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A situação atual do Partido Comunista da China, seus muitos ziguezagues e atitudes oscilantes, oportunistas, as freqüentes mudanças na estratégia, a política passada e presente de sua direção para tornar a China superpotência colocam com toda naturalidade o problema do lugar e do papel de Mao Tsetung e suas idéias, o chamado "pensamento Mao Tsetung", na revolução chinesa.
O "pensamento Mao Tsetung" é uma "teoria" desprovida das características do marxismo-leninismo. Todos os dirigentes chineses, tanto os que estiveram no poder anteriormente como os que o tomaram agora, sempre especularam com o "pensamento Mao Tsetung" nas formas de organização e métodos de ação, nos objetivos estratégicos e táticos, para levar à prática seus planos contra-revolucionários.
Nós, comunistas albaneses, formamos gradualmente nossa opinião e nossa convicção sobre o perigo apresentado pelo "pensamento Mao Tsetung", ao observar a atividade suspeita, as atitudes oscilantes e contraditórias, a ausência de princípios e o pragmatismo da política interna e externa da China, o afastamento do marxismo-leninismo e o emprego de frases de esquerda como disfarce. Quando nosso Partido foi criado, durante a Luta de Libertação Nacional, e após a Libertação, os conhecimentos de nossa gente sobre a China eram muito reduzidos. Porém, como todos os revolucionários do mundo, também nós havíamos formado uma opinião progressista a seu respeito: "A China é um grande Continente, a China combate, a revolução contra o imperialismo, contra as concessões estrangeiras está em efervescência na China", etc., etc. Em geral, conhecíamos alguma coisa sobre a atividade de Sun Yat-sen, sobre seus vínculos e sua amizade com a União Soviética e com Lênin; por fim, sabíamos algo sobre o Kuomintang, conhecíamos a luta do povo chinês contra os japoneses e a existência do Partido Comunista da China, considerado um grande partido, tendo à frente um marxista-leninista, Mao Tsetung. E só.
Nosso Partido só teve contatos mais estreitos com os chineses após 1956. Esses contatos foram se incrementando devido à luta que nosso Partido desenvolveu contra o revisionismo contemporâneo kruschovista. Foi então, e principalmente quando o Partido Comunista da China entrou em conflito aberto com os revisionistas kruschovistas, que nossos contatos com o Partido Comunista da China, ou mais exatamente com seus quadros dirigentes, tornaram-se mais freqüentes e mais próximas. Mas devemos dizer que, por mais que os encontros mantidos com os dirigentes chineses tenham sido positivos e camaradescos, em certa medida a China, Mao e o Partido Comunista da China continuavam a ser um grande enigma para nós.
Mas por que a China, seu Partido Comunista e Mao Tsetung eram uns enigmas? Eram uns enigmas porque muitas atitudes dos dirigentes chineses, fossem elas gerais ou mesmo pessoais, quanto a uma série de grandes problemas políticos, ideológicos, militares e organizativos, eram oscilantes, ora para a direita, ora para a esquerda. Às vezes eles se mostravam decididos, às vezes indecisos, em certas ocasiões mantinham mesmo atitudes justas, mas o que mais se destacava eram suas posturas oportunistas. Durante todo o período em que viveu Mao, a política chinesa em geral foi oscilante, era uma política de conjuntura, não tinha uma espinha dorsal marxista-leninista. Mudava-se de um dia para outro a forma de referir-se a importantes problemas políticos. Não se podia encontrar na política chinesa um fio condutor vermelho, firme e conseqüente.
Naturalmente, todas essas posições chamavam nossa atenção e nós não as aprovávamos, mas, apesar de tudo, pelo que conhecíamos da atividade de Mao Tsetung, pautávamo-nos pela opinião geral de que ele era um marxista-leninista. Quanto a muitas teses de Mao Tsetung, como a de tratar as contradições entre o proletariado e a burguesia como contradições não antagônicas, a tese da existência de classes antagônicas durante todo o período do socialismo, a tese de que "o campo cerca a cidade", que absolutiza o papel do campesinato na revolução, etc., tínhamos nossas reservas e nossos pontos de vista marxista-leninistas, que transmitimos aos dirigentes chineses nas ocasiões adequadas. Quanto a outras concepções e posições políticas de Mao Tsetung e do partido Comunista da China que não se coadunavam com os pontos de vista e atitudes marxistas-leninistas de nosso Partido, considerávamo-los como táticas temporárias de um grande Estado, ditadas por situações determinadas. Mas, com o passar do tempo, tornava-se cada vez mais claro que as atitudes do Partido Comunista da China não eram apenas táticas.
Analisando os fatos, nosso Partido chegou a algumas conclusões gerais e particulares que o levaram a ser vigilante, mas ele evitava a polêmica com o Partido Comunista da China e com os dirigentes chineses, não porque tivesse medo de polemizar com eles, mas porque os dados que tinha a respeito do caminho errôneo, antimarxista desse Partido e do próprio Mao Tsetung não eram completos, ainda não lhe permitiam chegar a uma conclusão global. Por outro lado, durante certo tempo o Partido Comunista da China opunha-se ao imperialismo norte-americano e à reação. Ele também manteve uma atitude contrária aos revisionistas kruschovianos soviéticos, em que pese estar claro agora que sua luta contra o revisionismo soviético não era ditada por corretas posições de princípio marxista-leninistas.
Além disso, não tivemos pleno conhecimento da vida interna política, econômica, cultural, social, etc. da China. A organização do Partido e do Estado chinês sempre permaneceu fechada para nós, o Partido Comunista da China não nos deu nenhuma possibilidade de estudar as formas de organização do Partido e do Estado chinês. Nós, comunistas albaneses, conhecíamos apenas certa organização estatal geral da China e nada mais; não nos criavam possibilidades de conhecer a experiência do Partido na China, de ver como ele atuava, como era organizado, que sentido havia tomado o desenvolvimento dos trabalhos nos diversos setores, qual era concretamente esse sentido.
Os dirigentes chineses atuaram com astúcia. Não tornaram públicos muitos documentos necessários ao conhecimento da atividade do Partido e do Estado. Sempre se esquivaram de divulgar seus documentos. Mesmo os poucos documentos publicados de que se dispõe são fragmentários. Quanto aos quatro volumes das Obras de Mao, que podem ser considerados oficiais, além de conter apenas materiais escritos até 1949, são cuidadosamente arrumados de forma a não apresentar um quadro exato das situações tal qual elas ocorreram realmente na China.
