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Trotski — Tomo nota com satisfação da declaração do camarada Ordjonikidzé, segundo a qual em sua opinião, como na minha, o burocratismo aumentou durante este último ano. O eixo da questão não está simplesmente no número de funcionários, mas no regime, no curso político, na maneira dos dirigentes abordarem os dirigidos. Numa reunião confidencial de militantes duma secção, durante a qual o secretário do Comitê, Iakovlev fez uma exposição fraccional contra a oposição, uma operária tomou a palavra e exprimiu-se mais ou menos nestes termos: «Tudo isso é mui justo; é preciso controlar a oposição, mas o mal é que, quando vem ao Comitê de secção um indivíduo bem vestido é recebido de seguida, enquanto que uma obreira, mais modesta, menos bem vestida, tem de esperar longo tempo na "antecâmara"». Estas são as declarações duma operária, membro do Comitê de secção. Estas expressões são cada vez mais freqüentes, e significam não só que se tem acrescentado o número de burocratas, mas que os meios dirigentes se integram a cada vez mais nas camadas sociais superiores da sociedade soviética post-NEP; que se criaram duas categorias, duas formas de vida, dous géneros de costumes, dous tipos de relações, ou, para dizer tudo, que se instituíram os elementos duma dualidade nas condições de existência que, a continuarem a desenvolver-se, podem tornar-se numa dualidade de poder político. Ora: uma dualidade de poder político pode ser já uma ameaça directa à ditadura do proletariado. Uma considerável camada social de pessoas das cidades, pertencentes aos meios soviéticos e do Partido vive, até as três da tarde, como funcionários; depois das três, como simples particulares, criticam o Comitê Central do Partido e, às quartas-feiras(7*), depois das seis horas, condenam a oposição qualificando-a de tendências cépticas.
Este tipo de membro do Partido lembra o funcionário czarista que, em particular, predicava as teorias de Darwin, mas que, em caso de necessidade, apresentava um certificado de comunhão.
O camarada Ordjonikidzé propõe-nos que o ajudemos a luitar contra o burocratismo. Nesse caso, porque expulsais os oposicionistas das suas incumbências? Afirmo que a esmagadora maioria dos oposicionistas é afastada dos seus cargos não por má execução do seu trabalho ou por não observarem as directivas do Comitê Central, mas como correctivo polas suas convicções oposicionistas. São exonerados por delito de «trotskismo».
Gostaria, ao menos por uma vez, embora brevemente, de falar do «trotskismo», quer dizer, da mentira que corrompe à minha biografia política, sobretudo na boca e na pena de Iaroslavski, que assiste a estes debates na qualidade de juiz, e dos seus pares. Já disse um milheiro de vezes, e todos os velhos membros do Partido o sabem que, às vezes, combati Lenine e o Partido Bolchevique, em questões muito importantes. Mas não fui menchevique jamais. Se se concebe o menchevismo como uma linha política de classe — e só assim deve ser concebido — nunca fui menchevique. Rompi em meados de 1904 no campo da organização como na esfera política, com o que devia ser mais tarde o menchevismo, isto é, desde o momento em que se tornou menchevismo, desde que começou a constituir uma tendência política. Rompi com ele sobre o problema das relações com a burguesia liberal, após o artigo de Vera Zassulitch e o artigo de Axelrod com o seu plano de apoio aos liberais provinciais, etc. Nunca estive de acordo com o menchevismo sobre o papel a desempenhar as classes na Revolução. E esta era a questão fundamental. Os Iaroslavski enganam o Partido e a Internacional quanto aos factos, não só dos últimos dez anos, mas ainda dum passado mais longínquo, quando me encontrava fora das duas fracções essenciais da social-democracia de então.
