MIA> Biblioteca> Guillermo Lora > Novidades
Primeira Edição: LA BUROCRACIA SINDICAL, La Paz – Bolivia, 1984. https://www.masas.nu/articulos%20para%20la%20portada/libro-%20la%20burocracia%20sindical/la%20burocracia%20sindical.pdf
Tradução para portugués da Galiza: José André Lôpez Gonçâlez. Dezembro de 2020.
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A situação da Central Obreira Boliviana
“...uma camada muito mais forte surgiu lá (no Ocidente) do que no nosso país de profissionais, mesquinhos, egoístas, sem coração, gananciosos, pequeno-burgueses, imperialistas em espírito, comprados e corrompidos polo imperialismo (Gompers, Jouhaux, Henderson, Merrheim, Legien e Cia...) ”. (Lenine).(1)
A Central Obreira Boliviana, que veio ao mundo em 17 de abril de 1952, constitui uma organização de massas, dentro da qual a preeminência e a liderança da classe trabalhadora são evidentes. Essa é a tradição. Nesta medida importa o ponto culminante do longo trabalho de reorganização do movimento sindical boliviano, que no passado foi basicamente artesanal, tanto pola sua estrutura como pola sua ideologia, e cuja expressão mais completa foi a Confederação Sindical de Trabalhadores da Bolívia(2) estalinista (a O CSTB participou do bloco político formado pola rosca(3) e polo PIR (4) estalinista, entre 1943-1946).
Não se tratava duma questão estritamente gremial, de adotar esta ou aquela forma de organização, mas antes um problema político: os sindicatos não vislumbravam a estratégia própria do proletariado (revolução e ditadura obreiras) e, por isso mesmo, terminavam repetindo a política da classe dominante. Quando foi lançada a palavra de ordem da reorganização do sindicalismo, que, estranhamente, valia a reintegração efetiva ao movimento operário dos já organizados mineiros, foi feita uma declaração política transcendental no sentido de que as massas deveriam se organizar e se mobilizar. na perspectiva da revolução proletária e da aliança operário-camponesa. Este programa político transformou a classe, que foi libertada da sua escravidão à burguesia. A burocracia sindical se esforça para enterrar essa etapa muito importante da formação da classe; consola-se com a espécie que a Central Obreira Boliviana caiu do céu por obra e graça dalgum burocrata ignorante e ousado.
Como ninguém desconhece, foram as "Teses de Pulacayo" que levantaram a urgência desta reestruturação.
Durante o sexénio rosquero, aqueles que luitaram incansavelmente para colocar a Central Obreira Nacional de pé não esconderam a intenção de materializar um dos slogans centrais do documento programático dos mineiros, cuja implementação teria causado um sério retrocesso à reação. Se esse esforço foi frustrado, foi principalmente devido à atitude oscilante assumida polos fabris, uma vez que outros setores operários importantes (mineiros, gráficos, etc.) já estavam se movendo como a Central Obreira Nacional (CON).
Não há dúvida de que a nova organização, se tivesse prolongado por mais tempo a sua existência, teria seguido as diretrizes do sindicalismo revolucionário: fazer com que os sindicatos actuassem como poderosos canais de mobilização das massas para a vitória dos objectivos estratégicos da classe trabalhadora. Essa era a linha política predominante na época e abalou as próprias entranhas do país.
Se a NOC tivesse conseguido se consolidar naquele momento, é claro que teria adquirido inconfundíveis traços sindicais e não soviéticos, como aconteceu posteriormente com a Central Obreira Boliviana. Não se deve esquecer que se buscou moldar a sua estruturação por meio de discussões e pactos entre confederações e federações, ou seja, por meio de negociações de cúpula e não como consequência da imposição das massas transformadas em donas da rua. O desenvolvimento político impôs este método organizacional, não foi escolhido deliberadamente por este ou aquele líder ou activista. Apesar de tudo, essa experiência, profundamente penetrada pola política revolucionária desenvolvida na época, foi um dos elementos que contribuíra para a posterior formação da Central Obreira Boliviana e também para o estabelecimento das suas características mais importantes.
O NOC teria sido, reflectindo a estrutura das federações e confederações nas quais começou a se instalar, uma expressão da frente única de classe.
Quando se argumenta que a Central Obreira Boliviana nasceu com características inconfundíveis de conselho popular (soviético) ou quando alguns críticos destacam que as "Teses de Pulacayo" foi inspirada no Programa de Transição escrito por Leão Trótski ou que segue de perto algumas das passagens desse documento, os inimigos do movimento operário e que se apresentam como profissionais da xenofobia ─ expressão retrógrada e fascista do nacionalismo ─ se precipitam a lançar a espécie que seria um movimento estrangeiro, alheio à realidade do país e subsidiado quem sabe por que poder.
A COB sintetizou e superou todas as luitas e a história dos movimentos sindical e socialista das décadas anteriores, apresentando perfis inequivocamente bolivianos. Não há dúvida de que a presença do marxismo como doutrina e método e do partido político determinado a estruturar a vanguarda da classe como timoneiro revolucionário, possibilitou a assimilação da experiência operária mundial e o advento da centralidade das massas no cenário nacional em geral, de todos os explorados. O marxismo deve ser considerado como o instrumento que permite conhecer a realidade que se busca transformar radicalmente. A experiência internacional da luita de classes nada mais faz do que contribuir para a assimilação da experiência nativa e enriquecê-la.
São dous traços inconfundíveis que o patrimônio histórico boliviano incorpora no processo de estruturação das organizações sindicais:
a) As reuniões de massa, como expressões da democracia direta, caracterizam a história das nações indígenas subvertidas e que dalguma forma convergem nos conselhos abertos, expressão do democratismo peninsular e utilizada como canal de expressão do movimento rebelde de artesãos e crioulos. A essência desta "democracia" na sua expressão mais simples é que os dirigentes são nomeados polas grandes massas e que as decisões da assembleia adquirem o carácter dum mandato imperativo irrevisível que deve regular a conduta daqueles que se transformam em caudilhos ou líderes pola vontade daqueles que recorrem, de vez em quando, a tais reuniões abertas a todos.
Nos primeiros anos da república, o conselho aberto marcou o início da subversão ou a mudança profunda que teve de ser introduzida na actividade política. Foi o germe dum governo activo e gozava de poderes ilimitados, na medida em que podia intervir na vida e organização do pequeno exército da época (entre vários exemplos: Belzu foi nomeado general por uma prefeitura de La Paz), que não era de casta e ainda não tinha subido totalmente acima da sociedade; de alguma forma, concentrou camadas populares da população e os seus oficiais (Belzu, Morales, Melgarejo, Daza, etc.) expressaram não poucas ansiedades plebeias; a luita de classes percorreu caminhos insuspeitados para se exteriorizar. A participação dos cidadãos em assuntos militares, na suposta e elitista democracia do início do século XIX, também se dava através da guarda nacional ou cívica, o que significava deixar as armas nas ruas, nas mãos dos cidadãos.
As organizações sindicais fazem parte desse movimento popular e são influenciadas por essa poderosa corrente democrática, que constitui o fio condutor das revoltas populares.
A história nos mostra exemplos da forma obstinada com que os filiados das organizações sindicais combatem os esforços de alguns dirigentes para estrangular a vontade das bases e burocratizá-las prematuramente.
b) A opressão nacional exercida polo imperialismo e mais especificamente polo norte-americano é palpável não só pola brutalidade com que é exercida, mas também porque se traduz em diferenças na pigmentação da pele e no vestuário dos habitantes. O gringo, explorador, irado e brutal no seu tratamento desdenhoso e discriminatório para com a população indígena (o nosso proletariado está ligado a ela de forma vital), personifica o imperialismo saqueador e opressor. Para os bolivianos do passado e agora, o gringo é o opressor estrangeiro. Instintiva ou conscientemente, as massas exploradas e particularmente o proletariado sabem que a plebeia Bolívia, invariavelmente atraiçoada e vendida polos seus governantes e dirigentes políticos, sempre esteve diante do opressor estrangeiro; o povo é um povo antiimperialista, que sabe perfeitamente que sofre a miséria porque toda a riqueza e o produto do trabalho dos obreiros são levados para o exterior e que servem para cimentar o bem-estar económico das grandes metrópoles. Essa atitude popular, em que o sindicalismo está conectado e aparece cheio de orgulho nacional, contrasta com o servilismo feudal-burguês diante de Londres ou Washington ou com o rastaquerismo do nacionalismo burguês, que invariavelmente acaba de joelhos diante das grandes metrópoles subjugadoras.
Mesmo entre os políticos da classe dominante, os termos de capacho e entreguista são usados para sugerir que os governos de turno se abandonaram de corpo e alma nos braços do imperialismo.
As massas em geral luitam para se libertar da opressão estrangeira e se não alcançam o seu objectivo é apenas por causa da traição dos políticos burgueses, às vezes efectivamente apoiados polos burocratas sindicais. A opressão nacional é acentuada em grande medida porque a classe dominante demonstrou a sua total incapacidade de emancipar o país e se emancipar da opressão estrangeira: os actuais governantes prometem a soberania do Estado burguês a um preço mínimo. Nas mãos dos regimes burgueses, os empréstimos internacionais, canal preferencial actualmente utilizado polo capital financeiro para se apoderar dos pontos vitais do país, apesar da nacionalização das minas e do petróleo, servem para agravar a entrega do país ao exterior e não para impulsionar o seu desenvolvimento.
O sindicalismo boliviano nunca deixou de ser antiimperialista, permaneceu fiel à tradição boliviana. Os esforços dos sindicatos norte-americanos para se firmar nalguns sindicatos bolivianos fracassaram, porque essas organizações resistiram em cooperar com a burguesia opressora dos Estados Unidos, como faz a AFL, por exemplo. Também agora fracassará o trabalho realizado por alguns dirigentes traidores que procuram eliminar o sentimento antiimperialista dos sindicatos do país. Nenhuma afronta maior pode ser concebida do que a existência de sindicatos controlados polos ianques.
Um dos defeitos do movimento operário consiste na falta de informação sobre a natureza das organizações sindicais de outras regiões e, em particular, das grandes centrais que operam nas metrópoles do capital financeiro. Esse tipo de neutralismo em face das grandes correntes do movimento operário internacional tem que acabar. A vivacidade crioula pode beneficiar momentaneamente tirando pequenas vantagens dum ou doutro, de mouros e cristãos, mas isso prejudica muito os trabalhadores, porque contribui para desorientá-los quanto aos objectivos e intenções desta ou daquela tendência.
Deve ser dito com total clareza que no mundo não existem correntes independentes e que aqueles que não luitam abertamente por uma sociedade sem classes, sem oprimidos e opressores, estão definitivamente nas garras do imperialismo, que eles são os seus servos e que a sua política apoia os planos colonialistas, incluindo o belicista Reagan. As confederações e federações devem ser necessariamente antiimperialistas.
Os sindicatos em geral e, portanto, as centrais por ramos de produção e nacionais, são organizações de massa, típicas da classe trabalhadora, aparecem no nosso tempo, da mesma forma que o partido revolucionário e os órgãos do poder. Nesta medida, a sua existência constitui uma conquista muito importante e o quadro adequado para a luita em defesa dos interesses fundamentais dos explorados e da actividade revolucionária que visa a conquista das massas para posições antiburguesas.
