“Na época da revolução social, a unidade do proletariado só pode ser realizada pelo partido verdadeiramente revolucionário do marxismo, pela luta implacável contra todos os outros partidos.”
LENINE(1)
Levando até ao fim a lógica de tudo subordinar à frente única com a social-democracia, Dimitrov chegou à conclusão de que seria preciso criar “o partido político de massas único da classe operária”, o que seria facilitado peja “tendência crescente dos operários para a unificação dos partidos social-democratas com os partidos comunistas”(2).
“O movimento operário” — afirmou — “entra no período de liquidação da cisão.” “É necessário que haja em cada país um partido único do proletariado.” “A IC e as suas secções estão prontas a entrar em negociações com a II Internacional e as suas secções com vistas a estabelecer a unidade da classe operária.” E, no discurso de encerramento do congresso: “Neste congresso adoptámos a orientação para a criação do partido político único de massa da classe operária, para a abolição da cisão política do proletariado.”(3)
Este projecto insólito de fusão da corrente comunista com a corrente social-democrata contradiz o leninismo de forma tão flagrante que os defensores actuais de Dimitrov, comprometidos, procuram descartar-se dele. Ou silenciando-o pura e simplesmente, como se nunca tivesse existido — é o que faz, entre outros, o PC(R). Ou atacando a ideia do “partido único da classe operária” como se ela tivesse sido inventada pelos revisionistas e não pelo 7.º congresso — é o que faz o PTA(4). Ou ainda alegando que se trataria de uma manobra táctica, admissível nas condições da luta contra o fascismo, mas que hoje estaria ultrapassada e portanto não valeria a pena discutir.
Não vamos fazer a vontade a estes dimitrovistas envergonhados. A ideia da fusão do PC com o PSD não é uma bagatela que se possa meter na gaveta quando se torna inconveniente. Aqueles que insistem em defender a todo o preço o relatório Dimitrov têm que se definir sobre esta questão: a fusão com a social-democracia equivale ou não à liquidação do partido comunista?
O ABC do marxismo-leninismo
Nesta questão, como em tantas outras, Dimitrov fez uma viragem de 180° em relação à linha até então seguida pela Internacional, a qual sempre considerara a defesa da integridade do partido como pedra de toque da atitude revolucionária marxista.
Recordemos os termos em que o Comité Executivo se pronunciara em 1926 acerca de posições vacilantes introduzidas por Zinoviev quanto à possibilidade de fusão com os social-democratas:
“A IC e as suas secções devem dar provas de honestidade e firmeza ao ir ao encontro da aspiração sincera de unidade existente nos trabalhadores social-democratas. Naturalmente, está fora de questão a fusão dos PC com os PSD. Isso representaria uma traição aberta à causa da revolução proletária, o abandono do papel histórico de guia que o proletariado é chamado a desempenhar. Reconhecer a necessidade da existência de um partido comunista independente faz parte do ABC do marxismo-leninismo. A conquista mais preciosa da classe operária no passado recente foi justamente a formação em cada país, vencendo todos os obstáculos, de partidos comunistas independentes, que denunciam abertamente a traição perpetrada pelos dirigentes social-democratas, difundem abertamente a ideia da revolução proletária e trabalham para a preparar. Só sob a bandeira do partido comunista pode o proletariado unir-se numa única frente em filas cerradas.”(5)
É em confronto com esta clara posição de princípio que é necessário apreciar a proposta de Dimitrov para os comunistas negociarem com a social-democracia a fusão dos partidos.
As cinco condições
Alegam os defensores de Dimitrov que a sua proposta não envolvia qualquer cedência, uma vez que era apoiada em “cinco condições de princípio” bem claras. A saber:
- ruptura total da social-democracia com a burguesia,
- prévia unidade de acção dos comunistas com os social-democratas,
- reconhecimento pelos social-democratas do derrube revolucionário da burguesia e da ditadura do proletariado, sob a forma dos sovietes,
- recusa do apoio à guerra imperialista e
- aceitação do centralismo democrático(6).