O Congresso bolchevique de Maio de 1905 adoptou uma resolução sobre a insurreição e o Governo provisório. O camarada Krassine propôs uma longa emenda a este respeito, na verdade toda uma resolução, da qual Lenine fez os maiores louvores. Esta resolução foi escrita inteiramente por mim em Petrogrado e publicada por Krassine (tenho a prova disso numa carta que me escreveu Krassine no decorrer duma das sessões do Congresso). A parte essencial — consultem-se as actas — da principal resolução do primeiro Congresso do Partido Bolchevique sobre a insurreição e o Governo provisório foi escrita por mim, e disso sinto-me orgulhoso. Podem os meus críticos apresentar algo de semelhante no seu activo?
Em 1905, vários manifestos publicados em Baku numa tipografia bolchevique clandestina foram redigidos por mim, nomeadamente um manifesto aos lavradores sobre o 3 de Janeiro, outro sobre a legislação agrária do governo czarista, etc. Em 1906, no mês de Novembro, a Novaïa Jizn, dirigida por Lenine, solidarizou-se com os meus artigos publicados no Natchalo sobre o carácter da nossa resolução.
Ordjonikidzé — Todavia, estava no Natchalo e não na Novaïa Jizn.
Trotski — Parece esquecer você que o Comitê Central bolchevique, com Lenine à cabeça, tinha justo nesse momento votado, por unanimidade, uma resolução de união dos bolcheviques com os mencheviques. De resto, algumas semanas depois, o Natchalo fundia-se com a Novaïa Jizn que, em diversas ocasiões, fez calorosos elogios dos meus artigos. Estava-se no período das tendências de unidade. Esquece-se de dizer que em 1905, no Soviete, trabalhei ombro a ombro com os bolcheviques. Esquece-se de dizer que, em 1906, Lenine publicou na Novaïa Jizn o meu folheto: «A Nossa Táctica», que definia as nossas relações com os campesinos na Revolução. Esquece-se de dizer que no Congresso de Londres, em 1907, Lenine aprovou a minha posição em relação à burguesia e aos lavradores. Podo firmar que os meus desacordos nunca ultrapassaram os de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, nas questões em que estiveram em divergência com Lenine. E que alguém se atreva a dizer que eles eram mencheviques.(8*)
Eu não era bolchevique daquela. Mas nunca me permiti erros tão desmedidos como a manutenção do Comitê anglo-russo ou a subordinação do Partido Comunista chinês ao Kuomintang.
Krivov — E a plataforma de Viena?
Trotski — Quer referir-se você ao bloco de Agosto de 1912?
Krivov — Sim.
Trotski — Isso foi o fruto duma intenção conciliadora. Eu não tinha abandonado ainda a esperança duma possível união dos bolcheviques com os mencheviques. Mas esquecei-vos que vós próprios, Iaroslavski, Ordjonikidzé e outros, faziam parte, no início de 1917 — não em 1912; em 1917! — de organizações semelhantes às dos mencheviques. A conferência de Viena foi uma das múltiplas tentativas de conciliação. Não pensava de nenhuma maneira, fazer bloco com os mencheviques contra os bolcheviques. Ainda mantinha a esperança duma reconciliação dos bolcheviques com os mencheviques e esforcei-me para uni-los. Como sempre, Lenine não aceitou esta unidade fictícia. Por efeito desta tentativa conciliadora, encontrei-me formalmente no bloco menchevique. Mas comecei logo, mesmo no dia seguinte, a combater os mencheviques, e quando da declaração de guerra, éramos já inimigos irredutíveis. No entanto, nessa mesma época, Estaline não passava dum vulgar conciliador, até nos momentos mais graves. Em 1911, Estaline qualificou a luita de Lenine e de Martov de «tempestade num copo de água». Eis o que escrevia um membro do Partido Bolchevique! Em 1917, Estaline apoiava a união com Tseretelli. Em 1926, Estaline é a favor do bloco com Purcell, Tchang Kai Chek, Wang Tin Wei. Os meus erros nada são em comparação com estes últimos. A minha actividade de 1914 a 1917, isto é, durante a guerra, foi impiedosamente deformada pola leviana mão de Kussinen — esse social-democrata puro sangue —, por aqueles que então eram patriotas ou kautskistas. Lembro ter escrito no início da guerra um folheto: A guerra e a Internacional, a propósito do qual, Zinoviev, que não estava nem podia estar muito inclinado ao meu favor, diz que as questões estavam postas com exactidão em tudo o que era essencial.
