Um Outro Olhar Sobre Stáline

Ludo Martens


Capítulo III - A industrialização socialista

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No final da Guerra Civil, os bolcheviques herdaram um país completamente arruinado, com uma indústria devastada por oito anos de operações militares. Os bancos e as grandes empresas foram nacionalizados e, através de um esforço extraordinário, a União Soviética começa a erguer o aparelho industrial.

Em 1928, a produção de aço, carvão, cimento, têxteis e máquinas-ferramentas alcançou ou ultrapassou o nível de antes da guerra. É então que a União Soviética formula um desafio que parece impossível de realizar: lançar, graças a um plano quinquenal nacional, as bases de uma indústria moderna, contando essencialmente com as forças internas do país. Para o conseguir, o país mobiliza-se para empreender uma marcha forçada rumo à industrialização.

A industrialização socialista é a peça-chave da edificação socialista na União Soviética. Tudo depende do seu êxito. A industrialização deve lançar as bases materiais do socialismo. Permitirá transformar radicalmente a agricultura com recurso a máquinas e a técnicas modernas. Preparará um futuro de bem-estar material e cultural para os trabalhadores. Fornecerá os meios para uma verdadeira revolução cultural. Produzirá a infra-estrutura de um Estado moderno e eficaz. E só ela poderá fornecer ao povo trabalhador armas modernas para defender a sua independência contra as potências imperialistas agressivas.

Em Fevereiro de 1931, Stáline explica a necessidade de o país manter ritmos extremamente rápidos para se industrializar:

«Estamos 50 a 100 anos atrasados em relação aos países mais avançados. Temos de percorrer esta distância em dez anos. Ou conseguimos fazê-lo ou seremos esmagados.»(1)

Ao longo dos anos 30, os fascistas alemães, tal como os imperialistas franceses e ingleses, pintaram em cores vivas o «terror» que acompanhou a «industrialização forçada». Todos ruminavam a sua vingança da derrota que haviam sofrido em 1918-1921 quando intervieram militarmente na União Soviética. Todos desejavam ver uma União Soviética fácil de pulverizar. Pedindo esforços extraordinários aos trabalhadores, Stáline tinha constantemente no seu campo de visão a ameaça terrível da guerra e da agressão imperialista que pairava sobre o primeiro país socialista.

O esforço gigantesco para industrializar o país nos anos de 1928 a 1932 ficou conhecido como «a revolução industrial de Stáline», título de um livro consagrado a este período por Hiroaki Kuromiya, professor na Universidade de Indiana nos EUA.(2) Fala-se também de uma «segunda revolução» ou de uma «revolução de cima». Com efeito, os revolucionários mais conscientes e enérgicos encontravam-se à frente do Estado e daqui despertaram, mobilizaram, disciplinaram dezenas de milhões de trabalhadores-camponeses mantidos até então nas trevas do analfabetismo e do obscurantismo religioso. Podemos resumir o tema central do livro de Kuromiya ao seguinte: Stáline conseguiu mobilizar os operários e os trabalhadores em geral para a industrialização acelerada, apresentando-a como uma guerra de classe dos oprimidos contra as antigas classes exploradoras e contra os sabotadores que surgiram nas suas próprias fileiras.

Para estar à altura de dirigir o esforço gigantesco da industrialização, o Partido necessitou de alargar as suas fileiras. O número de aderentes passou de 1,3 milhões em 1928 para 1,67 milhões em 1930. Durante o mesmo período, a percentagem de membros de origem operária passou de 57 para 65 por cento. Oitenta por cento dos novos recrutados eram trabalhadores de vanguarda: em geral eram trabalhadores relativamente jovens que haviam recebido formação técnica, activistas do Komsomol que se haviam distinguido como trabalhadores modelo, que ajudavam a racionalizar a produção e obtinham uma alta produtividade.(3) Isto refuta bem a fábula da «burocratização» do Partido stalinista: o Partido reforçou o seu carácter operário e a sua capacidade de combate.

