capítulo «La situation en URSS et les taches...», pp. 30, 33 e 32. (retornar ao texto)
(27) Maio de 1940; Trotski, La lutte antibureaucratique, op, cit., pp. 301-303. (retornar ao texto)
Inclusão | 05/02/2016 |