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Primeira Edição: inédito, 1988
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.
A política comunista face aos sindicatos deve ter em conta as transformações do último meio-século. Havia uma luta entre a corrente sindical reformista e a corrente sindical revolucionária, animada pelos comunistas. Agora há só uma disputa entre diversas correntes reformistas rivais, alinhadas em última análise com o imperialismo ocidental ou com o sociai-imperialismo soviético. Não existe corrente sindical revolucionária internacional.
Os sindicatos sempre foram um terreno fértil para a instalação da aristocracia operária, corporativa, mesquinha, subornada e corrompida pela burguesia e pelo imperialismo (Lenine). Sempre serviram de veículo para a aristocracia operária melhorar a sua situação jogando com o descontentamento e a revolta das camadas inferiores do proletariado.
Hoje estão perfeitamente enquadrados nos mecanismos capitalistas de “concertação social”, são uma dócil correia de transmissão dos interesses burgueses no seio do proletariado. A sua democracia interna esta viciada. A conquista das direcções sindicais pelos comunistas ou outros revolucionários é praticamente impossível.
Dominam de forma absoluta o conformismo face ao sistema, a conciliação de classe, o interesse profissional egoísta, o nacionalismo, a rotina. As elites burocráticas apoderaram-se de todo o poder e sufocam toda a iniciativa proletária de base. Os sindicatos são governados por verdadeiras máfias ao serviço dos aparelhos partidários e, por seu intermédio, do grande capital. Morreu a autenticidade operária que se fazia sentir nos sindicatos no princípio do século. Por tudo isto, decresce nos países capitalistas avançados o número de operários sindicalizados. Surgem batalhas operárias importantes à margem dos sindicatos. Daqui a dúvida: ainda se mantêm válidos os princípios de acção sindical enunciados por Marx, Engels, Lenine?
Lenine nunca pôs em dúvida que o sindicato é uma trincheira recuada da luta de classes. Mas destacou que ele é uma escola primária massiva de associação de classe e de luta contra a exploração capitalista. Por isso, o sindicato é um ponto de articulação obrigatório entre a vanguarda e a massa operária.
Tanto mais que os sindicatos colocam as massas operárias sob o comando dos capatazes sindicais da classe capitalista, o que exige uma luta taco-a-taco contra a sua influência; tanto mais que as lutas sindicais, parcelares e limitadas, desembocam com frequência em batalhas radicais que podem ter um grande valor educativo, desde que sejam dirigidas pelos comunistas.
Por estas razões, Lenine contrariou as tendências surgidas depois da revolução russa para os comunistas voltarem costas aos sindicatos.
“É preciso trabalhar onde está a massa sem temer as armadilhas, chicanas, perseguições e traições dos chefes, ligados à burguesia e à polícia. Há que usar estratagemas e astúcias, calar a verdade se necessário, para penetrar nos sindicatos e lá ficar” (”Esquerdismo”).
Não se pode lançar o assalto ao poder político, nem se deve tentá-lo, sem ter conseguido êxitos sérios no desmascaramento e isolamento da aristocracia e da burocracia aos olhos da massa. Sem isso não há garantia de que a massa siga a vanguarda no momento decisivo (Lenine). Daqui a conclusão da IC de que ”a melhor medida da força de um partido comunista é a influência real que exerce sobre as massas de operários sindicalizados” (3º Congresso).
Assim, a tendência para virar costas aos sindicatos, a pretexto do seu reformismo, do seu atraso economicista e da podridão da sua burocracia, a proposta para a fundação de organizações “novinhas em folha”, politizadas, puras, é uma utopia “esquerdista” que afasta os comunistas das massas, que as deixa entregues à demagogia reformista e que alimenta a passividade nos comunistas sob atitudes de aparência muito avançada. “Abandonar os sindicatos édesertar da revolução”.
A degeneração burocrática burguesa dos sindicatos no último meio-século é um facto, mas também é um facto que eles não foram substituídos por outros órgãos de massa como veiculo da luta diária. A expressão dos interesses operários nos sindicatos é mais difícil do que no passado mas não é impossível. Pode dizer-se que o dia-a-dia sindical é mais corrupto, mas intervalado por lutas massivas durante as quais o aparelho burocrático pode ser neutralizado.
