O que é trotskismo?


A revolução permanente e os movimentos nacionalistas


A ideia central do trotskismo é a teoria da revolução permanente e todas as suas outras posições referem-se a ela. Pode-se dizer que a revolução permanente é o trotskismo. Elaborado como resposta aos problemas dos países atrasados, resume as leis da revolução no nosso tempo.

A tese fundamental da revolução permanente e a que mais nos interessa diz:

"No que diz respeito aos países com desenvolvimento burguês atrasado, e em particular os coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a resolução plena e efectiva dos seus objetivos democráticos e a sua emancipação nacional só pode ser concebida através da ditadura do proletariado, tomando o poder como líder da nação oprimida e, sobretudo, das suas massas camponesas" (Teses Fundamentais).

A revolução permanente significa a transformação dos objectivos democráticos da revolução em socialistas, e também inclui dous outros aspectos; a transformação interna do processo revolucionário (uma etapa é baseada na anterior) até concluir com todas as formas de opressão de classe; a revolução, que necessariamente começa dentro das fronteiras nacionais (é um fenómeno nacional), é forçada a se projetar no cenário internacional, a fim de resolver os problemas emergentes do próprio processo de transformação.

Esta concepção da revolução do nosso tempo é combatida, por um lado, polos maoistas que sustentam que a revolução é um "processo ininterrupto" no sentido de que a revolução socialista virá imediatamente após a democracia burguesa. Desta abordagem emerge a necessidade de aliar e apoiar a sectores progressistas da burguesia nacional e formar governos de coalizão de classes populares antes de considerar a ditadura do proletariado. As tarefas democráticas seriam resolvidas por este governo popular anti-imperialista. Na prática, os maoístas têm mostrado a sua inclinação para se submeter aos ditames de alguns governos nacionalistas.

Também rejeitam as teses da revolução permanente e levantam todas as gradações estalinistas que partem da revolução por etapas: o proletariado amadurecerá e se organizará para propor a revolução socialista quando passar pola escola da democracia burguesa, chamada a resolver as tarefas burguesas e desenvolver as forças produtivas para tornar possível a ditadura do proletariado.

Posições nacionalistas, incluindo a esquerda nacional, partem de abordagens estalinistas para justificar a legitimidade dos governos nacionalistas e exigir que a classe trabalhadora se torne, no melhor dos casos, a esquerda crítica deles. Como pode ser visto, esta aproximação nada mais é do que a atualização das resoluções mencheviques.

O estalinismo tradicional, os maoístas e os nacionalistas argumentam que a revolução permanente ignora as tarefas democráticas e apoia a revolução puramente socialista; que subestima os camponeses que constituem a maioria da população dos países atrasados; que sustenta a simultaneidade da revolução no plano internacional; esse poder pode ser tomado a qualquer momento (permanência da revolução). Em todas essas acusações gratuitas, há mais má-fé do que ignorância.

A revolução permanente em Marx e Trotski obedeceu à preocupação fundamental de indicar a forma como as tarefas democráticas seriam realizadas no período de declínio do capitalismo e com a presença do proletariado como classe. Não esquece as tarefas democráticas nem propõe uma revolução puramente socialista (é arbitrário levar à porta a revolução protagonizada pola classe operária, pois não assume que cumprirá única e exclusivamente tarefas socialistas, ignorando a estrutura e a realidade do respectivo país); Polo contrário, aponta que somente o proletariado no poder pode realizá-los plenamente.

O proletariado dos países atrasados ​​(atrasados, mas parte da economia capitalista mundial, que não deve ser esquecido) propõe e cumpre não apenas as suas próprias tarefas, mas também aquelas que ficam pendentes das outras classes sociais. Mas não somente se encarrega deles, mas dá-lhes um panorama particular, o socialista, de acordo com a sua própria natureza. O proletariado, classe revolucionária por excelência polo lugar que ocupa no processo produtivo, tende a marcar todo o processo social.

O feito de que o proletariado responda ao problema da falta de soluções para as tarefas democráticas, que as tome nas suas próprias mãos, aumenta a urgência de tornar-se um líder nacional. Temos um exemplo magnífico de todo este processo na tarefa democrática não cumprida da unidade continental, colocada na época polos setores avançados da burguesia, mas não resolvida devido às pressões das classes reacionárias e das metrópoles capitalistas. Esta unidade tornou-se um objetivo que só pode ser concretizado polo proletariado latino-americano, como consequência da vitória das revoluções por ele lideradas. Duma tarefa democrática não cumprida, torna-se uma obriga da revolução liderada politicamente pola classe trabalhadora, torna-se os Estados Unidos Socialistas da América Latina. A derrota efectiva do imperialismo e a solução dos problemas emergentes da transformação revolucionária só podem ser realizadas no âmbito continental.

As revoluções dos nossos países, que certamente começarão nos limites nacionais, não têm outro destino senão vencer efectivamente projetando-se continentalmente ou serão destruídas e degeneradas.

Trotski, por ocasião da primeira conferência preparatória para a Quarta Internacional, realizada em Gênova em 1934, estabeleceu a sua posição sobre o assunto nos seguintes termos:

"A grandiosa tarefa histórica que representa a unificação dos Estados latino-americanos numa poderosa confederação está destinada a ser resolvida, não pola atrasada burguesia sul-americana, agência completamente prostituída do imperialismo estrangeiro, mas polo jovem proletariado, o notável líder das massas oprimidas".

