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Primeira Edição: Resposta à Circular do Ministro da Justiça aos Interventores, enviada em Novembro de 1946.
Fonte: Luiz Carlos Prestes, Problemas Atuais da Democracia, pág. 363-414. Editorial Vitória, 1947, pág: 459-472.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo.
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O Senador Luiz Carlos Prestes pronunciou no dia 26 de Novembro, no Senado Federal o seguinte discurso:
O SR. CARLOS PRESTES — Sr. Presidente, Srs. Senadores: é a segunda vez, dentro de poucos dias, que me sinto na necessidade de vir à tribuna do Senado Federal, para deixar consignado nos Anais desta Casa protesto dos mais veementes contra outro atentado à Constituição, por parte do Poder Executivo e, particularmente, do Sr. Ministro da Justiça.
Este protesto, feito não só pessoalmente, mas também em nome do Partido que aqui represento, será baseado nos termos os mais serenos, com a maior prudência e com o máximo cuidado porque é essa, Sr. Presidente, Srs. Senadores, a nossa maior preocupação no momento histórico que atravessamos.
É com serenidade, é com sangue frio, que poderemos compensar os desatinos, o desespero de certos homens que ocupam, sem dúvida, postos de responsabilidade no Governo da República.
Refiro-me ao telegrama-circular, ontem publicado nos vespertinos, enviado pelo Sr. Ministro da Justiça, Sr. Benedito Costa Neto, aos interventores estaduais. É um documento, sem dúvida lamentável e inesperado mesmo, por parte de um jurista, de um constitucionalista, que ao lado de V. Excia. Sr. Presidente, podemos dizer, orientou os trabalhos da Grande Comissão encarregada da elaboração de nossa Carta Constitucional.
O Sr. Costa Neto, no caminho que vai trilhando, acabará pretendendo dissolver o Congresso Nacional por meio de uma circular, porque esta é a sua tendência. É tão gritantemente inconstitucional o telegrama-circular de ontem, investe de tal modo contra todos os preceitos constitucionais, que outra circular feita pelo mesmo punho e com a mesma assinatura, dissolvendo o Congresso, não seria de admirar.
Não sabemos o motivo de gesto tão desastrado, tão perigoso. Vemos na atitude do Ministro da Justiça, simplesmente uma demonstração de fraqueza, de desespero — causa única de tamanho desatino. Ela é, no entanto, dirigida diretamente contra o Partido Comunista, que represento nesta Casa e somente por isso me vejo na obrigação de tratar de tão insólito documento e de lançar desta tribuna o meu protesto veemente que, como disse, é o segundo dentro de uma semana porque, ainda há poucos dias, tive ocasião de me manifestar contra os termos da mensagem enviada pelo Poder Executivo à Câmara dos Deputados, a qual, certamente, não poderia ter sido assinada pelo Presidente da República, sem que o Ministro da Justiça, jurista máximo do seu governo, dela tomasse conhecimento.
É claro que o Sr. Costa Neto pretende continuar no mesmo caminho já trilhado pelo sr. Carlos Luz. Mas, se deseja prosseguir na mesma orientação, certamente virá a ter o mesmo fim: perderá o cargo e verá frustradas suas aspirações políticas, como aconteceu strictu simile, com o sr. Carlos Luz, que teve de deixar o posto e renunciar à candidatura ao governo de Minas Gerais.
Os tempos em que vivemos são outros. Não estamos mais em 1937; vivemos em 1946. É o que esses senhores não querem compreender. Pretendem fazer o tempo retroceder. É, porém, difícil dar nova vida a Hitler, Mussolini, Goebbels e também reviver os «Dips» [Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)] . Esses já estão mortos e, se outros surgirem, terão efêmera existência e arrastarão, na sua queda, as próprias autoridades que pretenderam restaurá-los.
Por outro lado, Sr. Presidente, lendo com atenção o telegrama-circular de S. Excia. o Sr. Ministro, na preocupação de mostrar uma causa, uma justificativa para tão grande desatino, só percebemos a fraqueza, o receio, o medo.
Mas, medo de quem?
Medo de um pequeno grupo de fascistas, alguns ainda envergando a farda do nosso Exército, e que pretendem representar as forças armadas.