Entregues ao domínio reformista, os sindicatos tornam-se porta-vozes directos dos partidos burgueses (CGTP com o PCP, UGT com PS/PSD). Se não houver disputa no seu interior, estaremos a entregar de bandeja milhões de sindicalizados às maningâncias partidárias burguesas.
Os operários que se dessindicalizam, indignados com a vigarice dos burocratas, não formam um sector avançado nem conseguem criar alternativas de intervenção operária. Embora fazendo críticas justas, caem na desagregação e na impotência. Os comunistas não devem alimentar o anti-sindicalismo mas sim transformá-lo em choque com as estruturas reformistas. Só nesse processo podem as grandes massas começar a politizar-se.
Isto não significa nenhum fetichismo dos comunistas acerca dos sindicatos. Os sindicatos não são sagrados. Temos que os tratar de acordo com a sua real influência de massas. Em períodos de ascenso revolucionário, os sindicatos, amarrados ao seu lastro economicista e reformista, são normalmente ultrapassados por novos órgãos operários de base, mais aptos a servir a ofensiva centra a burguesia – comités de fábrica, comissões de trabalhadores, sovietes, conselhos. Foi assim entre nós em 1975, quando as comissões de trabalhadores se sobrepuseram temporariamente aos sindicatos. Em alturas dessas, continuar a canalizar a influência comunista para a massa só pela via dos sindicatos far-nos-ia perder a vanguarda do movimento. O Partido deve saber impulsionar audaciosamente os novos órgãos criados pelas massas operárias.
Quando coexistem sindicatos e comités de fábrica em paralelo (como é hoje o nosso caso), os comunistas devem saber actuar em ambos, usando a dinâmica mais radicalizada e democrática das CTs para pressionar, entalar e pôr em xeque as direcções sindicais reformistas. Não se trata de escolher entre sindicatos e CTs, mas de completar um com o outro.
Não existe pois nenhuma solução mágica para acelerar o espírito revolucionário da massa operária em períodos de refluxo. Ou nos dispomos a intervir no movimento ao nível em que ele se encontra (e não o que nós desejaríamos), ou perdemos os laços com a massa e incapacitamo-nos para a acção revolucionária. Temos que tomar a luta sindical como aquilo que é – uma luta limitada para minorar a exploração capitalista.
Então como evitar que os comunistas se tornem reformistas? Para Lenine, a solução está em aliar a luta por reformas que é própria do sindicalismo com os métodos revolucionários de luta de massas. Os objectivos da luta sindical são geralmente estreitos, mas a forma como essa luta é conduzida pode e deve ser combativa, revolucionária. A luta por um simples aumento salarial pode dar lugar a uma greve, a confrontos com a polícia, etc. Mesmo lutando por reformas as massas podem aprender a fazer a revolução.
O Partido Ccmunista deve pois estar vigilante em duas frentes: contra a adaptação passiva às tendências atrasadas do movimento que o fundaria no reformismo; e também contra o desprezo pelas reivindicações limitadas da massa, que o transformaria numa seita de propaganda.
Com frequência, o princípio comunista de que é preciso desmascarar sem conciliação os chefes reformistas corruptos serve de desculpa para se recusar na prática as exigências do trabalho sindical. Há que denunciar os chefes, sim, mas é preciso saber como. Chorrilhos de insultos contra os chefes que a massa elegeu para os postos dirigentes dos sindicatos criam na massa operária a ideia de que queremos desacreditar e desmantelar o próprio sindicato, em que vêem um bastião de resistência ao capitalismo.
Como fazer? As resoluções da IC indicavam a necessidade de colocar primeiro esses chefes numa situação em que sejam obrigados a desmascarar-se. O seu carácter de amarelos deve ser mostrado em detalhe por meio de exemplos práticos, através de propostas, moções, intervenções nas assembleias, etc. Só depois desse trabalho de preparação, que pode ser prolongado, estaremos em condições para os atacar com toda a energia e tentar derrubá-los (3º Congresso da IC).
Nunca esquecer que combatemos os chefes para ganhar a nós a massa operária. Se o nosso combate aos chefes nos isola da massa é porque não está a ser bem conduzido. A dificuldade em conquistar os operários não está fora dos partidos comunistas mas dentro deles. (Comité Executivo da IC, 1932). O ataque a um chefe eleito, prestigiado na massa, não é um desabafo indignado. Tem que ser friamente calculado e conduzido, de forma a dar frutos.