A experiência histórica não fez nada além de confirmar vigorosamente essa perspectiva. As tentativas burguesas, e às vezes inspiradas polo próprio imperialismo na sua ânsia de controlar mais de perto certas áreas, de integração e unidade dos países regionais latino-americanos têm inevitavelmente se afogado no fracasso. A causa última deve ser encontrada na extinção das burguesias crioulas, na sua entrega aos interesses e favores das metrópoles colonizadoras. O capital monopolista estabelecido em certos países pretende usar esses planos integradores para penetrar em outros mercados e apoderar-se de certos ramos da indústria. As tentativas de unificar a América Central fracassaram irremediavelmente. A tentativa de encorajar a LAFTA(1) terminou em ruidosa frustração. O acordo de Cartagena não consegue superar o obstáculo de fixar os programas de algumas atividades de industrialização, pois ficou evidente que o capital financeiro se prepara para aproveitar o acentuado atraso de alguns países. A declaração conjunta dos chanceleres dos países da vasta Bacia do Prata, com vistas à unificação física e coordenação de esforços em busca do desenvolvimento, nada mais é do que isso: uma declaração de boas intenções. No marco do capitalismo, da opressão imperialista, os países atrasados ​​fecharam as portas para entrar plenamente na civilização; para eles não há mais possibilidades dum desenvolvimento generoso da democracia burguesa.

Não é que o camponês seja ignorado e subestimado, o que se faz é apontar o verdadeiro papel que cumpre no processo revolucionário. Força motriz da maior importância, com a sua ação impulsiona o proletariado ao poder. A aliança operário-camponesa, eixo central da estratégia revolucionária nos países atrasados, é um pacto entre a massa camponesa, que não é socialista, com o proletariado; mas, por outro lado, segue a orientação do proletariado assim que compreende que a sua libertação e a satisfação das suas necessidades imediatas não podem ser dadas através de outras direcções políticas.

Os estalinistas, determinados a implementar governos reformistas de conteúdo nacionalista, capazes de negociar com o imperialismo dentro do esquema reacionário de coexistência pacífica, não falam mais dum governo operário-camponês ou duma ditadura democrática das forças sociais fundamentais da revolução. São os maoístas e os foquistas que desenvolvem a teoria, aparentemente muito revolucionária, mas no final das contas reacionária, de que o eixo da revolução nos países atrasados ​​ou subdesenvolvidos do ponto de vista capitalista se desloca do proletariado para as massas camponesas. Às vezes insinuam que são os camponeses explorados que se tornam a direcção política do processo revolucionário. Os maoístas aplicam mecanicamente o esquema da estrutura do campo encontrado nos escritos de Mao. Os foquistas partem do absurdo de que os camponeses, basicamente pequenos proprietários dos meios de produção, já são socialistas ou podem vir a sê-lo graças à propaganda de "conscientização" que se faz, seja oralmente, seja por meio da acção exemplo. O Programa de Transição diz corretamente que o partido dos trabalhadores deve criar um programa específico que responda às necessidades vitais dos camponeses.

Está longe das intenções e proposições programáticas dos trotskistas basear a sua atividade na estranha tese de que a simultaneidade da revolução em escala internacional é possível. Já vimos que, ao contrário, tem como ponto de partida desde o momento mesmo da fundação da IV Internacional o saldo do atraso que se observa no processo de amadurecimento das condições subjetivas da revolução, que está longe de não ser puramente mecânico nem uniforme, o que apresenta peculiaridades nacionais notáveis. A degeneração do Estado operário deve-se, basicamente, ao prolongado isolamento da revolução causa em meio a um mundo dominado polo imperialismo, que já demonstra que tal simultaneidade não existe. Pode-se dizer que o trotskismo parte justamente da constatação de que a formação de direções revolucionárias é essencial para a vitória e consolidação das revoluções (assim se superam as teorias espontaneistas da revolução, que atualmente ressurgiram, não só entre os luxemburgueses(2), mas também entre os ultraesquerdistas de diferentes matizes), segue um ritmo muito desigual.

Só a ignorância ou a má fé podem sustentar que a revolução permanente significa que o proletariado pode tomar o poder, não importa quando ou em que latitude. Essa posição é típica da ultraesquerda. O Programa de Transição fala do amadurecimento das condições objetivas e subjetivas. O trotskismo assimilou o ensinamento de Lenine sobre o momento insurrecional, considerado o ponto culminante da ascensão revolucionária e caracterizado por circunstâncias específicas: desintegração do poder dominante e dos seus órgãos de compulsão (entre eles o exército), profunda oscilação das classes médias rumo a posições proletárias, transformação do partido do proletariado em dirigente nacional.

No passado, a insurreição camponesa levou a burguesia ao poder, nas atuais condições de desenvolvimento das forças produtivas, esta insurreição torna-se o pano de fundo para a vitória do proletariado. Não há possibilidade intermediária.

O estalinismo em geral e o nacionalismo assimilam as revoluções nos países atrasados ​​sob o imperialismo às revoluções burguesas clássicas, realizadas pola burguesia e parando nos limites capitalistas. Marx apontou claramente que há uma diferença profunda entre as duas revoluções, não como consequência da presença majoritária de camponeses atrasados ​​em semi-servidão (facto que determina algumas das particularidades da transformação revolucionária, a solução do problema da terra, por exemplo). ), mas sim do proletariado como classe. Deve-se dizer, refutando as observações de Bukhárine e Zinoviev, que se a revolução permanente não pôde ocorrer, de modo algum ela pode ser reduzida à afirmação da substituição mecânica de quaisquer camadas sociais por outras no poder.