A apresentação política e teórica dos problemas na imprensa chinesa - para não falar da literatura, que era completamente confusa - tinha apenas caráter propagandístico. Os artigos eram pontilhados dos típicos chavões chineses, expressos em fórmulas aritméticas, como "os três bens e os cinco males", "os quatro velhos e os quatro novos", "as duas recordações e os cinco autocontroles", "as três verdades e as sete mentiras", etc., etc. O exame "teórico" dessas fórmulas aritméticas era difícil para nós, que nos acostumamos a pensar, a atuar e a escrever de acordo com a teoria e a cultura tradicional marxista-leninistas.
Os dirigentes chineses não convidaram qualquer delegação de nosso Partido a visitá-los e estudar sua experiência. E mesmo quando alguma delegação esteve lá, a pedido de nosso Partido, fizeram mais propaganda e levaram-na de um lado para outro em visitas a comunas e fábricas do que lhe forneceram explicações ou experiências do trabalho do Partido. Em relação a quem mantinham essa estranha atitude? Conosco, os albaneses, seus amigos, que os defendemos nas situações mais difíceis. Todos esses comportamentos eram incompreensíveis para nós, mas ao mesmo tempo um sinal de que o Partido Comunista da China não queria fornecer-nos um quadro nítido de sua situação.
Mas a atenção de nosso Partido foi ainda mais despertada pela Revolução Cultural, que nos colocou algumas grandes interrogações. Durante a Revolução Cultural, desencadeada por Mao Tsetung, verificaram-se na atividade do Partido Comunista da China e do Estado Chinês pensamentos e ações políticas, ideológicas e organizativas estranhas, que não se baseavam nos ensinamentos de Marx, Engels, Lênin e Stálin. O julgamento das suspeitas práticas anteriores, assim como das constatadas durante a Revolução Cultural, mas sobretudo dos acontecimentos posteriores, o sobe e desce desse ou daquele grupo na direção, num dia o grupo de Lin Piao, noutro o de Deng Xiaoping, de um Hua Guofeng, etc., cada qual com sua plataforma contrária à do outro, tudo isso estimulou nosso Partido a aprofundar melhor o estudo dos pontos de vista e da conduta de Mao Tsetung e do Partido Comunista da China, a formar uma idéia mais completa do "pensamento Mao Tsetung". Não nos parecia uma conduta revolucionária que a revolução cultural não fosse dirigida pelo Partido, mas uma explosão caótica na seqüência de um chamamento feito por Mao Tsetung. A autoridade de Mao na China levantou milhões de jovens desorganizados, de estudantes universitários e secundaristas, que marchavam para Pequim, para os Comitês do Partido e do poder e os dissolviam. Dizia-se que esses jovens representavam então a "ideologia proletária" na China e ensinariam ao Partido e aos proletários o caminho da "verdade"!
Uma revolução como aquela, que tinha acentuado caráter político, foi denominada cultural. Para nosso Partido essa denominação era inexata, pois na realidade eclodira na China um movimento político e não cultural. Mas o principal era que a "Grande Revolução Proletária" não era dirigida nem pelo Partido nem pelo proletariado. Essa grave situação emanava das velhas concepções antimarxistas de Mao Tsetung, que subestimava o papel dirigente do proletariado na revolução e superestimava o da juventude. Mao havia escrito: "Que papel passou então a desempenhar a juventude a partir do 'Movimento 4 de Maio'? Em certo sentido, a juventude desempenhou um papel de vanguarda. Isso foi reconhecido por todos no nosso país, à exceção dos ultra-reacionários. Mas o que quer dizer desempenhar o papel de vanguarda? Isso significa desempenhar o papel de guia... " (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. III, pg. 19).
Assim, a classe operária foi deixada de lado e em muitos casos se opôs aos guardas vermelhos, entrando inclusive em choque com eles. Nossos camaradas que estavam então na China viram com seus próprios olhos, operários das fábricas que lutavam contra jovens, o Partido foi dissolvido, foi liquidado, os comunistas e o proletariado nem sequer eram levados em conta. A situação era muito grave.
Nosso Partido apoiou a Revolução Cultural porque as vitórias da revolução na China estavam em perigo. O próprio Mao Tsetung nos disse que o Partido e o Estado tinham sido usurpados pelo grupo renegado de Liu Shao-chi e de Deng Xiaoping e as vitórias da revolução chinesa estavam em perigo. Nessas condições, independente de quem era responsável pelas coisas terem ido tão longe, nosso Partido apoiou a Revolução Cultural. Nosso Partido defendeu o irmão povo chinês, a causa da revolução e do socialismo na China e não a luta fracionista dos grupos antimarxistas que se defrontavam e se combatiam inclusive com armas para tomar o poder.
O desenrolar dos acontecimentos mostrou que a Grande Revolução Cultural Proletária não era nem revolução, nem grande, nem cultural e nem muito menos proletária. Tratava-se de um putsch palaciano em escala panchinesa para liquidar um grupo de reacionários que havia tomado o poder.
Evidentemente essa Revolução Cultural era uma mistificação, liquidou tanto o Partido Comunista da China como as organizações de massas e envolveu a China num novo caos. Essa revolução foi dirigida por elementos não marxistas, que foram liquidados num putsch militar por outros elementos antimarxistas e fascistas.
Em nossa imprensa Mao Tsetung foi qualificado como grande marxista-leninista, mas nós nunca empregamos nem aprovamos as definições da propaganda chinesa, que qualificava Mao como clássico do marxismo-leninismo e o "pensamento Mao Tsetung" como sua terceira e mais elevada etapa. Nosso Partido considerou o estímulo ao culto de Mao Tsetung na China como incompatível com o marxismo-leninismo.
O desenvolvimento caótico da Revolução Cultural e seus resultados fortaleceram ainda mais a opinião, não bem cristalizada, de que o marxismo-leninismo não era conhecido nem aplicado na China, de que em essência o Partido Comunista da China e Mao Tsetung não tinham pontos de vista marxistas-leninistas, apesar da fachada, dos slogans que empregavam, "pelo proletariado, por sua ditadura e pela aliança com o campesinato pobre" e muitas outras fórmulas do gênero.