Essas organizações são herança da classe, das massas, e não propriedade das camarilhas de líderes ocasionais. São esses os fundamentos que tornam necessário defender intransigentemente a integridade das centrais, como a COB, por exemplo, e dos sindicatos em geral. Esta defesa inclui a rejeição do ataque violento da reação, que não treme em lançar os seus bandos fascistas que procuram destruir fisicamente as próprias organizações e os seus líderes; A resposta, neste caso, não pode ser outra que a constituição de piquetes de autodefesa, que é uma forma de defender fisicamente a mesma classe; Ao mesmo tempo, as organizações devem ser defendidas contra as tentativas de transformá-las em feudos de camarilhas burocratizadas, o que pode ser feito luitando polo retorno à validade irrestrita das normas da democracia sindical; enfim, é preciso preservar o capital dos princípios e tradições revolucionárias, o que é uma forma de evitar que os sindicatos acabem como agentes da política burguesa ou imperialista.
Uma defesa bem compreendida dos sindicatos e das suas organizações centralizadas supõe uma luita incansável em favor duma democracia efectiva, isto é, do respeito irrestrito à vontade das bases, uma batalha sistemática contra o perigo constante da burocratização. Os líderes que acreditam que os sindicatos são as suas propriedades privadas e que ninguém mais pode aspirar à liderança, não medem esforços para fazer as pessoas acreditarem que toda a campanha contra eles já é uma campanha anti-sindical. Esses maus líderes não defendem a organização dos trabalhadores, eles defendem os seus privilégios.
Precisamos de sindicatos que desenvolvam uma política revolucionária, isso porque o nosso objectivo fundamental é a libertação do proletariado. Ninguém ignora que existem sindicatos cuja existência e actividade estão orientadas para a perpetuação do capitalismo, que se constrói sobre a exploração da classe trabalhadora. Há, então, sindicatos que seguem uma orientação revolucionária e outros que se consomem no reformismo, no esforço de embelezar a face da sociedade burguesa.
A Central Obreira Boliviana nasceu, seguindo o caminho indicado pola CON e pola "Tese de Pulacayo", na perspectiva da política revolucionária e deve permanecer nela, porque é chamada a ser o grande instrumento da revolução proletária. É um dever elementar luitar incansavelmente para trazer à tona essa característica, para evitar que se prostitua, para que não seja um órgão da política burguesa, isso pola presença da burocracia sindical.
Não são poucos os sectores que reivindicam as posições dos trabalhadores e da esquerda são cúmplices dos avanços que a burocracia tem feito na COB, nas confederações, federações e até nalguns sindicatos de base. Guardam um silêncio criminoso diante dos excessos que alguns “dirigentes” cometem, escondem as ideias reacionárias que espalham, tudo em troca de alguma pitança, duma responsabilidade nas direções, de viagens, da tolerância de que precisam para com os próprios pecados. Estamos certos de que esta má conduta prejudica gravemente o movimento operário e favorece a burguesia, os patrões e o seu Estado, por isso a desnudamos em todas as oportunidades possíveis.
A burocratização do movimento sindical desenvolve-se diante dos nossos olhos e, ao ignorá-la, apesar dos enormes perigos que carrega nas entranhas, pretende-se negar a sua existência. Concluir-se-ia assim entregando o movimento operário à reacção. A luita revolucionária é inseparável do combate contra a burocracia e em defesa dos princípios da independência política da classe e da preservação dos fundamentos da finalidade estratégica do proletariado.
Uma das tradições da longa luita travada polo Partido Obreiro Revolucionario é justamente a intransigência que demonstrou nas luitas contra a burocracia sindical, cuja existência é incompatível com uma linha política revolucionária.
Na atualidade, a denúncia e a guerra sistemática contra a burocratização tornou-se uma necessidade histórica, pois esse flagelo voltou-se um dos maiores obstáculos que as massas colidem na sua mobilização para a conquista do poder.
A escrita que o leitor tem nas mãos visa contribuir para a compreensão do fenómeno da burocratização, para que o combate a ela seja mais eficaz. O seu autor acredita que a preocupação central dos explorados no tempo presente deve estar relacionada a encontrar os caminhos que conduzam, economizando tempo e esforço, à revolução proletária e à ditadura. Nesta batalha será necessário derrotar os grupos fechados burocratizados que atualmente impedem que as massas evoluam rapidamente e de acordo com as mudanças políticas repentinas que ocorrem a cada dia.
A Frederico Engels devemos, desde muito cedo, a revelação de que o movimento operário inglês, que então vivia um dos seus momentos mais fortes, tinha uma crosta que o impedia de circular livremente, o que minava os seus objectivos revolucionários e que às organizações sindicais: a aristocracia operária, que a burguesia inglesa formou graças aos enormes lucros que obteve com a pilhagem das mais diversas regiões do globo.
Os impulsos instintivos do assalariado o levaram a atacar os próprios alicerces duma sociedade baseada na sua exploração. A aristocracia operária, obrigada a defender os seus privilégios excepcionais, acabou defendendo a classe dominante e toda a ordem social vigente.
A aristocracia repudiou a ação direta, tão profundamente enraizada no instinto de classe e que inevitavelmente empurra as massas a impor as suas demandas e soluções aos diversos problemas sociais e políticos, através das várias formas de violência revolucionária e contrárias ao ordenamento jurídico vigente (também imposto pola violência, para preservar o regime da grande propriedade privada e todas as suas emergências).
A aristocracia operária tornou-se legalista e partidária da via parlamentar. Pretendia que os sindicatos fossem também um refúgio para uma minoria privilegiada, à parte das luitas e preocupações das massas majoritárias. Por muito tempo, os sindicatos definharam como pequenos grupos.
A aristocracia operária tornou-se um luxo dos países ricos, que podiam destinar parte da mais-valia que extraíam das suas colônias e semicolônias para a corrupção das camadas superiores da classe trabalhadora metropolitana. A classe dominante queria que os seus próprios escravos defendessem ferozmente as suas cadeias de ouro e apoiassem a sua política opressora no exterior, e certamente teve muito sucesso.
Devemos acrescentar que em nenhum momento a aristocracia operária apareceu entre nós: a Bolívia é um país extremamente pobre, o que se traduz na exacerbação da luita de classes, e os trabalhadores bem pagos constituem uma minoria insignificante. Porém, ainda se observa que determinados dirigentes sindicais são silenciados e corrompidos com o auxílio da concessão dalgumas vantagens econômicas, a melhoria de cargos, contratos, etc. Desta forma, os patrões concluem tendo os dirigentes sindicais a seu favor e contra a maioria dos trabalhadores superexplorados.
No início, a aristocracia operária parecia um tanto marginalizada do movimento sindical. Com o tempo, ficou misturada e se fundiu completamente com a burocracia sindical. Lenine e Trótski usam esses termos de forma intercambiável. Nós, buscando ser compreendidos polos trabalhadores, limitamos as nossas observações à burocracia sindical.
No início, as organizações sindicais aparecem como o esforço mais sério feito para alcançar a unidade dos explorados, para que eles possam opor uma única frente contra a exploração e opressão capitalista, em suma, contra os excessos dos patrões e os seus sequazes. Para atingir esses objetivos, quando os sindicatos estavam fora da lei, o âmbito da democracia interna e directa tinha que ser acentuado e, de forma necessária, a vontade das bases passou a ser a autoridade máxima; naquela época, ser caudilho ou líder envolvia sérios riscos (dispensa do trabalho, prisão, perseguição etc.) e não era um privilégio, as mais das vezes imerecido, como agora. A legalização das entidades trabalhistas e o estabelecimento de amplas camadas de gestão, a fim de responder às demandas da complicação das relações trabalho-empregador e do Estado com os trabalhadores, criaram uma situação completamente nova.
Os dirigentes sindicais do nosso tempo tendem a se separar das bases e a se mover sob a poderosa pressão exercida sobre eles por empregadores e autoridades do Estado, cooperando e até mesmo ficando fundidos. Pode-se acrescentar que esses líderes carregam a influência distorcida de toda a sociedade, que está longe de ser operária ou igualitária. O trabalhador de ontem, condenado a se contentar em levar uma vida miserável com os seus baixos salários, vê aberto diante de si e pola primeira vez, um horizonte muito amplo que pode lhe permitir galgar económica e até socialmente, enfim, desclassificar. O êxito na carreira dos dirigentes está em relação directa com a subserviência que demonstram aos exploradores. Quem põe de lado os interesses dos companheiros de ontem e os objetivos históricos da classe, para obedecer com diligência às instruções dos patrões e do seu Estado, tem garantido o seu presente e o seu amanhã no esquema do capitalismo. Não esqueçamos que na sociedade actual importa o reinado do dono opulento, cujo propósito não é outro senão acumular mais e mais lucros geralmente alcançados com a ajuda de meios proibidos e desumanos. O burocrata acaba sendo o ex-trabalhador que vira dono.
A sociedade capitalista, que possui inúmeros tentáculos, alguns de brutalidade inegável e absoluta e outros excessivamente sutis, é uma corruptora franca dos dirigentes sindicais. Aproveita o passado da sua miséria para atraí-los a modos de vida que nada têm a ver com aqueles que o assalariado é forçado a suportar. O dirigente não tem escolha senão alugar, pedir presentes, abrir negócios, nem sempre legais, à sombra das organizações sindicais, tudo para pagar pola sua nova vida repleta de hábitos burgueses. É incontável o número de sindicalistas que, dessa forma, mudaram de emprego nas minas ou fábricas por ocupações típicas da classe média.
Encontramo-nos numa luita franca contra a burguesia e em busca duma sociedade sem explorados ou exploradores. A classe dominante nativa mostrou a sua total incapacidade, está se desintegrando no poder e, no entanto, ainda tem a possibilidade de contar com a burocracia corrupta para impedir que as massas a varram do palco e que são os únicos que podem cumprir essa tarefa histórica. Isto é possível porque a burguesia não é apenas o aparelho do Estado, mas, sobretudo, o monopólio dos meios de produção, o que lhe confere um grande poder econômico e a possibilidade de cunhar a opinião pública à vontade.
Para o despossuído, a vida burguesa tem muitos encantos sem precedentes: suavidade; o conforto garantido polo grande desenvolvimento tecnológico e electrónico na vida doméstica e na rua; os refinamentos usuais das classes altas; viajar rodeado de conforto; inclusive a possibilidade de trocar a companheira abnegada de toda a vida, rústica e leal, por uma mulher de tez fina e estranha cor; a substituição de viagens pesadas e incômodas em camiões ou ónibus cheios de pessoas e ruins cheiros polo macio carro, etc. As observações de Racovsky a esse respeito permanecem válidas. A burguesia oferece assim ao líder sindical domesticado uma nova vida em troca de se tornar o seu servo incondicional.
A classe dominante actua sobre a classe trabalhadora através das suas camadas mais atrasadas, que são incapazes de opor novas ideias e objetivos revolucionários às ideias burguesas predominantes e consagradas, mesmo com as bênçãos da Igreja. Este é um processo normal. Só nos momentos de maior tensão da luita de classes o grosso da classe une-se à vanguarda, que concentra os avanços feitos na evolução da consciência do proletariado e que dá expressão política aos seus objetivos históricos. Estamos falando da acção burguesa sobre o conjunto das massas e não apenas sobre os sectores organizados, que sempre constituem uma parte maior ou menor da classe.