Ao contrário do campesinato ou de outras classes sociais, a irrupção do proletariado na cena política permite que a revolução seja orientada para a liquidação de todas as formas de opressão de classe; é o único na história que toma o poder para se dissolver na sociedade e a sua ditadura será o primeiro passo para o desaparecimento do Estado. A revolução na qual a classe trabalhadora intervém adquire proporções insuspeitadas para aqueles que pretendem medir o processo de transformação com a bitola das revoluções burguesas. No "18 Brumário" de Marx, lemos:

“As revoluções burguesas, como as do século XVIII, avançam rapidamente de sucesso em sucesso; seus efeitos dramáticos excedem uns aos outros; os homens e as coisas se destacam como gemas fulgurantes; o êxtase é o estado permanente da sociedade; mas estas revoluções têm vida curta; logo atingem o auge, e uma longa modorra se apodera da sociedade antes que esta tenha aprendido a assimilar serenamente os resultados de seu período de lutas e embates. Por outro lado, as revoluções proletárias, como as do século XIX, se criticam constantemente a si próprias, interrompem continuamente seu curso, voltam ao que parecia resolvido para recomeçá-lo outra vez, escarnecem com impiedosa consciência as deficiências, fraquezas e misérias de seus primeiros esforços, parecem derrubar seu adversário apenas para que este possa retirar da terra novas forças e erguer-se novamente, agigantado, diante delas, recuam constantemente ante a magnitude infinita de seus próprios objetivos até que se cria uma situação que toma impossível qualquer retrocesso e na qual as próprias condições gritam:

Hic Rhodus, hic salta!
Aqui está Rodes, salta aqui(3)"

Assim que o proletariado entra em cena, os seus grandes objectivos já aparecem no horizonte e estes a todo momento, mesmo quando essa classe desconhece os seus interesses históricos, tornam-se fantasmas ameaçadores para a burguesia: “A república social apareceu como uma frase, como uma profecia, no limiar da revolução de fevereiro. Nos dias de julho de 1848, o proletariado de Paris foi afogado em sangue, mas aparece nos demais actos do drama como um espectro... A burguesia francesa, que se rebelou contra a dominação do proletariado trabalhador... manteve a França em medo constante dos horrores futuros da anarquia vermelha..."

Para os clássicos, a revolução burguesa do nosso tempo, que supõe a presença da classe operária, não pode ser outra cousa senão o prólogo da revolução proletária. No quarto capítulo do Manifesto Comunista lê-se: "Os comunistas fixam a sua atenção principalmente na Alemanha, porque a Alemanha está às vésperas duma revolução burguesa e porque ela realizará essa revolução nas condições mais progressistas da civilização europeia em geral, e com um proletariado mais desenvolvido que o da Inglaterra no século XVII e o da França no século XVIII e, portanto, a revolução burguesa alemã só pode ser o prelúdio imediato da revolução proletária.

A classe operária é a classe revolucionária por excelência (isto significa que pode enterrar o capitalismo) não polo seu número em relação à população total dum país (em alguns é apenas cerca de 10%) ou pola sua miséria (o os camponeses, os artesãos, os lúmpen, são mais pobres, mais explorados e ainda mais desamparados; a legislação social procura impedir que os trabalhadores sejam fisicamente destruídos pola ganância dos patrões individuais, de modo que a burguesia como classe possa explorá-los no futuro; a organização e a luita sindical resistem não porque a mercadoria da força de trabalho seja vendida por seu valor), mas sim polo lugar que ela ocupa no processo produtivo. A missão histórica do proletariado (enterrar o capitalismo) é determinada polo desenvolvimento da sociedade capitalista, polo crescimento das forças produtivas.

Os foquistas e, em certa medida, também os maoístas, viram as costas ao marxismo e extraem do populismo os seus principais argumentos. Referem-se ao "povo" oprimido e explorado e esperam que façam a revolução e estruturem o futuro governo progressista e revolucionário, a realidade concreta é que o povo está dividido em classes sociais (determinadas polo lugar que ocupam no processo de produção ), ou seja, pola sua localização em relação aos meios de produção) com interesses materiais diferentes e até opostos (o que vale dizer com ambições, motivações e esperanças que não são comuns). O uso persistente da abstração “povo” tem implicações políticas de longo alcance, além de ser enganoso. Com este rótulo aparentemente inofensivo, esconde-se uma aliança de diferentes classes dentro da qual o proletariado deve se dissolver ou então se submeter humildemente a uma direção política que lhe é totalmente estranha. Não é em vão que apenas uma pequena parte do povo é chamada a impor a sua vontade aos seus constituintes. Os populistas se recusam a responder à pergunta sobre quais interesses de classe estão ocultos por trás do rótulo de povo.

O trotskismo, que permanece fiel ao marxismo e às contribuições com as quais Lenine o enriqueceu, considera que não é lícito ignorar o proletariado nas revoluções do nosso tempo, sejam quais forem as tarefas que se propõem a realizar imediatamente. Outra cousa, a presença dessa classe social modifica profundamente a perspectiva da revolução. A importância do proletariado verifica-se não só nas metrópoles imperialistas, mas cresce mais nos países atrasados; Não se deve esquecer que ele é chamado para resolver as tarefas que correspondem a outras classes e às suas. Dentro das correntes socialistas do seu tempo, correspondia ao marxismo considerar o proletariado como uma classe diferenciada do "terceiro estado" ou dos produtores, apontando as suas próprias características. O populismo é uma posição anticientífica e conservadora.

O proletariado, pola sua própria natureza, imprime com autoridade a sua marca em todo o processo revolucionário, desde o momento em que se junta à luita. Na medida em que estabelece os seus próprios objetivos (e ao fazê-lo entra em conflito com os setores burgueses ou com aqueles que representam os seus interesses), tende a se tornar um líder nacional, a se apropriar de tarefas nacionais e a estender os seus métodos de luita para as outras classes. Esta tendência à hegemonia choca-se necessariamente com a classe social que possui um instinto de comando altamente desenvolvido, que monopoliza os recursos económicos e culturais, ou seja, com a burguesia nacional ou a sua substituta, a pequena burguesia. A revolução dum país atrasado é uma revolução nacional na medida em que, quando se torna maioria, arrasta de alguma forma as classes oprimidas e exploradas; O problema que se coloca, de forma extremamente aguda, é o de saber qual classe social hegemonizará as massas, o que só pode ser alcançado por meio duma luita política entre o proletariado e a burguesia. O campesinato, herdado do período pré-capitalista, não pretende arrastar atrás de si a maioria nacional, muito menos o proletariado, porque nem sequer consegue coesão e homogeneização como classe. Cada vez que se lê um absurdo na imprensa sobre a liderança camponesa do processo, trata-se apenas de recursos demagógicos ou imposturas orquestradas polo poder executivo.

