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Primeira Edição: ABC do Marxismo-Leninismo Série A, N° 1, 1976
Fonte: Partido Comunista Português — Organização Regional de Lisboa
Transcrição: Reinaldo Pedreira Cerqueira da Silva
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
O homem conhece-se como membro de uma cadeia de gerações que, vinda do passado, se projecta no futuro. Qual é, porém, a sua origem? Esta questão pôs-se desde sempre ao seu pensamento. Antigamente os homens pensavam descender todos de um Adão original, criado por Deus. Esta concepção foi também sugerida pela posição especial e, pode dizer-se, ímpar, do homem no seio dos seres vivos. Nenhum outro ser vivo, além do homem, se mostra capaz de voar para outros planetas. O homem transformou toda a Terra, sendo indubitavelmente o senhor do reino animal. Esta posição ímpar do homem entre todos os seres vivos levou muitos a duvidarem da origem histórica natural do homem no reino animal, e a aceitarem a origem divina directa do homem. Embora ainda hoje esta seja aceite por muitas pessoas, a ciência da natureza apresentou um grande número de provas de que o homem, apesar da sua posição especial, deriva, por via histórica natural, do reino animal.
Vejamos, em primeiro lugar, qual a posição assumida pelo homem na ordem dos seres vivos.
O homem pertence, no reino animal, ao grupo(1) dos vertebrados. No grupo dos vertebrados o homem pertence à fase superior do desenvolvimento destes, a classe dos mamíferos. Em comum com eles, apresenta glândulas mamárias, sangue quente, ventrículos do coração separados, glóbulos vermelhos sem núcleo, um crânio com dois côndilos occipitais, um diafragma, etc. Os mamíferos estão cobertos de pêlos. O homem tem, é certo, muito menos pêlos que os outros mamíferos, mas no segundo mês do seu desenvolvimento no ventre materno apresenta-se coberto de pelo, que regride no sexto mês de gestação. Mas também aqui são possíveis perturbações de desenvolvimento, e vem então ao mundo um ser humano coberto de pêlos.
Com quem é então o homem mais aparentado na classe dos mamíferos? Só pode ser com os primatas, ou seja, os símios no sentido mais lato. Dentre estes excluem-se logo os prossímios, pois a sua dentição é demasiado especializada.
Aqui há que fazer uma pequena observação sobre o problema da especialização, visto que vamos encontrá-la mais vezes. Especialização significa, neste contexto, que uma espécie viva está bem adaptada às circunstâncias particulares do seu modo de vida. Assim, a toupeira possui membros dianteiros especialmente bem apropriados para escavar. Os membros dianteiros das aves estão, como se sabe, transformados em asas. Outros animais possuem defesas, cornaduras ou presas como armas. Mas uma vez que os órgãos ou membros de uma espécie se tornam tão especializados, estes órgãos deixam de poder desenvolver-se mais. Os biólogos dizem então que se alcançou um estádio final, um beco sem saída no desenvolvimento. A continuação do desenvolvimento de um órgão tão especializado só poderia processar-se após a respectiva involução, e disto não há um único exemplo conhecido. A ciência comprovou que se extinguiram os animais altamente especializados cujas condições de vida foram tão essencialmente alteradas por catástrofes naturais, ou por outras causas, que a sua especialização não lhes permitiu adaptarem-se às novas condições. Os desenvolvimentos superiores no reino animal têm sempre origem em etapas de desenvolvimento pouco especializadas.
Voltemos de novo ao curso da nossa exposição. Nós afirmámos que a dentição dos prossímios era demasiado especializada para os podermos considerar parentes próximos do homem. É entre os verdadeiros símios que temos de procurar os nossos antepassados. Entre eles, a ciência distingue os símios do continente americano (o «novo mundo») e os do velho mundo. Aos símios do novo mundo chama platirríneos (símios de narinas largas) e aos do velho mundo, pelo contrário, catarríneos (símios de narinas estreitas). A denominação deve-se, portanto, ao facto de os macacos do novo mundo terem a divisória nasal larga e os do velho mundo a terem estreita.
Ora, como a divisória nasal humana também é estreita e, além disso, apenas os símios do velho mundo — tal como o homem — possuem trinta e dois dentes (ao passo que os símios do continente americano possuem trinta e seis), só nos interessam, para a continuação do nosso estudo sobre a origem do homem, os símios do velho mundo, e sobretudo os antropóides.