À luz desses acontecimentos nosso Partido começou a ver mais profundamente as causas das vacilações que se haviam verificado na atitude da direção chinesa em relação ao revisionismo kruschovista, como em 1962, quando ela procurava a conciliação e a união com os revisionistas soviéticos em nome de uma pretensa frente unida contra o imperialismo norte-americano, ou em 1964, quando Chu Enlai, na seqüência dos esforços para conciliar-se com os soviéticos, foi a Moscou para saudar a ascensão do grupo de Brezhnev ao poder. Essas oscilações não eram ocasionais, refletiam falta de princípios e de conseqüência revolucionária.
Quando Nixon foi convidado à China e a direção chinesa, com Mao Tsetung à frente, proclamou a política de aproximação e união com o imperialismo norte-americano, ficou claro que a linha e a política da China estavam em total contradição com o marxismo-leninismo e o internacionalismo proletário. Depois disso os fins chauvinistas e hegemonistas da China começaram a tornar-se mais evidentes. A direção chinesa passou a opor-se mais abertamente às lutas revolucionárias e de libertação dos povos, ao proletariado mundial e ao verdadeiro movimento marxista-leninista. Proclamou a chamada teoria dos três mundos, que procurava impor como linha geral a todo o movimento marxista-leninista.
O Partido do Trabalho da Albânia, partindo dos interesses da revolução e do socialismo, pensando que os erros constatados na linha do Partido Comunista da China provinham de uma avaliação não correta da situação e de dificuldades diversas, procurou mais de uma vez ajudar a direção chinesa a corrigi-los e superá-los. Com sinceridade e camaradagem, nosso Partido expressou abertamente seus pontos de vista a Mao Tsetung e outros dirigentes chineses; e quanto a várias atitudes da China que afetavam diretamente a linha geral do movimento marxista-leninista, os interesses dos povos e da revolução, comunicou oficialmente por escrito ao Comitê Central do Partido Comunista da China suas observações e seu inconformismo.
Mas a direção chinesa nunca recebeu bem as observações justas e de princípios de nosso Partido. Nunca as respondeu e sequer aceitou discuti-as.
Enquanto isso os atos antimarxistas da direção chinesa interna e externamente tornavam-se mais abertos e visíveis. Tudo isso obrigou nosso Partido e todos demais marxistas-leninistas a reavaliar a linha do partido Comunista da China, os conceitos políticos e ideológicos que o dirigiram, sua atividade concreta e as conseqüências dela derivadas. Constatamos então que o "pensamento Mao Tsetung", que dirigiu e dirige o Partido Comunista da China, representa uma perigosa variante do revisionismo contemporâneo, contra a qual deve-se travar um combate multilateral nos planos teórico e político.
O "pensamento Mao Tsetung" é uma variante do revisionismo que começou a tomar forma desde antes da II Guerra Mundial, em particular após 1935, quando Mao Tsetung chegou ao poder. Naquele período, Mao Tsetung desencadeou, juntamente com seus partidários, uma campanha "teórica" sob o lema da luta contra o "dogmatismo", os "esquemas prontos", os "chavões estrangeiros", etc. e colocou o problema da elaboração do marxismo nacional, negando o caráter universal do marxismo-leninismo. No lugar do marxismo-leninismo, ele pregava o "modo chinês" de tratamento dos problemas e o estilo chinês, "... cheio de frescura e de viço, agradável ao ouvido das pessoas comuns da nossa terra" (Mao Tsetung. Obras Escolhidas, ed. albanesa, 1701. vol. IV pg. 84), preconizando assim a tese revisionista de que em cada país o marxismo deve ter conteúdo particular, específico.
O "pensamento Mao Tsetung" foi proclamado o ápice do marxismo-leninismo em nossa época. Os dirigentes chineses declararam que "Mao Tsetung resolveu mais questões do que Marx, Engels e Lênin... ". Os Estatutos do Partido Comunista da China aprovados no IX Congresso, que desenvolveu seus trabalhos sob a direção de Mao Tsetung, afirmam que "o pensamento Mao Tsetung é o marxismo-leninismo de nossa época...", que Mao Tsetung "herdou, defendeu e desenvolveu o marxismo-leninismo fazendo-o ingressar numa etapa nova e superior" (O IX Congresso do Partido Comunista da China, Documentos, págs. 79-80, Tirana, 1969).
Ao se colocar o "pensamento Mao Tsetung" e não os princípios e normas do marxismo-leninismo na base da atividade partidária, abriu-se ainda mais as portas ao oportunismo e à luta fracionista nas fileiras do Partido Comunista da China.
O "pensamento Mao Tsetung" é um amálgama de concepções, onde idéias e teses tomadas de empréstimo do marxismo misturam-se com outros princípios filosóficos, idealistas, pragmáticos e revisionistas. Ele tem raízes na antiga filosofia chinesa e no passado político e ideológico da China, em sua prática estatal e militarista.
Todos os dirigentes chineses, tanto os que agora tomaram o poder como os que nele estiveram e foram derrubados, mas que manobraram para levar à prática seus planos contra-revolucionários, sempre tiveram o "pensamento Mao Tsetung" como base ideológica. O próprio Mao Tsetung admitiu que suas idéias podem ser aproveitadas por todos, tanto pelos de esquerda como pelos de direita, como ele chama os diversos grupos que compõem a direção chinesa. Numa carta dirigida a Jiang Ging em 8 de julho de 1966, Mao Tsetung afirma: "A direita no poder pode empregar minhas palavras para tornar-se poderosa por certo tempo, mas a esquerda pode empregar outras palavras minhas, organizar-se e derrubar os direitistas".(Le Monde, 2 de dezembro de 1972). Isso comprova que Mao Tsetung não foi um marxista-leninista, que seus pontos de vista são ecléticos. Tal coisa transparece em todas as "obras teóricas" de Mao, que, embora camufladas com fraseologia e slogans "revolucionários", não podem ocultar o fato de que o "pensamento Mao Tsetung" nada tem em comum com o marxismo-leninismo.
Uma abordagem crítica mesmo parcial dos escritos de Mao, da maneira de tratar os problemas fundamentais relativos ao papel do partido comunista, às questões da revolução, da construção do socialismo, etc., deixa absolutamente claro a radical diferença entre o "Pensamento Mao Tsetung" e o marxismo-leninismo.
Tomemos inicialmente as questões relativas à organização do partido e seu papel dirigente. Mao portava-se como se fosse favorável à aplicação dos princípios leninistas de partido, mas, caso se analise concretamente suas idéias sobre o partido e sobretudo a prática da vida partidária, fica evidente que ele substituiu os princípios e normas leninistas por teses revisionistas.