O “Povo” não só abrange diferentes classes, mas que no seu seio agitam-se as luitas entre elas e particularmente entre a burguesia (ou a pequena burguesia) e o proletariado. Deve-se esclarecer a que classe social se referem aqueles que falam do povo.

O proletariado pode começar por ser organizado (como geralmente acontece) por algum sector da burguesia, quando precisa de apoio para se opor ao seu adversário; mas, mesmo neste caso, assim que começa a dar os primeiros passos de forma independente, aproveitando ao máximo a organização iniciada polo inimigo, estabelece os seus próprios objetivos e, nessa medida, ameaça derrubar a classe dominante, colocar um acabar com o regime de propriedade privada e, finalmente, deslocá-la do poder político. O facto da classe trabalhadora marchar na pegada da burguesia adquire importância transcendental, pois obriga-a a tomar todas as medidas necessárias para não perder os seus interesses materiais e rejeitar o seu mais temível inimigo, isso na medida em que a vitória do proletariado pressupõe a destruição dos fundamentos económicos da própria existência dos monopolizadores dos meios de produção. Neste momento, a burguesia nacional tem plena consciência de que possui mil laços, visíveis ou não, com o imperialismo, que tem em comum o propósito de persistir na posse dos meios de produção e na exploração do assalariado; que o movimento operário constitui uma séria ameaça que pode acabar com a opressão imperialista e a exploração do trabalhador polo capitalista. Como se vê, é a presença militante da classe trabalhadora que empurra a burguesia nacional, apesar de todos os seus protestos pola libertação nacional e repúdio ao imperialismo, rumo às trincheiras contrarrevolucionárias, é empurrada nos braços do inimigo estrangeiro. A opressiva aliança burguesia-metrópole nacional esgotará todos os recursos para rejeitar e esmagar o proletariado já convertido em líder nacional ou em vias de sê-lo.

Engels escreveu que em determinado momento das relações operário-burguesas, o proprietário dos meios de produção move-se para posições reacionárias. As tendências políticas que nos são estranhas desviam-se desta concepção elementar e atuam dentro da concepção mecânica de que a burguesia nacional, devido à opressão imperialista e o incumprimento de certas tarefas democráticas, continua a ser revolucionária e que, nesta medida, não pode aliar-se ou chegar a um acordo com o imperialismo e que o seu destino não é outro senão combatê-lo sem quartel (corresponde à burguesia liderar a revolução burguesa, sustenta o menchevismo). Essa posição poderia se firmar numa situação caracterizada pola ausência da classe trabalhadora, ou seja, pola não estruturação da economia capitalista mundial.

Na realidade, o facto de que a burguesia nacional assuma atitudes antiimperialistas, planeje realizar certas tarefas democráticas, ou aja em bloco com o inimigo estrangeiro, não é um resultado mecânico e necessário da estrutura do país, mas das modificações produzidas nas relações mútuas entre as classes e, mais particularmente, detestar o desenvolvimento do proletariado como uma classe independente. A teoria e a experiência histórica ensinam que a burguesia nacional não é contra o imperialismo, desde que bem cedo tem que responder à ameaça que vem do flanco proletário na sua tentativa de esmagá-lo, avança ostensivamente para posições pró-imperialistas à direita e o grau da sua profundidade é determinado pola acção independente do proletariado (polo progresso alcançado na sua emancipação do controle ideológico ─ o aspecto fundamental ─ e organizador das classes que lhe são estranhas), polo progresso que faz na via da conquista das massas para posições revolucionárias (a profundidade desta mobilização fortalece o proletariado, projecta-o para o poder e, consequentemente, torna-se a mais grave ameaça à burguesia nacional) e pola afirmação da sua política de classe. A estruturação do proletariado supõe a sua diferenciação ideológica e política em relação à burguesia nacional, a partir do momento em que se trata de superar o seu estado de dissolução em meio à frente nacional. Quer ele a considere sem fissuras ou nas suas contradições internas adiadas por um futuro indeterminado em prol da unidade, significa uma frente alinhada atrás da burguesia nacional e dentro da qual o proletariado permanece sujeito a uma direção que lhe é estranha.

Esta frente nacional liderada pola burguesia e que cumpre a função básica duma camisa de força colocada sobre a classe trabalhadora, importa que busque estrangular o processo revolucionário dentro dos limites capitalistas, o que só pode ser alcançado através da submissão do proletariado, pois torna-se instintivamente que vai quebrá-lo. Estalinistas e nacionalistas não só defendem uma revolução democrática limitada, mas na base do seu pensamento e acção está uma subestimação da capacidade revolucionária do proletariado dos países atrasados: recebe um lugar de preferência na luita, mas não se reconhece o papel de dirigir politicamente o processo e menos de se tornar o chefe do futuro governo.

O argumento ─ aparentemente marxista ─ que estalinistas e nacionalistas apresentam sustenta que a unidade nacional, a direção burguesa do processo, o adiamento indefinido dos objectivos proletários e a atenuação das contradições de classe, constituem a resposta obrigatória à opressão imperialista, que é certamente a opressão nacional e não limitado a uma classe. O argumento central, tantas vezes ouvido, diz que sendo o imperialismo o principal inimigo, é preciso unir-se contra ele e adiar as diferenças.

Qualquer ressurgimento da luita de classes seria trair o anti-imperialismo e servir ao inimigo estrangeiro. A presença do imperialismo tem a virtude, segundo os porta-vozes e lacaios do nacionalismo, de radicalizar a burguesia nacional de tal maneira que ela deve inevitavelmente seguir uma linha revolucionária e obrigar a classe trabalhadora, se ela não quiser se tornar reacionária e trair os seus próprios interesses, para submeter-se docilmente às suas exigências.