Chklovski— Isso era em 1914!
Trotski — Exactamente. Em 1914. Este folheto tornou-se a arma dos elementos de extrema-esquerda na Alemanha, na Áustria, na Suíça. Era eu um internacionalista revolucionário, ao léu não ser bolchevique. Militei na França com um grupo de camaradas socialistas e sindicalistas, que aderiram depois à Internacional Comunista, e que fizeram do número dos seus fundadores. Fui expulso da França por internacionalista revolucionário. Fui expulso da Espanha polo mesmo motivo. Em Nova Iorque, militei no Novi Mir com Volodarski e Bukharine. Em Fevereiro-Março de 1917, publiquei artigos no Novi Mir no mesmo sentido dos que Lenine escrevia em Genebra nessa mesma altura, precisamente quando os artigos «Não há que se apressar demasiado, camaradas», ao passo que os artigos de Estaline no Pravda eram os dum semi-menchevique e um semi-partidário da guerra até ao fim. No Canadá, no campo de concentração de Amherst organizei os marinheiros alemães partidários de Liebknecht que, mais tarde, batalharam ao lado dos espartaquistas.(9*)
Ordjonikidzé — Restam-lhe quatro minutos, camarada Trotski.
Trotski — Ainda não abordei a resposta à pergunta que me foi feita sobre o «crepúsculo» da nossa Revolução.
Ordjonikidzé — Por que razão se deteve tanto tempo na sua biografia?
Trotski — Penso que um acusado tem o direito de falar da sua biografia e que não cabe de nenhuma das maneiras limitarem-lhe o presidente o tempo de palavra. De resto, não fui eu o primeiro em levantar a disputa sobre a minha biografia. Nem mesmo me tinha ocorrido ao espírito. Mesmo sem isso, as questões abundam. Mas a fracção estalinista substituiu toda argumentação política pola minha biografia. Respondo opondo às mentiras factos irrefutáveis. Peço ao Presidium a concessão de quinze minutos para que poda responder sobre o ulterior destino da nossa Revolução.
Ordjonikidzé — Termine primeiro os quatro minutos que lhe restam, depois encararemos a questão de saber se pode continuar.
Trotski — Ordjonikidzé censurou-me pola analogia que fizera com a Revolução Francesa; não se deveria falar de prisões, de guilhotina, de perspectivas, de crepúsculos, etc. É uma superstição: nenhuns efeitos aí terão as palavras. Si o terão os factos, os actos, a falsa política. No entanto devo dizer que se a questão foi apresentada não o foi, de maneira nenhuma, pola minha iniciativa. Apoiei-me nas palavras de Soltz, que me deram a oportunidade de oferecer o problema das diversas etapas da Revolução, das vagas ascendentes e descendentes, do provisório e do definitivo. O provisório e o definitivo — todo reside aí, camarada Ordjonikidzé —. Antes de me deter sobre este ponto devo dizer que em todas as células se preparam as «deduções» ulteriores, seguindo a linha que vós, precisamente, camarada Ordjonikidzé, tão facilmente desviais com um gesto burocrático: a linha de amputações e repressão. Acentuo: tão facilmente, com um gesto burocrático, fechando os olhos sobre o que se passa no Partido e acima dele. Em todas as células, os oradores, especialmente preparados, põem a questão da oposição de tal modo que um obreiro se levanta, geralmente por ordem prévia, e declara: «Por que razão arrastam tanto o caso destes? Não é mais que tempo de fuzilá-los?» Com um ar modesto e hipócrita o orador objecta: «Não devemos ir céleres, camaradas». Isto faz parte agora da vida ordinária do Partido. O problema é sempre posto sem o conhecimento da oposição, e vai acompanhada de insinuações, de sujas alusões, de grosseiras deformações, desonestas, essencialmente estalinistas, quanto à plataforma da oposição e à biografia revolucionária dos oposicionistas, que são representados como inimigos da Revolução, como inimigos do Partido; tudo isso para provocar nos ouvintes, nos jovens membros, completamente novos, com que se encheram artificialmente as fileiras do Partido, uma reação violenta e para poder dizer em seguida: «Reparem, nós estaríamos prontos a pacientar, mas as massas exigem-no». Trata-se duma estratégia bem estalinista. Sois vós próprios os organizadores desta campanha; e quando começam a sentir-lhe os efeitos, dizem: «Nada aqui podemos fazer; O Partido exige-o imperiosamente».