Uma comparação do homem com os antropóides mostra uma grande quantidade de características comuns. Os membros dianteiros são, em ambos os casos, constituídos por uma mão, e não por uma pata, mão que é composta por número igual de ossos dispostos de igual modo e com o polegar oponível aos outros dedos, pelo que aquela pode desempenhar uma função de preensão. Em ambos os casos há cinco dedos perfeitamente formados, tanto nas mãos como nos pés. Em vez de garras, os homens e os antropóides têm unhas lisas. A constituição e a estrutura do cérebro no homem e no chimpanzé, que é o antropóide mais desenvolvido, são muito semelhantes, e a composição química do sangue e a constituição dos grupos sanguíneos, bem como as células seminais, não o são menos. Homem e antropóide têm a característica comum do período mensal de ovulação dos seres femininos. No homem e no antropóide os seios frontais e a dentadura têm igual constituição. De resto, também os antropóides, como o homem, têm uma primeira dentição, denominada de leite, com vinte dentes, e uma segunda, com trinta e dois.
Diferentemente dos outros mamíferos, o homem e o símio tem os olhos voltados para diante, um de cada lado da fronte. Os seus campos de visão interceptam-se. O homem e o símio vêem, portanto, ao contrário dos outros mamíferos, uma única imagem, em vez de duas. Têm uma visão que é, antes de mais, estereoscópica, isto é, espacial, o que é essencial para uma avaliação precisa das distâncias e profundidades e para as operações delicadas necessárias nos processos de trabalho.
Como os homens, também os antropóides não possuem cauda. É certo que se deslocam, de preferência, com os quatro membros no solo, mas também podem andar erectos. É típico do seu modo de andar que gostam de se apoiar, em terra plana, na parte exterior dos dedos dos membros dianteiros. Em consequência disto, as costas das mãos dos símios são cobertas de pêlos apenas até à base dos dedos. Esta particularidade verifica-se também no homem.
Mencionamos aqui uma série de características que só podem ser comuns ao homem e ao antropóide por haver relações de parentesco entre eles. É impossível, em face da regularidade geral dos processos naturais, que tenham surgido por acaso tantas características comuns em espécies não aparentadas de seres vivos. E tal e qual como o cientista inglês Huxley dizia, já em 1863: «as diferenças anatómicas que distinguem o homem do gorila e do chimpanzé não são tão grandes como as que separam o gorila e o chimpanzé dos símios inferiores» (citado por Ernst Haeckel, Freie Wissenschaft-freie Lehre, Leipzig, 1908, p. 41). O parentesco entre o homem e o antropóide é maior do que entre os antropóides e os símios inferiores.
Tudo isto demonstra já que o homem se desenvolveu a partir do reino animal. A origem histórico-natural do homem a partir do reino animal é também comprovada por uma enorme quantidade dos chamados fósseis, que são achados petrificados de esqueletos ou partes de esqueletos.
A vida sobre a Terra apresenta, há centenas de milhões de anos, um desenvolvimento constante e uma diversificação cada vez maior, como podemos verificar com base nos fósseis, cuja idade é determinada com grande precisão. Nos reinos vegetal e animal desaparecem as formas de vida mais antigas, surgindo outras em seu lugar, mais capazes, mais desenvolvidas e mais numerosas. Sem dúvida que se comprova uma ascensão clara do mais simples para o mais complexo, de formas inferiores para formas superiores de vida.
Há cerca de 500 milhões de anos devem ter surgido os primeiros vertebrados. No grupo dos vertebrados existe, há aproximadamente 150 a 200 milhões de anos, a classe dos mamíferos. E, dentro desta classe, os símios, no sentido mais lato do termo, apareceram há aproximadamente 70 milhões de anos. A partir do estádio superior do desenvolvimento dos símios, há um a dois milhões de anos, apareceram os homens e as formas vivas actuais dos antropóides.