Se estas extraordinárias condições fossem aceites pela social-democracia em qualquer país do mundo, nenhum comunista teria certamente nada a objectar à fusão num partido único. A questão, porém, está em saber se os comunistas poderão alguma vez levar um partido social-democrata a transformar-se no contrário de si próprio — porque é isso que de facto implicam as cinco condições.
A IC nunca se dera ao trabalho de pôr tais condições à social-democracia porque as considerava obviamente absurdas.
Mas Dimitrov “descobriu” que a situação se transformara, com base em duas ordens de razões:
- a deslocação à esquerda que se estaria a dar na social-democracia, instruída pelas duras lições do terror fascista;
- a influência crescente dos comunistas no movimento operário, a sua solidez e poder de atracção.
Examinemos cada um destes argumentos.
A pretensa deslocação à esquerda da social-democracia, que foi um dos alicerces centrais da nova táctica de Dimitrov, não passou de lenda, como já vimos num dos capítulos precedentes e como documentarei com mais factos adiante. Deslocavam-se à esquerda certos sectores da base dos PSD, não os seus dirigentes, nem os seus quadros, nem os partidos como um todo. Ou seja: surgiam condições favoráveis para chamar ao partido comunista muitos operários social-democratas; era imperioso um grande esforço para os ganhar; mas isto nada tinha a ver com uma proposta de fusão ao partido social-democrata.
Segundo argumento: a fusão seria agora possível sem abandono dos princípios porque os comunistas se tinham tornado uma força coesa, capaz de assegurar a sua hegemonia no seio do “partido único”. Foi o que disse por exemplo Manuilski nos activos do partido bolchevique realizados em Moscovo e Leninegrado logo após o 7.º congresso. A fusão não acarretava perigos, alegou ele, a rebater objecções que se levantavam, “porque os partidos comunistas se temperaram na luta, se libertaram de desvios e podem agora avançar sem receio para a unidade... Formou-se uma guarda bolchevique stalinista”(7).
É um argumento que se volta contra os seus defensores. Se os PC se tinham tornado destacamentos poderosos e nalguns países já roubavam a direcção do movimento operário aos PSD, isso só provava que as condições eram mais favoráveis para acelerar a desagregação da corrente social-democrata. Porquê, nesse caso, dirigir-lhe propostas de fusão, que significariam inevitavelmente um compromisso, a introdução nas fileiras do partido, na sua direcção, na sua política e na sua ideologia, das posições social-democratas?
De facto, o que há de novo nas cinco condições de Dimitrov é elas sugerirem que a corrente social-democrata e a cisão política do proletariado na sociedade capitalista não seriam um produto inevitável da influência burguesa e pequeno-burguesa sobre a classe operária, mas seriam uma simples questão de pontos de vista errados que se poderiam corrigir através da experiência da luta de classes. A social-democracia fora caracterizada por Lenine e pela Internacional como a ala esquerda da burguesia, com a missão de envolver o proletariado. Dimitrov passou a encará-la como a ala direita do movimento operário, que era necessário chamar ao bom caminho.
Encarar um partido político, que nasceu para servir certos interesses de classe, da mesma forma que se encara um indivíduo, susceptível de reeducação, é deslizar do terreno do marxismo para o terreno da moral idealista vulgar. E passar da clareza do proletariado revolucionário acerca das classes que o rodeiam, para as ilusões da pequena burguesia, ansiosa por esclarecer e ganhar os inimigos, na esperança de tornar mais suaves as tarefas da revolução e do socialismo. Foi este salto que Dimitrov deu, com a sua reabilitação da social-democracia.
A atitude de fundo dos comunistas perante a social-democracia nunca foi uma questão de correlação de forças. Ela resulta do antagonismo irredutível entre duas correntes de classe opostas — a política operária revolucionária contra a política burguesa para operários.