O Sr. Costa Neto crê que esses senhores falam ainda em nome das forças armadas, quando o fazem exclusivamente por conta própria. Não as representam realmente. As forças armadas — particularmente o Exército Brasileiro, a que pertenci — não são fascistas. O Exército, que — repito — conheço mais de perto, é profundamente democrático, representa toda a nossa tradição democrática. Poderia ter sido arrastado, no ambiente de 1937, a golpes como o de 10 de Novembro. Mas esse mesmo golpe foi desfechado apenas por uma minoria. A maioria do Exército é democrata e antifascista. É o Exército de Benjamin Constant, de Siqueira Campos, do seio do qual saiu a FEB [Força Expedicionária Brasileira], que foi lutar na Europa contra o fascismo e que deixou, em Pistóia, os corpos da juventude antifascista, integrante das fileiras do nosso Exército.
Assim, Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Justiça está equivocado quando pensa satisfazer ao Exército ou às forças armadas, atendendo ao apelo de meia dúzia de fascistas, que não os representam. S. Excia. estaria muito mais à altura da posição elevada que ocupa, se soubesse resistir a tais elementos, não se prestando a apor sua assinatura a documento de tal maneira inconstitucional.
Além disto, o telegrama-circular ontem publicado nos matutinos é um documento alarmista e provocador. Quando ao Governo cabe a missão máxima de manter a ordem, evitar o alarma, a intranqüilidade, é justamente o Ministro da Justiça quem inquieta a opinião pública, com fantasmas e perigos, na verdade inexistentes, porque nesses perigos está exclusivamente o desejo de meia dúzia de fascistas.
Mas há uma diferença muito grande, que o Sr. Costa Neto talvez não tenha notado, entre o desejo desses senhores e a possibilidade de realizarem os seus desejos.
É o que acontece, também, no âmbito internacional, quanto ao desejo de guerra.
Há muita gente, há elementos do capital financeiro mais reacionário, que buscam uma saída guerreira para a situação difícil em que se encontram. Como desejam a guerra, fazem chantagem com a guerra, fazem chantagem com a bomba atômica. Mas não existem condições ou possibilidades para a realização de seus desejos.
A situação objetiva no momento histórico que atravessamos não permite ainda urna guerra. Há uma diferença muito grande entre vontade e possibilidade. É claro que o desejo desses senhores, dessa meia dúzia de fascistas seria o de não haver democracia, o de que a Carta de 18 de Setembro não tivesse sido promulgada. Há muito que desejam levar à ilegalidade o Partido Comunista. Se o desejo desses senhores viesse revestido de condições práticas para que se transformasse em realidade, já há muito o Partido Comunista não existiria.
Mas as condições objetivas são distintas das de 1937. Estamos em 1946. E é isto, que esses senhores não querem, de forma alguma, compreender.
Sr. Presidente, lendo com atenção o telegrama-circular do Sr. Ministro da Justiça, quero começar acentuando um equívoco.
S. Excia. referiu-se a uma reunião marcada pelo Partido Comunista para 27 de Novembro próximo e, posteriormente, transferida para 6, 7, 8 ou 9 de Dezembro vindouro. Trata-se de uma reunião normal do organismo dirigente do nosso Partido. O Comitê Nacional do Partido Comunista reúne-se de 3 em 3 ou de 4 em 4 meses.
A última reunião realizou-se em Julho. Marcou-se nova reunião para fins de novembro e o seu início seria a 27. No entanto, devido a múltiplas tarefas, principalmente à minha preocupação de examinar o orçamento, a reunião não pôde ser marcada para a data anteriormente indicada, e foi transferida para o início de Dezembro. Declara S. Excia. que aquela data foi marcada depois de programadas as comemorações para o dia 27. É falso. S. Excia. está equivocado. Dois dias antes dessa programação, a «Tribuna Popular» publicava a primeira noticia relativa à reunião. O Sr. Ministro se refere talvez à «Classe Operária». Este órgão publicou-o depois, porque se trata de um semanário, que só sai aos sábados. A «Tribuna Popular», a 13 de novembro, já noticiava em entrevista por mim concedida o que a «Classe Operária» publicou no sábado seguinte, sob o título: «Nada menos de um milhão de votos nas próximas eleições».
É o seguinte o início dessa entrevista: (Lê).
«No dia 27 do corrente, data em que se comemora o levante da Aliança Nacional Libertadora, quando os patriotas e democratas desse movimento caíram de armas em punho, lutando contra a ascensão do fascismo em nossa terra e no mundo, reunir-se-á o Pleno do Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil».