A segunda censura que me fez o camarada Ordjonikidzé é uma censura política de carácter mais geral. Opina que a minha comparação com a Revolução Francesa trai o meu pessimismo. «Trotski pensa que a Revolução está perdida!». Se eu suspeitasse que a Revolução estivesse perdida, que interesse teria em conbater-vos? Nesta ordem de idéias, não conseguireis que os dous extremos se toquem. Se não acreditasse na edificação do socialismo, como vós dizeis, porque razão viria propor-vos a «pilhagem do mujik», como ainda também pretendeis, a menos que não seja por hostilidade pessoal contra ele? Se não cresse na Revolução não combateria por ela, o melhor seria então seguir a corrente. Peço-lhes procurem reparar nisso. Quem quer que acredite que a Revolução está perdida nom se lança na batalha. Mais uma vez, camaradas, não conseguis que os dous extremos se toquem. A Revolução de Outubro não está perdida; não o disse nunca pola bem singela razão de que não o penso. Mas disse que se «pode» perder a Revolução de Outubro se para isso se trabalha a sério, e neste sentido tendes já feito algum progresso. Nesta questão, camarada Ordjonikidzé, a sua forma de raciocinar não é dialéctica, mas mecânica, pois ignora a luita das forças vivas, a questão do Partido, e está impregnada duma ponta à outra de fatalismo. Opondes vós o optimismo ao pessimismo como se tratasse de duas categorias fixas, independentes das condições e da política. Segundo vós, apenas se pode ser «optimista» ou «pessimista», isto é, acreditar que ou a Revolução está completamente perdida, ou que não perecerá quaisquer que sejam as condições e o quer que seja que façamos. Num sentido ou noutro, a vossa idéia é falsa. Talvez a Revolução não atravessou já altos e baixos? Não existiu um imenso movimento de ascenso revolucionário no período da Revolução de Outubro, e não estivemos presos por um cabelo no momento de Brest-Litovsk? Lembrai do que dizia Lenine quando luitava contra os comunistas de esquerda: que é muito difícil conduzir o automóvel em período revolucionário porque se é constantemente obrigado a proceder bruscas viragens. Brest-Litovsk foi um recuo. Vinda após a revolta de Cronstadt, a NEP foi-o também. Cada vaga de recuo não engendra, por sua vez, tendências oportunistas? Quando esses movimentos de retrocesso da Revolução se prolongam um ano, dous anos, três anos, é evidente que a depressão moral da massa do Partido, se torna ainda mais profunda. Camarada Ordjonikidzé, você é caucasiano e sabe que o caminho que conduz ao cimo da montanha não segue uma linha recta, mas sim com reviravoltas e aos ziguezagues, e que com freqüência se é obrigado, após atingir uma verea encosta, a descer duas ou três verstas para recomeçar a subir depois, porque o caminho conduz, apesar de tudo, ao cimo. Obrigado a descer um pouco, devo saber que o caminho faz uma volta para, depois, retornar a ascensão. Se no nome do meu «optimismo» não tenho em conta estes ziguezagues ascendentes e descendentes, acontecerá que, numa das curvas, o meu automóvel dará um salto no vazio. Digo-vos que, no momento presente, o vosso caminho vai para a direita e que desce. O perigo está em não vos perceberdes disso, isto é, em fechardes os olhos à realidade. E é muito perigoso conduzir na montanha de olhos fechados.