A industrialização fez-se acompanhar de movimentações extraordinárias. Milhões de camponeses analfabetos foram arrancados da Idade Média e propulsados para o mundo da maquinaria moderna.

«No final de 1932, a força de trabalho industrial tinha duplicado em relação a 1928, atingindo seis milhões de pessoas.»(4)

No mesmo período de quatro anos e para o conjunto dos sectores, 12,5 milhões de pessoas tinham encontrado uma nova ocupação na cidade, 8,5 milhões das quais eram antigos camponeses.(5)

Heroísmo e entusiasmo

Odiando o socialismo, a burguesia compraz-se em sublinhar o carácter «forçado» da industrialização. Mas aqueles que viveram ou observaram a industrialização socialista do lado das massas trabalhadoras sublinham as seguintes características: heroísmo no trabalho, entusiasmo e combatividade.

No decurso do primeiro plano quinquenal, Anna Louise Strong, uma jovem jornalista americana ao serviço do jornal soviético Notícias de Moscovo, percorreu o país de lés a lés. Quando em 1956 Khruchov lançou o seu ataque pérfido contra Stáline, ela veio a público chamar a atenção para certos factos essenciais. Falando do primeiro plano quinquenal, pronunciou o seguinte julgamento:

«Jamais em toda a história um tal progresso foi realizado tão rapidamente.»

Em 1929, ano do lançamento do plano, o entusiasmo das massas trabalhadoras era tal que mesmo um velho especialista da Rússia antiga, que tinha vomitado em 1918 o seu ódio contra os bolcheviques, teve de reconhecer que o país estava irreconhecível. O doutor Emile Joseph Dillon viveu na Rússia de 1877 a 1914 e leccionou em várias universidades russas. Quando partiu, em 1918, escreveu:

«No movimento bolchevique não há sinal de uma ideia construtiva ou social. O bolchevismo é o tsarismo ao contrário. Impõe aos capitalistas tratamentos tão maus quanto aqueles que eram reservados pelos tsares aos seus servos.»(6)

Mas quando Dillon regressa à Rússia, dez anos depois, não acredita nos seus próprios olhos:

«Por toda parte o povo pensa, trabalha, organiza-se, faz descobertas científicas e industriais. Nunca se testemunhou nada de semelhante, nada que se lhe aproximasse na variedade, na intensidade, na tenacidade com que os ideais são perseguidos. O ardor revolucionário consegue demover obstáculos colossais e fundir elementos heterogéneos num único grande povo; com efeito, não se trata de uma nação, no sentido do velho mundo, mas de um povo forte, cimentado por um entusiasmo quase religioso. Os bolcheviques têm realizado muito do que proclamaram e mais do que parecia realizável por qualquer organização humana nas difíceis condições em que têm operado.

Mobilizaram mais de 150 milhões de seres humanos apáticos, mortos-vivos, e insuflaram-lhes um espírito novo.»(7)

Anna Louise Strong recorda-se de como os milagres da industrialização foram realizados.

«A fábrica de tractores de Khárkov tinha um problema. Fora construída “fora do plano”. [Em 1929], os camponeses afluíram às explorações colectivas mais rapidamente do que o previsto. Não era possível satisfazer a procura de tractores.

«Khárkov, orgulhosamente ucraniana, decide construir sua própria fábrica fora do plano. Todo o aço, os tijolos, o cimento e a força de trabalho disponíveis já estavam atribuídos por cinco anos. Khárkov só poderia obter o aço de que precisava se convencesse algumas empresas siderúrgicas a produzirem “acima do plano”.