A questão só pode pôr-se assim: ou a força que impele as massas operárias para a revolução é tal que obriga os chefes da social-democracia a fazerem juras “revolucionárias”, para assim prosseguirem a sua defesa do regime burguês — e nesse caso ainda mais se impõe desmascará-los, fechar-lhes as portas do partido; ou o assalto reaccionário da burguesia obriga o movimento operário a passar à defensiva — e nesse caso é necessário não deixar dissolver a resistência comunista na influência capituladora da social-democracia. Num caso como no outro, as necessárias variações tácticas nunca justificam qualquer ilusão numa reeducação da social-democracia e na possibilidade de fundir os dois partidos inimigos. Esquecendo este princípio básico, Dimitrov colocou-se contra o espírito do leninismo.
A opinião de Lenine
A ideia de que o movimento operário se possa reforçar pela unificação dos diversos partidos com influência na classe operária é uma ilusão oportunista que surge espontaneamente nos sectores intermédios e atrasados do proletariado, os quais confundem a ampla unidade necessária na luta diária com a estrita coesão política vital à vanguarda para poder exercer o seu papel dirigente.
Lenine mostrou que esta ilusão das massas pode tornar-se uma arma temível nas mãos da burguesia e da pequena burguesia para desintegrar a vanguarda revolucionária e bloquear ou esmagar a revolução.
Não é preciso lembrar aqui a intransigência “sectária” com que Lenine lutou para separar bolcheviques de mencheviques, para construir a Internacional Comunista e os novos partidos comunistas em corte antagónico com a social-democracia. Basta citar um exemplo hoje talvez esquecido. Em 1907, os mencheviques aproveitaram a desmoralização causada pela derrota da revolução de 1905 para lançar a proposta de um “congresso operário” que procedesse à “unificação política dos operários russos”. Como esta proposta despertasse ecos favoráveis, inclusive nas fileiras bolcheviques, Lenine fez campanha encarniçada contra ela até a derrotar. Perguntava Lenine:
“Um operário politicamente consciente pode não estar no partido? Se há fora do partido operários com tendências revolucionárias, porque não alargar as nossas fileiras para os incluir dentro do partido?” E precisava o fundo da questão: “Que significa unificação política dos operários? Se os autores não inventaram uma terminologia nova, especial para a referida resolução, essa expressão designa a união em tomo de um programa e de uma táctica política precisa. Quais ao certo?” “O que vocês pretendem de facto — concluía Lenine — é a desorganização do proletariado pela integração de ideólogos não proletários, confundindo a verdadeira independência (social-democrata), com a dependência, com a sujeição à ideologia e à política burguesa (socialista-revolucionária).”(8)
Isto põe a questão nos devidos termos: o Partido só existe nos limites de um programa e de uma táctica bem definidas, marxistas. Querer passar para além desses limites, quer seja a pretexto de “unir a classe operária”, ou “fazer frente ao fascismo”, ou “defender a paz”, etc., resulta sempre na desorganização da vanguarda do proletariado, na entrega do proletariado à direcção política da burguesia.
As 21 condições
Diz-se por vezes que as cinco condições de Dimitrov não seriam mais do que uma versão actualizada das 21 condições para a adesão à IC, estabelecidas por Lenine em 1920. Isto declarou, por exemplo, Manuilski nos já citados activos do partido Bolchevique. Mas há neste argumento uma confusão inadmissível entre duas situações e duas tácticas completamente diferentes.
As 21 condições foram fixadas pela IC no momento em que o movimento operário, até aí organizado sob a bandeira da social-democracia, se deslocava impetuosamente para a linha da revolução russa e dos sovietes. Para não perder a influência sobre as massas operárias, muitos dirigentes social-democratas dispunham-se a aderir à nova Internacional transportando para dentro dela a sua bagagem reformista, para aí poderem prosseguir a mesma política oportunista. A IC encontrava-se pois “ameaçada de amolecimento por grupos indecisos e híbridos que ainda não tinham rompido com a ideologia da II Internacional”(9).
Para frustrar essa ameaça de invasão do jovem e débil movimento comunista por parte da social-democracia, Lenine formulou as 21 condições para qualquer partido ser admitido como membro da IC: mudar o seu nome para “Partido Comunista”, defender incondicionalmente o poder dos sovietes, fazer uma ruptura completa com o reformismo e o centrismo, destituir os reformistas e centristas de cargos de responsabilidade, adoptar um novo programa comunista, organizai-se na base do centralismo democrático, etc.
