O Que é um “Jornal de Massas”?

Leon Trotsky

30 de Novembro de 1935


Publicado originalmente em: A Crise da Seção Francesa (1935-36)
Fonte:
Reagrupamento Revolucionário
Transcrição: David Walters

HTML: Fernando A. S. Araújo.


Aos membros do Grupo Bolchevique-Leninista [partidários da Quarta Internacional na França]: 

Eu acabei de saber que minha carta ao Secretariado Político sobre o novo “jornal de massas” [“Giro para as Massas!”] foi lida para a assembleia geral. Eu só posso ficar feliz caso ela tenha sido bem sucedida em esclarecer um pouco a situação. Eu me dirigi primariamente ao Secretariado Político na esperança de que a questão poderia ser resolvida sem uma nova discussão sobre os fundamentos decididos na última conferência nacional. Mas aconteceu que os impulsionadores de La Commune [o autoaclamado “jornal de massas” organizado por Pierre Frank e Raymond Molinier], depois de terem preparado sua empreitada fora da organização, e de fato contra ambas as organizações nacional e internacional, decidiram provocar uma discussão depois do fato consumado. Nessas circunstâncias, talvez fosse de algum valor que eu expandisse de maneira mais precisa as críticas e sugestões contidas em minha carta ao Secretariado Político. 

1. O que é um “jornal de massas”? A pergunta não é nova. Pode-se dizer que toda a história do movimento revolucionário tem sido perpassada por discussões sobre o “jornal de massas”. É o dever elementar da organização revolucionária tornar o seu jornal político o mais acessível possível para as massas. Essa tarefa não pode ser efetivamente resolvida exceto em função do crescimento da organização e de seus quadros, que devem pavimentar o caminho para as massas pelo jornal – já que não basta, é claro, chamar uma publicação de “jornal de massas” para que as massas realmente o aceitem.

Mas, muito frequentemente, a impaciência revolucionária (que facilmente se transforma em impaciência oportunista) leva à seguinte conclusão: as massas não vem até nós porque nossas ideias são complicadas demais e nossas palavras de ordem avançadas demais – ou seja, deve-se jogar fora alguns entulhos. Basicamente, isso significa: nossas palavras de ordem devem corresponder não à situação objetiva, não à relação de classes analisada pelo método marxista, mas a observações subjetivas (e extremamente superficiais e inadequadas) sobre o que as “massas” podem e não podem aceitar. Mas quais massas? A massa não é homogênea. Ela se desenvolve. Ela sente a pressão dos eventos. Ela aceitará amanhã o que não aceita hoje. Nossos quadros vão desbravar o caminho com crescente sucesso para nossas ideias e palavras de ordem, as quais vão se mostrar corretas porque são confirmadas pela marcha dos eventos e não por observações subjetivas e pessoais. 

2. Um jornal de massas se distingue de uma publicação teórica ou de uma revista de quadros não pelas palavras de ordem, mas pela maneira com a qual são apresentadas. A revista de quadros elabora para seus leitores todas as etapas da análise marxista. O jornal de massas apresenta apenas seus resultados, baseando-se ao mesmo tempo na experiência imediata das próprias massas. É muito mais difícil escrever de forma marxista para as massas do que escrever para os quadros.

3. Vamos supor por um momento que o GBL [Grupo Bolchevique-Leninista] consentisse em “simplificar” nosso programa, renunciando às palavras de ordem do novo partido e da Quarta Internacional, renunciando às criticas implacáveis aos socialpatriotas (chamando-os pelo nome), renunciando às críticas sistemáticas contra a Esquerda Revolucionária e especialmente de [seu dirigente Marceau] Pivert. Eu não sei se um jornal como esse se tornaria, com a ajuda de uma varinha mágica, um jornal de massas. Eu duvido. Mas ele iria certamente se tornar um jornal partidário do SAP [grupo centrista alemão] ou de Pivert. A essência da corrente de Pivert é precisamente essa: aceitar as palavras de ordem “revolucionárias”, mas não retirar delas as conclusões necessárias, que são um rompimento com Blum e Zyromsky [dirigentes da socialdemocracia francesa], a criação de um novo partido e de uma nova Internacional. Sem isso, todas as palavras de ordem “revolucionárias” se tornam nulas e vazias. No presente estágio, a agitação de Pivert é um tipo de ópio para os trabalhadores revolucionários. Pivert quer ensinar-lhes que alguém pode ser a favor da luta revolucionária, da “ação revolucionária” (pegando emprestada uma frase muito em voga) e, ao mesmo tempo, permanecer em bons termos com a escória chauvinista. Tudo depende do seu tom, percebe? É o tom que faz a música. Se o tigre rosnasse o som de um pinguim, todo o mundo ficaria encantado. Mas nós, com nossa linguagem rude, devemos dizer que os líderes da Esquerda Revolucionária estão desmoralizando e prostituindo a consciência revolucionária.