«Para suprir a falta de braços, dezenas de milhares de pessoas, empregados, estudantes, professores, faziam trabalho voluntário durante os seus dias livres. “Todas as manhãs, às seis e meia, víamos chegar um comboio especial”, dizia M. Raskin, engenheiro americano destacado em Khárkov. “Vinham com bandeiras e charangas, todos os dias chegava um grupo diferente, mas eram sempre alegres”. Metade do trabalho não especializado foi efectuada por voluntários.»(8)

Em 1929, a colectivização tinha alcançado uma extensão imprevista. A fábrica de tractores de Khárkov não foi a única «correcção» ao plano. A fábrica Putílov, de Leningrado, tinha produzido 1 115 tractores em 1927 e 3 050 em 1928. Após acaloradas discussões na fábrica, foi aprovado um plano de dez mil tractores para 1930! Foram entregues exactamente 8 935.

O milagre da industrialização numa década foi na verdade influenciado pelas transformações que se produziram nos meios rurais atrasados, mas também pelo aumento da ameaça de guerra.

A Siderurgia de Magnitogorsk foi concebida para produzir 656 mil toneladas por ano. Contudo, em 1930, foi elaborado um plano para elevar a produção para 2,5 milhões de toneladas.(9) Porém, os planos de produção de aço não tardariam de novo a ser revistos em alta: em 1931, o exército japonês ocupou a Manchúria e colocou sob ameaça as fronteiras siberianas! No ano seguinte, os nazis no poder em Berlim ostentam as suas pretensões sobre a Ucrânia. John Scott, engenheiro americano na altura em Magnitogorsk, recorda os esforços heróicos dos trabalhadores e a sua importância decisiva para a defesa da União Soviética.

«Em 1942, a região industrial dos Urais torna-se o coração da resistência soviética. As suas minas, fábricas, entrepostos, os seus campos e florestas fornecem ao Exército Vermelho enormes quantidades de material militar e todos os produtos necessários ao abastecimento das divisões motorizadas de Stáline. No centro da imensa Rússia, um quadrado de 800 quilómetros continha imensas riquezas em ferro, carvão, cobre, alumínio, chumbo, amianto, magnésio, potássio, ouro, prata, zinco e petróleo. Antes de 1930 estes tesouros mal haviam sido explorados. Nos dez anos seguintes construíram-se fábricas que não tardaram a entrar em actividade. Tudo isso deveu-se à sagacidade política de Ióssif Stáline, à sua perseverança e tenacidade. Conseguira quebrar toda a resistência à realização do seu programa, não obstante as despesas fantásticas e as dificuldades inauditas que surgiram. A sua prioridade era criar um potencial industrial pesado. Situou-o nos Urais e na Sibéria, a milhares de quilómetros da fronteira mais próxima, fora do alcance de qualquer inimigo. Por outro lado, a Rússia precisava de tornar-se independente do estrangeiro em quase todo o tipo de fornecimentos, desde borracha e produtos químicos a ferramentas, tractores, etc.. Deveria produzir tudo isso sozinha, assegurando assim sua independência técnica e militar.

«Bukhárine e vários outros antigos bolcheviques não eram desta opinião. Antes de se lançar um programa de industrialização a todo o transe, queriam assegurar o abastecimento do povo. Um após outro, estes dissidentes serão reduzidos ao silêncio. A opinião de Stáline prevalecerá. Em 1932, são destinados 56 por cento do rendimento nacional russo para estas grandes despesas. Tratava-se de um esforço financeiro extraordinário. Nos Estados Unidos, 70 anos antes, o investimento nas grandes empresas industriais representava apenas 12 por cento do rendimento nacional anual. A maior parte do capital era fornecida pela Europa, enquanto a China, a Irlanda, a Polónia etc., exportavam a mão-de-obra. A indústria soviética foi criada quase sem recurso ao capital estrangeiro.»(10)

A vida dura, os sacrifícios da industrialização foram aceites pela maioria dos trabalhadores com convicção e com plena consciência. Esforçavam-se arduamente, mas faziam-no pela sua própria causa, por um futuro de dignidade e de liberdade para todos os trabalhadores. Hiroaki Kuromiya faz este comentário:

«Por paradoxal que possa parecer, a acumulação forçada não era apenas uma fonte de privações e de perturbação, mas também de heroísmo soviético. Nos anos 30, a juventude soviética protagonizou o heroísmo no trabalho em estaleiros de construção e em fábricas como em Magnitogorsk e em Kuznetsk.»(11)

«A industrialização acelerada do primeiro plano quinquenal simbolizava o objectivo grandioso e dramático da construção de uma nova sociedade. Num cenário de depressão e desemprego maciço no Ocidente, a marcha da industrialização soviética invocava esforços heróicos, românticos, entusiastas e “sobre-humanos”. “A palavra entusiasmo, como muitas outras, foi desvalorizada pela inflação”, escreveu Iliá Erenburg, “e no entanto não há outra para descrever as jornadas do primeiro plano quinquenal; foi pura e simplesmente o entusiasmo que inspirou os jovens para actos de bravura quotidianos e não espectaculares”. Segundo outro contemporâneo, esses dias foram “realmente um tempo romântico e inebriante (...). As pessoas criavam com as suas próprias mãos aquilo que antes parecia ser um sonho, e estavam convencidas de que aqueles planos de sonho eram uma coisa absolutamente realizável”.»(12)

Uma guerra de classe

Kuromiya mostra que Stáline apresentou a industrialização como uma guerra da classe dos oprimidos contra as antigas classes exploradoras. Esta é uma ideia justa. Todavia, à força de obras literárias e históricas, somos levados a identificar-nos com aqueles que foram reprimidos durante as guerras de classe chamadas industrialização e colectivização. Dizem-nos que a repressão é «sempre desumana» e que não é permitido a uma nação civilizada fazer mal a um grupo social, mesmo que seja explorador ou assim considerado.

O que podemos objectar a este argumento pretensamente humano? Como foi realizada a industrialização do «mundo civilizado»? Como criaram a sua base industrial os nossos banqueiros e capitães de indústria londrinos e parisienses? A sua industrialização teria sido possível sem a pilhagem do ouro e da prata dos reis indígenas? Pilhagem que foi acompanhada do extermínio de 60 milhões de indígenas nas Américas. Teria sido possível sem a sangria monstruosa praticada em África, a que se chamou de tráfico de negros? Especialistas da UNESCO calculam as perdas africanas em 210 milhões de pessoas, assassinadas durante as incursões, mortas em viagem, vendidas como escravos. A nossa industrialização teria sido possível sem a colonização, que tornou povos inteiros prisioneiros na sua própria terra natal?

E esses, que industrializaram este pequeno canto do mundo chamado Europa à custa de dezenas de milhões de mortos «indígenas», dizem-nos que a repressão bolchevique contra as classes possidentes foi uma abominação?! Os mesmos que industrializaram os seus países expulsando os camponeses das suas terras a tiro de espingarda, que massacraram mulheres e crianças forçando-as a jornadas de trabalho de 14 horas, que impuseram aos operários o trabalho forçado, ameaçando-os com o desemprego e a fome, invectivam em longos livros a industrialização «forçada» na União Soviética?

Se a industrialização soviética foi decerto realizada mediante repressão contra os cinco por cento de ricos e de reaccionários, a industrialização capitalista nasceu do terror exercido por cinco por cento de abastados contra o conjunto das massas trabalhadoras do seu próprio país e dos países dominados.

A industrialização foi uma guerra de classe contra as antigas classes exploradoras que tudo fizeram para impedir o êxito da experiência socialista. Foi uma luta travada, inclusive, no seio da própria classe operária: camponeses analfabetos foram arrancados do seu mundo tradicional e precipitados na produção moderna, levando consigo todos os seus preconceitos e concepções retrógradas. Kulaques empregavam-se em estaleiros de construção para se dedicarem à sabotagem. Na própria classe operária, habituada a ser explorada por um patrão e a resistir-lhe, subsistiam antigos reflexos que demoraram a ceder lugar à nova atitude no trabalho, agora que os trabalhadores eram os donos da sociedade.