A burguesia nacional não pode cumprir plenamente as tarefas democráticas do nosso tempo e pola sua própria essência não pode ir além do capitalismo; tende a interromper o processo de transformação no meio do caminho, no momento em que acredita que todos ou parte dos seus interesses foram satisfeitos. Portanto, a burguesia nacional não pode ser tipificada como uma classe revolucionária, não pode ser colocada no mesmo nível do proletariado ou acima dele. Procura acomodar-se, modificar em certo sentido o actual regime capitalista de exploração e opressão, tem interesses comuns com ele e somente neste quadro pode realizar-se como classe; a sociedade comunista será a sua destruição, por isso luita contra aqueles que vão, consciente ou inconscientemente, para ela; é, portanto, uma classe conservadora.

No entanto, a burguesia pode se rebelar contra o estado de cousas criado pola opressão imperialista (atraso geral, falta de industrialização, poucas possibilidades de desenvolvimento empresarial, etc.) e erguer a bandeira do cumprimento das tarefas democráticas. Os movimentos nacionalistas, cujo conteúdo burguês não é necessário enfatizar, partem dessa realidade. Em determinado momento, a direcção burguesa ou pequeno-burguesa dos movimentos de libertação nacional pode ser descartada; Reconhecer esse fenómeno não significa afirmar que ela é capaz ou que ainda tem a possibilidade de cumprir propósitos tão indubitavelmente progressistas. O anti-imperialismo burguês adquire proporções altíssimas na sua abordagem na medida em que seu animador monopoliza os recursos culturais e os meios de difusão de ideias, por isso mesmo a sua frustração, as suas calúnias, os seus compromissos certos com a metrópole opressora e saqueadora do país, a sua submissão definitiva a ela adquire contornos de escândalo, de traição sem precedentes, etc.; Na realidade, quando a burguesia nacional assim procede, nada mais faz do que observar uma conduta condizente com a sua própria natureza, com as limitações que emergem do seu próprio âmago. Os únicos desapontados são aqueles que alimentam ilusões absurdas sobre as possibilidades do revolucionário burguês. A história ilustra a histeria dolorosa da campanha anti-ianque dos intelectuais pequeno-burgueses, dos universitários nos seus momentos de euforia e também, invariavelmente da sua mudança de frente, da transformação de gritos e insultos em poses obsequiosas. Não poucos acreditaram ter descoberto nessas mutações espectaculares uma demonstração das falhas nas qualidades humanas dos homens de ideias; não há nada disso, é, antes, que o caminho burguês escolhido polos intelectuais conduz inevitavelmente às trincheiras da reacção e da traição.

Historicamente, a realização das tarefas democráticas correspondia à burguesia, esta que era uma realidade viva e pujante na época não passa dum esquema frio e totalmente superado. O Menchevismo(4) e os seus seguidores hoje pegam o esquema e tentam impô-lo ao processo real. Neste ponto do desenvolvimento da sociedade capitalista, trata-se de realizar tarefas democráticas apesar e contra a burguesia. Isso, que pode parecer uma contradição flagrante, algo que vai contra o atraso estrutural dos países atrasados, é o resultado duma correlação de classe particular que vem justamente da opressão imperialista.

A burguesia nacional já não consegue cumprir plenamente as suas próprias tarefas (embora possa enunciá-las, iniciá-las e mesmo começar a materializá-las de forma parcial, o que nos dá uma ideia dos vários graus dos programas progressistas que os governos nacionalistas podem levantar com referência a outros totalmente submetidos ao imperialismo ou aos exploradores do atraso pré-capitalista) porque no período de desintegração imperialista, quando ocorre o doloroso nascimento do socialismo, não há materialmente tempo para o lento desenvolvimento das tarefas democráticas que podem conduzir à sociedade burguesa próspera e soberana no Estado nacional; No entanto, o facto decisivo deve ser encontrado na presença do proletariado, que com a sua atitude ameaçadora e a sua luita para ultrapassar os limites do capitalismo e da propriedade privada, abrevia as possibilidades de realização da burguesia nacional e empurra-a para os braços da imperialismo. Se o proletariado se encaminha, ainda que instintivamente, para uma sociedade sem classes, é claro que a burguesia nacional já não tem possibilidade de se empenhar plenamente na luita contra o imperialismo, neste caminho apenas facilitaria a marcha do seu maior inimigo que, no entanto, não tem escolha a não ser colocá-lo em pé de guerra se deseja oferecer qualquer resistência bem-sucedida à metrópole opressiva.

Seria absurdo sustentar que a tendência geral descrita acima é verdadeira em linha recta, sem altos e baixos. A burguesia nacional e a pequena burguesia voltam sempre a posições anti-imperialistas radicais e a compromissos vergonhosos com a metrópole. A burguesia nacional, depois de ter se comprometido publicamente com os ianques, pode retirar do seu seio algumas camadas que voltam a assumir atitudes anti-imperialistas (que, segundo o espírito que anima o "Manifesto Comunista", podem ser apresentadas como atitudes revolucionárias). A tendência conclui materializando-se por meio dessas oscilações.

“A burguesia nacional – escreve Trótski – não chega ao campo dos revolucionários por acaso ou de leve, mas porque sofre a pressão dos seus interesses de classe. Mais tarde, por medo das massas, abandona a revolução ou manifesta abertamente o ódio que escondia. Mas não pode passar definitivamente para o campo da contra-revolução, ou seja, livrar-se da necessidade de”apoiar” a revolução novamente ou, polo menos, de flertar com ela, assim como não faz uso de métodos revolucionários ou outros (Bismarckianos(5), por exemplo), consegue satisfazer as suas aspirações fundamentais de classe”.

A ideia de que a opressão imperialista, justamente por ser nacional, anula ou adia a luita de classes, ou seja, que de alguma forma nivela os interesses materiais dos explorados e exploradores, não passa duma falácia. Como indica Trótski, o que a opressão imperialista faz é exacerbar a luita de classes, facto que possibilita a frente única anti-imperialista que é a frente de classe.