Eu lhes pergunto: se vocês renunciassem às palavras de ordem que são ditadas pela situação objetiva, e que constituem a própria essência do nosso programa, em que nos distinguiríamos dos seguidores de Pivert? Em nada. Seríamos apenas pivertistas de segunda-mão. Mas se as “massas” tivessem que decidir entre os pivertistas, elas prefeririam os de primeira-mão aos de segunda. 

4. Eu vou tomar o apelo impresso em “La Commune – órgão de ação (?) revolucionária (?)”. Esse documento nos provê uma demonstração impressionante (não planejada por seus autores) de algumas das ideias expressadas acima. “La Commune vai falar a linguagem das fábricas e dos campos. Ele vai falar da miséria que lá reina; ele vai expressar suas paixões e sua inflamação para a revolta”.

Esta é uma intenção bem eloquente, embora as massas conheçam perfeitamente bem sua miséria e seus sentimentos de revolta (que são contidos pelo aparato patriótico que tem a ajuda dos pivertistas). O que as massas podem exigir de um jornal é um programa claro e uma orientação correta. Mas precisamente sobre essa questão o apelo é inteiramente silencioso. Por quê? Porque ele quer conciliar mais do que expressar. Ele aceita a receita (centrista) do SAP: ao buscar a linha de menor resistência, não dizer o que é do que é. O programa da Quarta Internacional? Isso é para “nós”, para os sabichões da liderança. E as massas? E quanto às massas? Elas podem se contentar com um quarto, ou mesmo um décimo do programa. A essa mentalidade nós chamamos de elitismo, de um tipo ao mesmo tempo oportunista e aventureiro. É uma atitude bastante perigosa, camaradas. Não é a atitude de um marxista.

Nós encontramos no apelo, depois da frase citada, uma grande quantidade de reminiscências históricas: “É aos filhos e netos da Croix-Rousse [cidade de um levante operário em 1831], àqueles que levantaram as barricadas de junho de 1848, aos comunardos de 1871, que La Commune fala”, etc. (seguido de uma retorica típica de uma Madeleine Paz). Eu não sei, honestamente, se as massas em revolta precisam de reminiscências literárias e uma retórica oca disfarçados de programa.

Mas é aí que a parte mais importante começa: “La Commune não vai se misturar à multiplicidade de tendências no movimento dos trabalhadores”. Que desprezo soberano pela “multiplicidade” de tendências existentes! O que isso significa? Se todas as tendências são erradas ou insuficientes, então os trabalhadores devem ser ensinados a distinguir entre elas. As massas devem ser chamadas a se juntar à corrente correta para combater as falsas. Mas não, os impulsionadores de La Commune, de certa forma como [o romancista pacifista] Roman Rolland, colocam-se “acima da batalha”. Tal procedimento é absolutamente indigno de marxistas.

Depois disso, uma quantidade grande de nomes é proclamada com o objetivo de especificar, ainda que não muito, o caráter completamente vago do novo jornal. Eu retiro o meu próprio nome, que La Commune reivindica sem a menor justificativa. Estando entre os vivos, eu posso ao menos me defender. Mas e os demais, nossos naturais professores, os verdadeiros líderes do socialismo revolucionário? Infelizmente, eles estão indefesos. O apelo traz os nomes de Marx e Blanqui. O que isso significa? Eles querem criar uma nova “síntese” entre marxismo e blanquismo? Como irão as massas se desembaraçar da combinação desses dois nomes? Um pouco adiante, encontramos Lenin. Mas os stalinistas também o reivindicam. Se vocês não explicarem às massas que vocês são contra a tendência stalinista, eles irão preferir L’Humanité [jornal dos stalinistas franceses] a La Commune. Essa combinação de nomes não explica nada. Ela só aumenta e aprofunda a ambiguidade.

E aqui está o ponto mais alto: “La Commune é lançada por militantes que pertencem a várias tendências com o objetivo de trazer à tona o surgimento de um grande exército de comunardos”. O que isso significa, esse bando desconhecido de “várias tendências” anônimas, indeterminadas? Quais tendências estão envolvidas? Por que elas (ainda desconhecidas) estão agrupadas fora e contra as outras tendências? O propósito de criar um “grande exército de comunardos” é eloquente. Mas é necessário não esquecer que esse exército, uma vez criado (1871), sofreu uma terrível catástrofe porque àquele magnífico exército faltava um programa e uma liderança.

A conclusão: o apelo poderia ter sido escrito por Marceau Pivert (em colaboração com Madeleine Paz) exceto por um ponto – o nome do autor das linhas. Mas quanto a mim, eu repito, eu me oponho implacavelmente a esse apelo equivocado e antimarxista. 