A este propósito, dispomos de um testemunho muito vivo sobre a luta de classes no interior das fábricas soviéticas, redigido pelo engenheiro americano John Scott, que trabalhou durante longos anos em Magnitogorsk. Scott não é comunista e critica frequentemente o sistema bolchevique. Mas, relatando o que viveu nesta empresa de grande alcance estratégico que foi o complexo de Magnitogorsk, dá-nos a conhecer vários problemas essenciais com os quais Stáline se defrontou.

Scott descreve-nos a facilidade com que um contra-revolucionário, que havia servido nos exércitos brancos, mas que deu provas de dinamismo e inteligência, pôde fazer-se passar por um elemento proletário e trepar os degraus do Partido. A sua narrativa mostra também que a maior parte dos contra-revolucionários activos eram possíveis espiões das potências imperialistas. Não era nada fácil distinguir os contra-revolucionários conscientes dos burocratas corrompidos e dos «seguidistas» que procuravam simplesmente vida fácil.

Scott mostra-nos que a depuração de 1937-38 não foi de modo nenhum um processo puramente «negativo» como costuma ser apresentado no Ocidente: foi, sobretudo, uma grande mobilização política de massas que reforçou a consciência antifascista de todos os trabalhadores, que estimulou os burocratas a melhorarem o seu trabalho e que permitiu um desenvolvimento considerável da produção industrial. A depuração fez parte da preparação em profundidade das massas populares para a resistência contra as intervenções imperialistas que se seguiriam.

Eis o testemunho de John Scott sobre Magnitogorsk:

«Em 1936 Chevchenko dirigia as fábricas a gás e os seus dois mil operários. Era um homem ríspido, extremamente enérgico e orgulhoso, frequentemente rude e vulgar. No entanto, Chevchenko não era um mau director. Os operários respeitavam-no e esforçavam-se por obedecer às suas ordens. Chevchenko vinha de uma pequena vila ucraniana. Em 1920, quando o exército branco de Dénikine ocupava o país, o jovem Chevchenko - tinha então 19 anos - foi recrutado como polícia. Mais tarde, Dénikine foi repelido e o Exército Vermelho retomou o país.

«O instinto de conservação levou Chevchenko a renegar o seu passado, a emigrar para outra parte do país onde se empregou numa fábrica. Graças à sua energia e actividade, o antigo polícia, instigador de pogroms, transformou-se com uma rapidez extraordinária num funcionário do sindicato com qualidades promissoras. Fazendo gala de um grande entusiasmo proletário, trabalhava bem e não olhava a meios para progredir na carreira, mesmo que fosse à custa dos seus camaradas.

«Depois entrou no Partido, frequentou o Instituto dos Dirigentes Vermelhos, obteve diversos postos importantes na direcção dos sindicatos e, em 1931, é finalmente enviado para Magnitogorsk como assistente do director de construções.

«Em 1935, um operário oriundo de uma qualquer pequena cidade ucraniana conta alguns factos relativos às actividades de Chevchenko em 1920. Chevchenko suborna-o e oferece-lhe um bom lugar. Mas as conversas fazem o seu caminho. Uma noite, Chevchenko ofereceu uma festa como nunca se tinha visto em Magnitogorsk. O dono da casa e os convidados, fazendo honras às vitualhas, regalaram-se durante toda a noite e uma parte da noite seguinte.

«Um belo dia, Chevchenko foi destituído juntamente como meia dúzia de subordinados directos. Quinze meses mais tarde, Chevchenko foi julgado e condenado a dez anos de trabalhos forçados. Chevchenko era um semibandido, um oportunista desonesto, desprovido de qualquer escrúpulo. As suas ideias não tinham qualquer semelhança com as dos fundadores do socialismo. Contudo, não era seguramente um espião ao serviço do Japão, como os juízes alegaram; não alimentava qualquer intenção terrorista contra o governo e os líderes do Partido; enfim, não havia provocado deliberadamente a explosão (ocorrida em 1935 e que causou a morte de quatro operários).