Isso, Sr. Presidente, dois dias antes da programação. Portanto, é falso o que afirma o Sr. Ministro da Justiça, em sua circular, quando diz que a transferência foi feita dois dias depois da programação.
Essa, a primeira falsidade da nota de S. Excia.
Além disso, Sr. Presidente, como temos membros do Comitê Nacional do Partido fora da Capital da República, no interior do país, no Recife, no Rio Grande do Sul, fomos forçados a fazer tal aviso com um mês de antecedência.
Tenho aqui algumas cartas, por mim assinadas, em nome da direção do Partido, datadas de 25 de Outubro deste ano, nos seguintes termos: (Lê).
«A Comissão Executiva resolveu convocar para o dia 27 de Novembro do corrente ano uma reunião plenária do Comitê Nacional.
Para esta reunião a C. E. propôs a seguinte Ordem do Dia:
«A situação política e as atividades do Partido». O esquema da reunião será enviado até o dia 15 do mês vindouro.
Pedimos o seu comparecimento à Comissão de Organização deste C. N. no dia 25 do referido mês».
Quer dizer que tais documentos foram enviados com um mês de antecedência, a todos os membros do Comitê Nacional do Partido, que são 50.
Quero mostrar com isso, Sr. Presidente, que há nervosismo, há precipitação por parte do Ministro da Justiça. S. Excia. devia, como autoridade, agir com maior prudência, para não cometer equívocos tão sérios, pois toda argumentação de S. Excia. baseia-se na coincidência de datas, aliás suposta exclusivamente por S. Excia., porque os fatos a contestam. Não existe realmente a coincidência a que S. Excia. se refere.
É claro, Sr. Presidente, que tudo isso tem por causa fundamental o receio da classe dominante e, talvez, do próprio Partido do Sr. Costa Neto, em face de declaração desta natureza. (Mostra a manchete da «Tribuna Popular».) S. Excia. leu no órgão do Partido Comunista:
«Nada menos de um milhão de votos nas próximas eleições».
O Sr. Ministro, nervoso, resolveu, desatinadamente, procurar meios e modos de impedir que esse milhão de votos de nosso povo seja realmente acumulado nas urnas em prol do nosso Partido. Não pode ser outra a explicação para o desatino da nota de S. Excia.
Ha, porém, mais. Entro, agora, propriamente na matéria da circular de S. Excia. Diz o Sr. Costa Neto que é um insulto comemoramos nós, comunistas, aquela data. Mas comemorar a data é um direito que nos assegura a Constituição. É o direito de opinião; é o direito à liberdade de pensamento. Por que não podemos ter opinião diametralmente oposta à de S. Excia. a respeito dos eventos de 27 de Novembro? É um direito que nos assiste e que a Constituição nos assegura. Parágrafos do art. 141 da Carta Magna nos garantem a liberdade de manifestação de pensamento e a completa liberdade de consciência. Podemos ter opinião completamente divergente e antagônica às de S. Excia., a respeito do movimento de 27 de Novembro, e a temos. Temos opinião contrária e assiste-nos, não só o direito como o dever de manifestá-la. Se todos os cidadãos falassem com franqueza e dissessem o que pensam, do debate das opiniões surgiria o encaminhamento da solução de todos os problemas nacionais.
Se estamos errados, por que não nos convencem dos nossos erros? Façam uso da tribuna e de todos os recursos de que podem dispor, principalmente o Governo, que conta com grande soma deles, conta com a imprensa, com um numeroso Partido no Parlamento, com a praça pública e outros locais à sua disposição, para nos convencer, a nós, comunistas, que estamos errados, ao dizer que a 27 de Novembro de 1935, estávamos lutando contra o fascismo, contra a fascistização da nossa Pátria, para impedir aquilo que não foi possível impedir, parque fomos derrotados, que era justamente o golpe de 10 de Novembro de 1937. Foi isso que pretendemos fazer em Novembro de 1935.
O Sr. Góis Monteiro: — V. Excia. me permite um aparte?
O SR. CARLOS PRESTES — Com todo o prazer.
O Sr. Góis Monteiro — Toda a Nação brasileira, todos os Partidos democráticos comemoram lutuosamente a data de 27 de Novembro. (Muito bem).
O SR. CARLOS PRESTES — Mas nós não dizemos que a vamos comemorar festejando. Não há nenhum documento, não há nada em que se diga que a festejamos, se bem que também o pudéssemos fazer.
