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Marx, que ainda não havia tirado proveito de toda a ciência e da filosofia do seu tempo, formulou, segundo vimos, um ponto de vista inteiramente novo na história do pensamento social e político do século XIX. Quase não falei da influência que exerceu sobre ele o pensamento socialista, porque essa influência começou a manifestar-se mais tarde. Hoje irei expor, em troca, a participação de Marx na criação da Liga dos Comunistas, tema que havia prometido desenvolver.
Bom, depois de ter examinado os antecedentes contidos nas obras de Marx e Engels sobre a história daquela Liga, devo confessar que não posso resistir a fazer uma crítica séria. Marx não se iludiu mais que uma vez na sua vida sobre essa história, como em uma obra muito pouco lida, Senhor Vogt, publicada em 1860. Marx cometeu nela uma série de erros. Porém, para informar-se sobre a Liga dos Comunistas recorre-se quase sempre a um relato rescrito por Engels em 1885. Aqui, mais ou menos, seguindo Engels, os fatos.
Houve uma vez, dois filósofos e políticos alemães — Marx e o próprio Engels — que tiveram de abandonar a Alemanha à força. Viveram na França, estiveram na Bélgica e escreveram sábias obras que depois de atrair a atenção dos intelectuais, se difundiram entre os operários. Um bom dia, estes se apresentaram diante dos filósofos que, tranquilamente sentados em seus gabinetes, conservando-se longe da ação vulgar, e como convém formalmente aos depositários da ciência, esperavam orgulhosos que os operários fossem buscá-los. A desejada hora chegou quando os operários se dirigiram a Marx e Engels, convidando-os a unir-se a eles. Ambos declararam que não o fariam a menos que aceitassem seu programa. Os operários consentiram, organizaram a Liga dos Comunistas e, imediatamente, encomendaram a Marx e Engels o Manifesto do Partido Comunista.
Esses operários pertenciam à Liga dos Justos, da qual falei em minha primeira conferência sobre a história do movimento operário na França e Inglaterra. Como disse, esta organização estava constituída em Paris e havia sido submetida a duras provas após a infrutífera tentativa de insurreição dos blanquistas em 12 de maio de 1839. Após esta derrota, seus membros se radicaram em Londres. Encontrava-se entre eles, Schapper, quem organizou em fevereiro de 1840 a Sociedade de Educação Operária.
Para dar melhor ideia sobre como habitualmente é relatada esta história, vou ler um fragmento do opúsculo de Steklov sobre Marx:
"Residindo em Paris, Marx mantinha relações pessoais com os dirigentes da Liga dos Justos, formada por desterrados políticos e artesãos, porém não se afiliava a ela porque o programa da Liga, saturado de um espírito idealista e temerário, não podia satisfazê-lo. Porém, pouco a pouco, se produziu na Liga uma evolução que a aproximou de Marx e Engels, estes que por conversações, por correspondência e também pela imprensa, influenciaram as opiniões políticas dos seus membros. Em alguns casos excepcionais, os dois amigos fizeram conhecer seus pontos de vista via circulares impressas. Após a ruptura com o revoltoso Weitling e a "crítica severa dos teóricos inconsistentes" ficou preparado o terreno para a entrada de Marx e Engels na Liga. O primeiro congresso, que aprovou a mudança de nome para Liga dos Comunistas, foi assistido por Engels e Wilhelm Wolf; no segundo, convocado em novembro de 1847, participou o próprio Marx. Depois de ter escutado o discurso em que Marx expusera sua nova filosofia socialista, o congresso o encarregou de elaborar, junto a Engels, o programa da Liga. Assim surgiu o Manifesto do Partido Comunista".
Steklov se limita a repetir o que escreveu Mehring, que por sua vez, repete o que nos conta Engels. E como não crer neste último? Com efeito: quem melhor que ele que participou da organização dessa empreitada pode contar sua história? Não obstante, devemos submeter a um exame crítico as palavras de Engels, como as de qualquer historiador, com maior razão sabendo que escreveu estas páginas quase quarenta anos depois de passados os episódios que descreve. Em semelhante tempo é fácil esquecer algo, sobretudo quando se escreve em condições e em estado espiritual completamente distintos daquela época.
Existem outras circunstâncias que em nada corroboram com aquela narração. Marx e Engels não eram teóricos puros com os apresentam Steklov. Pelo contrário. Só compreendeu Marx que, quem julgasse necessário transformar radicalmente o atual regime social, não poderia se apoiar senão no proletariado como classe, que por suas condições de existência encontrava todos os estímulos para a luta contra o dito regime, manter os meios operários, esforçando-se para penetrar com seu amigo em todos os lugares e organizações nos quais os trabalhadores estavam submetidos a outras influências. Sendo assim, infere-se que existiam então essas organizações. Examinemo-las.
Ao estudar a história do movimento operário me detive nas proximidades do ano 1840. Depois da derrota de maio de 1839, a Liga dos Justos deixou de funcionar como organização central e, de qualquer maneira, a partir de 1840 não se encontra mais indício de sua existência ou atividade como tal. Restaram apenas círculos isolados — sobre um dos quais, o de Londres, já falamos — organizados por antigos membros da Liga. Outros membros, entre os quais Wilhelm Weitling que exercia grande influência, se refugiaram na Suíça.