«Cerca de 20 pessoas integravam a equipa de Chevchenko. Todos sofreram pesadas penas. Alguns eram igualmente oportunistas e cavaleiros da indústria. Outros eram verdadeiros contra-revolucionários que deliberadamente procuravam fazer tudo o que lhes fosse possível para abater o poder dos sovietes. Mas outros tiveram simplesmente a má sorte de trabalhar sob as ordens de um chefe que despertou a atenção do NKVD [Comissariado do Povo para os Assuntos Internos].

«Nicolai Mikháilovitch Útkine, um dos colegas de Chevchenko, era o primogénito de uma família ucraniana. Tinha o sentimento de que a Ucrânia fora conquistada e os seus novos senhores estavam a arruiná-la. Pensava que o sistema capitalista era preferível ao socialismo. Era um homem que seria talvez capaz de ajudar os alemães a “libertar” a Ucrânia em 1941. Foi também condenado a dez anos de trabalhos forçados.»(13)

«Muitos foram os burocratas que sentiram as suas cadeiras tremer no período da depuração. Funcionários, directores e outros, que antes nunca chegavam ao estaleiro antes das dez horas da manhã, agora vinham às quatro e meia. Antes, não se preocupavam com erros, queixas ou dificuldades; agora, permaneciam no seu posto do nascer do dia ao cair da noite. Com um zelo sincero, esforçavam-se pela realização do plano, pela economia de meios, pelo bem-estar dos seus operários e empregados.»(14)

«Entre 1938 e 1941, a produção aumentou no seu conjunto. No final de 1938, os efeitos nefastos imediatos da depuração tinham quase desaparecido. As indústrias de Magnitogorsk produziam no máximo da sua capacidade. Em todas as fábricas, cada trabalhador tinha consciência do clima de tensão que, a partir de Munique, reinava em toda a URSS.» (...) «O ataque capitalista contra a União Soviética, preparado durante anos, será desencadeado a qualquer momento, repetiam constantemente na rádio, na imprensa, nos institutos, os oradores, o Partido e os sindicatos. Todos os anos, o orçamento da defesa nacional era duplicado. Armazenavam-se enormes reservas de armamentos, de máquinas, de combustíveis, de víveres. Os efectivos do Exército Vermelho aumentaram de dois milhões de homens em 1939 para seis ou sete milhões na Primavera de 1941. As fábricas de vagões e de metalomecânica dos Urais, da Ásia Central e da Sibéria trabalhavam intensamente. Tudo isto absorvia o pequeno excedente de produção, do qual os operários tinham começado a beneficiar de 1935 a 1938, sob a forma de bicicletas, relógios de pulso, aparelhos de rádio, bons enchidos ou outros produtos alimentares.»(15)

Um milagre económico

Durante a industrialização, os trabalhadores soviéticos realizaram milagres económicos que continuam a suscitar admiração.

Kuromiya conclui o seu estudo sobre a industrialização stalinista nesses termos:

«A ruptura operada pela revolução de 1928-1931 lançou as bases da notável expansão industrial dos anos 30 que salvou o país durante a II Guerra Mundial. No final de 1932, o Produto Industrial Bruto tinha mais que duplicado em relação a 1928. À medida que os projectos do primeiro plano quinquenal, um após outro, entravam em exploração em meados de 1930, a produção industrial conheceu uma expansão extraordinária. Entre os anos 1934 e 1936, o índice oficial registou um aumento de 88 por cento da produção industrial bruta. Na década de 1927-28 a 1937, a produção industrial bruta aumentou de 18 300 milhões de rublos para 95 500 milhões; a produção de aço passou de 3,3 milhões de toneladas para 14 milhões; o carvão, de 35,4 milhões de metros cúbicos para 128 milhões; a potência eléctrica, de 5,1 mil milhões de quilowatts-hora para 36,2 mil milhões; a produção de máquinas-ferramentas, de 2098 unidades para 36 120. Mesmo descontando alguns exageros, podemos dizer com segurança que estas realizações provocam vertigem.»(16)