Aqui deve notar-se que, se é certo que os antropóides actuais — o gibão, o orangotango, o gorila e o chimpanzé — são aparentados com o homem, não o são todavia em linha directa. Não são eles os antepassados do homem actual. São demasiado especializados para isso. Estão preparados para a vida nas árvores. Por este motivo dispõem de membros anteriores mais compridos e membros posteriores mais curtos do que os do homem. O polegar está atrofiado. O homem e os antropóides actuais têm antepassados comuns, a partir dos quais ambos continuaram a desenvolver-se em direcções diferentes. Devem ser, portanto, considerados, no melhor dos casos, como «primos». Na procura dos antepassados do homem temos, pois, de descobrir formas de «símios» que se encontrem consideravelmente mais perto do homem do que todos os antropóides actuais, e das quais os antropóides e o homem tiveram outrora a sua origem.
Estas formas de antropóides, evidentemente já desaparecidas, foram descobertas no decorrer do século XX. Em conformidade com o local da descoberta, na África meridional, este tipo de símio é denominado Australopithecus (símio do Sul). A julgar pela posição da cabeça e a estrutura da bacia, os australopitecineos deviam caminhar erectos. Isto explica-se pelo facto de a África meridional ser então uma estepe desarborizada e árida. Nesta região não existia vegetação tão luxuriante que permitisse a estes símios do Sul uma alimentação puramente vegetal. Tinham de completar a sua alimentação vegetal com a animal, para não perecerem. A sua dentição, que não mostra as características específicas de um carnívoro nem as de um verdadeiro herbívoro, já apresenta, isso sim, as características de um omnívoro — como o homem. É muito provável que já empregassem como armas de caça, ocasionalmente, muitos objectos encontrados na natureza — pedras e paus ou ossos de esqueletos — , mas ainda não os preparavam como «ferramentas», e, portanto, ainda não trabalhavam. É que a essência do trabalho não é a utilização ocasional de objectos naturais como «armas», mas a sua aplicação sistemática e a sua produção com o objectivo da caça ou de conseguir outros meios de alimentação. Não há, porém, qualquer indicação de que os australopitecíneos tivessem trabalhado esses objectos encontrados. Também não há qualquer indicação de que tivessem utilizado o fogo. Finalmente, estão ausentes aquelas transformações típicas do crânio que surgem acima de ambos os ouvidos dos seres que dominam a linguagem. Por isso se designa este ser, com razão, como antropóide, e não como homem.
O australopiteco e o antropóide de posição erecta (Pithecantropus erectus) que viveu um pouco mais tarde (há 400 000—500 000 anos)(2), caminhavam na posição vertical. Viviam em estepes quase áridas, secas e quentes, onde não encontravam alimentação vegetal suficiente. Eram incapazes, por razões biológicas, de passar ao modo de vida dos animais predadores: não tinham dentição de predadores, nem patas ou cascos, nem garras, nem grande força física. Também não se deslocavam com a rapidez e a resistência suficientes para poderem caçar. Se queriam completar a sua alimentação vegetal, cada vez mais escassa, com a animal, tinham de encontrar uma forma de obtenção de alimentos, aquilo a que hoje chamamos trabalho. Graças a certas precondições biológicas estavam para tal habilitados: moviam-se em posição vertical. Os membros anteriores estavam livres e não eram especializados. Isto era vitalmente necessário. Existem na história dos seres vivos ainda outros animais, além dos nossos antepassados antropóides, que se deslocam na posição vertical, como por exemplo os cangurus ou os extintos sáurios gigantes. Mas os seus membros anteriores, altamente especializados, não se podiam transformar em mãos. Além disso, os nossos antepassados antropóides estavam preparados com uma grande massa cerebral e com a capacidade de visão estereoscópica, para o novo tipo de obtenção de alimentação. O uso ocasional, inconsciente, instintivo e rudimentar de pedras e paus — tal como o encontramos ainda hoje entre os macacos — já eles conheciam, bem como a caça em comum. A partir daqui, e durante um longo período de tempo de milhares de gerações, desenvolveu-se na caça a utilização regular de objectos naturais, de «prolongamentos orgânicos», e desenvolveu-se também, por fim, o trabalho que os preparava para a caça: afiar, aguçar, etc., ou seja, a produção de ferramentas. Com ela nasceu o trabalho, e com ele o homem.