Alfaiate de profissão, Weitling, um dos primeiros artesãos alemães revolucionários, como muitos outros daquela época, andava de cidade em cidade até que em 1837 se estabeleceu em Paris, onde já havia estado em 1835. Se afiliou à Liga dos Justos e estudou ali as teorias de Lamennais, representante do socialismo cristão, de Saint-Simon e de Fourier. Em Paris se vinculou também a Blanqui e seus adeptos. Ao fim de 1838 escreveu, a pedido dos seus camaradas, o folheto Como é e como deveria ser a Humanidade, no qual defendia as ideias comunistas.
Depois da infrutífera tentativa de estender a propaganda à Suíça francesa e à Suíça alemã, iniciou com alguns companheiros a organização de círculos entre os operários e os emigrados alemães. Em 1842, publicou sua principal obra, As garantias da Harmonia e da Liberdade, na qual desenvolvia as ideias expostas em 1838, mas que não é o caso de considerarmos agora.
Weitling se distinguia dos demais utopistas do seu tempo e — influenciado em parte por Blanqui — não acreditava na possibilidade de chegar ao comunismo pela persuasão. A nova sociedade, cujo plano havia elaborado em todos seus detalhes, seria realizada unicamente pela violência. Quanto mais rapidamente se destruir a sociedade existente, mais rapidamente se libertará o povo, e o melhor meio para chegar a essa situação era, em sua concepção, extremar a desordem social. O elemento mais seguro, o mais revolucionário, capaz de derrubar a sociedade, era, para Weitling, o proletariado vagabundo, o "lumpemproletariado", e até mesmo os bandidos.
Na Suíça, Bakunin, que abraçava já algumas dessas ideias, encontrou Weitling e conheceu suas teorias. Quando na primavera de 1843, Weitling foi preso em Zurique e processado com seus seguidores, Bakunin apareceu comprometido com a causa e se viu obrigado a emigrar.
Cumprida a pena, Weitling foi repatriado em maio de 1844. Depois de inúmeras vicissitudes, conseguiu, saindo de Hamburgo, chegar a Londres, onde foi acolhido com grande pompa. Em sua homenagem foi organizada uma grande assembleia, a qual assistiram, além dos socialistas e dos cartistas ingleses, os emigrados franceses e alemães. Era a primeira grande assembleia internacional celebrada naquela cidade e forneceu a Schapper a ocasião para organizar, em outubro de 1844, uma sociedade internacional que adotou o nome de Sociedade dos Amigos Democráticos de todos os Povos. Dirigida por Schapper, se propôs ligar os revolucionários de todos os países, estreitar vínculos fraternais entre os distintos povos e conquistar os direitos políticos e sociais.
Weitling permaneceu em Londres por quase um ano e meio. No princípio gozava de muita moral na sociedade operária londrina, onde se debatia apaixonadamente todos os problemas da época, porém não demorou para encontrar forte oposição. Seus velhos companheiros, como Schapper, Bauer, Moll, durante a cisão, haviam se familiarizado com o movimento operário inglês e se aprofundado nas doutrinas de Owen.
Para Weitling, como dizemos, o proletariado não constituía uma classe especial, com interesses próprios: era somente uma parte da população pobre, oprimida, entre estes elementos pobres o mais revolucionário era o "lumpemproletariado". Defendia que a delinquência era um dos elementos mais seguros na luta contra a sociedade existente. Não atribuía nenhuma importância à propaganda. Imaginava a futura sociedade como uma sociedade comunista, dirigida por um pequeno grupo de homens sagazes. Para atrair as massas julgava ser necessário recorrer ao sentimento religioso; fazia de Cristo um precursor do comunismo. Para compreender melhor as divergências que logo surgiram entre ele e Marx e Engels, convém recordar que Weitling era um operário muito capacitado, autodidata, dono de considerável talento literário, mas que sofria de todos os defeitos dos autodidatas. Na Rússia são muitos os que se educam como Weitling.
O autodidata, em geral, se empenha em extrair do seu cérebro algo extremamente romântico, algum invento engenhoso em alto grau, mas a experiência logo lhe prova que desperdiçou tempo e forças consideráveis para não fazer outra coisa que descobrir a América. Chegar a buscar um "móvel perpétuo" qualquer ou o meio suscetível de tornar feliz e sábio o homem em um piscar de olhos.
Weitling pertencia a esta categoria de autodidatas. Queria encontrar a maneira com que os homens assimilassem quase instantaneamente, não importa qual, a ciência. Queria criar uma língua internacional. Característica notável: outro autodidata, um operário, Proudhon, também havia empreendido esta tarefa. É difícil, às vezes, saber o que preferia, o que adorava mais Weitling, se o seu comunismo ou seu idioma universal. Sentindo-se um verdadeiro profeta, não suportava crítica alguma e guardava particular receio para com os homens instruídos que acolhiam com ceticismo sua mania.
