MIA> Biblioteca> Ignace Reiss > Novidades
Fonte: Publicada originalmente na carta de formação da Corrente O Trabalho do PT, seção brasileira da 4ª Internacional (www.jornalotrabalho.com.br).
Tradução: Serge Lux - da versão existente em La Verité Nº 546, Samizdat, A voz da oposição comunista na URSS novembro de 1969, página 89-91
Transcrição: Alexandre Linares
HTML: Fernando Araújo.
A carta que eu lhes estou escrevendo hoje, teria devido lhes escrever há muito tempo, no dia em que os "dezesseis"(1) foram massacrados nos porões da Loubianka sob a ordem do "pai dos povos".
Eu fiquei calado então. Eu também fiquei quieto sem protestar sobre os assassinatos que se seguiram, e esse silêncio me pesou. Sinto uma pesada responsabilidade. O meu erro é grande, mas vou me esforçar para consertá-lo, e para consertá-lo rapidamente a fim de liberar a minha consciência.
Até então eu caminhei com vocês. Eu não vou dar um passo a mais ao seu lado. Nossos caminhos divergem! Aquele se cala hoje se torna cúmplice de Stalin e trai a causa da classe operária e do socialismo!
Eu luto pelo socialismo desde meus vinte anos. No limiar dos quarenta anos eu não quero mais viver dos favores de um lejov(2).
Tenho atrás de mim dezesseis anos de trabalho clandestino. Isso é alguma coisa, mas me sobram ainda forças suficientes para começar tudo de novo, pois se trata bem de "começar tudo de novo", de salvar o socialismo. A luta já começou há muito tempo(3). Eu quero ocupar o meu lugar.
O alvoroço organizado em torno dos pilotos de avião que sobrevoam o pólo visa a esmagar os gritos e os gemidos das vítimas torturadas em Loubianka, Svobodnaia, Minsk, Kiev, Leningrad, Tiflis(4). Esses esforços são em vão. A palavra da verdade é mais forte que o ronco dos motores mais potentes.
Os recordistas da aviação, é verdade, tocarão nos corações das damas americanas e da juventude dos dois continentes, intoxicados pelo esporte com mais facilidade do que nós conseguiremos conquistar a opinião internacional e emocionar a consciência do mundo! Não nos enganemos portanto: a verdade abrirá seu caminho, o dia da verdade está mais próximo , bem mais próximo do que pensam os senhores do Kremlin. O dia que o socialismo internacional julgará os crimes cometidos ao longo dos dez últimos anos está perto. Nada será esquecido, nada será perdoado. A história é severa; o "chefe genial", "o pai dos povos", o "sol do socialismo"(5) prestará conta de seus atos: a derrota da revolução chinesa(6), o plebiscito vermelho(7), o esmagamento do proletariado alemão,o social-fascismo(8) e a frente popular, as confidencias de M. Howard(9), o namoro enternecido com Laval(10) — cada coisa mais genial que a outra!
Esse processo será público, com testemunhas, uma multidão de testemunhas, mortos ou vivos: falarão todos mais uma vez, mas desta vez para dizer a verdade, toda a verdade.Eles comparecerão todos , esses inocentes massacrados e caluniados , e o movimento operário internacional os rehabilitará a todos, esses Kamenev e Mratchkovski, esses Smirnov e esses Okoudjava, esses Ravovski e esse Andrés Nin(11), todos esses "espiões"e esses " provocadores" , esses " agentes da gestapo", esses "sabotadores "!
Para que a União soviética e o movimento operário internacional em seu conjunto não sucumbam definitivamente nos golpes da contra-revolução e do fascismo, o movimento operário deve se livrar desse Stalin e do stalinismo. Essa mistura do pior dos oportunismos — oportunismo sem princípios — de sange e de mentiras ameaça envenenar o mundo inteiro e aniquilar o resto do movimento operário.
Luta sem piedade contra o stalinismo!
Não à frente popular, sim à luta de classes! Não aos comitês, sim à intervenção do proletariado para salvar a revolução espanhola: tais são as tarefas na ordem do dia!
Abaixo a mentira do "socialismo num só país "! Volta ao internacionalismo de Lênin!
Nem a II nem a III Internacional são capazes de cumprir essa missão histórica: desagregadas e corrompidas, elas só podem impedir a classe operária de lutar; elas servem apenas de auxiliares às forças de polícia da burguesia. Ironia da história: outrora , a burguesia esgotava no seus seios os Cavaignac(12) e os Gallifet(13), os Trepov e os Wrangel(14). Hoje, é na "gloriosa "direção das duas internacionais que os proletários cumprem o papel de carrascos dos seus próprios camaradas. A burguesia pode se dedicar tranquilamente aos seus negócios: em todo lugar reina "a ordem e a tranqüilidade"; Temos ainda Noskes(15) e "Lelovs", Negrins e os Diaz(16). Stalin é seu chefe e Feuchtwanger(17) seu Homero!
Não, eu não agüento mais, eu volto à liberdade. Eu volto a Lênin, ao seu ensino e à sua ação.