A opressão imperialista, além de levantar a tarefa da libertação nacional, coloca hoje na mesa a questão de qual classe social será capaz de realizá-la. Nos países atrasados, o proletariado pode se tornar um líder nacional, graças à incapacidade da burguesia de resolver radicalmente (não se trata apenas de dirigir as massas) os problemas da terra e da opressão imperialista. Para impor a sua solução, a classe trabalhadora tem que vir a encarnar as tarefas nacionais, ou seja, tem que arrastar atrás de si as massas, o que supõe a derrota política das direcções que lhe são estranhas. Já se sabe que a briga política é a expressão máxima da luita de classes.

A análise das forças motrizes da revolução e do papel conservador da burguesia nacional no nosso tempo levanta o problema da atitude que o proletariado, portanto, a sua vanguarda revolucionária, deve observar diante dos governos nacionalistas dos países atrasados. É esta questão que constitui a pedra de toque da teoria da revolução permanente e é uma das mais cruciais do nosso tempo. Nos últimos anos tem surgido uma série de teorias que, duma forma ou de outra, atribuem um protagonismo aos sectores pequeno-burgueses no processo revolucionário; Uma dessas teorias mais importantes é o foquismo(6).

Com base no que foi dito, o comportamento revolucionário em relação aos governos nacionalistas pode ser formulado da seguinte forma:

  1. Deve-se fazer uma clara distinção entre a burguesia imperialista, que é opressora e saqueadora dos países atrasados, e a burguesia nacional, que sofre as consequências negativas da opressão exercida pola metrópole, embora explore a classe trabalhadora indígena e, em geral, actua como aliado e como parceiro dos exploradores pré-capitalistas. As atitudes e medidas que a burguesia metropolitana e a dos países atrasados ​​podem assumir têm significados e projecções diferentes, o que a política revolucionária obriga a não confundi-los e colocá-los no mesmo saco.
  2. Da mesma forma que é necessário distinguir claramente as metrópoles imperialistas dos países atrasados, não se deve esquecer que o conteúdo social (as tarefas que se colocam de imediato) e o papel das classes sociais nas revoluções que ocorrem são diferentes. Esta distinção necessária e obrigatória não nos permite esquecer que a revolução nos países atrasados ​​é parte integrante da revolução socialista mundial, ou seja, que só neste quadro o socialismo pode ser consolidado e alcançado (no nosso continente as revoluções dos diferentes países só podem ser colocados corretamente se se referirem aos Estados Unidos Socialistas da América Latina). Afirmar que as revoluções dos países atrasados ​​constituem um fenómeno totalmente estranho à revolução mundial e que nada têm a ver, polo menos imediatamente, com o socialismo, seria importante ignorar que elas fazem parte da economia capitalista internacional (a opressão imperialista materializa-se além das fronteiras nacionais) e dar as costas à teoria da revolução permanente.
  3. A revolução na metrópole é uma revolução de classe claramente definida (o proletariado faz a revolução para cumprir as suas próprias tarefas); nos países atrasados ​​é uma revolução nacional conduzida politicamente polo proletariado, feita pola maioria nacional, dentro da qual existem várias classes. A partir do momento em que o assalariado assume as tarefas nacionais, transforma-as profundamente na suas projecções; a sua hegemonia política no bloco nacional levanta a perspectiva de converter a revolução burguesa em socialista. Os movimentos de libertação nacional liderados pola burguesia, mas dentro dos quais o proletariado está presente, têm a mesma possibilidade de desenvolvimento diante deles.

A aliança operário-camponesa, reconhecida por Lenine e Trótski como o eixo mestre da estratégia revolucionária, está demonstrando que a revolução nos países atrasados ​​supõe a aliança de classes, o que não significa um pacto igualitário entre os diversos sectores, mas uma mobilização sob a liderança da classe trabalhadora. A aliança operário-camponesa (esta deveria ser estendida aos setores majoritários da classe média) é o quadro no qual prevalece a hegemonia política do proletariado em relação à massa camponesa. Pode-se argumentar que esta circunstância determina a identidade das revoluções metropolitanas e dos países atrasados, porque todas elas são lideradas pola classe trabalhadora. Fazer isso significaria esquecer que as tarefas a serem cumpridas em ambos os casos são diferentes. Mas ainda há outra diferença. A burguesia imperialista luita ferozmente contra o proletariado. A burguesia nacional pode arrastar os explorados atrás das suas palavras de ordem e aliar-se temporariamente com eles, tudo polo facto de lhe serem dadas as possibilidades de erguer as bandeiras da libertação nacional e do cumprimento das tarefas democráticas.

  1. Somente o proletariado do poder pode cumprir plenamente as tarefas democráticas e transformá-las em socialistas, como consequência do próprio desenvolvimento do capitalismo, quer dizer, do facto de que a maioria dos países apoia a pressão imperialista, e do deslocamento da burguesia nacional para as trincheiras reacionárias, como uma resposta forçada à ameaça da classe trabalhadora de acabar com todas as formas de opressão de classe. Isso não seria possível se o proletariado não mantivesse intransigentemente a sua independência de classe e se não substituísse a burguesia nacional ou a pequena burguesia como direção das massas. A dominação nacionalista da burguesia ou o seu sucedâneo pequeno-burguês, agindo sob a poderosa pressão do proletariado e do imperialismo (vê-se colocada entre dous fogos: da esquerda e da direita, o que não nos permite identificar essas duas pressões), não consegue concretizar as tarefas democráticas e de libertação nacional e, o que adquire maior significado e define o seu caráter pró-imperialista, acaba por esgotar todos os recursos para abafar os movimentos da classe obreira e, por fim, afogá-la em sangue.
  2. O trabalho revolucionário não pode ser realizado num país atrasado se a conduta a ser observada diante dos governos nacionalistas não estiver claramente estabelecida. Para os trotskistas é um princípio inabalável defendê-los, acima dos seus caprichos políticos, contra os ataques das metrópoles imperialistas (ainda que se descrevam como democráticos). A defesa da nação oprimida contra o imperialismo opressor ou a guerra de libertação ainda são progressivas. O programa proposto polos governos nacionalistas é progressivo em relação ao dos governos entregues total e incondicionalmente ao imperialismo ou ao dos seus servidores. Esta consideração não esgota o problema, porque assim colocado implicaria que o nacionalismo ainda pode levar a cabo as suas medidas progressistas; O proletariado vê as portas do poder abertas devido à incapacidade da burguesia de cumprir as suas próprias tarefas. O labor político permanente deve consistir em apontar as limitações e as traições nacionalistas do seu próprio programa, dos interesses nacionais. Este trabalho educacional tende a arrancar do nacionalismo o controle das massas. Semear ilusões sobre a capacidade “revolucionária” do nacionalismo significaria trabalhar contra a revolução, Lenine apontou a táctica precisa: porque a revolução tem tarefas burguesas, é necessário desmascarar a burguesia e alertar o proletariado sobre as suas traições.