Em 1844, Weitling era um dos homens mais populares e conhecidos, não somente entre os operários, mas também entre os intelectuais alemães. Heine, deixou uma página singular sobre seu encontro com o famoso alfaiate:
"O que mais incomodou minha altivez foi a incivilidade do moço comigo durante a conversa. Não tirou o chapéu e enquanto eu permanecia de pé, ele estava sentado em um banco, sustentando o joelho direito na altura do queixo, enquanto a mão livre não cessava de esfregá-lo. Supus que essa posição desrespeitosa era um hábito adquirido na prática do seu ofício, porém logo me desmenti. Como perguntara porque não deixava de esfregar o joelho, me respondeu em um tom indiferente, como se tratasse da coisa mais habitual, que nas distintas prisões alemães nas quais esteve preso, que tinham correntes e, como o anel de ferro usado para prender o joelho era demasiado estreito, havia gerado um tipo de coceira que lhe obrigava a executar esse exercício... Confesso: retrocedi uns passos quando o alfaiate com sua familiaridade repulsiva, me contou tal história sobre o cárcere... Estranhas condições do coração humano! Eu, que um dia havia beijado respeitosamente, em Münster, as relíquias do alfaiate Jan van Leiden, os ferros que havia levado, as ferramentas com que o torturaram, eu, que havia me entusiasmado com um alfaiate morto, sentia invencível repugnância por esse alfaiate vivo, por esse homem que era, ainda assim, um apóstolo e um mártir da mesma causa pela qual padeceu o glorioso Jan van Leiden".
Ainda que esta descrição não faça jus a Heine, mostra a profunda impressão que Weitling causou ao poeta adulado por inúmeros aduladores.
Heine aparece, nessa circunstância, como grande senhor da arte e do pensamento, que considera com curiosidade, e não sem repugnância, este tipo de lutador estranho a ele. Com essa mesma ociosa curiosidade nossos poetas de outra época examinavam um bolchevique. Pelo contrário, um intelectual como Marx, adotava outra atitude diante de Weitling, a quem julgava um talentoso porta voz das aspirações desse proletariado cuja missão histórica ele mesmo acabara de formular. Escreveu sobre Weitling antes de conhecê-lo:
"Que obra sobre o problema de sua emancipação política poderia apresentar a burguesia compreendido seus filósofos e literatos, frente a de Weitling, As garantias de Harmonia e da Liberdade?. Compare-se a mediocridade esquálida e fanfarrona da literatura política alemã com essa brilhante iniciação dos operários alemães, compare-se essas botas de sete léguas do proletariado em sua infância, com os estreitos sapatos da burguesia e se verá no proletariado o atleta futuro de gigantesca estatura".
Naturalmente, Marx e Engels deveriam procurar se relacionar com Weitling. No verão de 1845, ambos amigos, durante sua curta permanência na Inglaterra, haviam se relacionado com os cartistas e os emigrados alemães, porém não se sabe com certeza se encontraram Weitling, que então vivia em Londres. De qualquer modo, até 1846, quando foi a Bruxelas, onde Marx se estabelecera após ser expulso da França, não se vincularam estreitamente.
Marx já se dedicava ao trabalho de organização, para o qual Bruxelas oferecia grandes facilidades dada a localização intermediária da Bélgica, entre França e Alemanha. A partir de Bruxelas, onde os operários e intelectuais alemães que se dirigiam a Paris paravam alguns dias, se difundia por contrabando a literatura ilegal em toda a Alemanha. Entre os operários estabelecidos em Bruxelas, vários eram homens inteligentes.
Não demorou para Marx conceber a ideia de convocar um congresso de todos os comunistas para criar a primeira organização comunista geral. Este congresso devia se realizar em Verviers, cidade situada próxima da fronteira com a Alemanha, para facilitar o acesso aos alemães. Não é possível confirmar com exatidão se na realidade foi levado a cabo o congresso, porém todos os preparativos foram feitos por Marx muito tempo antes dos delegados da Liga dos Justos chegarem a Londres para convidá-lo para ingressar nesta. Na verdade, Marx e Engels atribuíam também grande importância à conquista dos círculos influenciados por Weitling e não pouparam esforços para acordar com estes, uma plataforma comum. Suas tentativas concluíram, porém, em uma ruptura, cuja história nos foi contato por nosso compatriota que em viagem à França, passou então por Bruxelas. Me refiro ao crítico russo Pavel Annenkov que, se por um tempo foi admirador de Marx, logo deixou de ser um revolucionário.
Nos chegou de Annenkov um curioso relato que contém muitas mentiras, mas também certa parte de verdade. Dali um extrato de uma sessão na qual discutiram violentamente Marx e Weitling.
Gritava Marx, golpeando a mesa com o punho: ”a ignorância jamais ajudou a ninguém e nunca foi útil para algo!” Estas palavras são muito verossímeis. Com efeito, como Bakunin, Weitling se opunha ao trabalho preparatório de propaganda, sob pretexto de que os pobres sempre estavam dispostos à revolução e, por conseguinte, podia esta ser declarada a qualquer momento, sempre que houvesse chefes resolutos. Segundo carta do próprio Weitling, nessa assembleia, Marx sustentou que era necessário depurar as fileiras comunistas e fazer a crítica a todos os teóricos inconsistentes, declarando que se deveria renunciar a todo socialismo apoiado unicamente na boa vontade; que a realização do comunismo estaria precedida por uma época durante a qual a burguesia ainda deteria o poder.