O Sr. Góis Monteiro — Festejá-la seria considerado como um ultraje ao Exército e às famílias dos oficiais mortos. (Muito bem).
O SR. CARLOS PRESTES — Isso é velho argumento do DIP, Sr. Senador. Essa é a velha tendência, a velha repetição goebeliana no Brasil.
O Sr. Góis Monteiro — O Partido Comunista poderia fazer as suas reuniões em data que não fosse a de 27 de Novembro.
O SR. CARLOS PRESTES — Mas a data de 27 de Novembro, como ainda hoje pretendo mostrar ao Senado, é uma data de grande importância política para o nosso povo. É a de uma grande experiência histórica, Sr. Senador.
O Sr. Góis Monteiro — Creio que a minha opinião é a dos brasileiros.
O SR. CARLOS PRESTES — Acato a opinião de V. Excia., mas reclamo o direito de ter também a minha. V. Excia., como democrata, há de concordar que todos nós temos o direito de ter opinião e,de responder às opiniões contrárias .
O Sr. Góis Monteiro — Foi o que fiz. Respondi às proposições que V. Excia. trouxe ao debate. Creio que a minha opinião representa a opinião do Senado e a dos brasileiros. (Muito bem).
O SR. CARLOS PRESTES — Agradeço o aparte de V. Excia. porque ninguém mais do que eu aceita o debate. Aceito-o com imensa satisfação. Trata-se da opinião de V. Excia. que, aliás, não precisava ser externada porque já a conheço. É a opinião do Partido da maioria. Nós somos o Partido da minoria que, depois de 23 anos de vida clandestina, alcançou, o ano passado, a legalidade e tem procurado defender o seu ponto de vista a respeito, não somente dos acontecimentos de 27 de Novembro, como de muitos outros acontecimentos da nossa Pátria, como da própria história brasileira, escrita sempre pelas classes dominantes. Temos opinião diferente sobre acontecimentos e vultos, que julgamos não merecerem a exaltação com que são consagrados. Muitas vezes concordaremos mais com Teófilo Otoni, quando, referindo-se a Pedro I, ao inaugurar-se a sua estátua, chamou-a de «mentira de bronze».
Lutamos pela verdade histórica. Não somos maníacos Estamos prontos para o debate. Se estamos errados, se a nossa opinião é falsa, que provem essa falsidade. Ninguém mais do que nós deseja aprender. E só se aprende dizendo se com sinceridade o que se pensa. Seriamos hipócritas e traidores do povo se disséssemos o contrário do que pensamos. Vemos, no movimento de 27 de Novembro, uma luta pela democracia. Naquele ano, quando tudo marchava para o fascismo, quando o governo estava de braços dados com o integralismo, negociava com os marcos de compensação de Hitler, mandava carne em troca de liras-papel para que os soldados de Mussolini matassem negros na Abissínia, quando o governo abria as fronteiras do nosso país, para a invasão militarmente organizada de japoneses, sob o eufemismo de imigração clandestina, porque a Constituição de 1934 não admitia a entrada no Brasil senão de 2.800 japoneses e entravam 28 a 30 mil japoneses por ano, lutamos contra tudo isso, e a nossa luta se realizava pela democracia.
Passei nove anos na prisão, acusado de pretender implantar o comunismo no Brasil. Ora, nem naquela época, Sr. Presidente, nem agora, pretendi implantar o comunismo no nosso país. E isso porque o comunismo não se implanta. Não lutamos por uma revolução comunista, nem agora, nem naquela época. Lutávamos por um governo popular nacional-revolucionário, capaz de resolver os problemas da revolução democrático-burguesa, tal como se realizou na França há 150 anos atrás. Lutamos pela independência da Pátria contra os que impediam o progresso nacional. Era isso que queríamos naquela época. Naquela época precisávamos, no entanto, enfrentar a demagogia integralista. Não podíamos deixar de apresentar programas práticos. Não bastava tomarmos atitudes negativistas. Éramos contra o integralismo, contra a fascistização da nossa Pátria e, simultaneamente, apresentávamos um programa para resolver os problemas nacionais, para poder contrabalançar o programa lançado pelo integralismo que fazia demagogia e dizia ser contra o Sr. Vargas, quando estava de mãos dadas com o governo. Foi esta, Sr. Presidente a interpretação que demos aos acontecimentos de Novembro de 1935. Ninguém mais do que nós, ao estudar esses acontecimentos reconhece os erros cometidos. Somos práticos, realistas. Sabemos que, em política, quando se é derrotado, é porque se cometeram erros e, então, vamos investigar as causas desses erros, não somente em benefício nosso, mas para engrandecer a experiência do nosso povo. Foi isto que tive ocasião, de dizer, há um ano, em 26 de Novembro, do ano passado, em Recife. S. Excia. o Sr. Ministro da Justiça está equivocado quando pensa que é a primeira vez que comemoramos os acontecimentos de 27 de Novembro.