Vou consagrar minhas modesta força à causa de Lênin: eu quero lutar, pois apenas nossa vitória — a vitória da revolução proletária- libertará a humanidade do capitalismo e a União Soviética do stalinismo!
Em frente para novas lutas para o socialismo e a revolução proletária! Para a construção da IV Internacional!
Ludwig (Ignace Reiss)
PS: Em 1928, eu fui condecorado com a ordem da bandeira vermelha, por serviços prestados à revolução proletária. Eu devolvo essa condecoração junto a esta carta. Seria contrário a minha dignidade usá-la ao mesmo tempo que a usam os carrascos dos melhores representantes da classe operária russa. (Os Izvestia publicaram ao longo das duas últimas semanas listas de novos condecorados cujas as funções passam em branco: são os executores das penas de morte.)"
Notas de rodapé:
(1) Os “dezesseis “são os condenados no primeiro processo de Moscou, em agosto de 1936, entre eles estão Zinoviev e Smirov. O “pai dos povos” era uma das expressões consagradas para Stalin pela imprensa stalinista, a Loubianka uma das cadeias da Gépéou em Moscou. (retornar ao texto)
(2) Burocrata pouco conhecido até então, Nicolas Lejov acabava, de ser nomeado por pedido de Stalin em setembro de 1936 na direção dos serviços secretos e da polícia política . Ele ia dirigir a grande purga, chamada pelos russos de “lejovtchina”, a do ano de 1937. (retornar ao texto)
(3) Reiss faz aqui alusão à luta encabeçada por Trotsky com a Oposição Internacional. (retornar ao texto)
(4) De 12 a 14 de julho de 1937, a tripulação soviética Gromov, Daniline e Loumatchev tinha realizado a ligação aérea Moscou — Los Angeles pelo pólo norte . A imprensa stalinista e a impressa burguesa davam obviamente mais importância a essa performance que às informações sobre a repressão deflagrada na URSS e na Espanha republicana contra os revolucionários. (retornar ao texto)
(5) Outras expressões comuns usadas para Stalin na imprensa stalinista (retornar ao texto)
(6) Stalin, de 1926 até 1937, defendeu com obstinação, contrariamente à oposição da esquerda, a necessidade de uma aliança estreita com Tchang-Kai-Chek, que finalmente massacrou os comunistas chineses e estrangulou a segunda revolução chinesa. (retornar ao texto)
(7) No mês de abril de 1931, durante um referendum que acontecia no estado de Prussia ( Alemanha), o partido comunista alemão votou com os nazistas contra os socialistas . Essa operação que se destacou como uma etapa importante na marcha de Hitler ao poder foi batizada “plebiscito vermelho”. Trotsky e a oposição de esquerda tinham denunciado o caráter contra-revolucionário dessa política inspirada por Stalin. (retornar ao texto)
(8) Ainda seguindo as diretrizes de Stalin, o partido alemão recusou de participar da frente única com os sócio- democratas, considerados “socio-fascistas” e a principal ameaça, pior que a ameaça nazista. (retornar ao texto)
(9) Declarações asseguradoras feitas a um dos donos da imprensa americana sobre a determinação da URSS de não exportar a revolução”... (retornar ao texto)
(10) Declaração feita no dia seguinte do pacto franco-soviético, na qual Stalin “entendia e aprovava “a política de “defesa nacional”do governo de direito presidido por Pierre Laval: esse foi o sinal de abandono pelo PCF de todas palavras de ordem e de toda ação anti militarista , de sua adesão à união sagrada .... (retornar ao texto)
(11) Andrés Nin, dirigente do POUM ( Partido operário de união marxista) espanhol e antigo militante do PC e da Oposição de esquerda , foi seqüestrado e assassinado em 1937 na Espanha pelos agentes da Guépéou. Os russos citados são todos velhos bolcheviques vítimas dos processos públicos de Moscou ou de processos secretos, executados na URSS (retornar ao texto)
(12) O general Cavaignac dirigiu a repressão contra a insureção operária de junho de 1848(França). (retornar ao texto)
(13) O general de Galliffet foi um dos carrascos da Comuna de Paris. (retornar ao texto)
(14) O general Trepov dirigiu a repressão contra os trabalhadores durante a revolução de 1905; O general Wrangel foi um dos chefes dos “brancos”durante a guerra civil russa. (retornar ao texto)
(15) O social democrata Noske, ministro da guerra em dezembro de 1918, lançou os corpos francos contra os operários e esmagou o proletariado alemão (retornar ao texto)
(16) José Diaz era o secretário geral do PC espanhol e Negrin, o chefe socialista do governo republicano espanhol que, em 1937, deixou o guepeou organizar na Espanha o assassinato dos revolucionários estrangeiros e espanhõis. (retornar ao texto)
(17) O escritor “de esquerda “Lion Feuchtwanger, depois de uma estada em Moscou, escreveu um livro à gloria de Stalin no qual ele justifica os processos de Moscou. (retornar ao texto)
Inclusão | 27/08/2019 |