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Primeira edição: Discurso proferido em 23 de maio de 1945 em comício realizado no Estádio de São Januário, do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, em comemoração à anistia política.
Fonte: Edições Horizonte Ltda.
Transcrição e HTML: Fernando A. S. Araújo, dezembro 2007
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Brasileiros! Trabalhadores!
Povo Carioca!
Digníssimos senhores representantes dos povos irmãos!
Prezadíssimos camaradas das delegações estrangeiras!
Queridos amigos e amigos da gloriosa Aliança Nacional Libertadora!
Companheiros e companheiras do Partido Comunista! Amigos e companheiros!
É com a mais funda emoção que participo desta festa em que o povo essencialmente democrata e antifascista de nossa querida cidade festeja a primeira grande vitória da democracia em nossa terra.
A anistia foi, sem sombra de dúvida, uma conquista do povo: de homens, mulheres e crianças unidas pelo coração num sentimento que se tornou paixão, numa idéia que se fez força.
Estes meses de luta pela anistia trouxeram uma alegria nova ao coração dos cariocas mais velhos. Pais e avós recordarem as passadas lutas pela democracia — seus filhos e netos que ainda não tinham podido conhecer na prática a força do povo organizado, mostraram-se em poucos dias dignos das melhores tradições de nosso povo. Mas a anistia foi também uma conquista dos nossos marinheiros e aviadores, e dos rapazes queridos da nossa Força Expedicionária. Foi lutando lá na Itália contra o inimigo nazista que eles melhor ajudaram o nosso povo na marcha para a Democracia. Lutaram pela anistia enfim todos aqueles que no mundo inteiro lutaram contra o nazismo, desde os heróicos soldados das Nações Unidas, os gigantes de Stalingrado, os valentes de El Alamein, os bravos de Guadalcanal, os heróis de Shangai, de Yenan, de Shangshá, até os guerrilheiros de Tito, da resistência francesa, da libertação italiana e os milhões de seres humanos que resistiam com energia e dignidade nos cárceres do fascismo de todo o mundo.
Pela anistia lutaram ainda, durante anos seguidos, os trabalhadores irmãos não só na América como também na Europa — os franceses do "Front Populaire", o povo heróico da Espanha Republicana nas vésperas ainda do ataque traiçoeiro de Julho de 1938. Os povos irmãos de todo o Continente, tendo à frente os homens de maior prestígio popular, fizeram da luta pela anistia no Brasil uma luta própria, bandeira de unidade no bom combate pela democracia, contra o fascismo e a quinta coluna.
A todos a homenagem de nosso reconhecimento e admiração.
Mas a anistia foi obra também de nosso governo, deste mesmo governo que dando volta atrás nas suas tendências inaceitáveis para o povo, vencendo dificuldades mil criadas sempre pelos reacionários que o comprometiam e que, infelizmente em grande parte ainda o comprometem, preferiu ficar com o povo — cortar relações com o Eixo, declarar-lhe guerra, estabelecer relações com o governo soviético e finalmente abrir as prisões e revogar na prática as restrições à democracia mais sensíveis ao nosso povo. Honra aos homens de governo que sabem ficar com o povo e evitar por superior patriotismo o dilaceramento terrível das guerras civis!
Brasileiros! Trabalhadores! Companheiros e companheiras!
Depois de tantos anos de prisão e isolamento bem podeis imaginar a satisfação com que vos dirijo a palavra.
Falo na qualidade de membro e dirigente do único partido político verdadeiramente nacional que já existiu e existe em nossa terra.
Sabeis, cariocas e brasileiros, que sou comunista.
O Partido Comunista do Brasil é o meu partido. Foi ele o organizador e dirigente do glorioso movimento da Aliança Nacional Libertadora — frente única dos patriotas e democratas que em todo o Brasil se uniram para impedir a fascistização de nossa terra. Na luta cruenta e desigual caímos lutando, mas, como já prevíamos e sempre acontece quando se procede com sinceridade e honestidade, o que em 1935 parecia ser uma derrota esmagadora foi de fato a vitória que agora festejamos.
Evoquemos a memória dos que caíram na luta, dos que não puderam resistir fisicamente às brutalidades policiais e aos duros anos de cárcere. Foram eles os precursores de nossos soldados, dos filhos queridos do nosso povo que honrando as melhores tradições de nosso Exército deram seu sangue e suas jovens vidas em holocausto pela honra e pela independência da Pátria.