Mao Tsetung não organizou o Partido Comunista da China com base nos princípios de Marx, Engels, Lênin e Stálin. Não trabalhou para torná-lo um partido de tipo leninista, um partido bolchevique. Mao Tsetung não defendia um partido classista proletário, mas um partido sem fronteiras de classe. Empregou a palavra-de-ordem do partido de massas para apagar a fronteira entre o partido e a classe. Conseqüentemente, quem quer que quisesse podia entrar e sair do Partido quando bem entendesse. Nesse particular os pontos de vista do "pensamento Mao Tsetung" são idênticos aos dos revisionistas iugoslavos e dos "eurocomunistas".
Ao lado disso, Mao Tsetung sempre colocou a construção, os princípios e as normas do partido na dependência de suas próprias atitudes e seus interesses, de sua política oportunista, ora de direita, ora de esquerda, aventureira, da luta entre frações, etc.
Nunca houve no Partido Comunista da China verdadeira unidade marxista-leninista de pensamento e ação. A luta entre frações que existiu desde a fundação do Partido Comunista da China impediu que se estabelecesse em seu seio uma correta linha marxista-leninista, que ele se guiasse pelo pensamento marxista-leninista. As diversas tendências que se manifestavam nos principais dirigentes do Partido eram ora de esquerda ora oportunistas de direita, algumas vezes centristas e iam até pontos de vista abertamente anarquistas, chauvinistas e racistas. Enquanto Mao Tsetung com seu grupo estava à frente do Partido essas tendências eram uma das características distintivas do Partido Comunista da China. O próprio Mao Tsetung preconizou a necessidade de "duas linhas" no partido. Segundo ele, a existência e a luta entre duas linhas são algo natural, são uma manifestação da unidade dos contrários, são a política flexível que reúne em seu interior o espírito de princípios e o compromisso. "Pode-se assim - dizia ele - utilizar as duas mãos em relação a um camarada que errou: com uma o combateremos, com outra faremos unidade com ele. O propósito da luta é manter os princípios marxistas, o que significa firmeza quanto aos princípios; este é um aspecto do problema. O outro é fazer unidade com ele. A unidade tem por objetivo oferecer-lhe uma saída, realizar um compromisso com ele." (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 560, versão francesa, Pequim, 1977 (ano da primeira edição deste volume pelos chineses).
Tais pontos de vista são diametralmente opostos aos ensinamentos marxista-leninistas sobre o partido comunista enquanto destacamento organizado e de vanguarda, que deve possuir uma única linha e uma férrea unidade de pensamento e de ação.
A luta de classes no seio do partido, como reflexo da luta de classes que se desenvolve fora dele, nada tem em comum com as concepções de Mao Tsetung sobre "as duas linhas no Partido". O partido não é arena de diversas classes, onde se trava uma luta entre classes antagônicas, não é um agrupamento de pessoas com objetivos opostos. O verdadeiro partido marxista-leninista é apenas da classe operária e possui os interesses, desta em seus alicerces. Este é o fator decisivo para a vitória da revolução e da construção do socialismo. J.V. Stálin, defendendo os princípios leninistas sobre o Partido, que não toleram a existência de muitas linhas e correntes opostas no partido comunista, acentuava que:
"... o partido comunista é o partido monolítico do proletariado e não o partido de um bloco de elementos de diferentes classes".(J. V. Stálin, Obras, ed. albanesa, vol. XI, pg. 280).
Já Mao Tsetung concebe o partido como uma união de classes com interesses contrários, como uma organização onde duas forças se defrontam e se combatem: o proletariado e a burguesia, o "estado-maior proletário" e o "estado-maior burguês", que devem ter seus representantes desde a base até os mais elevados órgãos dirigentes do partido. Dessa forma, ele solicitava em 1956 que se elegesse para o Comitê Central dirigentes das frações de direita e de esquerda, apresentando para isso argumentos tão ingênuos quanto ridículos. "Todo o país e mesmo o mundo inteiro - diz ele - sabe bem que eles cometeram erros de linha, e é justamente sua celebridade a razão de sua eleição. Que remédio! Eles são famosos, enquanto vocês que não cometeram erros ou cometeram apenas pequenos erros não são tão célebres quanto eles. Em nosso país, onde a pequena burguesia é tão numerosa, eles são duas bandeiras. " (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 348, versão francesa Pequim, 1977). Renunciando à luta de princípios nas fileiras do partido, Mao Tsetung fazia o jogo das frações, buscava o compromisso com algumas delas para se opor a outras e fortalecer assim suas próprias posições.
Com tal plataforma organizativa, o Partido Comunista da China nunca foi nem poderia ser um partido marxista-leninista. Não se respeitava nele os princípios e as normas leninistas. O Congresso, enquanto órgão colegiado e superior do Partido, não foi convocado regularmente. Entre o VII e o VIII Congressos, por exemplo, decorreram 11 anos, e entre o VIII e o IX, realizados após a guerra, passaram-se 13 anos. Além disso, mesmo os Congressos realizados foram formais, mais reuniões de fachada do que de trabalho. Os delegados aos Congressos não eram eleitos em concordância com os princípios e normas marxista-leninistas da vida partidária, mas designados pelos órgãos dirigentes, e atuavam segundo o sistema de representação permanente.
O jornal "Renmin Ribao" publicou recentemente um artigo, escrito por um chamado grupo teórico do "Escritório Geral" do Comitê Central do Partido Comunista da China. ("Tenhamos Sempre em Mente os Ensinamentos do Presidente Mao" "Renmin Ribao", 8 de setembro de 1977). O artigo afirma que Mao havia Criado em torno de si, sob o nome de "Escritório Geral", um aparelho especial que supervisionava e mantinha sob controle o Birô Político, o Comitê Central do Partido, os quadros do Estado, do Exército, dos órgãos de Segurança, etc. Ter acesso a esse Escritório e conhecer seu trabalho era algo proibido a todos, inclusive o Comitê Central e o Birô Político. Ali se elaborava os projetos de derrubada ou promoção desse ou daquele grupo fracionista. O pessoal desse Escritório encontrava-se em toda parte, sondando, observando e informando de maneira independente e à margem do controle do Partido. Além disso, o Escritório também tinha à sua disposição destacamentos armados inteiros, camuflados sob o nome de "Guarda do presidente Mao". Essa guarda pretoriana de mais de 50.000 homens entrava em ação quando o presidente decidia "atuar de um só golpe", como ocorreu freqüentemente na história do Partido Comunista da China e voltou a ocorrer ainda há pouco com a detenção dos "quatro" e seus partidários por Hua Guofeng.