Se vê como as divergências teóricas entre Marx e Engels e Weitling eram quase as mesmas que se manifestariam entre os revolucionários russos 40 anos depois. Em maio de 1845 a ruptura foi definitiva; Weitling partiu em seguida para Londres, de onde se mudou para a América, onde ficaria até a revolução de 1848.
Com a contribuição de outros companheiros, que se aproximaram nesta época, Marx e Engels prosseguiram seu trabalho de organização. Criaram em Bruxelas a "Sociedade de Educação Operária", na qual Marx proferiu aos operários conferências sobre economia política. Além de certo número de intelectuais, entre os quais se destacavam Wolf (a quem Marx dedicaria o primeiro tomo de O Capital) e Weidemeyer, permaneciam em Bruxelas operários como Born, Vallan, Seiler e outros.
Sobre a base desta organização e com a ajuda dos camaradas de Bruxelas, Marx e Engels se esforçaram para estabelecer relações com os círculos da Alemanha, Londres, Paris e Suíça. Eis o trabalho que era realizado por Marx em Paris. Pouco a pouco, os partidários de Marx e Engels aumentaram. Marx concebeu então um plano para agrupar todos os elementos comunistas, pensando em transformar aquela organização nacional puramente alemã em uma organização internacional. Iniciaria por criar em Bruxelas, Londres e Paris, núcleos de comunistas que estivessem de comum acordo, os quais designariam comitês encarregados de manter relações com outras organizações. Deste modo, se estabeleceriam relações mais estreitas com outros países e se prepararia o terreno para a união internacional dos comitês, denominados "de correspondência comunista", como proposto por Marx. Como os que escreveram a história do socialismo alemão e do movimento operário foram literatos e jornalistas membros de agências informativas, acreditaram que aqueles comitês não era senão simples escritórios de correspondentes.
Em resumo, segundo eles, Marx e Engels resolveram fundar em Bruxelas um escritório de correspondentes de onde se despacharia circulares. Ou como escreve Mehring, em seu último trabalho sobre Marx:
"Carentes de um órgão próprio, Marx e seus amigos se empenharam em preencher esta lacuna, dentro do possível, com circulares impressas. Ao mesmo tempo, procuravam assegurar a cooperação de correspondentes regulares nos grandes centros onde viviam comunistas. Semelhantes escritórios de correspondência existiam em Bruxelas e em Londres e havia a intenção de estabelecer um em Paris. Marx escreveu a Proudhon solicitando sua colaboração".
Basta ler atentamente a resposta de Proudhon para ver que se tratava de uma organização muito distante de ser um simples escritório de correspondência. E se lembrarmos que esta troca de cartas ocorreu no verão de 1846, muito antes que fosse proposto o ingresso na Liga dos Justos existiam em Londres, Bruxelas e Paris organizações cuja iniciativa emanava incontestavelmente de Marx.
Recordemos o que foi dito sobre a sociedade de correspondência londrina que foi organizada em 1792 por Tomás Hardy. Os comitês de correspondência organizados pelo clube dos jacobinos quando este foi proibido de criar suas seções nas províncias, representavam uma instituição análoga a de Marx. Estudando e comparando estes fatos cheguei à conclusão, há muito tempo, de que Marx, ao fundar essas sociedades tinha precisamente a intenção de fazer delas comitês de correspondência. Já no segundo semestre de 1846 existia efetivamente em Bruxelas um comitê muito bem organizado que atuava como organismo central, do qual se enviava informes. Reunia um grande número de membros, entre os quais muitos operários. Em Paris funcionava outro organizado por Engels, que realizava intensa propaganda entre os artesãos alemães; e em Londres o dirigem Schapper, Bauer e Moll (o mesmo que segundo disse foi a Bruxelas seis meses depois, para convidar Marx a incorporar-se à Liga dos Justos) — E como prova uma carta de 20 de janeiro de 1847, que transmiti a Mehring, Moll foi a Bruxelas não como delegado da Liga dos Justos, mas como representante do comitê de correspondentes comunistas de Londres para levar um informe sobre a situação inglesa. É assim que me convenci de que o relato da fundação da Liga dos Comunistas, tal qual foi feito com arranjo de Engels e reproduzido em diversas obras, não passa de uma lenda que não resiste à crítica.
O grande trabalho preparatório efetuado, principalmente por Marx, se parece muito com o cumprido pelos primeiros social-democratas russos meio século depois, ao se esforçarem para unir as organizações existentes, com a particularidade de que neste caso a organização do "Iskra" substituía os comitês de correspondentes e as distintas sociedades operárias, nas quais trabalhavam os agentes comunistas, estavam substituídas pelas uniões e comitês nos quais os elementos do comitê central procuravam entrar para ganhá-los a sua causa.
