O 1º Congresso do Partido

Francisco Martins Rodrigues

9 de Abril de 1981


Primeira Edição: Bandeira Vermelha, 9 de Abril de 1981 - texto assinado com o Pseudónimo João Braz
Fonte: Francisco Martins Rodrigues - Escritos de uma vida
Transcrição: Ana Barradas
HTML: Fernando A. S. Araújo.
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Aparentemente, o 1º Congresso do PCP fora um êxito. O partido foi reunificado, elegeu um Comité Central, aprovou resoluções políticas. “O Congresso decorreu às mil maravilhas e provocou forte impressão em todos os assistentes”, escrevia para Moscovo, para o Comité Executivo da Internacional, Humbert-Droz, enviado a Portugal para orientar os trabalhos. O partido, contudo, foi de mal a pior. Que valor teve afinal o 1º Congresso na vida do jovem PCP? É tempo de procurarmos a resposta que os revisionistas escondem.

Em 1923, o PCP naufragava, dividido em três corpos A cisão rebentara no principio desse ano. O secretário-geral do partido, Caetano de Sousa, no regresso do 4º Congresso da Internacional, onde o PCP fora reconhecido como secção portuguesa da IC, lançara-se a depurar o partido com medidas radicais, tentando derrotar a passividade oportunista dominante por meio do entusiasmo da Juventude Comunista

Rapidamente, os descontentes agruparam-se à volta de Carlos Rates e formaram um segundo partido, que reiniciou a publicação de O Comunista.

Havia por último os partidários da ISV (Internacional Sindical Vermelha), grupo autónomo de comunistas que se consagravam à actividade sindical e se mantinham alheios à edificação do partido.

“Esquerdismo” e direitismo, sindicalismo anarquista, terrorismo e parlamentarismo dilaceravam o PCP ao fim de dois anos de existência. Era difícil a tarefa de Humbert-Droz.

A Obra de Droz

Depois de uma primeira visita a Portugal em Agosto desse ano, Droz voltou aqui em Novembro para assistir ao congresso, que era o resultado do seu esforço de reunificação.

Estavam presentes 118 delegados em representação de 33 “comunas”. Foi eleita uma direcção encabeçada por Carlos Rates. Caetano de Sousa e Pires Barreira, antigo secretário-geral da Juventude Comunista, foram expulsos. Outros partidários seus foram suspensos. O congresso aprovou os princípios orgânicos do partido, uma “Definição de princípios”, teses sobre o “Governo Operário e Camponês” e sobre “A Questão Agrária”.

Segundo Droz, Rates tinha “uma compreensão muito nítida dos interesses do partido” e grande prestígio nos meios sindicais. A Juventude, que fora o principal apoio de Caetano de Sousa, não passava de “um bando de rufiões”. Tudo iria de vento em popa daí por diante, assegurava em relatório ao Comité Executivo da Internacional A prática, contudo, desmentiu estas apreciações. O PCP continuou a arrastar uma vida precária. Quando se deu o golpe de 28 de Maio, desmoronou-se por completo.

As Ideias de Rates

Bento Gonçalves escreveu mais tarde no Tarrafal que Rates e Droz eram “oportunistas sem vergonha”. Tudo indica que não exagerou.

Vejamos quanto a Rates Desde 1911 ganhara justo prestígio como militante sindical abnegado. Contudo, a sua ruptura com o anarco-sindicalismo fizera-se pela direita À medida que se afirmava como activista político mais se definia o seu pensamento oportunista.

Aderiu à Maçonaria, onde pontificavam inimigos implacáveis do movimento operário.

Arrastado pela maré revolucionária que sacudia a Europa, tornou-se “leninista e foi um fundador do Partido Comunista (sem abandonar a Maçonaria).— Mas o seu pensamento ficou expresso na obra que então publicou A Ditadura do Proletariado. É uma colecção de decretos imaginários, oferecidos ao futuro governo operário. Nem sequer aí falta a reorganização dos serviços de estatística, a regulamentação dos espectáculos públicos e até a nomeação de especialistas para ocupar os cargos!

Utopia inofensiva? Mas não é inofensivo o desabafo que ai se encontra: “Felizmente que a nossa situação particular na Europa nos dispensa da preparação de qualquer movimento subversivo de carácter violento. Basta aguardar os acontecimentos… Em dado momento, o Terreiro do Paço encontrar-se-á devoluto. É ocasião de irmos até lá.”

Rates redigia decretos para provar que estava apto a chefiar  um governo que julgava prestes a ser oferecido de bandeja aos “leninistas” portugueses pela revolução europeia. O seu abandono do partido em 1925 não teve pois nada de surpreendente. O governo não vinha e Rates retirou-se.

Um Infiltrado na IC

Droz era secretário da IC e tinha larga experiência política Não é crível que se tivesse deixado enrolar por um vigarista bem falante. Droz era da mesma qualidade de Rates, embora a outro nível. Recordemos apenas alguns factos, do muito que há para estudar.

Em vez de pôr a debate no congresso a crise interna do partido, Droz fez adoptar sem discussão a decisão disciplinar por si redigida em nome da IC. O congresso do PCP não pôde assim pronunciar-se sobre a expulsão de dois dirigentes e a suspensão de oito militantes influentes. Não admira que a crise interna se agravasse depois do congresso. Droz não tinha poderes para tal procedimento.

Droz ocultou à IC os aberrantes projectos de Rates para a venda das colónias. Com efeito, Rates fizera publicar na imprensa do Partido, entre as teses para o congresso, a proposta de “solução financeira urgente, pela alienação de parte dos bens territoriais ultramarinos”. “Só com dificuldade consegui que o CC retirasse esta tese”, relataria Droz mais tarde nas suas memórias Contudo, no relatório enviado na altura ao CE da IC, limitou-se a referir que “as teses foram melhoradas”, sem tocar na questão colonial. Ele sabia que Rates não seria aceite pela IC, na direcção do PCP com tais opiniões.

Droz apresentou sob as piores cores o “esquerdismo” (real) dos partidários de Caetano de Sousa. Mas omitiu que este tentara a reorganização do partido de acordo com as 21 condições fixadas pela IC e na base das células de empresa. E omitiu também que as teses de Rates não diziam uma palavra sobre a tarefa de preparar a classe operária para a conquista do poder e que os seus princípios organizativos mantinham a estrutura descentralizada das “comunas”, há muito condenada pela Internacional.

Droz deu carta branca ao oportunismo de Rates e defendeu no congresso a aproximação ao Partido Socialista, com a justificação de que “esse partido é ainda susceptível de repelir o reformismo, aderindo às concepções revolucionárias”. Mas Droz não podia ignorar que o PS perdera toda a influência sobre o movimento operário por se opor às greves, apoiar a entrada na guerra mundial, participar em conferências internacionais para a defesa das colónias, colaborar com a ditadura de Sidónio Pais.

Cai o Pano

Em Dezembro de 1928, na reunião do Comité Executivo da Internacional, Staline criticava as posições de Droz, afirmando que “ele se enterrara no pântano do oportunismo cobarde”. Era o cair da máscara.

Droz falsificara as justas orientações de Lenine e da IC para a edificação de partidos de modelo bolchevique e impulsionara a corrupção oportunista do PCP. Só em Abril de 1929 conseguiu o partido reorganizar-se.


Inclusão 30/05/2018