Foi graças a esta atitude vigilante que a IC levantou uma barreira ao contrabando social-democrata (que mesmo assim ainda conseguiu infiltrar-se em força em vários partidos, caso do PC Francês, etc.) e pôde afirmar-se como o centro da corrente proletária revolucionária internacional, em corte inconciliável com o reformismo social-democrata.
Ora, as cinco condições de Dimitrov foram apresentadas 15 anos mais tarde, quando o movimento comunista consolidado já disputava com êxito à social-democracia a condução do movimento operário na maioria dos países e já lhe roubara a influência sobre a vanguarda operária. Não visavam afirmar a existência de uma nova corrente comunista fechando as portas à infiltração social-democrata, como fora o caso em 1920, mas pelo contrário, abrir-lhe as portas para a fusão.
A situação é pois inversa. As 21 condições de Lenine serviram para coesionar a corrente comunista e desmascarar a social-democracia; as cinco condições de Dimitrov serviram para cobrir a aproximação com a social-democracia e o desarmamento ideológico e político do proletariado. São duas tácticas opostas.
Fusão na Hungria
É sintomático que Dimitrov não tenha dito uma palavra sobre a experiência concreta de fusão entre o PC e o PSD, já levada a cabo durante a revolução soviética húngara de 1919. E não é difícil perceber a razão deste silêncio. Eis como Matias Rakosi, dirigente da IC e do PC Húngaro, analisou esse processo de fusão, durante o 2o congresso da IC, em 1920:
“O ponto fraco da ditadura (do proletariado) consistia em ter sido instituída e realizada por um partido sem força nem experiência bastantes. O PC dispunha de não poucas forças revolucionárias, mas como organização era excessivamente fraco. O partido poderia certamente ter tomado a direcção dos acontecimentos se não tivesse cometido o grave erro de se fundir com o PSD. O PSD pronunciou-se pela ditadura do proletariado, adoptou sem reservas o programa comunista e excluiu os seus chefes de ‘extrema-direita’... Não tardou, porém, a perceber-se que, apesar da fusão os social-democratas procuravam aproveitar todas as ocasiões para minar a ditadura. A fusão não impediu os dirigentes social-democratas de participar nas negociações secretas com os representantes da Entente (Inglaterra-França), com vistas ao esmagamento do poder soviético e à formação de um governo social-democrata.”(10)
Aqui temos pois um exemplo elucidativo de como a social-democracia pode ir até ao ponto de aceitar as mais rigorosas “condições de princípio” para conseguir tomar por dentro o partido comunista em momentos de crise geral do poder burguês. Porque esqueceu Dimitrov este exemplo?
A derrota sangrenta da revolução húngara de 1919 instruiu definitivamente o movimento comunista sobre o crédito que se pode dar à “conversão” dos chefes social-democratas aos princípios revolucionários. É uma última manobra desesperada para sabotar a revolução. Como assinalou Lenine nas condições de admissão à Internacional, “nenhum comunista deve esquecer as lições da República Húngara dos Sovietes. A união dos comunistas com os reformistas custou demasiado cara ao proletariado húngaro”(11).
Trotski
Alega-se por vezes que a proposta de Dimitrov não seria tão absurda, uma vez que Lenine também promovera em Julho de 1917 a integração no partido Bolchevique do grupo de Trotski. As concepções leninistas acerca da integridade do partido seriam pois mais “elásticas” do que pretendem os críticos “dogmáticos” de Dimitrov. É mais um argumento viciado, como vamos ver.
No Verão decisivo de 1917, o movimento operário russo era disputado entre o caminho revolucionário dos bolcheviques e o caminho reformista dos mencheviques (e dos socialistas revolucionários). O grupo dos “interdistritos”, formado por Trotski com dissidentes das duas alas da social-democracia russa, era uma força muito minoritária, oscilante, que nesse momento se deslocava para a esquerda e aceitava o programa e a táctica bolchevique. A força deste grupo vinha do prestígio de Trotski em certos sectores operários, seduzidos pelos seus talentos de demagogo “apartidário” e “unitário”.