Aos historiadores passou inadvertido esse trabalho de organização de Marx, a quem apresentam como um pensador de gabinete, e não conhecendo o papel de Marx como organizador, não conheceram um dos aspectos mais interessantes de sua personalidade. Se não se conhece o papel que Marx (faço notar: Marx e Engels) teve nos anos 1846 e 1847 como dirigente e inspirador de todo esse trabalho de organização, é impossível compreender a importância como organizador em 1848 e 1849 e na Primeira Internacional.
Depois da viagem de Moll a Bruxelas, quando teve a certeza de que a maioria dos londrinos havia se livrado da influência de Weitling, resolveu, provavelmente com a iniciativa do comitê de Bruxelas, convocar o congresso em Londres, a cidade mais indicada naquelas circunstâncias. Foi então que começaram a debater e lutar contra diversas tendências. Em Paris, sobretudo, onde trabalhava Engels, a disputa era muito acirrada. Ao ler suas cartas, pode-se acreditar ter se transportado ao ambiente russo dos últimos anos. A luta de facções que descreve, lembra de um modo surpreendente nossas discussões sobre os diferentes programas.
Uma corrente estava representada por Grün, que defende o comunismo alemão ou comunismo "verdadeiro", do qual se encontra uma crítica mordaz no Manifesto Comunista, enquanto Engels sustentava outro programa. Como é de se esperar, cada um dos adversários se esforçava para conquistar apoio, porém Engels acreditava ter alcançado a vitória não só por ter convencido os vacilantes como comunicara ao comitê de Bruxelas, mas porque foi mais astuto que seus adversários, os colocando contra a parede.
O congresso de Londres se reuniu no verão de 1847. Marx não assistiu. Wolf representou Bruxelas e Engels representou os comunistas parisienses. Os delegados eram poucos, porém nenhum permaneceu calado. Tampouco em 1898, quando se fundou o Partido Social-Democrata Operário Russo, o congresso de Minsk reunia oito ou nove pessoas que representavam a três ou quatro organizações.
Ficou deliberada a integração à Liga dos Comunistas. De nenhum modo trata-se da Liga dos Justos reorganizada, como assegura Engels: esquece que era representante do comitê de correspondência de Paris fundado por ele mesmo. Foi adotado um estatuto cujo primeiro parágrafo declarava claramente a ideia essencial do comunismo revolucionário:
"A Liga persegue a derrubada da burguesia e o domínio do proletariado, a supressão da velha sociedade burguesa, baseada no antagonismo de classes, e a instauração de uma nova sociedade sem classes nem propriedade privada".
O estatuto da organização foi adotado sob a condição de que fosse submetido ao exame dos distintos comitês para que fosse aprovado definitivamente no seguinte congresso com as modificações que se julgasse necessário introduzir. O princípio do "centralismo democrático" estava na base da organização. Todos os membros deviam professar o comunismo e ajustar suas vidas aos propósitos da Liga. Um grupo determinado formava o núcleo principal do organismo, designado como "comunidade". Haviam comitês regionais. As diferentes regiões de um país se uniam sob a direção de um centro cujos poderes se estendiam sobre todo o país e que, por sua vez, deveria informar ao Comitê Central.
Esta organização chegou a ser um modelo para todos os partidos comunistas da classe operária no começo do seu desenvolvimento, porém tinha uma particularidade que logo desapareceu, ainda que antes de 1870 fosse encontrada entre os alemães. O comitê central da Liga dos Comunistas não era eleito nos congressos. Suas faculdades de centro dirigente eram transmitidas ao comitê regional da cidade escolhida pelo congresso como o lugar que sediaria o comitê central. Assim, se o congresso escolhia Londres, a organização desta região escolhia um comitê central de cinco membros pelo menos, de modo que estava assegurava sua estreita vinculação com a grande organização nacional. Este sistema reaparece mais tarde entre os alemães na Suíça e na própria Alemanha. Seu comitê central estava sempre ligado a determinada cidade designada pelo congresso, como cidade de vanguarda.
Neste congresso foi decidido também elaborar uma "profissão de fé" comunista, que seria o programa da Liga; as distintas regiões deveriam apresentar as suas no congresso seguinte. Decidiu-se, ademais, editar uma revista popular. Foi o primeiro órgão operário de que tivemos conhecimento e, como podemos ver(1), reivindicava abertamente o título de "comunista".
Na primeira página desta publicação, surgida um ano antes do Manifesto Comunista, figura a palavra de ordem: "Proletários de todos os países, uni-vos". É uma raridade bibliográfica. Não conheço desta revista mais do que três exemplares: este que encontrei em 1912 e descrevi em um artigo em 1914; outro encontrado mais tarde por Mayer nos arquivos da polícia de Berlim e descrito por ele em 1919, e o terceiro, que foi encontrado nos últimos tempos pelo professor Grünberg e publicado em uma edição especial.