As organizações obreiras (sindicatos, órgãos de poder, partido político) tornam-se perigosas demais para a classe dominante, pois podem tornar efectiva a luita de classes e conduzi-la à vitória. E a luita de classes é a luita pola posse da mais-valia, isto significa que os capitalistas arriscam nela os seus lucros, que os querem sempre maiores; os trabalhadores explorados luitam para vender a sua força de trabalho polo seu valor (a quantidade de alimentos que consomem para se recuperar da fadiga). Vencer neste confronto colossal torna-se uma questão de vida ou morte para os opressores: a burguesia é implacável no que diz respeito ao mercado de acções. Daí a urgência de encontrarem os exploradores os meios para neutralizar os sindicatos (massas organizadas), controlá-los e até mesmo direcioná-los para objectivos previamente calculados: precisam ter freios para evitar que os famintos destruam a propriedade privada, com meios para domesticá-los, numa palavra, freá-los, para que não ameacem acabar com a ordem social estabelecida. Esta função anti-operária e contra-revolucionária é diligentemente cumprida pola burocracia sindical.
As condições em que se dá a exploração capitalista e que se traduzem na extrema miséria dos trabalhadores, na sua falta de cultura, nas enormes dificuldades que devem ser superadas para atingir a sua formação teórico-política, determinam que os dirigentes sindicais sejam constantemente acossados polo perigo da burocratização; Contando com essa matéria-prima, é a burguesia, através dos complicados organismos que a permitem actuar, às vezes sem ser vista, que se encarrega de configurar a burocracia e lubrificá-la adequadamente com recursos econômicos para o seu bom funcionamento. Muitas vezes, foi a burocracia laboral que salvou a classe dominante da derrota total.
A burocracia sindical é formada por dirigentes que acabaram se emancipando, às vezes por completo, da sua ligação natural com as bases de onde provêm e do seu necessário controle sobre as suas acções; ao mesmo tempo, é o grupo de dirigentes sindicais que dobraram as asas ante os elogios e presentes da burguesia, que foram alugados e comprados por ela.
A burocracia obreira, um dos fenômenos mais visíveis do sindicalismo do nosso tempo e não apenas uma curiosidade boliviana, é uma rede de camarilhas formada em torno de interesses mesquinhos e indizíveis. A burocracia concede aos seus membros influência econômica e política que lhes permite actuar sobre a burguesia e os seus organismos para arrancar-lhes concessões e privilégios. Não obstante, a burocracia é operária pola sua origem social, mas já é completamente estranha à classe mãe.
A primeira preocupação da burocracia é se perpetuar nos cargos sindicais, se for deslocada significaria a perda de privilégios e dos interesses imediatos das lideranças. A camarilha monta máquinas reais, muitas delas diabolicamente complicadas e com uma miríade de ramificações, para falsificar eleições, contornar as decisões da base e, numa palavra, atacar aberta ou veladamente os empregos na cúpula dos sindicatos. À medida que os grupos fechados se perpetuam nas direções, aumentam em poder econômico e, portanto, em possibilidades de manobra a serviço dos seus bastardos fins.
A burocratização pode atingir trabalhadores autênticos, de famílias que há gerações se dedicam à venda da sua força de trabalho, mas não é a regra geral. Na maioria das vezes, os arrivistas, os pequeno-burgueses que se aventuram nos círculos da classe trabalhadora como turistas, aqueles que “visitam” fábricas e minas, acabam como burocratas inveterados e realizam plenamente a sua nova carreira nisso. Não são poucos os pequeno-burgueses que trabalham durante anos com as mãos, que permanecem estranhos à classe, sem ter a coragem de nela mergulhar, esperando, antes, pola oportunidade de regressar ao redil, do qual são afastados pola fome e outras necessidades urgentes. Este é o melhor material humano que a burguesia pode encontrar para fazer a sua colheita de burocratas. Essas considerações são totalmente aplicáveis à Bolívia.
Nalguns países, como o México, por exemplo, os burocratas sindicais atuam fortemente incorporados ao aparato estatal. O camarada Leão Trótski, comentando a criação da Confederação Estalinista dos Trabalhadores Latino-Americanos ou CTRL (setembro de 1938), escreveu: “no México, onde os sindicatos, infelizmente, dependem diretamente do Estado, os cargos da burocracia sindical são preenchidos geralmente com elementos da inteligência burguesa. São advogados, engenheiros, etc., pessoas que nada têm em comum com a classe trabalhadora e que pretendem apenas utilizar as organizações sindicais no seu benefício, seja para melhorar a sua situação econômica, seja para promover as suas carreiras políticas. Esforçando-se para esconder as suas políticas cruamente egoístas dos trabalhadores, esses alpinistas burgueses frequentemente aparecem como 'antifascistas' e 'amigos da URSS', quando na realidade são agentes do imperialismo anglo-saxão. " Se fossem constatadas as origens e antecedentes dos chefes visíveis da burocracia sindical, verificar-se-ia que a maioria de seus componentes provém da listagem de funcionários da empresa e estaduais.
Quando se fala em burocrata sindical, estamos nos referindo a um elemento que já é estranho à classe trabalhadora por causa da sua conduta cotidiana, pola sua orientação política, pola sua ideologia, polo seu modo de vida e polo seu afastamento dos trabalhadores, isto independente da sua origem social.
As cambalhotas realizadas polos burocratas para se perpetuarem nos seus cargos são indissociáveis duma inevitável perseguição, franca ou velada, dos elementos revolucionários (na Bolívia dos militantes poristas) e que se opõem à sua direção. Os objectivos e o comportamento dos burocratas e revolucionários necessariamente se contradizem, uma vez que estão localizados em campos diferentes e completamente opostos.
Os marxistas estão determinados ─ e isso explica a sua participação nas actividades sindicais ─ a influenciar ideologicamente as massas, a fim de poder organizá-las, educá-las e mobilizá-las para a materialização da estratégia da classe trabalhadora, ou seja, da revolução social, da ditadura do proletariado. Isso não pode deixar de desagradar a burguesia, que está interessada em que os sindicatos lidem exclusivamente com os salários, com as relações trabalhador-patrão, mas em nenhum caso com a revolução. A burocracia não pode consentir com o trabalho dos revolucionários porque existe o perigo de que eles dominem as massas e deixem os líderes profissionais e traidores nus. Por outro lado, uma das funções da burocracia é garantir que nenhum incómodo ou ameaça contra a burguesia venha do campo do trabalho: a prova de que os movimentos revolucionários constituem o maior perigo para a sociedade capitalista como um todo e também para a burocracia sindical não está em discussão.
As limitações da democracia sindical interna não são suficientes para impedir o trabalho revolucionário, que pode percorrer os mais diversos caminhos para chegar aos explorados. As ideias e análises marxistas tendem a tornar-se pólos aglutinadores das massas e das suas preocupações, pola sua elevada qualidade e porque dão expressão política ao que já é uma busca instintiva do grosso dos trabalhadores. E as ideias não podem ser enterradas indefinidamente, concluem, emergindo ameaçadoramente no momento menos esperado, quando a luita de classes se intensifica.
Aqui está a explicação de porque a perseguição não se limita à perseguição de ideias, aos esforços que são feitos para mutilar o direito à crítica, à pretensão de marginalizar propostas políticas com o argumento absurdo de que os trabalhadores não devem perder tempo com teorias ou generalizações políticas, mas abrange e de preferência as pessoas, aos porta-vozes das correntes revolucionárias. Às vezes é a hostilidade acentuada, o boicote a todos os seus movimentos de oposição, que pode levar a exclusões, que podem abrir caminho para a cisão, mesmo deliberada, das organizações sindicais. Não se deve parar em apontar que a campanha contra os revolucionários está cheia de falsificações e fraudes. A imponente história dos militantes poristas dentro dos sindicatos bolivianos está repleta de valiosas lições para todos.
Na maioria das vezes, essa campanha contra os elementos revolucionários aparece orquestrada com a desencadeada polo partido no poder. Para o governo, o silenciamento da crítica e da actividade marxista, especialmente entre as massas, é uma preocupação fundamental. Existe uma frente natural entre a burocracia, o governo e os patrões.
A dura experiência ensinou-nos que, quando falamos de perseguição, estamos nos referindo às diferentes formas de pressão e hostilidade destinadas a silenciar aqueles que são classificados de cima como críticos e "agitadores", isto é, como elementos perigosos para a estabilidade social e política. O governo sabe que o seu bem-estar é o bem-estar dos seus servidores burocráticos.
O fortalecimento das organizações sindicais é inconcebível sem a luita polo aprofundamento da democracia interna, pola validade da assembleia geral e cujas decisões devem ter o caráter de mandato imperativo para os dirigentes em geral.
Pola sua própria natureza, a burocratização dos sindicatos ataca directamente a democracia interna, que além de distorcida, corre o risco de ser totalmente destruída. Os burocratas sindicais, que se caracterizam por defender os interesses das facções anti-operárias e agir de costas para as bases, tornam-se ditadores despóticos.
Como os líderes burocratizados tendem a se perpetuar nos seus cargos, disso depende a sua estabilidade presente e futuro, eles se apresentam como líderes infalíveis, que tudo podem fazer e não conhecem os fracassos. Por isso mesmo, não podem permitir que as suas ideias e o seu comportamento tortuoso e até criminoso sejam criticados. Os "líderes" devem simplesmente permanecer intocados. Para tanto, cunhou-se a espécie que qualquer crítica a esses dirigentes nada mais é do que uma conspiração contra a integridade física das organizações de massa, um crime que só pode ser planejado e executado por agentes da reacção crioula e do imperialismo. A suposta defesa dos sindicatos funciona como uma cortina de fumaça que encobre os malabarismos dos burocratas. É preciso deixar claro que a burocratização nada mais é do que um tumor maligno que ameaça destruir os sindicatos considerados núcleos de resistência dos trabalhadores. Está a extirpação polos próprios trabalhadores e não por qualquer outro organismo ou instituição alheio à classe, permitirá que os sindicatos se revigorem e reencontrem o seu verdadeiro caminho.
Os sindicatos são expressões elementares da frente única de classe e da Central Obreira Boliviana, no seu melhor sentido, duma frente única de classe anti-imperialista. Isso significa que dentro destas organizações existem as mais diversas manifestações, políticas e outras, das massas, o que torna necessário considerar a democracia interna mais ampla como a base organizacional fundamental e de forma alguma o centralismo democrático, tese sustentada tão alegremente por alguns aventureiros que levantam qualquer absurdo. Não é apenas que a discussão mais ampla das diferentes posições deve ser amplamente garantida, mas que a propagação de ideias e a modelagem de tendências ─ incluindo políticas ─ em torno delas não devem encontrar obstáculos. Pois bem, a democracia assim concebida é incompatível com o reinado da burocracia sindical, que é essencialmente totalitária e pluralista apenas em benefício dos seus compadres. Os líderes burocratizados precisam urgentemente assumir o controle e não permitir que a discussão e disseminação de ideias revolucionárias enfraqueçam o seu despótico reinado.
O sindicalismo boliviano foi conformado em torno das ideias marxistas revolucionárias, mas actualmente não é possível julgar livremente a má conduta dalguns líderes à luz delas. Algo muito mais sério, quem se atreve a propagandá-los está sujeito a todo tipo de pressões e actos de hostilidade, que nada mais são do que formas de perseguição. Por obra dos burocratas, as organizações sindicais deixaram de ser fortalezas revolucionárias para se tornarem trincheiras de cujo seio dispara o governo burguês e anti-operário. Como interpretar o slogan preferido da União Popular Democrática, que é toda ousadia que resume a sua política social e diz: “unidade em torno da COB”? Só pode haver uma resposta; o partido no poder usa a burocratizada Central Obreira Boliviana como parapeito, entre outras cousas, para impor a sua política económica de fame e para combater ferozmente aqueles que se atrevem a levantar a alternativa da revolução proletária, uma tradição clara do sindicalismo, um objectivo estratégico da classe chamada a ser a líder da nação oprimida polo imperialismo e a única resposta revolucionária à constante ameaça de golpe do gorilismo, que vem do ventre do nacionalismo burguês e que continua a se reproduzir incessantemente nas entranhas do impotente movimentismo dos mais diversos matizes.