Nestas condições, Lenine e o CC bolchevique consideraram que a absorção dos “interdistritos”, mesmo à custa de certas concessões, ajudaria a acelerar a corrente de polarização dos operários em torno do partido bolchevique, a decompor a influência menchevique e a abordar a tarefa da Insurreição armada, que surgia como iminente. Os acontecimentos demonstraram a justeza desta táctica.
Posteriormente, a acção centrista, aventureira e desagregadora de Trotski no CC do partido, até à sua expulsão dez anos mais tarde, mostrou como foi caro o preço pago pelo partido para conseguir a sua neutralização no momento da tomada do poder e alertou para a necessidade de uma vigilância extrema na constituição do órgão dirigente do partido.
O que é certo é que esta experiência nada tem de comum com a ideia “luminosa” da abolição da cisão política do proletariado, lançada por Dimitrov no 7.º congresso. Lenine admitiu a absorção pelo partido de um grupo minoritário intermédio para melhor derrotar o inimigo social-democrata. Dimitrov defendeu a fusão com esse inimigo.
Lenine e os trabalhistas
Os defensores de Dimitrov trazem também periodicamente à baila o célebre conselho de Lenine aos comunistas ingleses para se integrarem no Partido Trabalhista, procurando assim mais uma vez sugerir que o princípio da independência do partido admitiria excepções tácticas. A melhor resposta para este argumento está na transcrição das principais opiniões de Lenine a esse respeito.
“O 2.º congresso da III Internacional deve pronunciar-se pela filiação dos grupos ou organizações comunistas ou simpatizantes da Grã-Bretanha no ‘Partido Trabalhista‘ (Labour Party), embora este pertença à II Internacional. E isto porque, enquanto esse partido assegurar às organizações que o compõem a actual liberdade de crítica e a possibilidade de desenvolver nas suas fileiras um trabalho de propaganda, agitação e organização a favor da ditadura do proletariado e do poder dos sovietes, enquanto o Labour Party conservar o carácter de união de todas as organizações profissionais da classe operária, os comunistas devem fazer tudo, aceitar mesmo certos compromissos, para poder exercer a sua influência sobre as mais amplas massas operárias, desmascarar os seus chefes do alto de uma tribuna mais elevada e mais visível às massas.”(12)
“Não devemos esquecer que o Labour Party inglês está colocado em condições muito especiais: é um partido muito original, ou mais exactamente, não é um partido no sentido habitual da palavra. Composto por trabalhadores de todas as organizações profissionais, agrupa hoje cerca de quatro milhões de membros e dá total liberdade a todos os partidos políticos que o compõem... O Labour Party tolera na suas fileiras o Partido Socialista Britânico e permite que este tenha os seus próprios jornais, nos quais os próprios membros deste mesmo Labour Party podem declarar abertamente e com toda a liberdade que os chefes do partido são social-traidores.”(13)
“O Partido Comunista só poderá integrar-se no Labour Party na condição de conservar completa liberdade de crítica e de poder levar a cabo a sua própria política. Isto é o mais importante.”(14)
Assim, mais uma vez, vemos que nada há de comum entre as opiniões de Dimitrov e as de Lenine acerca das relações entre o PC e o PSD. Lenine aconselhou em 1920 o PC da Grã-Bretanha, ainda em fase de formação, extremamente fraco e isolado do movimento operário, a que se filiasse numa vasta organização operária, que não era ainda um partido político no verdadeiro sentido do termo, para aí, com total liberdade de crítica e autonomia organizativa, levar a influência comunista às massas operárias. Dimitrov indicou, quinze anos mais tarde, ao PC da Grã-Bretanha, então já afirmado como vanguarda do proletariado, o caminho da fusão com o PT, então já transformado em partido em toda a acepção da palavra, sem direito de organizações autónomas no seu interior, e, o que é mais, partido burguês para operários, já inteiramente corrompido pelo exercício do poder na maior metrópole do imperialismo.(15) Entre a posição de Lenine e a de Dimitrov há um abismo.
Manobra táctica?