No ano passado, na data de hoje, encontrava-me em Recife e fiz esse discurso (mostrando) num grande comício, perante cerca de 250.000 pessoas. Tive ocasião de falar ao povo. E que dizia eu então?
Vou ler simplesmente uma passagem. Depois de ter feito uma saudação inicial ao povo do Nordeste dizia eu em 26 de Novembro do ano passado:
«Concidadãos! O movimento de 1935 foi por 10 anos difamado, caluniado nos seus verdadeiros objetivos. Em 1935, o mundo marchava para o fascismo. Hitler assumia o poder na Alemanha e no mundo inteiro o fascismo subia e aqui em nossa terra, um governo reacionário (muito bem) de mãos dadas com os bandidos integralistas (muito bem) tudo fazia para levar o Brasil ao fascismo, entregar nosso povo ao chicote da Gestapo. Naquela época, concidadãos, ser patriota era ser democrata e ser democrata era saber lutar contra a fascistização de nossa terra. (Muito bem, palmas). Se a todos nós nos roubavam as mais elementares armas da democracia, era dever nosso, de patriotas, de democratas, empunhar as verdadeiras armas e da democracia, era dever nosso, de patriotas, de democratas, empunhar as verdadeiras armas e de armas na mão continuar lutando contra a fascistização do Brasil.
«Foi o que fizeram os comunistas desde o início de 1935. Os comunistas estendiam a mão a todos os patriotas e democratas e organizavam a Aliança Nacional Libertadora. (Muito bem).
Organizavam-na com que objetivos? Com o objetivo de impedir a fascistização de nossa terra. (Muito bem). A Aliança Nacional Libertadora era antifascista e com 3 meses de vida, era arbitrariamente, contra o espírito e contra a letra da Constituição, fechado o movimento aliancista. (Muito bem). O povo, no entanto, continuou a afluir às fileiras da Aliança e, se o fascismo marchava em ascendência no mundo inteiro, se os bandos integralistas atacavam em todas as cidades ao povo que lutava pela democracia, a Aliança Nacional Libertadora, à frente do povo e com o Partido Comunista, fez uso, contra a violência dos dominadores, da violência, como única arma de que podiam dispor todos os verdadeiros patriotas.
Hoje dispomos de outras armas, as da democracia, que naquela época não existiam: o Partido Comunista era considerado ilegal; a Aliança Nacional Libertadora — fundada e que era um movimento de frente única antifascista, — mal pôde conseguir três meses de vida, porque a polícia do Sr. Filinto Müller a fechava no dia 13 de Junho, contra o espírito e a letra da Constituição de 1934. A seguir fez-se a mais atroz perseguição ao movimento antifascista, enquanto facilitava-se tudo ao integralismo. Fazia-se naquela época o que agora se pratica de novo. Enquanto se alarma o povo contra o fantasma inexistente, o governo está dando mão forte ao integralismo chamando para as fileiras da Marinha, oficiais e praças que foram apanhados de armas na mão a 11 de Maio de 1938. Os jornais de ontem e de hoje dão longa lista de criminosos conhecidos que voltam para a Marinha, enquanto que, para os anistiados da Aliança Libertadora não se dá nenhuma satisfação. Utilizam-se da condição de generais para insultá-los, e nada mais.
Essa é a tendência. Foi o que disse no ano passado. Não imaginaríamos nunca que, se um ano antes de ser promulgada a Constituição de 18 de Setembro, podíamos proferir essas palavras em praça pública, em comemoração à data de 27 de Novembro, defendendo nosso ponto de vista conhecido sobre os acontecimentos de 1935, agora, em pleno regime constitucional, fosse considerado crime, como disse S. Excia o Sr. Ministro Costa Neto. Mas que crime? Onde descobriu S. Excia. dispositivo penal que impeça a liberdade de pensamento? Só pode ser a Lei n.º 431, a denominada «lei-monstro», de 1935. Não pode ser outra.