A oposição revolucionária nos sindicatos, que muitas vezes tem que recorrer a métodos clandestinos para agir, está decidida a impedir que continue a se acentuar a deformação ideológica e organizacional das organizações sindicais, caminho que as leva a se tornarem instrumentos dóceis nas mãos do governo do nacionalista burguês de direita Hernán Siles Zuazo. Essa tendência marxista-leninista-trotskista exige e luita para que a democracia interna reine em toda a sua amplitude nos sindicatos, sem palavrões, intimidação e perseguição por parte dos dirigentes sindicais. Liberdade para propagandear ideias revolucionárias e organizar os trabalhadores ao seu redor!
Apesar de todas as declarações líricas em contrário dos burocratas, a vontade das bases dos explorados em geral é simples e diariamente desconhecida. Dentro duma sólida concepção organizacional dos sindicatos, a vontade dos sindicalizados constitui a lei suprema, que não pode ser distorcida, esquecida ou violada por ninguém. Nas organizações laborais burocratizadas, essa vontade é simplesmente substituída polas decisões dos líderes que servem aos interesses do inimigo de classe. As resoluções de assembleias e congressos tornaram-se actos formais, porque o que conta em última instância é a vontade dos burocratas e as decisões das camarilhas de traficantes e traidores.
Não se trata apenas duma separação total entre bases e dirigentes, da impossibilidade de serem controlados polos seus constituintes, mas de que a burocracia usa abusivamente o nome de trabalhadores para contrabandear ideias, slogans e instruções do Palácio do Governo ou da gestão patronal. O sindicato ou a COB deixaram de ser palco da actividade militante dos trabalhadores, para se tornarem simples lacres e dispositivos tão facilmente colocados à disposição dos exploradores, para que os usem à vontade contra os trabalhadores. Nenhuma degeneração adicional poderia ser esperada duma das maiores criações dos explorados na terra. É chegado o momento de retirar os sindicatos das mãos de quem não titubeia em maculá-los para melhor servir aos exploradores.
Os canais polos quais os sindicalistas podiam, no passado, responsabilizar os seus líderes e sujeitar o seu comportamento diário a severo controle estão se perdendo: a burocracia faz o que quer e tal decisão não é discutida nas assembleias ou no próprio local de trabalho.
As equipes burocratizadas pressionam fortemente os congressos e até mesmo algumas reuniões sindicais, buscando silenciar a opinião dos opositores. O mais grave é que após as discussões infindáveis e cansativas dos delegados de base, as equipes dirigentes acabam agindo de forma contrária e de acordo com as decisões adoptadas em comum com o partido no poder. Essa tremenda deformação na direção dos sindicatos materializa-se numa fórmula de comportamento inédita e totalmente contrária às tradições e interesses dos trabalhadores: proclama-se aos quatro ventos que a Central Obreira Boliviana e, portanto, as suas organizações dependentes, têm conversas com os opressores como o método central e preferido de luita; as greves são o maior mal e uma desgraça, mas às vezes se tornam inevitáveis; a acção directa deve ser descartada para colocar no seu lugar o respeito polas leis burguesas vigentes e, acima de tudo, o entendimento com o governo dos capitalistas. Deste modo, a tática sindical tradicional foi invertida, virada de cabeça para baixo, tudo em benefício dos exploradores e algozes da maioria nacional. Até agora sabíamos que a acção direta e especialmente a greve, eram os métodos próprios e fundamentais de luita dos trabalhadores. Era um dever elementar tirar o máximo proveito do próprio sistema jurídico da classe dominante e repudiar todos os aspectos prejudiciais aos sindicalistas. Certamente, nas disputas laborais é imprescindível o diálogo com o empregador ou com a sua expressão política máxima, que é o Estado, mas aqueles que não monopolizam a economia e muito menos as demais fontes da sociedade eram obrigados a assistir a tais diálogos apoiados pola mobilização em massa e por outras expressões de acção direta que poderiam fortalecê-los diante dos seus adversários. Agora, com um critério indiscutivelmente providencial, argumenta-se que tudo depende da discussão e da habilidade de manobra dalguns burocratas talentosos, além da bondade dos governantes. Disto devemos concluir que as massas (sindicatos de base) já não contam para nada e que foram virtualmente substituídas pola burocracia laboral digitada polo governo e polos patrões.
Essas lamentáveis consequências são o resultado do conceito e da práctica quanto à nomeação de dirigentes sindicais para a perpetuidade. A democracia sindical é amputada se a alternância de cargos sindicais não for posta em práctica, o que não é possível se as organizações laborais acabam practicamente sendo estranguladas por aparatos burocratizados que funcionam como potentes tanques das próprias fileiras do movimento operário, embora sejam totalmente estranhos a elas. Impõe-se a luita pola renovação das direções sindicais.
De facto, há uma fractura entre a atitude despótica e totalitária dos dirigentes e a vontade e decisão dos operários da planície, que são o grosso dos sindicalizados e que praticamente não têm mais do que uma ação directa para fazer ouvir as suas opiniões e ansiedades que vão contra o que os burocratas dizem e fazem. Ultimamente essa realidade tem se mostrado com contornos quase trágicos: enquanto os operários faziam uma heróica greve geral por tempo indeterminado em todo o país (Tarija(5) desertou), a alta burocracia cobista, que aparece na imprensa como um Comitê Executivo (na verdade é deliberativo e executivo), resistiu à tormenta com uma greve de 72 horas, que para os que compareceram ao último explanado cobista deveria ser activa, mas que não foi apenas passiva, mas totalmente amputada para não prejudicar ninguém e nem mesmo as receitas de divisas para empresas estatais Todos aderiram à equipa ministerial que julgou oportuno visitar a sede da Central para fazer acordos com os seus colaboradores “operários”. Esses golpes de melcochas(6) deixam de ser meios de pressão, perdem a sua verdadeira essência e se tornam vulgares truques.
As equipes burocratizadas são dirigidas directamente polo governo e polos capitalistas (o Estado é a organização política da burguesia) e, como indicado acima, nalguns países acabam integradas ao governo. Na Bolívia não chegou a tanto, mas o co-governo mal denominado COB-MNR (co-governo entre as duas alas do MNR, na verdade) já era um adianto disso e agora os líderes parecem teimosamente determinados a materializar um objetivo tão bastardo. O co-governo da burocracia cobista (diga-se assim e não simplesmente da COB, como gostam os impostores) com o governo burguês do UDP nada mais seria do que a integração da burocracia sindical ao aparelho de Estado. Como sempre, a classe voltaria a ser suplantada polo providencialismo dalguns líderes corruptos e caudilhos, que como operários só têm o rótulo. A burocratização crioula não atingiu os limites alarmantes alcançados no México e na Argentina, por exemplo, mas está orientada para esses objetivos.
O co-governo com a burguesia, independentemente dos seus matizes, constitui uma revisão total da linha tradicional, dos fundamentos da luita de classes e do abandono da estratégia do proletariado. Este co-governo foi introduzido arbitrariamente nas cúpulas laborais pola burocracia sindical, enquanto os trabalhadores de base continuam luitando e agora com mais força do que nunca, contra o governo burguês e as suas políticas económicas, sociais e internacionais. Há, portanto, uma contradição total entre as aptitudes dos explorados e as dos burocratas usurpando a sua vontade. O colaboracionismo de classe não é apenas contrário aos princípios básicos do sindicalismo boliviano, mas leva inevitavelmente à derrota, isto porque não faria nada além de perpetuar o regime capitalista de exploração, contribuir para que a classe trabalhadora perdesse a sua independência política e concluísse tornando-se um simples factor de estabilização governamental a favor da burguesia. Esse é o caminho da franca traição aos interesses históricos do proletariado; não é por acaso que para a burocracia tudo se reduz a dar ao Dr. Hernán Siles alguns planos financeiros. Por sua vez, a burguesia espera que o co-governo force a maioria nacional a arcar com todas as consequências da crise e a sustentar o seu governo. Os trabalhadores da planície sabem perfeitamente que a crise dos capitalistas deve ser paga polos capitalistas e não por eles, que não têm responsabilidade polo problema.
O comportamento da burocracia, que se caracteriza pola sua total submissão à política burguesa, esbarra ─ e a cada dia mais ─ com a acentuada atitude antigovernamental das massas, que assim agem instintivamente e por vezes de forma consciente. O abismo que separa a alta burocracia sindical da base tende a se aprofundar cada vez mais, até porque as posições pró-governamentais da direção cobista colidem violentamente com os sentimentos mais elementares dos explorados.
Este é o caminho que conduz ao enfraquecimento progressivo das organizações sindicais; não se pode falar de força quando a maior parte dos trabalhadores sabe que os seus líderes os estão atraiçoando. A certa altura, esta tendência pode se tornar extremamente perigosa e acabar precipitando a divisão ou a achatadela dos sindicatos.
Uma mentalidade simplista pode raciocinar no sentido de que sendo a radicalização dos operários o que é definitivo, pouco importa se os dirigentes adoptam posições reacionárias ou funcionalistas. A verdade é que os dirigentes, e muito mais se ainda gozam dalguma situação difícil, acabam distorcendo e contendo o impulso revolucionário que vem do fundo das massas e se enraíza nelas.
É fácil entender que a eliminação da burocracia sindical passa a ser um dos objetivos básicos da luita revolucionária.
É importante ressaltar que a burocracia tende a transformar as organizações sindicais em organizações conservadoras e que, por isso mesmo, perdem toda a capacidade de mobilização do grosso das massas.
A Central Obreira Boliviana, frente de classe com projeção antiimperialista, constituiu um dos cenários para o proletariado se transformar realmente em líder nacional, isto quando a orientação da Central Obreira foi ousadamente revolucionária. Esta realidade tem se refletido na estrutura organizacional da entidade operária: predomínio do proletariado sobre os demais sectores sociais. Atualmente, quando a burocracia impôs arbitrariamente à COB uma política burguesa de cooperação com o actual governo (isso chama-no "aprofundamento do processo democrático"), a perspectiva da liderança operária sobre a nação oprimida perdeu as possibilidades de se efectivar. Isso porque a Central esgota-se no esforço de desmobilizar as massas e entregá-las ao governo udepista.
A burocracia dividiu o chamado "plano económico emergencial" para que o governo pudesse reanimar com a sua execução. Implícita nessa abordagem está a ideia errada e reacionária de que a burguesia, desta vez representada pola sua ala esquerda democrática (nada mais lisonjeiro pode ser dito sobre isso), ainda pode governar o país e desenvolver as forças produtivas. Se nesta afirmação irresponsável ─ irresponsável porque contrária aos factos e toda a nossa experiência ─ houvesse um grão de verdade, poder-se-ia argumentar a favor da legitimidade da tese estalinista sobre a validade da revolução democrática burguesa no nosso país.