Quando se esgotam todas as desculpas, há ainda quem argumente que Dimitrov sabia muito bem que a sua proposta de fusão ia ser rejeitada e contava com isso mesmo para demonstrar aos operários social-democratas que eram os seus dirigentes os responsáveis por não haver unificação. A sua proposta não seria mais do que uma hábil manobra táctica para canalizar o desejo de unidade das bases social-democratas no sentido de uma deslocação à esquerda.
E uma desculpa coxa. A deslocação dos operários social-democratas (hoje a questão põe-se sobretudo em relação ao revisionismo moderno) para as posições do comunismo exige que eles sejam ganhos pela corrente revolucionária de classe e descubram na social-democracia um produto corrompido da ditadura da burguesia, um partido que deve ser abandonado porque não muda de natureza. Ora, isso não se consegue alimentando-lhes ilusões sobre o “partido operário único” e sobre a fusão das duas correntes antagónicas no movimento operário.
A táctica leninista para desligar os operários social-democratas da linha da colaboração de classes era a política de frente única que até aí vinha sendo aplicada pela IC. Só combinando a unidade pela base e na acção com a denúncia intransigente da política social-democrata conseguiram os PC criar, entre 1920 e 1935, uma forte corrente revolucionária e expulsar os PSD de posições-chave no movimento operário. Se havia rectificações a fazer a esta política, elas não tocavam na sua orientação de fundo.
Ao alargar a táctica de frente única à colaboração e à unidade entre direcções, entre partidos, o 7.º congresso deu novo alento aos PSD para se apresentarem aos olhos da classe como interlocutores válidos, como representantes legítimos de uma parte do proletariado. Pôs em causa implicitamente a justeza do corte operado cerca de 1920 pela corrente comunista, abrindo espaço à acusação social-democrata de que a criação da IC teria sido uma cisão “inútil” e enfraquecedora do movimento operário. Alimentou nos comunistas a esperança numa impossível regeneração da social-democracia e amarrou-os à preocupação oportunista de não afugentar os PSD.
Assim, se a proposta unificadora de Dimitrov ganhou de facto muitos operários social-democratas para as fileiras dos PC, não foi por os deslocar para a esquerda, mas por deslocar os comunistas para a direita. Em vez de ajudar a desintegrar a corrente social-democrata, ajudou a desintegrar a corrente comunista.
A verdade inegável é que Dimitrov tinha em vista com a sua proposta a fusão efectiva dos PC com os PSD. Como ele próprio tornou claro no 7.º congresso, “a unidade política da classe operária não é para nós uma manobra mas a questão do destino futuro de todo o movimento operário”(16). Que assim era, provam-no as tentativas de fusão que desde logo começaram a ser feitas (França, Alemanha, Áustria, Filipinas, etc.) e a fusão real que acabou por ser levada à prática no fim da II Guerra Mundial, na Polónia, Alemanha Oriental, Hungria, etc., com os resultados que se conhecem.
Significativamente, o PTA, que condena a tolerância do PC da China para com a persistência de partidos burgueses após a tomada do poder, não se pronuncia sobre a experiência desastrosa das fusões dos PC com os PSD nesses países de democracia popular. O receio de pôr em causa o 7.º congresso leva-o, também neste ponto, a silenciar as posições de princípio e a desculpar o oportunismo na sua forma extrema — a liquidação do partido.
A liquidação do partido
Estamos agora em condições de concluir, sem lugar para dúvidas, que a proposta de Dimitrov para a fusão com a social-democracia rompe com toda a linha do leninismo e da IC, aponta para a liquidação do partido comunista enquanto vanguarda única da revolução.
Como pôde Dimitrov chegar a esta oferta de rendição que é a proposta do “partido operário único”? Esta era a consequência lógica da ideia nova que percorre todo o seu relatório: a ideia de que o fascismo teria vindo apagar o antagonismo entre comunismo e social-democracia e irmanar ambos os partidos no mesmo campo democrático. Se os comunistas passavam a ser apenas os defensores mais consequentes da mesma causa democrática que os social-democratas defendiam de forma vacilante, deixava de haver barreiras insuperáveis à sua fusão e, pelo contrário, ela tornava-se a única solução lógica e eficaz. Tudo se resumia a insuflar no partido operário unificado a combatividade antifascista dos comunistas.