Apoiar os governos nacionalistas, juntando-se a eles como a sua esquerda, não tendo medo de co-governar, seria importante dizer às massas que esses regimes são capazes de grandes conquistas democráticas, nesse caminho as ilusões sobre o seu potencial revolucionário são ampliadas. A luita contra os governos nacionalistas é uma obrigação elementar, porque só assim o proletariado pode acabar hegemonizando o processo revolucionário; o caminho correto está em apontar o caminho da sua rendição.

A esquerda nacional que actua na Bolívia e em outros países latino-americanos emergiu como uma das tendências mais perigosas para o movimento revolucionário; falsifica os factos e interpreta mal os textos dos clássicos do marxismo. Coube a Juan Ramón Peñaloza(7) lançar as bases teóricas da esquerda nacional na sua luita contra o POR boliviano. O político argentino, que se diz trotskista, sintetiza as suas ideias no panfleto intitulado “Trotsky diante da revolução latino-americana” e toma como referência os governos do movimento de 1946 e 1952.

Seguindo Peñaloza é possível descobrir o cerne dos erros da esquerda nacional. Confunde os governos do movimento com aqueles que se supõe serem organizados como resultado da actividade revolucionária da aliança operário-camponesa. O regime de Villarroel foi fruto dum golpe de estado sem derramamento de sangue e o de Paz Estenssoro chegou ao poder porque o proletariado foi capaz de derrotar a Rosca(8) nas ruas, não conseguindo tomar o poder nas suas próprias mãos, que praticamente entregou-o ao MNR. Peñaloza tira as consequências necessárias da sua confusão: os revolucionários não deveriam e não poderiam resistir a aderir aos governos do movimento, ao fazê-lo incorreram num desvio anarquista(9). A participação nos governos revolucionários provisórios, segundo Lenine, não visava submeter-se à burguesia liberal, mas liderar a luita democrática.

Agora não podemos ter mais ilusões sobre a posição revolucionária do MNR. Cumpriu todo o seu ciclo e concluiu como servidora incondicional do imperialismo e do gorila crioulo. Essa tendência de ceder ao inimigo estrangeiro e esmagar o proletariado já estava na sua infância em 1946─1952; não descobri-la no devido tempo foi uma das fraquezas da suposta esquerda pró-trotskista. Aderir aos governos do movimento significaria fechar qualquer possibilidade de poder mostrar o caminho da revolução às massas.

Os governos dos movimentos ─ segundo nosso autor ─ seriam nada menos que a versão do altiplano da ditadura democrática dos trabalhadores e camponeses dos primeiros tempos de Lenine, que obrigava os trotskistas a participar deles. Sem dizê-lo, repudia as objeções de Trótski à velha fórmula leninista: “então (1905) Lenine formulou uma estratégia e uma táctica inabalavelmente correctas. Acredita que a proposta da ditadura do proletariado em abril de 1917 se deveu a uma mudança nas condições económicas e políticas. De tão curiosa interpretação extrai a afirmação de que as palavras de ordem de 1917 não podem ser aplicadas a países atrasados ​​como a Bolívia:”Aqueles que pretendem adaptar a táctica leninista de 1917 a países onde o proletariado e o povo em geral apenas balbuciam as primeiras letras do alfabeto da luita democrática, identificando essas condições com as duma Rússia dilacerada pola guerra e aquelas massas com os milhões de camponeses desesperados e trabalhadores russos em uniformes de soldados que em 1917 deixaram as frentes de batalha famintos e doentes, são tolos ou malandros, ou ambos ao mesmo tempo.

Sustenta que em abril de 1952 foi constituído um "governo revolucionário democrático" na Bolívia, dentro do qual a COB tinha a "tarefa de concretizar os grandes objetivos da revolução democrática anti-imperialista". Não aderir a esse governo revolucionário era servir ao imperialismo. O que se esquece é que o governo do movimento, desde o início, estava determinado a fazer o movimento operário retroceder e que a COB jamais poderia cumprir o papel de partido do proletariado, que a sua direção máxima não passava duma versão operária do governo pequeno-burguês. O POR apontando a inevitabilidade do entendimento do MNR com o imperialismo e descobrindo no seio das massas as sementes das tendências que apontavam para a tomada do poder, fez um trabalho correcto e não se desviou um milímetro sequer do leninismo e dos ensinamentos de Trótski. Esta lição é válida para os governos nacionalistas que aparecem depois.

O governo do movimento de 1952 impediu que o proletariado chegasse ao poder, essa classe foi substituída pola sua imitação: a esquerda do movimento que controlava a COB(10). Violando esta realidade, Peñaloza sustenta: “(dito governo) expressa a unidade do proletariado e da pequena burguesia anti-imperialista, unidos na luita democrática e nacional”. O dever do POR deveria ter sido ─ segundo este senhor ─ o apoio crítico ao referido regime e a rejeição de qualquer campanha sobre a possibilidade e necessidade do proletariado caminhar para a tomada do poder, porque "não haveria premissas materiais" para isso. Desta forma, desliza para os postulados estalinistas da revolução por etapas e adopta o esquema puramente democrático para os países atrasados.