Esta revista foi publicada somente uma vez. Os artigos do primeiro e único número foram escritos principalmente pelos representantes da Liga dos Comunistas estabelecida em Londres, que fizeram também a composição tipográfica. O editorial está redigido em forma muito popular. A linguagem fácil expõe as particularidades que distinguem a nova organização comunista das demais francesas e das de Weitling. Não foi citada nem uma só palavra sobre a Liga dos Justos. Um artigo dedicado ao comunista francês Cabet, autor da famosa utopia Viagem à Icária. Em 1847, este havia feito intensa propaganda para estabelecer na América pessoas dispostas a criar em terra virgem uma colônia comunista conforme o modelo descrito em seu livro. Se mudou para Londres especialmente para atrair os comunistas daquela capital. O artigo submetia o plano de Cabet a uma crítica minuciosa e recomendava aos operários não abandonar o continente europeu, porque somente na Europa seria possível instaurar o comunismo. Há, além disso, um grande artigo que, a meu juízo, deve ter sido escrito por Engels. A revista se encerra com um resumo político e social, do qual indubitavelmente o autor fora o delegado do comitê de Bruxelas no congresso, Wolf.
O segundo congresso foi realizado no fim de novembro de 1847 e, desta vez, foi assistido por Marx. Antes de se reunirem, Engels, de Paris, havia lhe avisado que tinha esboçado um projeto de uma espécie de catecismo ou profissão de fé, mas que julgava mais conveniente intitulá-lo Manifesto Comunista. Marx provavelmente levou ao congresso as teses por ele elaboradas. Ali, longe de tudo ir tão bem como descreve Steklov, calorosas discussões se desenvolveram. Os debates duraram vários dias e muito custou a Marx convencer a maioria da justeza do novo programa, que finalmente foi aceito em seus aspectos fundamentais. O congresso da Liga dos Comunistas o encarregou da redação não de uma profissão de fé, mas sim de um manifesto como havia proposto Engels. Designado pelo congresso, Marx, na composição do documento aproveitou, é verdade, o projeto preparado por Engels, porém somente ele ficou com a responsabilidade política do manifesto diante da Liga. Esta impressão de unidade se deve ao fato de que, precisamente, foi escrito apenas por Marx. Contém certamente ideias concebidas em comum por Marx e Engels, porém seu pensamento fundamental, como destacou o próprio Engels, pertence à Marx:
"A ideia fundamental do Manifesto, a saber: que a produção econômica e a estrutura social determinada por ela constituem o fundamento da história política e intelectual de uma dada época histórica, por conseguinte, toda a história, desde a desagregação da comunidade rural primitiva, tem sido a história da luta de classes, vale dizer, da luta entre explorados e exploradores, entre as classes dominadas e as dominantes, nas distintas etapas da evolução social, que esta luta chegou agora a um grau em que a classe explorada e oprimida (o proletariado) não pode libertar-se da classe que a oprime e explora (a burguesia) sem libertar ao mesmo tempo e para sempre toda a sociedade da exploração, da opressão e da luta de classes. Esta ideia fundamental, digo, pertence única e exclusivamente a Marx".
Me detive nesse ponto para que se saiba, como sabiam a Liga dos Comunistas e Engels, que a elaboração do novo programa foi, em grande parte, obra de Marx e que a ele foi confiada a redação do Manifesto.
Possuímos uma carta interessante, que além de comprovar o que argumentamos, esclarece melhor as relações entre Marx e a organização essencialmente operária, que tinha uma tendência a considerar o "intelectual" unicamente como um homem com a capacidade de dar forma literária ao que pensa e quer o operário. Para que se compreenda melhor esta carta, adicionarei que de acordo com o estatuto, o congresso havia definido Londres como lugar de residência do comitê central, eleito, por sua vez pela organização desta cidade. A carta foi enviada em 26 de janeiro pelo comitê central ao comitê regional de Bruxelas, a fim de que fosse transmitido a Marx. Contém a resolução adotada em 24 de janeiro pelo comitê central:
"O Comitê Central, por meio desta, encarrega o comitê regional de Bruxelas a comunicar ao cidadão Marx que se o Manifesto do Partido Comunista, cuja redação ficou a cargo dele no último congresso, não for entregue a Londres antes da terça-feira, 1° de fevereiro do ano em curso, serão tomadas as medidas adequadas. No caso do cidadão Marx não cumprir o trabalho, o comitê central pedirá a devolução imediata dos documentos postos à sua disposição. Em nome do comitê central: Schapper, Bauer, Moll".
Por esta carta imperativa se vê que Marx, em fins de janeiro, não havia cumprido a tarefa que lhe confiaram em dezembro. É uma característica de Marx: apesar de todo seu talento literário, não tinha facilidade para o trabalho. Elaborava sempre extensamente suas obras, sobretudo caso se tratasse de um documento importante. Neste caso, o queria perfeitamente redigido, de modo que pudesse resistir a ação do tempo. Temos uma página de um dos originais, que prova quanto cuidado colocava em cada frase.
O comitê central não precisou aplicar sanções. Marx terminou seu trabalho no início de fevereiro. É uma data digna de ser recordada. O manifesto foi publicado na segunda quinzena do mesmo mês, ou seja, alguns dias antes da Revolução de Fevereiro, de maneira que não pode ter influência alguma na preparação deste acontecimento e como os primeiros exemplares chegaram na Alemanha somente em maio ou junho de 1848, se compreende que tampouco pode ter grande influência sobre a revolução alemã. Nessa época, somente um reduzido grupo de comunistas de Bruxelas e Londres o conhecia e o compreendia.