Sabemos, uma certeza que parte da nossa própria história, que agora não se trata do aperfeiçoamento técnico dos planos económicos, as mesas dos ministérios estão cheias deles, mas da ausência duma classe burguesa, dum sector dela, com capacidade de realizá-los. É possível alguém manter os preços inalterados com a simples ajuda de medidas policiais? Isso é um absurdo económico e ninguém pode torná-lo realidade, por mais virtudes que tenha. Quando os problemas conduzem à questão de classe, a sua solução só pode ocorrer no âmbito da política, ou seja, da luita de classe contra classe, que no nosso caso se traduz no combate das massas exploradas contra o governo de Siles. Na actividade cotidiana, o processo nem sempre se apresenta assim, por isso é urgente formular propostas intermediárias para conduzir à luita política. O desenvolvimento mais recente teve a virtude de abrir caminho para nós, o que certamente não deve nos incomodar; excepto no caso em que estejamos interessados em usar a arbitrariedade para impor algum esquema com o qual substituir a realidade palpitante.
Quando a luita de classes (classe contra classe) se desenrola bem debaixo dos nossos narizes, somos obrigados a tirar todas as consequências do fenómeno e uma delas, a mais importante e central, é que essa luita leva à revolução proletária. Certamente não de forma rectilínea e não sabemos quando, mas já estamos convencidos de que a sua concretização implica a derrota da burocracia sindical, que se consumará no cotidiano.
Os problemas da crise econômica que vivemos são grandes e, acima de tudo, estruturais, a raiz última do facto de que o empurrãozinho dos planos levou à luita política. Porém, todos eles, apesar da sua enorme diversidade, se materializam para as massas exploradas num único objectivo que é a resposta à sua miséria desesperadora, à fame que sofrem: o salário mínimo de vida com uma escala móvel referente à carreira desesperada dos preços. Assim, a luita económica se traduz em luita política. Essa palavra de ordem é chamada não apenas para derrotar o plano de emergência, mas para enterrar o próprio governo, pois se torna a prova definitiva da sua impotência e expiração. Não se deve esquecer que o problema é discutido directamente no ambiente de trabalho, uma demonstração de que a sua propaganda prévia não é mais necessária. O lema é simples e até palpável, o que pode permitir mobilizar as camadas mais profundas dos famintos.
Segundo a burocracia, o plano de emergência deve ser executado polo Dr. Siles Zuazo e, no pior dos casos, polo co-governo da alta direção sindical com a burguesia, tudo para salvar o capitalismo do seu colapso infalível. Já respondemos de antemão que o tão divulgado co-governo não resolveria nada e que não resolveria nada se incluísse outros grupos centristas no seu seio, como o PS-1, por exemplo.
O que os trabalhadores de base nos dizem onde estão ou quando desfilam polas ruas? Que os traidores da UDP não merecem a sua confiança. Eles apóiam a burocracia sindical, por acaso? Repudiam e rejeitam toda a sua política a serviço da burguesia. Esses maus líderes podem ser reeleitos em congressos e expandidos somente graças ao seu aparato lubrificado com os seus enormes recursos financeiros, que é o caso específico do estalinismo. O que aconteceu ao POR assim que levantou os lemas da revolução proletária e a imposição imediata do salário mínimo de vida? Tornou-se o ponto de referência obrigatório para as massas que não cessam de se livrar do controle da burguesia e dos esquerdistas que a servem. Prova adicional encontra-se no facto de que a classe dominante está atomizada no poder e os partidos de "esquerda" entraram num período de crise interna, cuja referência obrigatória é a falência ideológica.
Não é o nosso caso o dum partido muito pequeno, órfão do apoio popular e sem prestígio entre as massas. Polo contrário, o Partido Obreiro Revolucionario recebe grandes grupos de partidários e o seu problema específico (não aqueles problemas que as mentes pequeno-burguesas febris inventam) é saber como encontrar as melhores formas organizacionais para dar a essa massa alguma forma partidária, para formá-la na hora, por margem dos velhos métodos, sobre o que é o partido, o que quer e em que consiste o marxismo. Mais uma vez, o problema do capital político, forjar o Estado-Maior da revolução proletária, é apresentado sob um tegumento organizacional.
O que foi dito pode ser concretizado da seguinte maneira: ao plano econômico emergencial da COB, ao espantalho agitado por todos os servidores da burguesia e do próprio governo, do perigo dum golpe fascista, as duas divisas básicas devem ser claramente opostas da nossa política neste momento: revolução proletária e escala móvel de salário, referido aos preços.
A demanda salarial pode ser económica nos seus primórdios, mas assim que se generaliza e põe as massas em pé de combate, em geral transforma-se em política, porque se torna a alavanca que ajuda a questionar a legitimidade do Estado burguês.
O nosso caso é não ter que arrancar as massas do controle efectivo doutros grupos políticos, o governo (UDP, PCB, MIR, MNRI) ou a burocracia sindical, composta polos partidos governantes, os quatro violinistas do PRIN e por alguns malcomportados que tiveram a sabedoria de se contratar para os "líderes". Esses conglomerados estão passando polos piores momentos da sua impopularidade e têm que enfrentar a resistência, franca ou dissimulada, das massas: os seus militantes atiram em si mesmos e o tempo do seu crescimento já passou, é chegada a hora da sua minimização. O PS-1 que percorre as arquibancadas do Palácio do Governo para ver se se lembram dele e o convidam a formar o gabinete, esgotou-se na sua impotência para exprimir politicamente a estratégia do proletariado. A sua crise interna é aguda.
Em oposição, o POR fortalece a cada minuto que passa e mostra uma solidez granítica, só falta traduzir em organização o enorme crescimento da sua influência política, precisamente porque se materializa na revolução proletária e na conquista imediata do salário mínimo. Isso significa que surge como alternativa de poder, como resposta adequada à podridão burguesa e ao golpe fascista.
A situação do trotskismo boliviano é inédita em escala internacional, como mostra, por exemplo, a campanha fechada que o partido no poder, os chamados partidos de esquerda e a burocracia sindical têm desencadeado contra ele. É o partido mais luitado porque se tornou o maior e palpável perigo para a sociedade burguesa. É a primeira vez que entra em cena um partido marxista de tão grande influência política, como pólo unificador de descontentamento e radicalização das massas. Na manifestação do Primeiro de Maio foi possível constatar o afluxo de operários em busca de lemas e panfletos do Partido, o que mostra que este importante sector, polo menos na sua vanguarda, vem ao nosso encontro, ao invés de sermos nós que planejam uma marcha em direção a eles. Os grandes cartazes com os nossos slogans foram muito populares, alguns elogiaram a sua boa feitura, que também é uma forma de expressão de identidade política.
Somos a única organização revolucionária em cena, o farol que atrai os explorados e aponta o caminho para a vitória. Resumindo: as massas vêm até nós sem que tenhamos que procurá-las noutras lojas partidárias. Como se tudo isso não bastasse, o governo desaba e a burocracia vai cair no pior do descrédito aos trabalhadores. Se tais são as condições políticas prevalecentes, deve-se concluir que o POR será o partido que liderará a revolução e que o seu fortalecimento e ajustes organizacionais são imperativos. Ou seja: devemos trabalhar pola expansão directa do Partido, sem a necessidade de percorrer caminhos indirectos para atingir esse objetivo, como é o caso doutros países, onde o trotskismo não passa dum pequeno grupo de intelectuais ou uma organização extremamente pequena, sem uma grande audiência entre as massas. Neste caso, deve primeiro fazer-se ouvir polos explorados e depois pensar na possibilidade de liderá-los. Na Bolívia, essa liderança se apresenta como uma perspectiva promissora e imediata.
Visto que a situação dos trotskistas bolivianos não tem precedentes, a sua táctica também tem que sê-la. Seria o maior erro dedicar-se a copiar o que forças semelhantes dizem e fazem em outras latitudes ou o que Trótski escreveu para a França(7). Quando um governo cambaleia diante da oposição de massa liderada por um partido reformista ou centrista, os revolucionários são forçados a descobrir fórmulas pedagógicas que podem ajudar as massas a amadurecer. Se na Bolívia alguém lançasse o slogan de que o PCB, a burocracia, o PS-1, o MIzR, etc. tomem o poder para cumprir os ditames do "plano de emergência cobista", não estariam fazendo outra cousa senão se comprometer a parar o colapso das ilusões nos explorados na frente desses partidos e do programa reformista. Não é possível aplicar esta táctica, que é muito difícil no seu desenvolvimento e problemática nos seus resultados, porque as massas já se desligaram da influência da burguesia como governo e os seus servidores ou estão em processo acelerado nesse sentido. Pode-se concluir que chegou a hora do POR e o trabalho deve ser feito com base nessa certeza. As tácticas e métodos organizacionais a serem utilizados devem levar em conta essa realidade.
Não pode haver mal-entendido maior do que copiar os slogans e a experiência dos pequenos grupos trotskistas no exterior para aplicá-los mecanicamente no país, por plano mental ou servilismo. Seria uma verdadeira desgraça se o actor chamado ao estrelato não percebesse que chegou a sua hora.
A política ousada sobre o assunto e que deve ser aplicada agora nada tem a ver com aventureirismo de qualquer matiz, pois parte da verificação dos factos que se passam diante de nós e não de suposições arriscadas de qualquer espécie.
É necessário erguer bem alto e com grande coragem a bandeira da revolução proletária e do salário mínimo, para levar as massas à vitória. Não há dúvida de que convém continuar ajustando as abordagens teóricas e tácticas: o programa partidário não pode parar de se transformar.
Uma vez que o objetivo estratégico (revolução proletária e ditadura) foi claramente planejado, é necessário refinar as medidas tácticas, particularmente a frente única antiimperialista, que tornam a sua materialização possível. Este trabalho fundamental deve ser traduzido no fortalecimento organizacional do Partido Obreiro Revolucionario, a seção boliviana da Quarta Internacional, ou seja, o Partido Mundial da Revolução Socialista.
A burocratização atingiu gravemente a Central Obreira Boliviana e praticamente a desviou do caminho revolucionário, o que é certamente uma pena. A resposta obrigatória que deve ser dada a este estado de cousas calamitoso é que deve ser reconquistado para os trabalhadores, para que possa ser mais uma vez um poderoso canal de mobilização dos explorados e um órgão de poder orientado para a realização do objetivo estratégico do proletariado.
Para luitar com sucesso contra a burocratização, é necessário conhecer a fundo esse processo canceroso. A nossa preocupação coincide com a dos trabalhadores: uma das maiores conquistas dos explorados, de toda a nação oprimida e do processo revolucionário não se perde sem luita. Devemos repetir com toda a energia que se trata de derrotar a burocracia pola saúde da Central Obreira Boliviana, das confederações, federações e sindicatos em geral. Esta atividade está inteiramente a serviço da revolução e não de qualquer interesse subordinado e mesquinho.
A COB na época do seu nascimento era uma ampla frente governada pola mais ampla democracia interna. Uma das primeiras disposições referia-se ao controle directo da instituição sobre os “seus” ministros de Estado, que eram considerados revogáveis assim que perdiam a confiança dos seus constituintes. O princípio é magnífico e faz parte da tradição revolucionária mais saudável, mas não podia ser aplicado. Porém, já nesses primeiros momentos apareceu o germe da burocratização, embora imperceptível. Os revolucionários, assim como os operários de base, confiaram que a organização controlada polo proletariado poderia submeter às suas decisões todos os seus membros e os seus dirigentes, esquecendo-se de que, em última instância, agiriam de acordo com as decisões dos seus partidos. O caso surpreendente ocorreu e que alimentou muitas ilusões (a se repetir mais tarde), de que os ativistas do MNR às vezes votavam ao lado da brigada porista, permitindo-lhe ter a maioria.