Lénine tinha manifestado a sua confiança na capacidade do povo soviético de construir o socialismo num só país, quando declarou:

«O comunismo é o poder soviético mais a electrificação de todo o país».(17)

Neste sentido, Lénine propôs, em 1920, um plano geral de electrificação que previa nos 15 anos seguintes a construção de 30 centrais eléctricas com uma potência de 1,75 milhões de kWh. Ora, graças à vontade e à tenacidade de Stáline e da direcção bolchevique, em 1935 a União Soviética dispunha de uma potência de 4,07 milhões de kWh. O sonho temerário de Lénine fora realizado em 233 por cento por Stáline!(18) Foi a mais cabal refutação de todos os renegados instruídos, que haviam lido algures que a construção do socialismo num só país, além do mais agrícola, era coisa impossível. A teoria da «impossibilidade do socialismo na URSS», difundida pelos mencheviques e os trotskistas, traduzia unicamente o pessimismo e o espírito de capitulação de uma determinada pequena burguesia. À medida que a causa socialista progredia, só se agudizava o seu ódio pelo socialismo real, essa coisa que não deveria existir.

O crescimento dos fundos fixos entre 1913 e 1940 oferece uma ideia bastante precisa do esforço incrível realizado pelo povo soviético. A partir de um índice 100, correspondente ao ano precedente à I Guerra Mundial, os fundos fixos na indústria tinham alcançado o nível 136, no momento do lançamento do plano quinquenal, em 1928. Em 1940, nas vésperas da II Guerra Mundial, o mesmo índice atingia 1085 pontos, ou seja, houve uma multiplicação por oito em apenas 12 anos.

Pouco antes da colectivização se iniciar, em 1928, os fundos fixos da agricultura tinham evoluído de 100 para 141, mas em 1940 já para tinham alcançado 333 pontos.(19) Durante 11 anos, de 1930 a 1940, a União Soviética conheceu um crescimento médio da produção industrial de 16,5 por cento.(20)

No decurso da industrialização, o principal esforço foi consagrado à criação das condições para a liberdade e independência da pátria socialista. Em simultâneo, o regime socialista lançou as bases do bem-estar e prosperidade ulteriores. A maior parte do crescimento do rendimento nacional era destinada à acumulação. Não se podia pensar na melhoria do bem-estar material no imediato. Nesse período, a vida dos operários e dos camponeses era de facto dura.

O fundo de acumulação passou de 3,6 mil milhões de rublos, em 1928 - o que representava 14,35 por cento do rendimento nacional - para 17,7 mil milhões de rublos, em 1932, ou seja, 44,2 por cento do rendimento nacional! O fundo de consumo, em contrapartida, diminuiu ligeiramente - de 23,1 mil milhões de rublos, em 1930, para 22,3 mil milhões, dois anos mais tarde. Segundo Kuromiya, em 1932, os salários reais dos operários de Moscovo não atingiam mais do que 53 por cento do seu nível de 1928.(21)

Enquanto os fundos fixos da indústria se multiplicaram por dez, em relação ao período antes da guerra, o índice da construção de habitações apenas atingiu 225 pontos em 1940. As condições de habitação não haviam melhorado(22).

Todavia, não é verdade que a industrialização se tenha saldado por uma «exploração militar-feudal do campesinato», como afirmou Bukhárine: a industrialização socialista, que evidentemente não se podia fazer através da exploração de colónias, foi realizada graças ao sacrifício de todos os trabalhadores, tanto operários como camponeses e intelectuais.