Permitam-me agora que diga algumas palavras sobre o conteúdo do Manifesto. É o programa da Liga dos Comunistas, cuja composição temos algumas referências. Compreendia belgas e cartistas ingleses inclinados ao comunismo, sobretudo alemães. O Manifesto deveria considerar não um país qualquer isoladamente, mas o mundo burguês em seu conjunto, ante o qual pela primeira vez os comunistas declaravam abertamente seus propósitos.
O primeiro capítulo é uma exposição brilhante e precisa da sociedade burguesa capitalista, da luta de classes engendrada por esta e que continua a se desenvolver sobre a base desta sociedade. Se constata ali como a burguesia se formou no seio do antigo regime feudal, como se transformaram gradualmente as condições de existência como consequência da mudança das relações econômicas, o papel revolucionário cumprido em sua luta contra o feudalismo, a que grau surpreendente chegou a desenvolver as forças produtivas da sociedade e como criou, pela primeira vez na história, a possibilidade da emancipação material da humanidade. Segue após isso uma síntese histórica do desenvolvimento do proletariado. Se vê que o proletariado se desenvolveu segundo leis determinadas, de igual modo que a burguesia, cujo desenvolvimento segue, passo a passo, como a sombra ao corpo.
De um modo progressivo se constituiu como classe especial, e o Manifesto explica como e em qual forma se desenvolveu sua luta contra a burguesia até o momento em que criou sua própria organização de classe.
A continuação do Manifesto expõe e refuta todas as objeções formuladas pelos ideólogos burgueses contra o comunismo. Não me deterei nisso, porque estou convencido de que todos já leram o Manifesto. Apoiando-se em Engels, ainda que em menor medida do que se acreditava, Marx expõe, em seguida, a tática dos comunistas perante todos os demais partidos operários. Convém destacar aqui uma interessante particularidade. O Manifesto diz que os comunistas não são um partido especial oposto aos outros partidos operários, mas que se distingue unicamente no sentido em que representam a vanguarda operária, que tem a vantagem de compreender as condições, a marcha e as consequências gerais do movimento operário.
Agora que conhecem a verdadeira história da Liga dos Comunistas, será mais fácil compreender que a razão desta formulação da tarefa dos comunistas obedecia a situação do movimento operário, particularmente na Inglaterra, pois os vários cartistas que haviam na Liga consentiram em ingressar sob a condição de conservar seus vínculos com o partido e sem outro compromisso que não organizar uma espécie de núcleo comunista com o cartismo, para propagar ali o programa e os objetivos dos comunistas.
O Manifesto analisa as inumeráveis correntes que então lutavam pela hegemonia entre os socialistas e comunistas. As critica com violência e as rechaça categoricamente, excetuando os grandes utopistas Saint-Simon, Fourier e Owen, cujas doutrinas, sobretudo as dos dois últimos, haviam sido até certo ponto aceitas e reformuladas por Marx e Engels. Contudo, ainda adotando suas críticas ao regime burguês, o Manifesto opõe ao socialismo pacífico, ao utópico e ao que desdenhava da luta política, o programa revolucionário do novo comunismo crítico do proletariado.
Em sua conclusão, o Manifesto examina a tática dos comunistas durante a revolução, particularmente a respeito dos partidos burgueses. Para cada país, as regras dessa tática variam segundo as condições históricas concretas. Onde a burguesia é a classe dominante, o ataque do proletariado se dirige completamente contra ela, enquanto onde ainda aspira ao poder político, vide Alemanha, o Partido Comunista a apoia em sua luta revolucionária contra a monarquia e a nobreza, sem que jamais deixe de inculcar aos operários a consciência nítida da oposição dos interesses de classe burguesa e os do proletariado. Como questão fundamental de todo o movimento, os comunistas colocam sempre em primeiro plano o problema da propriedade privada.
Na conferência seguinte falaremos sobre como foram aplicadas concretamente tais táticas elaboradas por Marx e Engels na véspera da revolução de fevereiro de 1848 e que modificações lhes foram introduzidas pela experiência desta revolução.
O Manifesto contém todos os resultados do trabalho cientifico a que Marx e Engels — especialmente o primeiro — se dedicaram de 1845 a 1847. Durante esse tempo, Engels estudou os materiais reunidos por ele sobre a Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra; enquanto Marx trabalhava sobre a história das doutrinas políticas e econômicas. A concepção materialista da história que lhes possibilitou analisar com tanta justeza as relações materiais, as condições de produção e de distribuição, pelos quais se determinam todas as relações sociais, havia sido amadurecida por eles nesses anos, enquanto lutavam contra as distintas doutrinas idealistas.