A burocratização começou a dar os primeiros passos devido ao facto de estarem as principais posições da COB nas mãos da esquerda movimentista, que demorou a se dar conta de que era a “esquerda” do partido no poder. Ratificando a preeminência do partido sobre o sindicato, os lechinistas(8) concluíram executando, tanto na Central Obreira Boliviana quanto no gabinete, as decisões do MNR. Os nacionalistas de "esquerda", fortemente influenciados polas massas, viviam um dos seus períodos de maior radicalização (Lechín lia os discursos dos dirigentes poristas). As assembleias imponentes da COB faziam acordos sobre diferentes problemas nacionais e os “seus” ministros invariavelmente assinavam decretos que contradiziam esses acordos. A crítica nem sempre foi bem-sucedida porque o partido no poder, aproveitando ao máximo a teoria pró-burguesa do estalinismo; sempre poderia operar com o apoio do Partido Comunista da Bolívia e conseguir uma maioria de delegados encarregados de aceitar bem feitas as ações anticobistas do lechinismo.
O governo, cuja direção política era o centrista Paz Estenssoro, teve que resolver o problema de entrar tanto na ala esquerda do partido no poder quanto na própria COB, com a firme decisão de controlá-los. A manobra se tornou a chave para alcançar a estabilidade política. Esse foi o mecanismo polo qual a dualidade de poderes foi resolvida em favor do governo central. Líderes políticos ligados à presidência da república e que ocupavam altos cargos no aparato estatal apareceram como sindicalistas furiosos e conseguiram entrar na poderosa COB. Esta nova equipe “operária” teve como centro unificador e como principal porta-voz o ainda radicalizado Juan Lechín.
Deve-se presumir que as decisões fundamentais não foram adoptadas nas reuniões da organização sindical, mas nas arquibancadas do Palácio Queimado(9): Lechín encarregou-se de impô-las, apesar do seu perceptível sabor pró-governamental, dentro da Central Obreira Boliviana, tirando todas as vantagens possíveis do seu prestígio forjado às custas das suas luitas passadas e do seu radicalismo. Pode-se dizer que o "líder" da camarilha dominante contrabandeou ideias e orientações movimentistas para a instituição que nasceu exibindo com orgulho as "Teses de Pulacayo".
A equipe oficial, agindo em torno de Lechín, conseguiu, embora para isso teve que superar muitos obstáculos, controlar a COB e submetê-la à vontade do governo. A operação foi facilitada quando um grupo de intelectuais, que até a véspera eram militantes do Partido Obreiro Revolucionario, se tornou movimentista. O final do primeiro congresso da Central Obreira Boliviana (31 de outubro de 1954) adoptou resoluções que violavam a linha política que vinha se desenvolvendo desde a sua fundação e se colocavam incondicionalmente a serviço do partido no poder. Numa pantomima expressamente encenada, que não escondia o ridículo da farsa, o inefável Lechín declarou Paz Estenssoro "emancipador econômico da Bolívia" e outras bobices como essa, em que o achatamento mental andava de mãos dadas com o servilismo obsequioso. A camarilha sufocante da COB revolucionária tinha a certeza de que Paz Estenssoro havia se alinhado a uma política de esquerda, adjetivo tão amplo e vazio que, em suma, pode ser aplicado a qualquer um.
O MNR no poder foi um dos grandes corruptores do sindicalismo. Tendo o monopólio da distribuição de cotas para bens de consumo num momento de acentuada escassez e administrando os recursos económicos fiscais de forma discricionária conseguiu, aproveitando o estado de miséria, subjugar muitos sindicalistas e transformá-los em instrumentos incondicionais do partido governante. Lentamente foram sedimentando os quadros da burocracia, tendo sempre como eixo o "revolucionário" Lechín. A camarilha reforçou os seus laços internos com a argamassa de interesses políticos e económicos, todos eles espúrios se nos referimos à estratégia do proletariado.
A linha de liderança da COB (dizer que a linha da COB, não sua liderança, é equivalente a se referir aos sentimentos e comportamento dos trabalhadores comuns) esteve sempre oscilando. Começou com o radicalismo plebeu de 1952, avançou para as trincheiras governamentais do MNR, luitou contra a virada pró-imperialista de Siles, que tentou dividir os sindicatos e impôs o plano de estabilização imperialista à custa do agravamento da miséria popular, para voltar em 1970 para ir ao encontro das raízes das "Teses de Pulacayo", depois disparada contra as posições da burguesia democratizante e aí continua, convertida em bastião do governo anti-operário, anti-nacional e pró-imperialista do nacionalista burguês Hernán Siles. Apesar dessas reviravoltas contínuas, muito poucos burocratas caíram em piruetas sucessivas; a camarilha burocratizada vem se consolidando, se espalhando para federações e até sindicatos de base. Agora é um dispositivo impressionante que mostrou a sua capacidade de estrangular a vontade e o pensamento da maior parte dos trabalhadores.
Refira-se que a presença da UDP no poder fez com que os partidos que a integram, que têm ou tiveram militância operária e com fama de “esquerdistas” e mesmo “socialistas”, se juntam à burocracia, que agora opera com uma equipe, o que certamente mostra contradições internas, encarregada de executar as políticas e instruções do governo burguês. Assim, explica-se que o oficialismo e a burocracia cobista e sindical agem, enfim, no mesmo sentido, dando apoio recíproco, defendendo-se mutuamente em momentos de perigo. O factor fundamental são os dirigentes do PCB, que colocaram todo o seu aparato e o seu impressionante poder económico, apesar da limitação das suas tropas, a serviço da camarilha burocrática. São essas as razões que tornam extremamente difícil a luita antiburocrática, mas que deve ser realizada porque é essencial para libertar as massas e permitir que se movam para a revolução.
Lechín está virtualmente sem partido (o punhado de prínistas que vegetam sob a asa protetora do seu caudilho não merece esse nome(10)) e de seguidores disciplinados e organizados. Gradualmente, o apoio aos trabalhadores foi se movendo cada vez mais para os sectores atrasados e conservadores. A sua carta de demissão à direção dos mineiros capitalizou a tendência à inércia e o sentimento de amplos sectores de não deixar para trás aqueles que se “sacrificaram” por décadas; Esse foi o resultado dele, não sabemos se estava procurando por esse propósito ou se o seu autor está realmente decidido a ser um candidato presidencial.
Permanece na liderança porque muitas vezes representa o impasse ou a conciliação entre as tendências políticas em conflito dentro do sindicalismo. Por outro lado, obtém apoio dos mais diversos grupos porque tem nas mãos a distribuição dos cargos de chefia e porque pode fazer outras concessões menores e encobrir as sujidades cometidas por alguns dirigentes. A burocracia tem se fortalecido ultimamente com o apoio franco que lhe dá o governo, que estaria em sérios apuros ante a pressão das massas se Lechín, os dirigentes do PCB, etc. não estivessem no palco.
Lechín é um vergonhoso movimentista, um contra-revolucionário que agora vive alimentando-se do grande prestígio da COB como entidade revolucionária. A sua capacidade de sempre cavalgar sobre dous potros, de entender simultânea e secretamente com esquerda e direita, o seu cinismo, o seu exibicionismo, a sua ilimitada ambição de se tornar a figura central dos eventos nacionais, conferem-lhe o poder de burocrata número um do país. Sob certas condições e por pouco tempo, quem tem o descaro de se ligar a Chan-Kai-Shek e Castro pode sempre ser fortalecido, para citar apenas um exemplo. Se ele se lançar no eleitoralismo, não terá escrúpulos em se apresentar como o porta-voz duma nova posição política, estranha e equidistante do comunismo e do capitalismo, é claro que todos sabem que isso nada mais é do que uma repetição cansativa das posições de terceristas do peronismo(11), do nasserismo(12), etc.
Qual é o papel específico que a burocracia desempenha actualmente? O governo burguês não só é um factor de freio e desmobilização das massas da maior importância, mas também se viu obrigado a se tornar um combatente franco contra as tendências que luitam polo cumprimento dos objectivos estratégicos do proletariado: a revolução e ditadura do proletariado. Hoje, mais do que nunca, o seu caráter contra-revolucionário, pró-burguês e pró-imperialista parece inconfundível. O seu objectivo máximo é o co-governo com a burguesia, uma colaboração que já existe ao nível da COMIBOL(13) como co-gestão, cuja incapacidade de resolver os grandes problemas das minas é manifesta. Os trabalhadores seguem uma linha contrária, eles continuam usando a acção direc ta (não a cooperação) para extrair deles concessões. O ano da cogestão também foi o ano das marchas dos trabalhadores e das ocupações das instalações da empresa.
Ao assumir um papel tão lamentável e sujo, não poderia deixar de colidir violentamente com a pregação e acção do Partido Obreiro Revolucionario, que encarna os interesses históricos da classe trabalhadora e a táctica que leva à vitória. A luita de classes (o proletariado, como líder nacional, contra a burguesia nativa como agência do imperialismo) surge no nível sindical e certamente se projeta no nível nacional, como uma luita entre a frente da burocracia da UDP e o POR. O resultado desse combate indicará as perspectivas da revolução. O inimigo tem um grande poder e a sua derrota significará a derrota do próprio governo. Mais uma vez, será mostrado que as leis e forças da história são mais poderosas do que todos os aparatos burocratizados. A burocracia luita com a mentira, a falsificação e a impostura, contra aqueles que têm a sua melhor arma na verdade porque encarnam o futuro da humanidade e porque a sua vitória será facilitada com o conhecimento das leis de transformação da sociedade.
Não nos enganemos, no centro da grande disputa sindical e daquela que se trava no cenário nacional está o Partido Obreiro Revolucionario, encarnação da revolução proletária, o governo operário-camponês e o salário mínimo de vida em escala móvel. Não que um acontecimento partidário tivesse ganhado notoriedade inusitada sem saber porque, mas sim o embate entre a expressão política da rebelião das forças produtivas contra as formas de propriedade prevalecentes e os mantenedores da grande propriedade privada e a subjugação do país. à opressão imperialista. Noutras palavras: as forças do progresso e da transformação revolucionária, personificadas no POR, entraram em contradição directa com os representantes da regressão, do passado e da preservação do actual estado de cousas, o que supõe a persistência da submissão nacional ao imperialismo, que nada mais é o governo da UDP, tão eficientemente servido pola burocracia sindical. Como se vê, é uma luita inevitável e necessária, cujo desfecho pode permitir que a Bolívia se incorpore plenamente à civilização e promova com força o desenvolvimento de todo o seu potencial econômico, das suas forças produtivas.
A burocracia sindical se retrata na sua totalidade como reacionária e instrumento da burguesia dirigente, ao gritar que a pregação a favor da revolução proletária e da ditadura (governo operário-camponês) é uma provocação e até uma postura reacionária. A revolução proletária é a expressão das enormes energias que despertam nas massas no decorrer da luita, da urgência de se libertarem e de pôr fim a uma situação que se tornou insuportável; é a resposta revolucionária à traição da União Democrática Popular e da burocracia sindical; é o caminho que pode permitir que a libertação nacional da opressão imperialista seja selada e o fascismo enterrado para sempre.