A pretexto de manter contato com as massas, Mao Tsetung também havia criado uma rede especial de informantes locais que encarregara da tarefa de investigar e vigiar os quadros de base, a atuação e a psicologia das massas, sem que ninguém o soubesse. Tais elementos informavam direta e unicamente Mao Tsetung, que havia cortado todos os meios de comunicação com as massas e via o mundo através dos dados dos agentes do "Escritório Geral". Mao disse: "De minha parte, sou uma pessoa que não ouve rádio, nem do exterior nem da China, apenas transmito". Ele afirmou também: "Declarei abertamente que não vou mais ler o jornal 'Renmin Ribao'. Disse isso até ao seu redator-chefe: eu não leio teu jornal". (Da conversação de Mao Tsetung com camaradas de nosso Partido em 3 de fevereiro de 1967. Arquivo Central do Partido do Trabalho da Albânia (ACP)).
O artigo do "Renmin Ribao" fornece novos dados para se compreender ainda melhor a orientação antimarxista e o poder pessoal de Mao Tsetung no Partido e no Estado chinês. Mao Tsetung não tinha a menor consideração nem pelo Comitê Central nem pelo Congresso do Partido, para não falar do Partido em seu conjunto e dos seus comitês de base. Os comitês do partido, os quadros dirigentes e até o próprio Comitê Central recebiam ordens do "Escritório Geral", desse "estado-maior especial", que só respondia a Mao Tsetung. As instâncias, os órgãos eleitos do Partido não tinham qualquer competência. O artigo do "Renmin Ribao" diz que "nenhum telegrama, nenhuma carta nenhum documento, nenhuma ordem pode ser emitido por quem quer que seja sem o exame e aprovação prévios de Mao Tsetung". Ocorre que desde 1953 Mao Tsetung havia ordenado incisivamente: "De hoje em diante, qualquer documento ou telegrama expedido em nome do Comitê Central só poderá ser expedido depois que eu o tiver lido; de outra forma não terá validade". (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 96, versão francesa, Pequim 1977). Nessas condições, nem se podia falar em colegiatura, em democracia interna no Partido, em normas leninistas.
O poder ilimitado de Mao Tsetung chegava ao ponto dele definir até seus herdeiros. Outrora ele havia designado Liu Shao-chi como seu substituto. Mais tarde proclamou que o herdeiro do poder e do Partido após sua morte seria Lin Piao. Esse procedimento nunca visto na prática de partidos marxista-leninistas foi consagrado até nos Estatutos do Partido. Foi novamente Mao Tsetung quem designou Hua Guofeng presidente do Partido depois que ele morresse. Com o poder na mão, o próprio Mao criticava, julgava, punia e mais tarde reabilitava altos dirigentes do Partido e do Estado. Foi o que ocorreu com Deng Xiaoping, que em sua chamada autocrítica de 23 de outubro de 1966 declarou: "Eu e Liu Shao-chi somos verdadeiros monarquistas. A essência dos meus erros reside em que eu não tenho confiança nas massas, não apóio as massas revolucionárias, mas coloquei-me contra elas, segui uma linha reacionária para esmagar a revolução; na luta de classes não permaneci no campo do proletariado e sim no da burguesia... Tudo isso mostra que... não sou adequado para ocupar postos de responsabilidade..." (Da autocrítica de Deng Xiaoping. ACP). E apesar desses crimes que cometeu, esse revisionista impenitente foi reconduzido à cadeira que ocupava.
A essência antimarxista do "pensamento Mao Tsetung" sobre o partido e seu papel manifesta-se igualmente na maneira de conceber teoricamente e levar à prática as relações entre o partido e o exército. Independente das fórmulas que Mao Tsetung empregava, dizendo que "o Partido está acima do Exército", "a política acima do fuzil", etc., etc., na prática ele deixava ao Exército o papel político principal na vida do país. Desde o tempo da guerra ele dizia: "Todos os quadros do Exército devem ser capazes de dirigir os operários e de organizar sindicatos, de mobilizar e organizar a juventude, de unir-se aos quadros das novas regiões libertadas e instruí-los, de administrar a indústria e o comércio, de dirigir escolas, jornais, agências de notícias e estações de radiodifusão, de tratar questões das relações exteriores, de resolver problemas relativos aos partidos democráticos e às organizações populares, de coordenar as relações entre a cidade e o campo, de resolver problemas da alimentação, do abastecimento de carvão e outros artigos e produtos de primeira necessidade, bem como de solucionar questões monetárias e financeiras. " (Mao Tsetung, Obras escolhidas, vol. IV, pg. 355, versão francesa, Pequim, 1962).
Portanto, o Exército situava-se acima do Partido, acima dos órgãos estatais, acima de tudo. Deduz-se daí que as palavras de Mao Tsetung a respeito do papel do partido como fator decisivo para dirigir a revolução e a construção do socialismo eram simples slogans. Tanto no tempo da guerra de libertação como após a criação da República Popular da China, o Exército desempenhou o papel decisivo em todas as constantes lutas pela tomada do poder por essa ou aquela fração. O Exercito também jogou o papel principal durante a Revolução Cultural; era a última reserva de Mao. "Nós apoiamo-nos na força do Exército disse Mao Tsetung em 1967 - ...Em Pequim tínhamos apenas duas divisões, mas em maio trouxemos outras duas para ajustar as contas com o antigo Comitê do Partido em Pequim." (Da conversação de Mao Tsetung com uma delegação de Amizade da RPA em 18 de dezembro de 1967. ACP).
Mao Tsetung sempre colocou o Exército em movimento para liquidar seus adversários ideológicos. Levantou o Exército com Lin Piao à frente para atuar contra o grupo de Liu Shao-chi e Deng Xiaoping. Juntamente com Chu Enlai, organizou e lançou mais tarde o Exército contra Lin Piao. Inspirado pelo "pensamento Mao Tsetung", o Exército continuou a desempenhar esse papel mesmo após a morte de Mao. Como todos os que ascenderam ao poder na China, também Hua Guofeng apoiou-se no Exército e atuou com ele. Assim que Mao morreu, ele levantou imediatamente o Exército, organizou o putsch juntamente com os militares Ye Yionying, Wang Dongxing e outros, deteve seus adversários.