 

 


Notas de rodapé:

(1) A Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC, Latin American Free Trade Association, LAFTA, polas suas siglas em inglês)) foi uma organização formada por onze nações dedicadas a promover a integração económica na América Latina. Estabelecida por um tratado assinado em Montevidéu, Uruguai, em 18 de fevereiro de 1960, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) serviu como um fórum para a criação de maiores laços económicos entre as nações latino-americanas. O acordo de Montevidéu foi assinado inicialmente por representantes da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru e Uruguai. Bolívia, Paraguai e Venezuela tornaram-se membros logo depois.

O tratado assinado em Montevidéu propunha o relaxamento gradual das barreiras comerciais entre os países membros, culminando num comércio totalmente livre em 1973. Um órgão permanente foi criado para facilitar reduções periódicas de tarifas e negociações regulares entre os membros. A LAFTA teve sucesso inicial, pois essas nações haviam negociado muito pouco nos anos anteriores ao acordo. No entanto, o progresso em direção à integração prosseguiu lentamente ao longo da década de 1960, à medida que as disparidades entre os países membros se tornavam mais aparentes.

Frustrados com o lento processo de integração, os países da LAFTA assinaram o Protocolo de Caracas em 1969, estendendo assim o prazo para o livre comércio até 1980. A divisão e o desequilíbrio que ameaçavam a LAFTA na década de 1960 só aumentaram na década de 1970. Muitos membros, cujo nível de industrialização neste momento poderia ser descrito como intermediário, sentiu-se mal equipado para competir com as grandes nações industrializadas: Argentina, Brasil e México. A percebida desigualdade inerente à LAFTA levou à ratificação do Pacto Andino em 1969 por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e, posteriormente, Venezuela, que perseguiram as suas próprias agendas de integração independentes da LAFTA, uma ação que inibiu ainda mais a originalidade da ALALC. meta de livre comércio em todo o hemisfério. Em 1980, ano em que ocorreu o livre comércio na América Latina, os membros da LAFTA formaram a Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), iniciando um renovado esforço de integração.

No início da década de 1990, os Estados Unidos começaram a estabelecer acordos de livre comércio com países individuais. O mais proeminente entre eles foi o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA), que criou uma zona de livre comércio entre México, Canadá e Estados Unidos. Esse novo comércio despertou o interesse por uma zona de livre comércio maior nas Américas. Consequentemente, em 1993 a Organização dos Estados Americanos propôs a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) para ser implementada em 2005. No entanto, a partir de 2007, a oposição política nos Estados Unidos e na América Latina impediu sua adopção. No entanto, mais países latino-americanos estabeleceram acordos de livre comércio com os Estados Unidos e, em 2004, os Estados Unidos e a América Central assinaram um pacto de livre comércio. Em 2007, os Estados Unidos ainda estavam negociando acordos económicos com o Peru e a Colômbia. (Citação e tradução própria da enciclopédia editada on-line da Oxford University Press e da Columbia Encyclopedia). (retornar ao texto)

(2) Lora refere-se aos seguidores de Rosa Luxemburgo. (retornar ao texto)

(3) Retiro a citação do texto do Arquivo da Internet dos Marxistas conforme a redação de "O Vermelho" (2003). A frase de Marx é tirada da fábula de Esopo, O fanfarrão, um indivíduo que se recusa a participar duma competição de saltos, embora afirme que, quando estava em Rodes, havia saltado muito mais longe do que todos os presentes. A frase na sua forma latina passou a ser utilizada como exigência de demonstração imediata do que pode ser facilmente comprovado. Em grego é: ἰδοῦ Ῥόδος, ἰδοῦ καὶ πήδημα (palavra por palavra, literalmente: "Eis Rodes, eis também o salto"). Em Marx é, por sua vez, uma reprovação a Hegel que em A Filosofia do Direito escreve: ""Hier ist die Rose, hier tanze" (Aqui está a rosa, aqui dança), trocadilho entre Rhodus-rhodon (Rodes-rosa) e salta-tanze (salto-dança) [Veja também: Critique of Hegel’s Philosophy of Right (1843); Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843), em inglês] transcrita por Andy Blunden. (retornar ao texto)

(4) A doutrina dos mencheviques (em russo меньшевики, menshevikí, "membro da minoria"). Foi a facção moderada do Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR) que emergiu do seu segundo congresso no verão de 1903 após a disputa entre Vladimir Lenine e Yuli Mártov. Desde 24 de abril de 1917 nasceu um Partido Trabalhista Social Democrata Russo independente tendo como líderes: Yu. O. Mártov, A.S. Martynov, P.B. Axelrod, G.V. Plekhanov, F.I. Dán, I.G. Tsereteli. (retornar ao texto)

(5) Apoiadores do chanceler do Reich Otto Eduard Leopold von Bismarck-Schönhausen, Príncipe de Bismarck, Duque de Lauenburg. (retornar ao texto)

(6) Leia a nota anterior sobre o assunto. (retornar ao texto)

(7) Pseudónimo de Enrique Rivera. Sua obra e pensamento podem ser acessados no arquivo espanhol do MIA. (retornar ao texto)

(8) Ver nota anterior sobre o assunto. (retornar ao texto)

(9) Leia a seção sobre a obra de Enrique Rivera: Comparação com a política do P.O.R. na Bolívia. (retornar ao texto)

(10) O autor faz referência implícita a Juan Lechín Oquendo, então secretário-geral da COB, ministro de Minas do governo de Paz Estenssoro e, posteriormente, entre 1960 e 1964 vice-presidente da Bolívia, que acabou apoiando o golpe militar do general René Barrientos (1964) que derrubou o MNR. (retornar ao texto)

 

Inclusão: 23/07/2023