Mas isto significa que a “abertura táctica” do 7.º congresso encobre na realidade, como já vimos antes, a desistência da revolução e da ditadura do proletariado. Para assegurar a defesa ou a restauração da democracia burguesa, o partido leninista deixava de ter sentido, o combate à social-democracia tornava-se prejudicial e “sectário”, era imperioso criar um “partido operário único”.
Propondo à social-democracia a fusão num partido único, justamente quando o pânico perante o fascismo fazia vir ao de cima tendências para “rebaixar” e “depreciar” o papel do partido comunista(17) e quando aumentava a pressão dos operários social-democratas para que os comunistas se juntassem a eles, Dimitrov não podia ignorar que abria as portas ao liquidacionismo. Mas era obrigado a fazê-lo para dar à social-democracia o penhor de boa-fé indispensável para abater a barreira de desconfiança perante a subversão comunista da ordem. Oferecia-lhes a melhor garantia de que os comunistas estavam dispostos a tornar-se combatentes leais pela democracia burguesa.
Naturalmente, essa oferta de capitulação tinha que ser disfarçada por “condições de princípio” tão rigorosas como irrealizáveis. Elas eram a necessária cortina “de princípio” para convencer os comunistas a aceitar a ideia, desarmar a vigilância, dispor-se a negociar a existência autónoma do partido comunista. O resto viria por si
Essa mesma lógica capituladora transparece no apelo de Dimitrov para a “formação de centenas e de milhares de bolcheviques sem partido nos países capitalistas”(18). A expressão, à primeira vista atraente e “ampla”, carrega um enorme significado político. Admitir que se podiam formar milhares de “bolcheviques sem partido” era dar a entender que já não era preciso ser-se membro do partido comunista para se ser revolucionário consequente; era admitir que os bolcheviques pudessem surgir naturalmente na luta de classes, era avisar que os comunistas não deveriam “sectariamente” considerar-se a única vanguarda revolucionária do proletariado.
E justamente porque se tratava de uma oferta de capitulação, não é de estranhar que a burguesia rejeitasse unanimemente a proposta de fusão avançada por Dimitrov e se dedicasse a minar cada vez mais os partidos comunistas por dentro. “Se eles nos oferecem a unidade é porque estão à beira de capitular: vamos apertá-los mais um pouco.”
Só mais tarde, nos países da Europa Oriental, após a guerra, tiveram os social-democratas que aceitar a fusão com os comunistas, porque não lhes foi deixada outra alternativa. Mas ainda aí a fusão imposta pela força serviu para acelerar a decomposição do partido comunista, como veremos adiante.
A proposta de Dimitrov contém em germe todos os argumentos que Kruchov avançou vinte anos mais tarde, no 20.º congresso do PCUS: “Os comunistas são cada vez mais fortes, os social-democratas já aprenderam a dura lição do fascismo e da guerra imperialista, todos queremos a Democracia, a Paz e a Independência — nada impede que nos unamos, acabando com a cisão política no movimento operário e possibilitando finalmente a passagem pacífica ao socialismo.” É a lógica da nova burguesia revisionista, aparentemente ansiosa pela Unidade, na realidade ansiosa por dissolver a vanguarda comunista para se descartar do pesadelo da revolução proletária.
Essa lógica acabou por levar Dimitrov a defender mesmo, em Fevereiro de 1948, a dissolução do PC Búlgaro no seio da Frente da Pátria, para a “criação de um partido político unitário do nosso povo que assuma a direcção do Estado e da sociedade”(19). Como se vê, a ideia do “partido de todo o povo”, atribuída a Kruchov, fora já descoberta quinze anos antes por Dimitrov... É preciso que os defensores actuais de Dimitrov, que tanta aversão exibem pelo revisionismo, deixem de fazer esquivas à questão do “partido operário único” e digam o que pensam desta semente da traição revisionista.