No Outono de 1923 assistimos a um movimento revolucionário grandioso, paralelo ao da Revolução alemã. Após a derrota desta, começou também o refluxo no nosso país. Deste refluxo nasceu a teoria estalinista do socialismo num só país, teoria da degenerescência, que está em contradição absoluta com os fundamentos do Marxismo. Em 1926, durante a Revolução chinesa, presenciamos um vigoroso ressurgimento que coincidiu com a melhoria da nossa situação revolucionária. Depois sucedeu um refluxo mais sensível à derrota da Revolução chinesa. É preciso considerar a curva do movimento histórico em todo a sua acepção concreta. Em 1923 sofremos várias derrotas importantes. Aqueles que se deixaram abater são uns miseráveis poltrões. Mas aqueles que não sabe distinguir o seu pé direito do seu pé esquerdo, o ressurgir da Revolução da sua declinação, são cegos imbecis ou simples burocratas. Durante uma conversa que teve, em Janeiro de 1924, após a derrota, com Brandler, este me disse: «No Outono de 1923, não estava de acordo consigo porque o achava demasiado optimista; agora, é você demasiado pessimista; mais uma vez não posso estar de acordo consigo». Respondim-lhe «Receio, camarada Brandler, que nunca será capaz de fazer uma Revolução, visto nom saber distinguir a face dela do seu reverso».
O camarada Ordjonikidzé considera a vitória ou o fracasso da Revolução fora de toda a relação de dependência com a dialéctica do processo, isto é, com a acção recíproca da nossa política e das condições objectivas. Traça a questão assim: ou a vitória fatal da Revolução ou a sua fatal derrota. Ora, eu digo que se seriamente decidimos enganar-nos podemos perder a Revolução. Mas pretender que o quer que façamos — em relação ao kulak, em relação ao Comitê anglo-russo, em relaçao à Revolução chinesa — em nada é de molde a prejudicar a Revolução, e que esta, de «toda a maneira», deve vencer, é algo que só pode ser sustentado por burocratas indiferentes. E estes últimos são perfeitamente capazes de perder a Revolução.
O que é que diferença a nossa Revolução da Revolução Francesa?
Em primeiro lugar, o fundamento económico e de classe da época. Em França foi a pequena burguesia das cidades que teve o papel dirigente; no nosso país, foi o proletariado. E precisamente por isso a Revolução burguesa pôde transformar-se em Revolução socialista e, como tal, desenvolver-se, topando-se embora com grandes dificuldades e grandes perigos. Esta é a primeira diferença.
A segunda é que a França estava rodeada de nações feudais mais atrasadas do que ela, do ponto de vista económico e cultural. Nós outros, estamos rodeados de países capitalistas mais avançados do que nós em relação à técnica e a produção, com um proletariado mais forte e mais cultivado do que o nosso. Nestes países pode-se esperar a Revolução num porvir relativamente próximo. Isto quer dizer que a situação internacional da nossa Revolução, embora o imperialismo nos seja mortalmente hostil, é, sob um vasto prisma histórico, infinitamente mais favorável que o era em França no fim do século XVIII.
A terceira diferença, por fim, é que nós vivemos na época do imperialismo, época de imensas perturbações internas e internacionais; e é isso, precisamente, que origina esta grande curva revolucionária ascendente na qual se apóia a nossa política. Mas não se deve acreditar que esta «curva» nos fará transpor todas as dificuldades, sejam quais forem as condições. Pensar isso seria um erro. Quem acredita que podemos edificar o socialismo mesmo que o capitalismo consiga esmagar o proletariado durante alguma dezena de anos não compreende o problema. Isso não é «optimismo», mas cegueira nacional-reformista. Só podemos vencer como parte integrante da Revolução mundial. É preciso mantermo-nos até a revolução internacional, mesmo que esta deva ainda manter-se afastada por vários anos. Sob este aspecto, a orientação da nossa política tem uma importância decisiva. Se o nosso curso revolucionário é justo, tornaremos estáveis por vários anos, consolidaremos a Internacional Comunista, avançaremos na via do socialismo, e o resultado será que a Revolução mundial nos arrastará no grandioso fluxo da História.