«O trabalho [...] é a primeira condição básica de toda a vida humana — escreveu Engels — e num grau tal que em certo sentido podemos dizer: o trabalho criou o próprio homem.» (Extracto da obra «O papel do trabalho na transformação do macaco em homem», em Dialéctica da Natureza, Berlim, 1952, p. 179)
O primeiro ser em que verificaram o trabalho, a produção de ferramentas, a linguagem (pela já atrás referida transformação do crânio acima dos ouvidos) e o uso do fogo, é o chamado homem de Pequim, que viveu há 300 000 anos, na China. Ele foi, portanto, sem sombra de dúvida, o primeiro homem de que hoje temos conhecimento.
Já deviam ter existido anteriormente formas humanas mais primitivas, que ainda não tinham chegado, por exemplo, ao aproveitamento do fogo, e que ainda não tinham aprendido a fazer o fogo. Tais antropóides, porém, são até hoje desconhecidos. Conhecemos actualmente, de épocas anteriores, apenas o já atrás mencionado «antropóide de locomoção vertical» (Pithecanthropus erectus), que viveu há cerca de 400 000—500 000 anos e que, claramente, já não era um macaco, embora também ainda não fosse um homem. O uso de «ferramentas» por este ser está comprovado, mas não a sua produção.
Depois do aparecimento do atrás referido homem de Pequim prosseguiu o desenvolvimento, passando pelo homem de Neandertal, até ao homem actual.
Há, como vimos, um grande número de provas do desenvolvimento histórico-natural do homem a partir do reino animal. Estas provas foram e são fornecidas pelas mais diversas ciências: por anatomistas, que comparam os esqueletos, pelos químicos, que investigam a composição sanguínea, pelos embriólogos, que estudam o desenvolvimento do ser vivo no ventre materno, pelos paleontólogos, que, com a ajuda dos achados fossilizados, investigam a história dos seres vivos, e ainda por outras ciências. Mas o que é certo é que estes conhecimentos científicos ainda não são um bem comum de todos os homens e instituições.
Para o livro Deus, Homem, Universo (Graz, Viena e Colónia, 1957), sancionado pela mais alta hierarquia eclesiástica, o teólogo Messenger contribuiu com o artigo «A origem do homem segundo o livro do Génesis». Nele apresenta o ponto de vista papal, resumido por Pio XII na publicação «humani generis» (Sobre a origem do homem), segundo o qual não deveria ocultar-se que a teoria da origem não está comprovada. O dogma diz que a primeira mulher foi criada a partir do primeiro homem. Este, por sua vez, foi obra de Deus, e todos os homens têm a sua origem neste primeiro par. Se não tivesse sido assim, então como é que o «pecado original» caiu sobre todos os homens? E se não houvesse qualquer «pecado original», então o «mal» não seria de modo nenhum inexterminável. E então podia mesmo chegar-se a tentar eliminá-lo. E então as pessoas podiam inclinar-se para a concepção de que a exploração, a opressão e a guerra não nascem do «pecado original», mas das relações sociais, da propriedade privada dos meios de produção, da ganância do lucro. Deve notar-se que esta posição é ainda típica dos teólogos conservadores. Mas há também no seio da Igreja Católica forças que, nas suas concepções, têm em devida conta a imagem científica do mundo. (É o que acontece, por exemplo, nos círculos que se apoiam em Teilhard de Chardin.)
O trabalho é uma actividade praticada com um fim em vista no decurso da qual os homens transformam os objectos naturais de acordo com as suas necessidades. Condição necessária para tal fim é a produção de ferramentas. As formigas, as abelhas e os castores executam acções que superficialmente se assemelham à actividade laboral do homem. Os antropóides utilizam não raramente uma pedra ou um pau para arremessar ou bater, para apanhar frutos das árvores ou para quebrar a casca de um coco. Mas nenhum animal jamais produziu uma ferramenta, isto é, nunca nenhum animal modificou um objecto natural a ponto de poder trabalhar consequentemente outros objectos naturais. A produção e a utilização de ferramentas, o trabalho, isto é próprio apenas do homem, é a sua característica essencial. O homem é, como Benjamim Franklin disse uma vez, um animal que produz ferramentas.