O poder na China continua nas mãos do Exército, enquanto o Partido fica a reboque. Trata-se de uma característica geral dos países onde o revisionismo domina. Os autênticos países socialistas fortalecem o exército, enquanto poderosa arma da ditadura do proletariado, para esmagar os inimigos do socialismo caso se sublevem e para defender-se de um eventual ataque da parte dos imperialistas e da reação externa. Mas, conforme nos ensina o marxismo-leninismo, para que o exército desempenhe sempre este papel deve estar invariavelmente sob a direção do partido e não o partido sob a direção do exército.
Quem faz a lei na China atualmente são as frações mais fortes do Exército, que são as mais reacionárias, que visam transformar a China num país social-imperialista.
Paralelamente à transformação da China numa superpotência imperialista, o papel e a força do Exército na vida do país também aumentarão sempre mais. O Exército fortalecer-se-á, enquanto guarda pretoriana armada até os dentes para defender um regime e uma economia capitalistas. Será instrumento de uma ditadura burguesa capitalista, de uma ditadura que, caso a resistência popular seja forte, poderá mesmo assumir formas abertamente fascistas.
Ao pregar a necessidade da existência de muitos partidos na direção do país, o chamado pluralismo político, o "pensamento Mao Tsetung" opõe-se por completo à doutrina marxista-leninista sobre o papel exclusivo do Partido Comunista na revolução e na construção socialistas. Conforme declarou E. Snow, Mao Tsetung considerava a direção de um país por mais de um partido político, segundo o modelo norte-americano, como a forma mais democrática de governo. "O que é melhor afinal - perguntava Mao Tsetung - que haja um só ou vários partidos?" E respondia: "Pelo que vemos hoje é preferível que haja vários. Isso não só é valido para o passado como pode sê-lo também para o futuro; significa coexistência duradoura e controle recíproco." (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, Vol. V, pg. 319, versão francesa, Pequim, 1977). Mao qualificou de indispensável a Participação de partidos burgueses no poder e no governo do país com os mesmos direitos e as mesmas prerrogativas do Partido Comunista da China. E não só isso. Segundo ele esses partidos da burguesia, que eram "históricos" não poderiam desaparecer exceto quando chegasse a hora do desaparecimento do próprio Partido Comunista da China, ou seja, todos coexistiriam até o comunismo.
Segundo o "pensamento Mao Tsetung" só pode existir um novo regime democrático e só se pode construir o socialismo com base na colaboração de todas as classes e de todos os partidos. Essa concepção da democracia socialista, do sistema político socialista, apoiada na "coexistência duradoura e controle recíproco" de todos os partidos e muito semelhante à prédica atual dos revisionistas italianos, franceses, espanhóis, etc., é uma negação aberta do papel dirigente e exclusivo do partido marxista-leninista na revolução e na edificação do socialismo. A experiência histórica já comprovou que sem o papel dirigente e exclusivo do partido marxista-leninista não pode existir ditadura do proletariado, não se pode construir e defender o socialismo.
"... A ditadura do proletariado - dizia Stálin - só pode ser completa quando é dirigida por um partido, o Partido dos comunistas, que não divide nem deve dividir a direção com outros partidos".(J. V. Stálin, Obras, ed. albanesa, Vol. X, pg. 97).
As concepções revisionistas de Mao Tsetung baseiam-se na política de colaboração e aliança com a burguesia, constantemente aplicada pelo Partido Comunista da China. Esta é também a fonte da orientação antimarxista e antileninista do "florescimento de cem flores e concorrência de cem escolas", expressão direta da coexistência de ideologias contrárias.
Segundo Mao Tsetung, ao lado da ideologia proletária, do materialismo e do ateísmo, também se deve permitir na sociedade socialista a existência da ideologia burguesa, do idealismo e da religião, a proliferação de "ervas daninhas" ao lado das "flores perfumadas" etc. Tal orientação seria indispensável ao desenvolvimento do marxismo, à abertura de debates, à liberdade de opinião. Na realidade, ela foi um esforço para dotar de uma base teórica a política de colaboração com a burguesia e coexistência com a ideologia burguesa. Mao Tsetung dizia que "...proibir as pessoas de entrar em contato com o que é falso, pernicioso e hostil, com o idealismo e a metafísica, que se conheça as idéias de Confúcio, Lao Tse e Chiang Kai-chek, seria uma política perigosa. Conduziria à regressão do pensamento, ao unilateralismo e tornaria as pessoas incapazes de resistir às provas da Vida ..." (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 397, versão francesa, Pequim, 1977). Mao Tsetung conclui daí que o idealismo, a metafísica e a ideologia burguesa existirão eternamente e, portanto, além de não deverem ser proibidos, devem ter possibilidade de florescer, de vir à tona e concorrer. Essa postura de conciliação com tudo que é reacionário vai tão longe que qualifica de inevitável as desordens na sociedade socialista e de errônea a proibição da atividade dos inimigos. "A meu ver - diz ele - quem quer que queira provocar desordens poderá fazê-lo pelo tempo que lhe aprouver. Se não basta um mês daremos dois; em todo caso, não fecharemos questão enquanto os promotores de desordens não se considerarem saciados. Se vocês se apressarem em pôr um ponto final nas desordens, cedo ou tarde elas recomeçarão". (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pgs. 405-406, versão francesa, Pequim, 1977).
Isso não foi uma discussão acadêmica, "científica", mas uma linha política oportunista, contra-revolucionária, que se contrapôs ao marxismo-leninismo, que confundiu o Partido Comunista da China, em cujo seio circularam cento e uma concepções e opiniões e realmente existem hoje cem escolas que concorrem entre si. Isso fez com que as vespas burguesas circulassem livremente pelo jardim das cem flores e destilassem seu veneno.
Tal atitude oportunista quanto às questões ideológicas tem raízes, entre outras coisas, no fato do Partido Comunista da China, desde sua fundação até a conquista da libertação e mais tarde, não ter procurado se consolidar ideologicamente, não ter trabalhado para incutir a teoria de Marx, Engels, Lênin e Stálin na mente e no coração de seus militantes, não ter combatido para assimilar os elementos fundamentais da ideologia marxista-leninista e aplicá-los com conseqüência, passo a passo às condições concretas da China.