5. A aderência do GBL à SFIO [Seção Francesa da Internacional Operária, socialdemocrata] provou-se absolutamente correta. Foi um passo adiante. O Congresso de Mulhouse foi o ponto mais alto da influência bolchevique-leninista na SFIO. Era necessário entender que o limite das possibilidades dentro do Partido Socialista estava sendo atingido (ao menos para os adultos). Era necessário utilizar a autoridade recém-ganha para influenciar elementos novos e virgens para fora do Partido Socialista, cuja composição social é terrível. Foi essa sugestão que eu expressei em uma carta publicada em um boletim interno do GBL (No. 6, carta de 10 de junho), e que eu recomendo aos camaradas que seja relida em conexão com a presente carta. Passando por Paris [a caminho da Noruega], eu encontrei vários camaradas, especialmente alguns dos futuros promotores de La Commune, que estavam em forte oposição à ideia de uma nova linha. Esses camaradas adquiriram um gosto pela sua atividade nos círculos reformistas e centristas e esperavam ser capazes de progredir mais e mais. Isso foi um erro. Tempo e força foram desperdiçados sem frutos, ao invés de se disputar a juventude, cuja orientação era mais correta porque se dirigida aos trabalhadores jovens fora do Partido Socialista.

Então vieram as expulsões [dos trotskistas e de outras correntes] de Lille. Eu, por minha parte, considerei-as um ato de libertação, porque elas expressaram a realidade: a impossibilidade de atividades futuras frutíferas nas colunas da SFIO, especialmente com a aproximação da guerra e a fusão com os stalinistas. Parecia que o fato das expulsões havia sido tão eloquente que nos pouparia a necessidade de qualquer discussão sobre qual rumo tomar. Era necessário abrir uma ofensiva contra os que nos expulsaram, não como “divisionistas” (essa é a ladainha de Pivert), mas primariamente como os valetes do imperialismo francês. Era necessário ao mesmo tempo criticar Pivert abertamente, já que ele havia tomado o lugar de Zyromsky em encobrir a ala esquerda da Frente Popular. Era necessário desenvolver um programa de comitês de ação, para se opor à colaboração com  os [liberais burgueses] Radicais, e proclamar abertamente a necessidade de preparar um novo partido para salvar o proletariado e a sua geração mais jovem. Ao invés disso, o grupo Commune buscou acima de tudo as simpatias da Esquerda Revolucionária através de manobras pessoais, por combinações íntimas e acima de tudo através da abdicação das nossas palavras de ordem e das nossas críticas aos centristas. Marceau Pivert declarou a dois ou três meses atrás que a luta contra o “trotskismo” era o sinal de uma tendência reacionária. Mas agora ele próprio, levado pelas pessoas do SAP, representa essa tendência reacionária. A Esquerda Revolucionária se tornou o obstáculo mais imediato e mais nocivo ao desenvolvimento de uma vanguarda revolucionária. Isso é o que deve ser dito abertamente e em todo lugar, ou seja, especialmente em um jornal de massas. Mas o grupo Commune foi tão longe em seu romance com os Pivertistas, que somos forçados a perguntar se esses camaradas ainda estão conosco ou se eles passaram para as posições centristas. Isso é o que se consegue quando se joga os princípios na bagagem e se adapta mais tempo do que é necessário ao aparato reformista e aos valetes centristas. 

6. Nós podemos perguntar: e Révolution? Também não é o jornal de nossa tendência. Entretanto, nós participamos nele. Isso é correto, mas Révolution é o jornal de uma organização que todo o mundo conhece – os Jovens Socialistas. O jornal é liderado por duas tendências que estão se aproximando e que devem inevitavelmente fundir. O caráter progressivo da Juventude Socialista Revolucionária é determinado precisamente por esse fato: que eles estão girando em direção aos bolcheviques-leninistas, e não em direção à Esquerda Revolucionária. (A aderência episódica do camarada Zeller à Esquerda Revolucionária, depois de tudo que aconteceu, foi um erro cuja responsabilidade deve ser compartilhada com o grupo Commune). 

Révolution é um jornal com vida e em movimento, que pode se tornar o jornal da juventude proletária. Para cumprir essa tarefa, entretanto, Révolution não deve cair nas sombras da confusão de La Commune, mas sim concretizar a sua posição – ou seja, aceitar definitivamente as palavras de ordem dos Bolcheviques-Leninistas. 

7. La Verité [“A Verdade”, o projeto de jornal dos trotskistas franceses] é uma absoluta necessidade. Mas ele deve se libertar das influências centristas que resultaram no apelo do La Commune. La Verité deve estabelecer o seu caráter intransigente de luta. O alvo mais importante das suas críticas deve ser a corrente de Pivert, que é oposta ao leninismo e assim tornou-se, por sua própria caracterização, uma tendência reacionária. 

8. Eu não quero analisar nesta carta os métodos extraordinários empregados pelo grupo Commune em relação à sua própria tendência nacional e internacional. É uma questão muito importante, no entanto secundária em comparação com a questão do programa e da bandeira.

Eu acredito, caros camaradas, que vocês tem as melhores oportunidades diante de vocês. Vocês vão finalmente colher os frutos dos seus esforços até agora, mas sob uma condição: que vocês não permitam uma confusão de tendências, de ideias ou de bandeiras; que vocês pratiquem a intransigência leninista mais do que nunca e orientem-se aberta e vigorosamente em direção ao novo partido e à Quarta Internacional.


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Inclusão 01/10/2013