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Na lição anterior mostramos o meio artificial que o homem cria no processo de sua adaptação à natureza. O conteúdo, isto é, a definição do meio encontramo-lo na técnica (meio artificial), que é a matéria ou base concreta da vida social. Devemos ver agora qual o valor da técnica em relação à sociedade. Qual o papel de seu desenvolvimento na vida da sociedade e quais as relações entre os homens, no processo da criação dos instrumentos. Mas antes, deter-nos-emos em certos fenômenos ideológicos como a linguagem, por exemplo, que é uma condição pre-estabelecida para o aparecimento da ciência da qual depende a técnica e seu desenvolvimento e que é um dos meios mais importantes e condição preliminar de quaisquer relações entre os homens; veremos então, se estes fenômenos importantes que exercem um papel tão preponderante na evolução da sociedade, não são como tais, o resultado da evolução da técnica, isto é, dos instrumentos de trabalho.
Sabemos que a origem da linguagem está relacionada com o trabalho (trabalho segundo a definição dada na lição anterior); a linguagem segundo ensina a moderna ciência das línguas (teoria de Noiré) surgiu no processo do trabalho — das exclamações e vozes do trabalho, etc. O desenvolvimento da linguagem pode dar-se devido ao processo de generalização e abstração dos conceitos (são estes os fundamentos da origem e formação dos idiomas). O processo, porem, esta intimamente ligado com o trabalho de criar instrumentos, porque este trabalho é um trabalho indireto, no qual o homem não vê imediatamente o fruto de sua atividade, mas como parte distinta, desempenha um papel preponderante.
O homem, nos primeiros tempos, não destacava a natureza circundante, de si próprio. Ele não via nela um objeto e em si um sujeito destacado. Foi necessário, para isso, um largo caminho de abstração e distinção entre si e o mundo exterior; um processo de atividade multiforme, para serem criados no homem esses dois conceitos abstratos de sujeito e objeto. E nesse processo os instrumentos deviam ter desempenhado um grande papel.
Os instrumentos, que servem ao homem para agir sobre a natureza, são na realidade colocados entre esta e aquele. São arrancados da natureza para sobre ela agirem. Os instrumentos são assim, um elo entre o homem e a natureza. E devido a isso pode o homem formar o conceito de “si” e do mundo exterior.
Vemos, portanto que até a gênese, a raiz de conceito tão elementar, somos também obrigados a procurar nos instrumentos — na técnica. E quando o homem já pode ter um conceito do “si” e do “não eu”, também pode formar o conceito de outras coisas distintas e assim tornou-se possível o continuo desenvolvimento da linguagem. A linguagem agiu por sua vez sobre o processo do pensar. Ela quase obrigou o homem a desenvolver o processo de generalizar e abstrair — a formar conceitos gerais (seria impossível ao homem dar nomes distintos a todos os fenômenos da natureza).
Aqui porem devemos deter-nos num outro ponto: a linguagem, a grafia e a ciência, só podem desenvolver-se vivendo o homem em sociedade. Se assim não sucedesse, não precisaria o homem de expressar seus desejos. E não se desenvolveriam então nem a linguagem, nem a grafia, nem a ciência. Vemos portanto que os dois momentos — a técnica e a vida em sociedade desempenham o papel principal na evolução humana. Isoladamente, nenhum desses dois fatores pode existir; a técnica se desenvolve pela divisão do trabalho e paralelamente ao desenvolvimento da ciência. Porem, esses dois momentos, quer a divisão do trabalho, quer a ciência, somente podem existir e se desenvolver na sociedade; por sua vez, uma vida social sem o desenvolvimento da técnica é impossível.
Quando falarmos das formas da técnica como base da sociedade, temos por um lado coisas puramente materiais relacionadas com as leis físicas, químicas e outras leis da matéria; por outro lado desde que essas formas estão sujeitas á sociedade, elas dependem da própria sociedade, das relações entabuladas pelos homens entre si, no processo do trabalho.
Quando, na lição anterior, estabelecemos que um fenômeno social deve conter em si algo novo, alem dos caracteres físicos, químicos e biológicos anexos, não apontamos então esse novo caráter de que se acha acrescido dito fenômeno. Agora porem já podemos encontrar o conteúdo desse novo aspecto ou caráter. Esse caráter especifico, isto é, o conteúdo do fenômeno social consiste em que, como tal, deve ser a conseqüência das relações entre os homens que se formam no processo da atividade indireta, para a satisfação das necessidades humanas, no trabalho social.
O homem vivendo em sociedade, trabalha (atividade indireta) para satisfazer suas múltiplas necessidades. No processo desse trabalho, porquanto é realizado em sociedade, os homens são levados a manter certas relações uns com os outros. Essas relações entabuladas pelos homens, durante o trabalho (atividade indireta, que por sua natureza pode tornar-se social), formam o conteúdo ou característico dos fenômenos sociais(1).
Uma vez que desejamos conhecer as leis da sociedade humana e de sua evolução (estética e dinâmica), devemos estudar seu caráter próprio, — a técnica; não sua forma geral-fisica e morta, — mecânica, etc., mas em sua forma viva, em seu conteúdo e papel social.
Na base da técnica, nascem certas relações de produção, que por sua vez provocam varias, multiformes e complexas relações sociais. Todos os outros fenômenos sociais nascem destas ultimas relações. Podemos expressar o mesmo pensamento em outras palavras e formular por outro modo a idéia principal do materialismo histórico.