Stáline era «insensível às terríveis dificuldades da vida dos trabalhadores»? Stáline compreendia perfeitamente que era preciso, primeiro, assegurar a sobrevivência da pátria socialista e dos seus homens para que depois fosse possível elevar o nível de vida de forma substancial e duradoura. Construir habitações? Mas os agressores nazis incendiaram e destruíram 1710 cidades e mais de 70 mil aldeias e lugares, deixando 25 milhões de habitantes sem abrigo...(23)

Em 1921, a União Soviética era um país arruinado, com a sua independência ameaçada por todas as potências imperialistas. Em 20 anos de esforços titânicos, os trabalhadores construíram um país capaz de fazer frente à potência capitalista mais desenvolvida da Europa, a Alemanha hitleriana. Que os antigos e futuros nazis invectivassem a industrialização «forçada» e os «terríveis sofrimentos impostos ao povo», é algo que se compreende. Mas qual o homem consciente da Índia, do Brasil, da Nigéria, do Egipto que não aspira ao sonho? Depois das respectivas independências, por quantos sofrimentos passou o povo desses países, os seus 90 por cento de trabalhadores? E quem tem tirado proveito desses sofrimentos? Os trabalhadores desses países aceitaram os sacrifícios com plena consciência, como no caso na União Soviética? E os sacrifícios do operário indiano, brasileiro, nigeriano, egípcio têm-lhes permitido pôr de pé um sistema económico independente, capaz de resistir ao imperialismo mais feroz, como o fez o povo soviético nos anos 20 e 30?


Notas:

(1) Citação traduzida do original russo «Sobre as tarefas dos dirigentes económicos, discurso na I Conferência de Toda a União dos Trabalhadores da Indústria Socialista», I.V. Stáline, Obras, Gossudártsvenoe Izdátelstvo Politítcheskoi Literaturi, Moscovo 1951, tomo 13 pág. 39 (NT). (retornar ao texto)

(2) Hiroaki Kuromiya, Stalin's Industrial Revolution, Cambridge University Press, 1988. (retornar ao texto)

(3) Ibidem, pp. 319, 115. (retornar ao texto)

(4) Ibidem, p. 290. (retornar ao texto)

(5) Ibidem, p. 306. (retornar ao texto)

(6) Sidney and Beatrice Webb, op. cit., p. 810. (retornar ao texto)

(7) Ibidem, p. 811. (retornar ao texto)

(8) Anna Louise Strong, The Stalin Era, 1956, pp. 33, 28-29. (retornar ao texto)

(9) Ibidem, p. 145. (retornar ao texto)

(10) John Scott, Au-delà de 1’Oural, Ed. Marguerat, Lausanne, 1945, pp. 244-245. (retornar ao texto)

(11) Kuromiya, op. cit., pp. 305-306. (retornar ao texto)

(12) Ibidem, p. 316. (retornar ao texto)

(13) Scott, op. cit., pp. 170-175. (retornar ao texto)

(14) Ibidem, pp. 190-191. (retornar ao texto)

(15) Ibidem, p. 242. (retornar ao texto)

(16) Kuromiya, op. cit., p. 287. (retornar ao texto)

(17) Citação conforme V.I. Lénine Obras Escolhidas em três tomos, tomo III, Edições Avante!, Lisboa, 1979, pág. 429 (N.T). (retornar ao texto)

(18) Les Progrés du pouvoir soviétique depuis 40 ans, Recueil statistique, Moscovo, 1958, p. 75. (retornar ao texto)

(19) Ibidem, p. 26. (retornar ao texto)

(20) Ibidem, p. 30. (retornar ao texto)

(21) Kuromiya, op. cit., pp. 304-305. (retornar ao texto)

(22) Les Progrés du pouvoir soviétique, p. 26. (retornar ao texto)

(23) Ibidem, p. 31. (retornar ao texto)

Inclusão 21/12/2015