Surge com frequência nas fileiras comunistas o desvio oposto acerca do trabalho sindical: a adoração dos sindicatos como “verdadeiros órgãos da democracia operária”, o exagero das possibilidades sindicais, a tendência para emancipar a luta sindical da direcção do partido, a tendência para subordinar a luta política à luta económica e para rebaixar a célula comunista de empresa ao nível de comissão sindical.
Nem é preciso demonstrar que esta tendência conduz o Partido ao descalabro, à confusão e à impotência. E com isso também o trabalho sindical sofre. Uma táctica sindical eficaz, bem pensada, aplicada com sangue frio, só é possível se os comunistas virem mais longe do que os horizontes sindicais, se souberem inscrever a luta sindical como parcela da luta geral de classe ao proletariado.
Os comunistas “sindicaleiros”, que só vêem a actividade revolucionária pela óptica sindical, têm vistas estreitas, facilmente perdem a cabeça, seguem a reboque dos altos e baixos do movimento espontâneo, andam aos tombos do oportunismo de direita ao oportunismo de “esquerda”. O sindicalismo “autónomo”, “neutral”, “apolítico” acaba sempre numa ou noutra variante de reformismo, que o Estado burguês consegue digerir.
Para uma acção sindical comunista é indispensável haver fortes células comunistas que conduzam toda a luta de classes na empresa, fracções comunistas junto dos sindicatos, uma linha sindical claramente definida pelo Partido, responsáveis sindicais no Comité Central e nos Comités Regionais, etc. É preciso demonstrar aos comunistas “sindicaleiros” que querer ganhar escaramuças fora dum plano de batalha conjunto é infantilismo.
Lutando para ganhar influência maioritária nos sindicatos, os comunistas não devem tentar usa-los como departamentos do partido, tutelá-los, amoldá-los, colando-lhes etiquetas, “tratá-los à chibatada” (Lenine). Isso é objectivamente cavar o terreno para a cisão do sindicato e para lançar boa parte dos trabalhadores nos braços dos reformistas. O sectarismo com que os revisionistas se serviram dos sindicatos da Intersindical em 1975 para os seus fins partidários fez deslocar para a direita boa parte dos trabalhadores, facilitando o trabalho de cisão que levou à UGT.
A ideia leninista do sindicato como “correia de transmissão” do Partido não pode ser entendida de forma simplista ou primária como uma autorização para espezinhar a democracia interna do sindicato, é preciso saber esperar que a experiência viva da luta de classes ensine o marxismo aos operários (Lenine). O papel activo dos comunistas nos sindicatos não deve consistir em extorquir-lhes resoluções favoráveis ao Partido mas conduzir a luta da forma mais educativa. Lutar sem descanso pelas posições revolucionárias do partido sem nunca atropelar a democracia interna e, pelo contrário, ampliando-a cada vez mais.
A ideia do sindicato como “correia de transmissão” é justa, os brados da burguesia a esse respeito não nos devem incomodar. Mas esta ideia leninista não deve ser rebaixada, tentando fazer do sindicato um moço de recados do Partido.
A política sindical da IC atravessou duas grandes fases antagónicas. Durante a primeira (1920-1934) lutou-se para criar uma corrente independente em torno da Internacional Sindical Vermelha (ISV) como “base para fazer guerra ao reformismo”. Apoiados nos sindicatos vermelhos, na corrente sindical de classe, nos núcleos sindicais revolucionários, os comunistas declararam-se dispostos perante as massas a fazer a unidade sindical; faziam propostas de unidade na acção concreta, propunham a constituição de uma única central em cada país, desde que fosse assegurada disciplina rigorosa em todas as acções contra a “burguesia e ao mesmo tempo liberdade de agitação para as diversas tendências sindicais (5º Congresso); propunham um congresso de todos os sindicatos em que houvesse livre confronto de ideias.
Durante a segunda fase (1939-1943) foi decidido dissolver a ISV e os sindicatos vermelhos como fonte de sectarismo e de isolamento dos comunistas. A corrente sindical de classe integrou-se sem condições nos sindicatos reformistas, para levar à prática a nova táctica de Frente Única traçada pelo 7º Congresso da IC. A experiência mostrou que esta nova linha sindical fez parte da viragem à direita dos partidos comunistas e abriu caminho ao revisionismo.
A procura de uma linha sindical comunista nas novas condições da luta de classes deve ter em conta esta experiência da IC.
Inclusão | 23/10/2018 |