S. Excia. prudentemente não cita o dispositivo penal, não diz qual é a lei. Refere-se apenas a dispositivo penal que deve ser posto em prática.
Era crime o que dizíamos no Recife, o ano passado?
Não é crivel, portanto, que vivendo hoje em regime democrático, se possa negar o que já era possível antes da promulgação da Constituição. E qual o crime? De que nos acusam? Não o consigo capitular, a não ser na lei evidentemente revogada pela Constituição, que é a Lei n.º 431, de 1935. É a única. É a lei fruto primeiro daquela evolução para o fascismo em nossa Pátria.
O que acontece é que, com atitude dessa natureza, com gesto dessa ordem, agindo dessa maneira. S. Excia. o Sr. Ministro da Justiça está fazendo justamente o contrário da sua alta e elevada missão, qual seja a de manter a ordem. No entanto, é S. Excia. o maior provocador de desordem. É S. Excia. quem quer e deseja a desordem. O telegrama-circular, além de alarmista, instiga a desordem. Basta ler o que foi dito a autoridades (em geral tão reacionárias e atrabiliárias) como os Interventores Estaduais. Se existem alguns que constituem honrosas exceções, a maioria é constituída de pessoas prontas a cometer arbitrariedades, a continuar fazendo governo forte e deseja tornar ainda mais dura e mais fascista essa legislação caduca, já revogada pela Carta de 18 de Setembro. No entanto, S. Excia. dirigiu-se a esses Interventores determinando que procedam a «imediata e cabal punição».
Que será «imediata e cabal punição»?
O Sr. Ministro da Justiça, ao invés de aconselhar calma, prudência, serenidade, sangue frio aos interventores, é o primeiro a instigá-los a que reprimam, com violências, e pratiquem cabal punição. Serão, por acaso, os fuzilamentos, em praça pública? Será o método Lira-Imbassaí que se pretende espalhar por todo o Brasil?
É o que nos faz pensar a recomendação do Sr. Ministro da Justiça. Não vemos outra explicação para a orientação e Para a frase do telegrama-circular de S. Excia. É a provocação clara, aberta, à desordem. É querer levar o país, realmente, a desordem. É o que S. Excia. deseja.
Compreendemos o objetivo. Ligamos esse telegrama à vitóira provável de grande número de candidatos comunistas, no pleito de 19 de janeiro. S. Excia. quer a desordem para evitar as eleições. Essa, a preocupação máxima, de S. Excia., a fim de justificar toda a reação — inclusive a dissolução do Parlamento. Esse é o caminho, essa é a orientação de S. Excia.
Para reforçar a própria instigação, o Sr. Ministro da Justiça termina seu telegrama afirmando aos interventores que quaisquer recursos, etc., estão prontos para apoiá-los. É o mesmo que dizer: se necessitarem de reforços — é o plano de guerra da circular do Ministro, que pode ser comparada mesmo a um comunicado de guerra — já estamos com as reservas preparadas; podem iniciar a batalha, podem atirar contra o povo, que não somente serão apoiados mas também reforçados. Temos recursos à disposição; estamos prontos a mandá-los. Os aviões se acham à disposição para levar as reservas a cada interventor que queira massacrar o povo. Querem criar novos «Largos da Carioca» pelo Brasil afora.
Mas, Sr. Presidente, estes conselhos do sr. Costa Neto à violência não terão conseqüências, não poderão dar o resultado que S. Excia. deseja. O Sr. Costa Neto está equivocado e não conseguirá, ainda desta vez, derramar o sangue de nossos concidadãos, porque o Partido Comunista, intimamente ligado ao povo e que dirige, sem dúvida, grandes massas, saberá esclarecê-lo e mostrar-lhe o conteúdo, a verdadeira razão de ser desse telegrama, para aconselhar-lhe que mais do que nunca seja prudente. Não será ainda desta vez, depois dos acontecimentos de 30 e 31 de agosto, quando a dupla Lira-Imbassaí pretendeu, com o apedrejamento de casas comerciais, arrastar o povo carioca à desordem, para justificar a reação naquela época, e, portanto, impedir a promulgação da Constituição; não será agora que o Sr. Costa Neto conseguirá a desordem. Continuaremos lutando pela ordem, com prudência, com serenidade, com sangue frio cada dia maior para compensar o desespero e a fraqueza dos governantes, que não conseguirão, de forma alguma, arrastar nem a nós nem ao povo brasileiro, porque, durante este ano e meses de vida legal para o nosso Partido temos feito campanha de educação política, preparando politicamente o nosso povo.