O "Pensamento Mao Tsetung" Opõe-se à Teoria Marxista-Leninista da Revolução.
Os escritos de Mao Tsetung falam frequentemente do papel das revoluções no processo de desenvolvimento da sociedade, mas em essência se atêm a uma concepção metafísica, evolucionista. Contrariamente à dialética materialista, que demonstra o desenvolvimento progressivo em forma de espiral, Mao Tsetung compreende o desenvolvimento de forma cíclica, como um círculo vicioso, como um processo por ondas que passa do equilíbrio ao desequilíbrio e novamente ao equilíbrio do movimento à imobilidade e novamente ao movimento, do ascenso ao descenso e do descenso ao ascenso, do avanço ao retrocesso e novamente ao avanço, etc. Assim, apoiando-se na concepção da filosofia antiga sobre o papel purificador do fogo, Mao Tsetung afirma: "Será preciso 'atear fogo' periodicamente. Como proceder no futuro? Segundo vocês, dever-se-ia fazê-lo a cada ano ou a cada três anos? Eu penso que devemos fazê-lo pelo menos duas vezes em cada qüinqüênio, à semelhança do que ocorre com o mês intercalado do calendário lunar-solar, que se repete uma vez em três anos ou duas vezes em cada cinco anos. " (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 499, versão francesa, Pequim, 1977). Portanto, tal qual os astrólogos de outrora, ele extrai do calendário lunar a lei do incêndio periódico, do desenvolvimento que vai da "grande harmonia" à "grande desordem" e novamente à "grande harmonia", repetindo o ciclo periodicamente. Assim o "pensamento Mao Tsetung" contrapõe a concepção metafísica, que "é morta, pálida e árida", à concepção materialista dialética do desenvolvimento, que, como dizia Lênin,
" ...nos fornece a chave do 'automovimento' de tudo que existe; ...nos dá a chave dos 'saltos', da 'ruptura da continuidade', da 'transformação no contrário', da destruição do velho e do surgimento do novo". (V. I. Lênin, Obras, ed. albanesa, vol. XXXVIII, pg. 3).
Isso fica ainda mais claro no tratamento que Mao Tsetung dispensa ao problema das contradições, quanto ao qual, segundo a propaganda chinesa, ele teria dado uma "particular contribuição", desenvolvendo ulteriormente a dialética materialista neste campo. É verdade que em muitos de seus escritos Mao Tsetung fala frequentemente de contrários, de contradições, de unidade dos contrários, emprega até citações de frases marxistas, mas apesar disso ele esta longe da concepção materialista dialética de tais questões. No tratamento das contradições, ele não parte das teses marxistas, mas das dos antigos filósofos chineses, encara os contrários de maneira mecânica, como fenômenos externos, e configura a transformação dos contrários como uma simples troca de lugar entre eles. Operando com alguns dos eternos contrários tomados da filosofia antiga, tais como acima abaixo, adiante-atrás, direita-esquerda, leve-pesado, etc., etc., Mao Tsetung, na essência, nega as contradições internas dos objetos e fenômenos e trata o desenvolvimento como uma simples repetição, como uma cadeia de situações inalteráveis onde se verificam os mesmos contrários e a mesma relação entre eles. Mao Tsetung interpreta a transformação dos contrários uns nos outros como um esquema formal, ao qual tudo se subordina, uma simples inversão de lugares, e não como a superação da contradição e como uma mudança qualitativa do próprio fenômeno que comporta tais contrários. Partindo desse esquema, Mao chega a declarar que "quando o dogmatismo se transforma em seu contrário, converte-se ou em marxismo ou em revisionismo", (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, vol. V, pg. 479, versão francesa, Pequim, 1977), "a metafísica transforma-se em dialética e a dialética em metafísica", etc. Por trás dessas afirmações absurdas e do jogo sofista com os contrários, ocultam-se as concepções oportunistas e anti-revolucionárias de Mao Tsetung. Ele não encara a revolução socialista como uma mudança qualitativa da sociedade, em que as classes antagônicas, a opressão e a exploração do homem pelo homem desaparecem. Configura-a como uma simples troca de lugares entre a burguesia e o proletariado. Para demonstrar essa "descoberta", Mao afirma: "Se a burguesia e o proletariado não pudessem transformar-se um no outro, como se explicaria que, por meio da revolução, o proletariado se transforme em classe dominante e a burguesia em classe dominada?... Nós e o Kuomintang de Chiang Kai-chek estávamos em posições diametralmente opostas. Devido à luta e à exclusão mútuas dos dois aspectos contraditórios, trocamos de lugar com o Kuomintang... " (Mao Tsetung. Obras Escolhidas, vol. V, págs. 399-400, versão francesa, Pequim, 1977). A mesma lógica levou Mao Tsetung a revisar a teoria marxista-leninista sobre as duas fases da sociedade comunista "A dialética ensina que o regime socialista enquanto fenômeno histórico desaparecerá um dia, assim como o homem deve morrer, e que o regime comunista será a negação do regime socialista. Como se pode considerar marxista a asserção de que o regime socialista, assim como as relações de produção e a superestrutura do socialismo, não desaparecerão? Não seria isso um dogma religioso, a teologia que professa a eternidade de Deus?" (Mao Tsetung. Obras Escolhidas, vol. v, pg. 409, versão francesa, Pequim, 1977).
Dessa forma, revisando abertamente a compreensão marxista-leninista do socialismo e do comunismo, que em essência são duas fases de um mesmo tipo, de um mesmo sistema econômico-social e distinguem-se apenas pelo seu nível de desenvolvimento e amadurecimento, Mao Tsetung apresenta o socialismo como algo diametralmente oposto ao comunismo.
É com tais concepções metafísicas e antimarxistas que Mao Tsetung trata em geral os problemas da revolução, que ele encara como um processo infinito que se repete periodicamente durante toda a existência da humanidade, um processo que passa da derrota à vitória, da vitória à derrota e assim por diante. As concepções antimarxistas, ora evolucionistas e ora anarquistas, de Mao Tsetung sobre a revolução transparecem ainda mais claro quando ele trata os problemas da revolução na China.