O trabalho, característica específica do homem, era, de antemão, uma actividade a realizar colectivamente. Como teriam os nossos mais remotos antepassados podido caçar o poderoso mamute ou o urso gigante, ou a caça ligeira, se não tivessem nos instrumentos de caça um prolongamento dos seus órgãos naturais, instrumentos esses que multiplicavam a sua força e, primeiro que tudo, se não tivessem metido colectivamente mãos a obra? É certo que no reino animal também se verifica esta acção colectiva. A alcateia persegue a sua vítima, os leões caçam em conjunto, etc. Mas a colectividade em que os homens se encontram quando trabalham é doutro tipo. Já é doutro tipo pelo facto de os instrumentos de trabalho, os órgãos artificiais do homem, exigirem relações próprias, darem origem a leis próprias, a leis que não existem na natureza. A caça tem de ser planeada, premeditada, regulada pela correcta utilização das armas.
«Na produção, os homens actuam, não apenas sobre a natureza, mas também uns sobre os outros. Eles produzem apenas na medida em que cooperam de um determinado modo [...]. Para produzirem, estabelecem entre si determinadas relações e condições, e é só dentro deste conjunto de relações e condições sociais que tem lugar a sua acção sobre a natureza, a produção.» [Marx/Engels, Ausgewahlte Werke in 2 Banden (Obras escolhidas em 2 volumes), t. 1, Berlim, 1955, p. 77.]
A horda de macacos transformou-se, pelo trabalho, na sociedade humana.
O trabalho revela-se a fonte da compreensão cada vez maior que o homem tem das conexões naturais. Ao animal, que aceita as coisas naturais como as encontra, que, portanto, se adapta passivamente a elas, estava e está vedada esta compreensão. O homem, tornando-se activo, podia repetir acções, consolidar, corrigir e aprofundar as suas experiências. Descobriu que uma arma para bater cujo extremo livre seja mais grosso ajuda a desenvolver uma força maior. Ou observa que a fricção gera calor, experiência que um dia havia de tornar possível a obtenção do fogo. Começou, apoiado nestas experiências, a reflectir sobre as suas actividades laborais, a planeá-las de antemão. Deste modo, o homem em formação começou a conseguir, por meio do trabalho, o domínio gradual sobre a natureza que directamente o cercava, começou a conhecer: o pensamento humano, o espírito, surgiu da disputa com a natureza, no trabalho.
O trabalho, a acção social do homem sobre a natureza, o pensamento em desenvolvimento, são estas, ao mesmo tempo, as origens da linguagem:
«Por outro lado, a criação do trabalho contribuiu necessariamente para unir mais estreitamente os membros da sociedade, na medida em que multiplicava os casos de auxílio mútuo, de acção conjunta, e tornava clara na consciência a utilidade desta acção para cada um. Em resumo, os homens em formação concluíram que tinham algo a dizer uns aos outros. (Engels, ibidem, p. 182.)
A laringe do macaco estava apta, em certa medida, para a emissão e a articulação de sons. O entendimento deve ter-se realizado originalmente com sons não articulados, dos que ainda hoje podemos ouvir dos antropóides. Mas a pouco e pouco, os homens aprenderam a formar sons articulados, a partir dos quais a linguagem se foi desenvolvendo. A linguagem teve, portanto, origem no trabalho e na necessidade, dele decorrente, do intercâmbio de pensamento entre os homens.
O trabalho não criou apenas, em determinado sentido, o homem; o trabalho é também a base de todos os progressos ulteriores do homem. Do trabalho nasceram a sociedade, o pensamento e a linguagem. Por meio da sociedade multiplicaram-se as forças e conhecimentos dos homens. A partir da caça, a sociedade humana desenvolveu a criação de gado. A par dela surgiram, mais tarde, a agricultura, a fiação e tecelagem, o trabalho dos metais, a olaria e a navegação.
Mais tarde ainda, desenvolveram-se o comércio e os ofícios. Finalmente, surgiram no seio da sociedade humana a arte e a ciência. Das tribos fizeram-se os Estados e as nações.
«Desenvolveram-se o direito e a política, e com eles o reflexo fantástico das coisas humanas na cabeça do homem: a religião. Ante todas estas imagens, que primeiramente se apresentaram como produto do cérebro e que pareciam dominar a sociedade humana, passaram para segundo plano os produtos mais modestos da mão trabalhadora; tanto mais que a cabeça que planeava o trabalho pôde, relativamente cedo no desenvolvimento da sociedade (por exemplo, logo na família simples), mandar executar o trabalho planeado por outras mãos que não as suas. À cabeça, ao desenvolvimento e actividade do cérebro, foi atribuído todo o mérito do rápido progresso da civilização, os homens habituaram-se à concepção de que o que faziam resultava do seu pensamento, e não das suas necessidades (que, no entanto, se reflectem na cabeça, e passam a consciência. [...] (Engels, ibidem, pp. 187-188).