Antes do Manifesto, Marx havia exposto a nova doutrina em forma mais completa e brilhante, polemizando contra Pierre-Joseph Proudhon. Contudo, em sua obra A Sagrada Família mostrava uma grande estima por Proudhon. O que provocou a ruptura entre os aliados de outrora? Proudhon, de origem operária e autodidata como Weitling, porém ainda mais talentoso, foi um dos publicistas franceses mais eminentes. Teve na literatura uma iniciação muito revolucionária. Em sua obra O que é a Propriedade?, publicado em 1841, criticava violentamente a propriedade burguesa e afirmava, com audácia, que definitivamente esta é um roubo. Mas logo se constatou que condenando a propriedade, Proudhon tinha em visto somente uma de suas formas, a propriedade capitalista privada, baseada na exploração do pequeno produtor pelo grande capitalista. Ainda que reivindicasse a supressão da propriedade capitalista privada, Proudhon era adversário do comunismo, posto que somente na conservação e consolidação da propriedade privada do camponês e do artesão via o meio destes prosperaram, e a situação do operário, segundo ele, não podia melhorar pela luta econômica e pelas greves, mas sim pela transformação do operário em proprietário.
Proudhon adotou esse ponto de vista em definitivo em 1845-1846, época em que imaginou o plano mediante o qual defendia que salvaria os artesãos da ruína e faria dos operários, produtores independentes.
Já disse o que Engels fazia em Paris nesses momentos. Seu adversário principal no debate sobre os distintos programas existentes era Karl Grün, representante do "socialismo verdadeiro". Grün estava ligado a Proudhon, cujas teorias divulgou entre os operários alemães residentes em Paris. Antes de Proudhon publicar sua nova obra destinada a desvelar todos os "antagonismos econômicos" da sociedade contemporânea, explicar a origem da miséria e dar a filosofia desta, havia comunicado suas ideias a Grün, que se apressou em utilizá-las em sua polêmica contra os comunistas.
Engels comunicou então o plano, por meio das palavras de Grün, ao comitê de Bruxelas:
"E que vemos nele? — escreve. Nem mais nem menos que os "armazéns de trabalho" conhecidos há muito tempo na Inglaterra, as associações de artesãos de distintas profissões, que já muitas vezes fracassaram, um grande depósito; todos os produtos fornecidos aos membros das associações são avaliados segundo o custo da matéria prima e a soma do trabalho gasto em sua confecção, e se pagam com outros produtos cotados segundo o mesmo método. Os produtos que sobram na sociedade são vendidos na praça e a soma que rende fica em proveito dos produtores. Assim crê o astuto Proudhon poder suprimir a ganância realizada pelo intermediário comercial".
Em outra missiva, Engels explanou sobre novos detalhes sobre o plano de Proudhon e se indignava pelo fato de que fantasias como a da transformação dos operários em proprietários pela aquisição de oficinas mediante a poupança, ainda atraíam os trabalhadores alemães.
Publicado o livro de Proudhon, Marx trabalhou nisso e respondeu a Filosofia da Miséria, com uma obra intitulada Miséria da Filosofia, na qual refutou, uma a uma, todas as ideias de Proudhon e opôs a seus pontos de vista suas bases do comunismo crítico. Pelo brilho e pela precisão do pensamento, esta obra é uma digna introdução ao Manifesto Comunista e em nada perde em comparação com o último artigo de Marx contra Proudhon, escrito uns 30 anos mais tarde, em 1874, endereçado aos operários italianos. Este artigo, intitulado A Indiferença Política (publiquei este em russo em 1931 na revista Proviestvhenié) em nada difere da Miséria da Filosofia, o que demonstrava que já em 1847 o ponto de vista de Marx estava definitivamente elaborado.
Marx, insisto, já o havia formulado em 1845, porém em forma menos clara. Necessitou mais dois anos de trabalho tenaz para escrever a Miséria da Filosofia. Investigando as condições da formação e do desenvolvimento do proletariado na sociedade burguesa, se dedicou cada vez mais ao estudo das leis do capitalismo, que governam a produção e a distribuição. Examinou as doutrinas dos economistas burgueses à luz do método dialético e provou que todas as categorias fundamentais, que todos os fenômenos da sociedade burguesa: mercadoria, valor, dinheiro, capital, são coisas passageiras.
Na Miséria da Filosofia tentou pela primeira vez estabelecer as principais fases do processo da produção capitalista.
Sem ser mais do que um esboço, Marx já demonstrava o verdadeiro caminho, dono do método mais seguro que o orientava, como uma bússola, no labirinto da economia burguesa. Porém, esta obra demonstrava que não basta aplicar um método justo e que, longe de se limitar a deduções gerais, é necessário estudar minuciosamente o capitalismo para conhecer todas as engrenagens de um mecanismo tão complexo. Marx ainda teria pela frente um imenso trabalho para transformar em um monumental sistema esse esboço genial que é, em essência, o Miséria da Filosofia no que concerne ao estudo dos principais problemas econômicos.
Antes de que atingisse tal objetivo, que implicava a impossibilidade de ocupar-se do trabalho prático, pode assistir à Revolução de 1848, prevista e impacientemente esperada por ele e por Engels, para a qual prepararam e elaboraram as teses fundamentais expostas no Manifesto Comunista.
Notas de rodapé:
(1) O conferencista Riazanov mostrou um exemplar que pertencia ao Instituto Marx e Engels. (retornar ao texto)