Conforme indicam seus escritos, Mao Tsetung não se apoiou na teoria marxista-leninista para analisar os problemas e definir as tarefas da revolução chinesa. No discurso pronunciado na Conferência Ampliada de Trabalho, convocada pelo Comitê Central do Partido Comunista da China em janeiro de 1962, ele próprio afirma: "Durante muitos anos dirigimos nossa atividade revolucionária às cegas, sem saber como se deve realizar a revolução, contra quem se deve dirigir seu gume, sem configurar suas etapas, sem saber quem é preciso derrubar inicialmente e quem mais tarde, etc. ". Isso fez com que o Partido Comunista da China não fosse capaz de assegurar a direção do proletariado na revolução democrática e a transformação desta em revolução socialista. Todo o desenvolvimento da revolução chinesa testemunha a trajetória caótica do Partido Comunista da China, que se guiava não pelo marxismo-leninismo mas pelas concepções antimarxistas do "pensamento Mao Tsetung" sobre o caráter, as etapas, as forças motrizes da revolução, etc.
Mao Tsetung nunca pôde compreender e explicar corretamente os estreitos vínculos existentes entre a revolução democrático-burguesa e a revolução proletária. Contrariamente à teoria marxista-leninista, que demonstrou cientificamente que não existe uma muralha da China entre a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista, que uma não deve separar-se da outra por um longo período, Mao Tsetung afirmava que a transformação de nossa revolução em revolução socialista é uma questão para o futuro... A questão de saber quando se verificará tal passagem... exige um período bastante longo. Enquanto todas as condições necessárias políticas e econômicas, não estiverem maduras, enquanto essa transformação não deixar de ser prejudicial e passar a ser benéfica à grande maioria do povo de todo o país, não devemos divagar muito sobre ela". (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. 1, pg. 210).
Essa concepção antimarxista, contrária à transformação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista, norteou Mao Tsetung durante todo o período da revolução, inclusive após a libertação. Dessa forma, em 1940 Mao Tsetung diz: "A revolução chinesa deve passar necessariamente... à fase da nova democracia e, somente depois, à fase do socialismo. Dessas duas fases, a primeira será relativamente longa... " (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. III pg. 169). Já em março de 1949, no pleno do Comitê Central do Partido em que apresentou o programa de desenvolvimento da China após a libertação, Mao Tsetung diz: "Durante esse período dever-se-á permitir todos os elementos do capitalismo, da cidade e do campo" Tais pontos de vista e "teorias" fizeram com que o Partido Comunista da China e Mao Tsetung não combatessem para elevar a revolução chinesa à revolução socialista, deixassem campo livre ao desenvolvimento da burguesia e das relações sociais capitalistas.
No que diz respeito à relação entre a revolução democrática e a socialista, Mao Tsetung permanece nas posições dos chefes da II Internacional, que foram os primeiros a atacar e distorcer a teoria marxista-leninista sobre o crescimento da revolução e a aparecer com a tese da existência de um longo período entre a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista, durante o qual a burguesia desenvolve o capitalismo e cria as condições para a passagem à revolução proletária. Eles encaravam a transformação da revolução democrático-burguesa em revolução socialista, sem permitir que o capitalismo se desenvolvesse ulteriormente, como algo impossível, como queimar etapas. Mao Tsetung atém-se por completo a essa concepção quando diz: "Seria ilusão completamente vã tentar construir uma sociedade socialista sobre as ruínas da ordem colonial, semicolonial e semifeudal, não se dispondo de um Estado unificado de nova democracia... sem desenvolvimento do setor capitalista privado". (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. IV, pg. 366).
As concepções antimarxistas do "pensamento Mao Tsetung" sobre a revolução ficam ainda mais claras no tratamento que Mao dispensou às forças motrizes da revolução. Mao Tsetung não reconhecia o papel hegemônico do proletariado. Lênin disse que no período do imperialismo a direção deve caber ao proletariado em toda revolução, portanto na revolução democrática, na revolução antiimperialista de libertação nacional e na revolução socialista. Já Mao Tsetung, embora falasse do papel do proletariado, na prática subestimava sua hegemonia na revolução e enaltecia o papel do campesinato Mao Tsetung disse que "...a luta atual contra os ocupantes japoneses, é, no essencial, uma luta camponesa. Na essência, a ordem política de nova democracia significa entregar o poder aos camponeses" (Mao Tsetung Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. III, pgs. 177-178).
Mao Tsetung exprimiu essa teoria pequeno-burguesa na tese global de que "o campo deve cercar as cidades", "...o campo revolucionário - dizia ele - pode cercar as cidades... O trabalho no campo deve jogar o papel principal no movimento revolucionário chinês, enquanto o trabalho na cidade um papel de segunda ordem" (Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. IV págs. 257-259). Mao também refletiu essa idéia quando escreveu sobre o papel do campesinato no poder. Disse que todos os partidos e demais forças políticas devem se submeter ao campesinato e a suas concepções. ".. .Várias centenas de milhões de camponeses hão de levantar-se como um poderoso furação, uma tempestade, uma força tão vertiginosa e violenta que nenhum poder poderá deter... Todos os partidos e grupos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelos camponeses, sendo aceitos ou rejeitados" ( Mao Tsetung, Obras Escolhidas, ed. albanesa, vol. I págs. 27-28). Segundo Mao, pertenceria ao campesinato, e não à classe operária a hegemonia na revolução.
Mao Tsetung também professou a tese sobre a hegemonia do campesinato na revolução como caminho da revolução mundial. Aí reside a fonte da concepção antimarxista que considera o chamado terceiro mundo, também denominado na literatura política chinesa "o campo mundial", como principal força motriz para a transformação da sociedade atual". Segundo os pontos de vista chineses, o proletariado é uma força social de segunda categoria, incapaz de desempenhar o papel previsto por Marx e Lênin na luta contra o capitalismo e na vitória da revolução, em aliança com todas as forças oprimidas pelo capital.
A pequena e média burguesia predominou na revolução chinesa. Foi essa vasta camada pequeno-burguesa que influenciou em todo o desenvolvimento da China.
Mao Tsetung não se baseava na teoria marxista-leninista, que ensina-nos que o campesinato, a pequena burguesia em geral, é vacilante. Naturalmente, o campesinato pobre e médio joga um papel importante na revolução e deve tornar-se um íntimo aliado do proletariado. Mas a classe camponesa, a pequena burguesia, não pode dirigir o proletariado na revolução. Pensar e pregar o contrário significa opor-se ao marxismo-leninismo. Aí reside outra das principais fontes dos pontos de vista antimarxistas de Mao Tsetung, que influenciaram negativamente toda a revolução chinesa.
Inclusão | 03/11/2005 |
Última alteração | 14/04/2014 |