Não foram os trotskistas que inventaram a revolução proletária, eles se limitaram a lançar a palavra de ordem em tempo hábil. É uma tendência instintiva de quem produz mais-valia que ao longo da história se transforme em consciência, em política revolucionária, na única política genuinamente revolucionária, em palavra de ordem mobilizadora, a partir da qual se converte em força material ao tomar o massas. No momento vivemos este último processo: com avanços e retrocessos, mas em última instância sempre em ascensão: a revolução proletária apanha os explorados.
A burocracia, da mesma forma que o governo, recorre à sua última letra no esforço de conter e desarmar as massas: a ameaça do golpe de extrema direita e do gorila e daqui deduzem que tudo deve ser sacrificado, até o futuro do lar e dos filhos proletários, a fim de preservar o processo democrático. O génio popular escreveu um pôster em primeiro de maio que dizia: "democracia com pão". O trabalhador comum sabe perfeitamente que não há democracia sem pão. Quando os burocratas discutem os benefícios das liberdades democráticas, surpreende que eles não as apliquem na atividade sindical. Mas a democracia não acaba aqui, é apenas um de seus aspectos, que deve ser defendido e tentado chegar às massas em geral. O processo democrático nada mais é do que a realização das tarefas burguesas e o pleno desenvolvimento da forma de governo representativa e parlamentar e tudo isso está ausente na Bolívia. Não existe um processo democrático para defender ou aprofundar.
Argumentar que da democracia burguesa ou formal (para os burocratas, "democracia" em geral, assexuada, acima das classes) e não uma de massa ou proletária, porque para isso, o poder terá que ser tomado, não pode ser passado para a ditadura do proletariado (pola primeira vez uma autêntica democracia para a maioria da população) equivale a afirmar que a revolução não pode mais acontecer ou que esta “democracia” é equivalente a ela.
O POR não pretende ignorar ou acabar com esta ou aquela liberdade democrática, senão acabar com a burguesia inepta, que chegou ao ponto de não poder mais alimentar os seus escravos, para poder libertar as forças produtivas e dar um grande salto no desenvolvimento económico. Não se trata de atacar qualquer processo democrático (repetimos inexistente), mas de varrer a ditadura burguesa com a sua caricatura parlamentar e outras antiguidades do mesmo género.
O governo da UDP não pode mais resolver os problemas nacionais e sociais, não governa mais; Se persistir nessa situação, corre o risco de acabar com o seu próprio país, de trabalhar depressa para realizar um golpe fascista que nos mergulhe na barbárie. É este processo político que conduz à revolução proletária, única via de progresso e transformação revolucionária.
Os burocratas incorrem em falácia quando afirmam que frente a democracia não há mais alternativa que o fascismo. Esta é uma mentira alimentada pola ignorância e má-fé. As massas exploradas, a classe operária, são elas próprias a opção perante o fascismo e a inépcia burguesa e a fome disfarçada de democracia: a alternativa real é a revolução proletária e a vemos incorporada.
Já não pode haver a menor dúvida: a frente UDP-burocracia, inimigos jurados da revolução proletária, encarna a contra-revolução; o POR é a revolução proletária e expressa as tendências antiburocráticas que estão se mexendo nas massas. A campanha suja que a reação desencadeou contra o trotskismo não pode menos que nos orgulhar.
O governo fraco e instável da “democrática” UDP (a ditadura branda ainda não encontrou forças para se endurecer) não pode permanecer indefinidamente. O udepismo e a burocracia, quando são amplamente utilizados na tarefa de separar os explorados do seu verdadeiro objectivo e luitam para manter à tona uma tábua podre, não fazem nada além de trabalhar para o golpe fascista.
A luita e as aspirações das massas concentram-se numa fórmula simples: impor imediatamente o salário mínimo vital com uma escala móvel referida aos preços. Os intrincados problemas da economia e as complicadas fórmulas políticas são simplificados e resolvidos no salário mínimo vital, uma resposta que une os explorados e lhes dá um objetivo tangível polo qual luitar.
A brutal burocracia não tem conseguido atacar esta palavra de ordem com a mesma brutalidade que o fez com a ditadura do proletariado, pola simples razão de que foi levantada há pouco tempo, durante o governo de Vildoso. Não foi travada frontalmente, por cálculo e covardia, mas acabou escondida.
Os líderes corruptos não se cansam de dizer, com unhas e dentes, que nunca abandonarão a batalha polo salário mínimo de subsistência, mas colocam-no em segundo plano e jogam qualquer ninharia sobre os explorados para distraí-los enquanto eles negociam sem parar com o governo dos exploradores. Acrescenta-se que o salário mínimo, que nada mais é do que o equivalente ao mínimo que um ser humano deve comer, deve ser adiado para um futuro indeterminado por constituir uma demanda socialista. Desta vez: o cinismo atinge níveis insuspeitos. Na sociedade sem classes não haverá salário, mas tampouco a corrupta burocracia sindical.
Os burocratas brincam irreparavelmente com os famintos. Nalguns conflitos, Lechín argumentou que o salário mínimo vital foi aumentado não com o objetivo de materializá-lo, mas simplesmente para assustar os interlocutores e poder arrancar algumas migalhas como concessões.
Outra cousa é que a burguesia nativa, representada por Siles, Paz Estenssoro ou Banzer, não pode mais atender a uma demanda tão modesta que atinge toda a maioria nacional. Esta é mais uma prova da sua total incapacidade. A luita pola sua eficácia pode levar as massas a se convencerem de que devem ser um governo, portanto, é uma demanda transitória.
A ameaça do ataque gorila persiste, embora ninguém possa garantir que tenha possibilidade de ocorrer neste exacto momento; persiste porque o “democrata” Hernán Siles não teve capacidade ou quis esmagar o gorilismo, que permanece agachado nos quartéis, no narcotráfico clandestino e nas grandes empresas. Se a revolução proletária não acontecer ─ é preciso repetir ─ o golpe ultradireitista se precipitará. O Partido Obreiro Revolucionario deu a sua resposta do ponto de vista dos explorados e a burocracia não respondeu à proposta, contentando-se em recitar a sua ladainha de que não há necessidade de fazer barulho para que o cuco não acorde. As massas, donas das ruas, locais de trabalho e estradas, imobilizariam os golpistas e preparariam as condições para a sua derrota final. Desmobilizar as massas, desarmá-las ideológica e politicamente é a melhor forma de ajudar os conspiradores golpistas da direita. A nossa luta contra a burocracia não busca fracturar a Central Obreira Boliviana ou os sindicatos, mas, ao contrário, consolidar a sua unidade baseada na democracia interna e no direito irrestrito à crítica.
Os explorados são soldados da luita de classes e precisam conhecer o seu inimigo com clareza. Esta luita de classes é irreconciliável e, como afirmou Lenine, conduz à ditadura do proletariado, não permite transações, médias, colaboracionismo. Este não é o critério dos burocratas, que têm certeza de que os problemas do mundo se resolvem batendo papo com o inimigo de classe, fazendo concessões, na verdade, rendendo o movimento operário.
O burocrata Lechín acredita que o seu talento de manobra se resume em conversas com empresas privadas, com os exploradores, e até com o governo norte-americano, que oprime todo o país e explora directamente os trabalhadores, representado desta vez polo “diplomata” de duvidosa carreira que afirma se chamar Corr.
Os burocratas e qualquer um pode conversar com os burgueses ou imperialistas, isso é uma cousa. Outra muito diferente é que o diálogo com os algozes e exploradores se torne uma norma de conduta sindical. Sabemos perfeitamente que Lechín procura por um caminho tão tortuoso ganhar a confiança dos imperialistas e da burguesia; mas, é extremamente prejudicial para as massas porque pode acabar por despertar nelas ilusões sobre a bondade dos opressores, sobre a possibilidade dum entendimento total com eles. Desta forma, confusão e mal-entendidos são semeados sobre quem é o verdadeiro inimigo.
No contra-revolucionário Lechín, o entendimento com os empresários e os imperialistas é normal, mas é totalmente prejudicial para o movimento operário. Esta conduta deve ser rejeitada com energia. Dirigentes sindicais honestos não podem se perder nos cantos e fendas dos diálogos com os opressores, excepto no caso das disputas laborais, e menos ainda com o governo da burguesia que tanto prejudica o país ao oprimi-lo e saqueá-lo. O proletariado não tem que conversar com a burguesia, mostrar-lhe que também tem boas maneiras, mas antes esmagá-la e esmagá-la na luita franca e certamente brutal. Chegou ao extremo vergonhoso que a alta burocracia da Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia colabora com o governo norte-americano num programa de lavagem cerebral para os filhos dos trabalhadores mineiros.
Apontamento
Pareceu-nos completamente desnecessário termos que estabelecer o direito que nos auxilia, como qualquer trabalhador, de criticar e no tom mais irado, a má conduta da burocracia sindical e de Lechín.
Na luita contra a burocracia, permanecemos fiéis à tradição marxista. Os documentos sindicais adoptados polos quatro primeiros congressos(14) da Internacional Comunista são notáveis pola sua antiburocracia.
Maio de 1984.
Durante o mês de abril de 1984, ocorreu uma acirrada polêmica entre o burocrata sindical Lechín e o autor deste documento, sendo reproduzidos alguns documentos que podem ajudar a posicionar-se sobre os temas em discussão.
O dirigente da Central Obreira Boliviana Boliviana afirma que o trotskismo buscava que os estudantes liderassem os trabalhadores e que o Partido Obreiro Revolucionario aderisse aos sindicatos. Ninguém como o POR ensinou que os estudantes não podem liderar a revolução e que é a sua responsabilidade subordinar-se à estratégia da classe obreira, à revolução proletária e à ditadura. É uma ambição legítima e inquestionável ganhar influência ideológica dentro do movimento operário e se tornar uma liderança sindical. O burocrata acredita que os sindicatos são a sua propriedade privada.
O POR criticou o governo nacionalista burguês de esquerda do general Juan José Torres e, afirmando a independência de classe, projectou as massas para a conquista do poder político.
Conhecemos a ditadura fascista porque a nação oprimida polo imperialismo não consumou a sua revolução, que certamente não se destinou a consolidar o general Torres, mas antes a estruturar um novo estado, a ditadura do proletariado. Esta última consideração pode muito bem ser aplicada ao governo da UDP.
Escreva-se a minha opinião sobre o dirigente sindical: se ocasionalmente foi operário, deixou de sê-lo, não por causa do seu “lenço elegante tipo 'Ascot' (T. Córdova)”, mas porque actua como instrumento da política burguesa, ao encarnar a burocracia laboral de que Siles precisa para permanecer no poder. É absurda a indicação que se incitou os estudantes a insultar o intocável Don Juan Lechín.
Se Lechín acreditasse na sua acusação de que em 1946 o POR "juntou a ´rosca´ e o PIR", caberia a ele criticar-se, já que naquela época trabalhava sob a direção porista, lia os documentos que lhe eram escritos, transmitia os slogans partidários (tarefa nobre) e esforçou-se por treinar-se, nem sempre com sucesso, nas brochuras que lhe foram entregues.
A dedução obrigatória: o elemento captado polo trotskismo teria se unido à rosca para enforcar Villarroel. O POR foi formado na luita contra o PIR e sob o governo RADEPA(15)─MNR o rótulo "Nazi-Trotskista" foi cunhado para acusar os poristas do serviço à ditadura e não à "democracia" americana. Sob a poderosa pressão político-ideológica das classes sociais em conflito, tendências pró-estalinistas apareceram no POR dos anos 1940 (anos mais tarde, abordagens nacionalistas, foquistas, etc. serão detectadas). E os seus apoiadores acabaram se mudando para outras lojas políticas.