Já no ano passado mostrávamos ao povo brasileiro que não era por um simples golpe, pela substituição do Sr. Getúlio Vargas por um magistrado, que chegaríamos a ter democracia em nossa Pátria. Chegaremos à democracia através de longo e doloroso processo, pois a democracia só se conquista à medida que se consegue elevar o nível político do povo.
Assim, Sr. Presidente, não existindo os fantasmas, não encontrando, de fato, nenhum motivo, não poderão os Interventores nem os policiais do Sr. Costa Neto derramar o sangue do nosso povo. Sua circular ficará como um documento que quero comparar à atitude de um D. Quixote, isto é, S. Excia. investe de lança em riste contra moinhos de vento, contra perigos inexistentes. Nesse sentido, quero ler o comunicado que, hoje, foi distribuído à Imprensa pela Comissão Executiva do Partido Comunista: (lê)
«A Comissão Executiva do Partido Comunista do Brasil chama a atenção de todo o Partido para o telegrama-circular do Sr. Ministro da Justiça referente à data de 27 de Novembro. Trata-se de mais um atentado à Constituição por parte do atual governo e contra ele protestará a direção de nosso Partido. É ainda de assinalar a evidente provocação policial contra a qual prevenimos a todo o Partido, determinando expressamente que não se realizem quaisquer solenidades naquela data, pois, acima de tudo, está a necessidade de evitar pretextos para a desordem, que parece desejar o Ministro que tão abertamente viola a Constituição. Muito cuidado, pois, com as provocações que evidentemente se preparam para aquela data. Aproveitemos o ensejo para reforçar nossas ligações com as grandes massas e protestar dentro dos recursos estritamente legais contra os repetidos atentados à nova Carta Constitucional.
Por um milhão de votos nas eleições de 19 de Janeiro! Viva o Partido Comunista do Brasil! — Rio, 25 de Novembro de 1946. — A Comissão Executiva do PCB.
É esta, Sr. Presidente, a resposta que damos ao Sr. Costa Neto. É com esta atitude de serenidade e sangue frio que tiramos a S. Excia. o último pretexto para alcançar o que deseja.
Quanto às comemorações da data de amanhã, estas Sr. Presidente, estão no coração de todos os antifascistas, de todos os patriotas. Nós as vimos fazendo desde o meu primeiro discurso, depois que fui posto em liberdade. Quando no campo do Vasco da Gama, no dia 23 de Maio do ano passado, falava ao público, e pela primeira vez o nome do Partido Comunista era pronunciado, tive ocasião de proferir estas palavras, que, naturalmente, vão causar estranheza ao Sr. Ministro da Justiça porque pensa que é a primeira vez que comemoramos esta data. Dizia eu, naquela ocasião:
«O Partido Comunista do Brasil é o meu Partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora — frente única dos patriotas e democratas que em todo o Brasil se uniram para impedir a fascistização de nossa terra. Na luta cruenta e desigual, caímos lutando, mas como já prevíamos, e sempre acontece quando se procede com sinceridade e honestidade, o que, em 1935, parecia ser uma derrota esmagadora foi, de fato, a vitória que agora festejamos. Evoquemos a memória dos que caíram na luta, dos que não puderam resistir fisicamente às brutalidades policiais e aos duros anos de cárcere. Foram eles os precursores de nossos soldados, dos filhos queridos do nosso povo que honrando as melhores tradições de nosso Exército, deram seu sangue e sua jovem vida em holocausto pela honra e independência da Pátria. Glória eterna aos que tombaram na luta contra o nazismo, a quinta-coluna e o integralismo! O seu exemplo não será por nós esquecido e ajudará sempre o nosso povo a vencer todos os obstáculos e todas as resistências que se apresentem no caminho da democracia, do progresso do Brasil e da união, independência e bem-estar do nosso povo».
Sr. Presidente, para comemorar, de fato, a grande vitória da democracia em nossa Pátria — democracia que tem suas raízes, sem dúvida, na derrota de 1935 — o povo brasileiro a 19 de Janeiro próximo, nas eleições que se hão de realizar, saberá fazê-lo, escolhendo pelo voto, seus legítimos e verdadeiros representantes. Será assim que o povo há de conquistar e consolidar a democracia em nossa Pátria.
Inclusão | 26/09/2011 |