Resumindo: — O homem, para viver, para existir, deve adaptar-se á natureza; agir sobre ela e adaptá-la a si mesmo. No processo de adaptação á natureza, forma o homem um meio artificial. Esse meio artificial é que forma a base da sociedade humana e de sua evolução. O meio artificial é por si mesmo uma coisa material (é composto de elementos da natureza material), mas está impregnado da atividade humana e como tal se torna a base da vida social.
O fundamento sobre o qual se constrói toda a vida social é portanto a atividade social do homem, isto é, o trabalho humano e as relações entabuladas entre os homens no processo dessa atividade. A essas relações chamamos relações econômicas e delas é que nascem todas as outras relações. Tomando por exemplo uma sociedade desenvolvida vemos que o trabalho aí é representado por um processo largamente ramificado; e investigando sua evolução devemos tomar o trabalho em sua totalidade e em suas variadas formas. Compreende-se que, quando desejamos conhecer um fenômeno social complexo, devemos tomar em consideração todas as diferentes relações existentes na sociedade. Só então poderemos compreender, por exemplo, uma revolução que se opera no momento em que forças produtivas ultrapassam as relações ou formas sociais existentes se levarmos em conta a totalidade das diferentes relações existentes na sociedade, e que se acham já desligadas do processo da produção.(2)
Observamos agora e vejamos como nasce a sociedade como tal, com todo as suas formas, isto é, procuremos mostrar de um modo concreto como a evolução da técnica determina todos esses fenômenos sociais e formas varias da vida social e como as modifica.
Até aqui observamos as coisas de um modo geral. Estabelecemos a ligação entre a técnica e as relações econômicas. Agora devemos concretizar e mostrar como a estrutura da sociedade, isto é, a sumula das relações que nascem entre os homens no processo do trabalho (relações de produção), depende do meio artificial; 1º, que as varias partes da sociedade e as formas que adquire têm como sua causa básica a parte material da sociedade que é o meio natural, (estática); 2º, que a dinâmica da sociedade, a mudança de sua estrutura também depende da evolução e da modificação do meio artificial. Numa palavra, devemos encarar o estudo do materialismo histórico, como uma sociologia.(3)
Tratemos de penetrar as formas da sociedade primitiva. Qual a estrutura que vem de fato nessa sociedade? Como está ela construída? Desde que não há nela uma técnica desenvolvida e por isso sobra de produtos, não há aí lugar para a formação de classes ou camadas sociais. A sociedade de então abrange pequeno numero de indivíduos e se existe uma certa divisão é baseada somente sobre motivos fisiológicos. Existem por exemplo, crianças ou mulheres grávidas, ou velhos que não trabalham, etc. Uma tal divisão não nos pode dar senão uma estrutura social elementar, como também elementar é a sua técnica.
Tomando a técnica numa fase altamente desenvolvida da evolução social, — a moderna sociedade de hoje, por exemplo, notamos a estrutura bastante complexa da sociedade. E não só no sentido de existirem muitas classes (a sociedade feudal continha mais camadas ou grupos sociais), mas na organização da própria sociedade — nas funções de seus órgãos, nas suas relações e ramificações, notamos como e até onde cresce a sociedade de hoje. A complexa e aguda divisão do trabalho em milhares de partes, devendo manter entre si certas relações, exige relações sociais fortes e estáveis, com certos direitos, leis e regulamentações, aparelhos administrativos e de defesa, etc.; a técnica altamente desenvolvida faz surgir uma estrutura complexa da sociedade e determina seu conteúdo.
Notas:
(1) A atividade indireta foi no inicio, social. A primeira forma de relações sociais foi a primeira colaboração, tornando-se mais tarde mais complexa. Surge, então, a divisão do trabalho e a vida social. (retornar ao texto)
(2) Os “críticos” de Marx ridicularizaram a teoria do materialismo histórico, mostrando seu paradoxo, no sentido de que fenômenos tais como filosofia, moral, arte e ciência, são explicados por simples interesses materiais. Um tal modo de entender Marx, nada revela senão a ignorância e incapacidade em compreender o marxismo. Marx não diz que os referidos fenômenos são explicados exclusivamente pelos interesses econômicos; diz apenas que a base desses fenômenos, sua origem, em ultima analise, e as causas de sua evolução, deve ser procurada na evolução da técnica e das relações sociais que se criam no processo de trabalho. Sua evolução não é determinada exclusivamente pelos interesses econômicos; somente se diz que seu conteúdo e sua forma são causados pelos fatores acima referidos. Querendo esclarecer e compreender o porque do aparecimento e da realização de tal ou qual fenômeno, devemos antes de mais nada travar conhecimento com os interesses materiais dos homens e com o estado da técnica antes do aparecimento do fenômeno e analisando as relações econômicas e sociais devidas a esses interesses e ao desenvolvimento da técnica e somente então é que poderemos compreender porque surgiu ou se realizou este ou aquele fenômeno na sociedade e na vida social. (retornar ao texto)
(3) Não obstante a escassez de literatura que tenha tratado dos fenômenos da vida social, como filosofia, direito, arte e religião, do ponto de vista materialista, podemos no entanto apontar o método certo e como proceder a sua investigação (compreende-se que por falta de tempo somente poderemos traçar as linhas gerais da evolução da sociedade detendo-nos sobre a atual sociedade mais desenvolvida, analisaremos e explicaremos os fenômenos do nosso ponto de vista. (retornar ao texto)
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Inclusão | 14/03/2010 |