Os partidos políticos não são definidos por opiniões dissidentes, mas polo seu programa oficial e direção. Lechín cita o estudante universitário Fernando Bravo (logo depois de romper com o Partido e se tornar pablista(16)) como participante da captura da Prefeitura de Oruro (1946), mas esquece de acrescentar que não teve receio de se deslocar para apaziguar os centros mineiros acompanhados por esse elemento.
A história mostra que o POR luitou com firmeza contra o bloco formado pola rosca e polo estalinismo, ao mesmo tempo em que desafiava Villarroel, da trincheira sindical de esquerda, polo seu morno reformismo, polos esforços que vinha fazendo para se identificar com o Departamento de Estado e a sua incapacidade de consumar a libertação nacional; ensinou o que era a independência de classe e a estratégia do proletariado. É com este POR, imerso na formação duma tendência revolucionária com os postos avançados da classe trabalhadora que Lechín trabalhou. No nosso primeiro encontro, ele me disse que com Villarroel os trabalhadores não seriam libertados; decidiu-se que se formaria política e teoricamente nas fileiras trotskistas, o que não se concretizou porque chegou muito velho, com graves complicações sociais e familiares, o que acabou escurecendo as suas qualidades e potencializando os seus defeitos. Uma pena! A alegação de que os poristas foram para a Federação Sindical dos Trabalhadores Mineiros da Bolívia para exercer funções de secretariado é absurda. A verdade é que foram ensinar ao seu líder máximo como deve agir a serviço da classe trabalhadora.
Estamos diante de Lechín que se perde em bisbilhotices e ninharias, incapaz de empreender o voo de águia que a luita de classes política exige.
Parecendo um anão, gritou como um louco: "Fiz Lora deputado e agora ele está me mandando para me insultar”. Essa é a política que faz? A sua principal regra de conduta: um favor deve ser pago com servidão. O Bloco Parlamentar Mineiro foi fruto dum pacto político entre o POR e a FSTMB. Como era de se esperar, meu partido me indicou como candidato ao parlamento.
Ele inventa e apresenta cinicamente um episódio que nunca aconteceu: “Nós o salvamos duma paulada; foi espancado com um casco e hospitalizado”. Nunca entrei num hospital em nenhuma parte do mundo e nas minhas relações com os trabalhadores, coincidentes ou dissidentes, nunca recorri à violência física. Não raro, o POR criticou severamente as atitudes tomadas polas massas contra os seus próprios interesses. No congresso mineiro de Telamayu(17), as posições poristas foram derrotadas; as massas trabalhadoras estavam recuando. Um vagão-leito estacionado em Atocha servia de escritório para o purista Monastério, Ministro do Trabalho de Enrique Hertzog, com quem o nosso herói trabalhou na tentativa de rever a “Tese Pulacayo”, já reconhecida como a bíblia do movimento operário boliviano. Nas reuniões do congresso disse abertamente a Lechín que ele era um contra-revolucionário e um agente do governo dos grandes mineradores.
Juan Lechín acrescentou que desde então me tornei o seu inimigo pessoal. Uma inimizade desse tipo implica que há necessariamente algo em comum entre os dous contendores. Porém, as nossas vidas, a nossa concepção política e até as nossas ambições seguem direções totalmente opostas e até excludentes.
A verdade é que o POR tem luitado contra Lechín desde que o apanhou em flagrante, trabalhando ao mesmo tempo com a rosca e a esquerda, uma constante ao longo da sua história. Ele é famoso como um cavaleiro que monta dous potros ao mesmo tempo.
Relambe ao relatar que Ho-Chi-Ming eliminou os trotskistas, que buscavam com determinação consumar a revolução indochinesa sob a direção e a estratégia da classe trabalhadora, da revolução e da ditadura do proletariado. O líder estalinista assassinou a liderança marxista-leninista em massa. O dirigente sindical boliviano se prepara para ser a faca a serviço da reação?
Admira os ditadores sátrapas e reacionários de linha estalinista e esquece, por exemplo, que o holocausto do grande Ta Thu Tau ou Chen Duxiu(18), fundador do Partido Comunista Chinês, não pode deixar de despertar apreciação, que acabou sendo fisicamente eliminado por Mao.
Em Cuba, o trotskismo praticamente desapareceu após o seu apoio equivocado ao nacionalismo democrático de Grau San Martín, o que aconteceria conosco se cometêssemos o erro de apoiar o governo nacionalista de conteúdo burguês, presidido polo contra-revolucionário Dr. Hernán Siles Zuazo. Fidel Castro atacou, em discurso proferido na ilha, os posadistas(19) extraterrestres, com os quais o Partido Obreiro Revolucionario nada tem a ver.
Opomo-nos publicamente e para nos mantermos fiéis à nossa linha revolucionária, à táctica oportunista, suicida e aventureira do morenismo(20) seguida na Nicarágua, dentro da FSLN, e denunciamos a expulsão da chamada "Brigada Simón Bolívar" como um atentado à democracia revolucionária.
Data acima.
Notas de rodapé:
(1) Referência de Esquerdismo: Doença infantil do Comunismo, acha-se em Capítulo VI - Os Revolucionários Devem Actuar nos Sindicatos Reacionários? A citação completa no Arquivo em portugués diz literalmente: “Os mencheviques de Ocidente "entrincheiraram-se" muito mais firmemente nos sindicatos, e lá surgiu uma camada muito mais forte que em nosso pais de aristocracia operária, profissional, mesquinha, egoísta, desalmada, ávida, pequeno-burguesa, de espírito imperialista, subornada e corrompida pelo imperialismo. Isto é indiscutível. A luta contra os Gompers, contra os senhores Jouhaux, Henderson, Merrheim, Legien e Cia. na Europa Ocidental é muito mais difícil que a luta contra os nossos mencheviques, que representam um tipo social e político totalmente homogêneo… (retornar ao texto)
(2) Leia-se na História do Movimento Operário Boliviano de Guillermo Lora, Capítulo III, disponível em espanhol em PDF em http://www.masas.nu/historia del movimiento obrero boliviano/tomo 4/3- cap lll la confederacion sindical de trab de bolivia.pdf (retornar ao texto)
(3) No espanhol da Bolívia, o termo “rosca” tem o sentido duma camarilha, grupo de intelectuais e profissionais, em particular os advogados, que se encarrega de elaborar os argumentos que justificam a exploração dos recursos naturais em condições muito desvantajosas para a Bolívia. (retornar ao texto)
(4) Para uma história do PIR recomenda-se ler a obra em espanhol, Partido da Esquerda Revolucionária (aqui). É muito instrutiva no que diz respeito do PIR, a obra – também em espanhol – Fines y Medios de la Revolución Democrático-Burguesa. Crítica del F.D.A. y de los Ex─socialistas del P.I.R. Leia-se, no entanto, um artigo em espanhol sobre Ricardo Anaya, um dos fundadores do Partido da Esquerda Revolucionária no jornal Opinião (aqui) e um folheto de 1947 deste político com o título Imperialismo, rosca y miseria, em espanhol. (retornar ao texto)
(5) Tarija ou San Bernardo de Tarija é uma cidade boliviana capital do departamento de Tarija, ao sul da Bolívia. (retornar ao texto)
(6) Também conhecido como alfondoque ou arropilha, é um doce popular feito do tipo compota artesanal, existente em vários países da América Latina. (retornar ao texto)
(7) O autor alude a obra de Trótski: A onde vai a França?, publicado pola primeira vez em La Verité (A Verdade) em 9 de novembro de 1934. (retornar ao texto)
(8) Apoiantes de Juan Lechín Oquendo. (retornar ao texto)
(9) El Palacio Quemado, (oficialmente o Palácio do Governo), assim nomeado após um incêndio em 1875. (retornar ao texto)
(10) Ao retornar da Itália em 1963, as divergências entre o presidente Paz Estenssoro e o vice-presidente Lechín agravaram-se a tal ponto que o primeiro levou a expulsão do último do MNR na convenção de 1964. Lechín fundou então com o bloco de esquerda o Partido Revolucionário da Esquerda Nacional (PRIN). (retornar ao texto)
(11) Seguidores de Juan Domingo Perón. (retornar ao texto)
(12) Partidários de Gamal Abdel Nasser. (retornar ao texto)
(13) A Corporação de Mineração Boliviana (COMIBOL) é uma empresa responsável pola gestão da cadeia produtiva da mineração estatal na Bolívia. (retornar ao texto)
(14) Os Quatro Primeiros Congressos da Internacional Comunista estão editados em espanhol e podem ser consultados na página de Germinal: http://grupgerminal.org/?q=node/1117 (retornar ao texto)
(15) Em 2 de novembro de 1934 foi fundada polos militares uma Loja denominada "Mariscal Andrés de Santa Cruz", RADEPA ou Razão de Pátria. Eram cinquenta e seis chefes e oficiais do Exército Boliviano que, em plena campanha da Guerra do Chaco e estando presos, decidiram formar um grupo. Entre os motivos da formação desse grupo, estava a desilusão dos dirigentes médios pola péssima liderança do alto comando na guerra, por isso os presos, na sua maioria jovens oficiais, resolveram interferir na política, jurando servir e levar as rédeas do país, depois de mais de cem anos em que o governo esteve nas mãos de políticos e militares que não contribuíram para o desenvolvimento da Bolívia, esses antecedentes levaram a defender o princípio filosófico do serviço à Pátria. Os postulados remetiam àqueles líderes que promoviam a independência inspirados na loja "Lautaro" que agrupava Bolívar, San Martín, Rivadavia, Miranda, Santander, O'Higgins, Bernardo de Monteagudo e outros. Em 20 de dezembro de 1943 foram derrubados os antigos militares representando o obsoleto sistema do Alto Comando que, na sua opinião, levou à derrota na Guerra do Chaco. Nesse caso, o general Enrique Peñaranda foi deposto. O Comando Revolucionário era constituído polo Major Gualberto Villarroel, Tenente Coronel José Celestino Pinto, Tenente Coronel Manuel Vaca Roca, Major Antonio Ponce Montan, o Dr. Víctor Paz Estenssoro como membro civil e também chefe do Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), assim como o Dr. Augusto Céspedes do mesmo partido. Villarroel assumiu a presidência como chefe da Junta Revolucionária por acordo unânime de todos os membros da RADEPA. A população assassinou em 21 de dezembro de 1946, enforcando Villarroel, o seu assessor Waldo Ballivián e seu secretário Luis Uría de la Oliva das lanternas em frente ao Palácio do Governo e abandonado polos membros da RADEPA. [Veja-se um muito interessante artigo em espanhol do blogue La Bitácora de LolaMento: A esquerda. Bolívia 1946] (retornar ao texto)
(16) Seguidores de Michel Pablo. Veja-se o Arquivo deste autor no MIA. (retornar ao texto)
(17) É uma localidade boliviana pertencente ao município de Atocha, localizado na província de Sud Chichas do Departamento de Potosí. (retornar ao texto)
(18) Leia-se o artigo do historiador Pierre Broué “Chen Duxiu e a Quarta Internacional, 1937-1942” no MIA em inglês. (retornar ao texto)
(19) Seguidores de Juan R. Posadas. Leia-se um artigo no blogue Outra Esquerda: A Internacional Posadista: Socialismo Intergaláctico (retornar ao texto)
(20) Partidários de Nahuel Moreno. (retornar ao texto)