Assim nasceu uma visão do mundo que deu ao espírito o primado sobre a realidade e que, finalmente, chegou ao ponto de proclamar que o espírito criou a natureza, que Deus criou o mundo e os homens. Esta é, como se vê, uma visão do mundo que coloca de pernas para o ar (no sentido mais exacto do termo) a relação que verdadeiramente existe. Pois o pensamento provém do mundo material, do cérebro do homem, e o seu nascimento deve-se ao trabalho deste mesmo homem. O espírito humano surgiu de modo histórico-natural. Além disto, pudemos mostrar que a ciência não precisa de supor um espírito supraterreno, ou extraterreno, para explicar a origem do homem. É também possível mostrar, aliás, que não precisa de supor que exista de algum modo um espírito supraterreno para explicar a origem da vida. Não sendo possível demonstrar a existência de um tal espírito, nem sendo este necessário para explicar o mundo, a sua existência só pode ser uma suposição, uma questão de fé.
Note-se que a referida visão do mundo de pernas para o ar tem as suas raízes, entre outros, no facto de na sociedade de classes a visão do mundo que predomina ser a da classe dominante. E esta não é, efectivamente, a classe trabalhadora, mas a classe exploradora. Por consequência, os ideólogos desta classe menosprezaram e menosprezam o papel do trabalho. De tal modo que o papel do trabalho no processo de formação do homem apenas pôde ser descoberto pelos pensadores da classe trabalhadora — Marx e Engels.
Acabámos, portanto, de ver que o trabalho criou o homem, a sociedade, o pensamento, a linguagem.
Isto tem como consequência que surgiram leis sociais que regem o desenvolvimento da sociedade e que são superiores às leis biológicas. As forças e leis sociais tornam possível ao homem comer tudo o que é comestível e aprender a viver em todos os climas. O homem expandiu-se sobre a Terra, já foi a Lua, e qualquer dia irá aos outros planetas! O homem tornou-se capaz de atenuar progressivamente os efeitos das leis naturais; e conseguiu-o porque interpôs entre o seu corpo e estas leis as suas ferramentas, os instrumentos de produção, as criações do trabalho que são o vestuário, as casas, etc. O facto de o homem conseguir alimentação suficiente em todas as estacões do ano — armazenando-a com segurança — e de se poder aquecer, tem, por exemplo, esta consequência importante: pode gerar e por no mundo crianças em todas as estacões do ano, não tendo assim, como os animais, um período de procriação.
O homem não é obrigado, graças ao trabalho, à vida social em comum, a adaptar-se ao meio ambiente, à natureza, como os outros animais, numa curta sucessão de gerações, nem a especializar-se biologicamente. Nas suas gerações cada vez mais longas, o homem revela adaptações ou especializações somente no que respeita a características não essenciais, como a cor da pele. No essencial, o homem não está adaptado a condições de vida especiais. Pode viver em qualquer lugar onde a vida seja possível. Não se adapta; adapta, isso sim, os seus instrumentos aos fins desejados, especializando-os a eles e não a si.
Deste modo, o homem cada vez mais se eleva acima do modo de vida puramente biológico e animal. Para a vida humana são determinantes as leis sociais, e já não as leis puramente biológicas e animais. São, por isso, erradas todas as doutrinas que vêem e valorizam o homem como simples ser biológico, como ser de determinada raça. Estas doutrinas nunca tocam na essência do homem.
Sintetizemos:
Notas de rodapé:
(1) Rigorosamente falando, os vertebrados constituem um subfilo; no entanto, também se pode empregar o termo grupo, que tem um sentido mais lato. (Nota das Edições «Avante!».) (retornar ao texto)
(2) Actualmente considera-se o pitecantropo já um hominídeo, que se designa por Homo erectus (Nota das Edições «Avante!».) (retornar ao texto)
Inclusão | 23/06/2018 |