O principal perigo é a orientação do Partido. Ele afoga a resistência revolucionária. Em que consiste a vossa direcção de direita? Em apostar no camponês abastado e não no obreiro agrícola e no labrego pobre. Inclinai-vos polo burocrata, polo funcionário e não polas massas. Depositais demasiada confiança no aparelho. O apoio mútuo, a segurança recíproca, practicam-se em larga escala e é essa a razão, precisamente, pola qual Ordjonikidzé nem mesmo pode chegar a reduzir o pessoal. O facto de ser independente das massas engendra um sistema de protecção mútua entre os membros do aparelho. E é este aparelho que é considerado como o principal ponto de apoio do poder. No Partido, confia-se no secretário de célula e não no simples membro. Depositais a confiança em Purcell e não no militante de base, não no mineiro revolucionário. Na China, orientai-vos para Chang Kai Chek, para Wang Tin Wei, e não para o proletariado de Xangai, para o coolie(10*) que arrasta ele próprio os seus canhões, ou para o lavrador insurrecto.
Pondes, além disso, a questão da nossa exclusão do Comitê Central. Cada um de nós trabalhará não importa aonde e como simples membro do Partido. Mas isso não poderá resolver a questão. Devereis ir mais longe ainda na via das vossas deduções. A vida obrigar-vos-á a isso... Houvesse sido preferível parar antes e modificar o curso político.
Notas:
(7*) Dia de reunião das células comunistas. (retornar ao texto)
(8*) Atreveram. Numa carta enviada para a revista Proletárskaia Revolutsia (Revolução Proletária) e dada ao lume em 1931 no nº. 6 (113), sob o título: «Sobre algumas questões da história do bolchevismo», Estaline escreve a propósito do carácter e das alianças na Revolução: «À política da aliança da classe operária com os lavradores, preferiam a política de arranjos com a burguesia liberal, e qualificaram a ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos campesinos de esquema reaccionário blanquista [do tradutor: partidário de Louis Blanc, socialista e historiador francês. Foi em 1848 membro do Governo Provisório e Presidente da Comissão de Luxemburgo. Um dos dirigentes da emigração pequeno-burguesa em Londres, a partires desse mesmo ano], em luita com o desenvolvimento da revolução burguesa. Que postura perfilharam a respeito destas discussões os esquerdistas da social-democracia alemã, Parvus e Rosa Luxemburgo? Elevaram um esquema utópico e semi-menchevique da revolução permanente (imagem deformada do esquema Marxista da revolução) penetrado até o miolo pola negação menchevique da aliança entre a classe obreira e os lavradores, e confrontaram-no ao esquema bolchevique da ditadura democrática revolucionária do proletariado e dos campesinos. Depois, este esquema semi-menchevique da revolução permanente foi adoptado por Trotski (e em parte por Martov) e convertido na arma de luita contra o leninismo». Estaline, Obras. Vol. XIII, p. 96. [a cursiva da citação é do tradutor].
E na carta "Ao camarada Aristov" a 25 de Janeiro de 1932, Estaline, Obras. Vol. XIII, págs. 138-139: «... a teoria da revolução «permanente» idearam-na Rosa Luxemburgo e Parvus. E isso pertence também à verdade histórica. Não fora Trotski, mas Rosa Luxemburgo e Parvus os que inventaram a teoria da revolução «permanente», Não foi Rosa Luxemburgo, embora Parvus e Trotski os que propugnaram em 1905 a teoria da revolução «permanente» e luitaram com toda a vigor por ela contra Lenine.
Depois, Rosa Luxemburgo também luitou intensamente contra do esquema leninista da revolução. Mas, logo de 1905». [a cursiva da citação é de Estaline]. (retornar ao texto)
(9*) Trotski faz alusão à Revolução na Alemanha de 1918. (retornar ao texto)
(10*) Operário da Índia ou da China que trabalha numa colônia. O termo foi empregado por vez primeira em 1598 deformando a palavra Kuliukol, um povo do Guzerat, dando-lhe conteúdo racista. (retornar ao texto)
Inclusão | 25/10/2007 |
Última alteração | 15/12/2010 |