Glória eterna aos que tombaram na luta contra o nazismo, a quinta-coluna e o integralismo! Seu exemplo não será por nós esquecido e ajudará sempre o nosso povo a vencer todos os obstáculos e todas as resistências que se apresentem no caminho da democracia, do progresso do Brasil e da união, independência e bem-estar do nosso povo.
Depois de mais de uma dezena de anos de terror fascista, em que as prisões do mundo inteiro estiveram cheias de antifascistas de todas as classes, em particular dos mais dedicados filhos da classe operária, foi afinal o nazismo obrigado a capitular ante os soldados das democracias do mundo inteiro. A derrota militar foi sem dúvida esmagadora e definitiva, na Europa ao menos;
"De agora em diante ondulará sobre a Europa a bandeira que nos é tão querida: a bandeira da vitória dos povos e da paz entra as nações". (Stalin)
Mas a vitória militar não basta. Já o estamos vendo. O fascismo corrompeu e envenenou o mundo inteiro — seus restos meio mortos, meio vivos, são ainda perigosos e precisam ser removidos, arrancados de raiz. Está em nossas mãos esta obra — a liquidação moral e política, definitiva e completa da grande peste. Não esqueçamos o sangue derramado e continuemos de maneira consciente e enérgica, sem vacilações, a luta pela democracia, contra a barbárie, até o esmagamento definitivo, moral e político, do nazi-fascismo, da quinta-coluna e de todos os seus agentes no mundo inteiro.
Festejamos a paz, mas sentimos que a própria paz exige de nós esforços novos para que seja mantida, aqui, em nossa terra, e no mundo inteiro.
A vitória militar foi alcançada pela unidade, pela colaboração fraternal dos povos amantes da democracia, em particular pela aliança sincera e honesta das duas grandes democracias capitalistas com a democracia do proletariado.
Foi a obra gigantesca dos três maiores estadistas da nossa época — o presidente Roosevelt, o primeiro ministro Churchill e o marechal Stálin. Graças a eles e à consciência esclarecida de seus povos não tiveram resultado durante a guerra as manobras e tentativas divisionistas dos hitleristas e de todos os seus agentes espalhados pelo mundo. Contra os pessimistas de todos os tempos, os céticos e os descrentes, a colaboração das três grandes potências foi possível para a guerra e foi na base dessa cooperação que a guerra foi levada a bom termo e a vitória alcançada da maneira mais rápida e decisiva, esmagadora e definitiva. É que a aliança das três grandes nações se baseava, não em motivos acidentais ou temporários, mas em interesses vitais e permanentes. E são esses mesmos interesses, vitais e permanentes, objetivos e fundamentais, que asseguram, agora, mais do que antes, a possibilidade de que elas continuem juntas para a paz, para o período histórico que se inicia de desenvolvimento pacífico para os povos do mundo inteiro. Não nos deixemos enganar pois, pela exploração divisionista dos reacionários e quinta-colunistas, que aproveitam os debates de São Francisco para lançar a confusão e alarmar o mundo com a separação por eles sempre desejada das três grandes nações dirigentes. Como temos visto nos últimos dias, os boatos que nos chegam através das grandes agências telegráficas, da Europa ou deSão Francisco, pouco duram, mas são logo substituidos por novos boatos, cada vez mais cínicos, visando sempre armar a quinta-coluna com novos argumentos para a sua campanha solerte de guerra e divisionismo. Por tudo isso, convém agora recordar e ter sempre presente aquelas palavras do marechal Stálin em 7 de novembro do ano último:
"Fala-se em divergências entre as potências sobre alguns problemas da segurança. Diferenças existem. Diferenças podem existir entre membros do mesmo partido, quanto mais entre representantes de diversos Estados e partidos diferentes. O que surpreende não é a existência de diferenças, mas que sejam tão poucas e que quase sempre sejam superadas graças à unidade e ação coordenada das três grandes potências. Não houve entre nós nenhuma diferença mais séria que a abertura da segunda frente, e essa foi finalmente resolvida num espírito de completa unanimidade".
E foi essa unanimidade que nos trouxe a vitória.
Enquanto as três grandes potências continuarem unidas teremos paz no mundo. Separadas, voltaríamos à guerra, guerra internacional e guerras civis, ao caos e à destruição de povos inteiros. Não; a colaboração para a paz é possível e necessária, tão possível e necessária quanto o foi para a guerra e para a vitória. Mas cabe igualmente a todos nós, os democratas do mundo inteiro, apoiar e sustentar a colaboração das três grandes potências, lutando sem repouso pela paz interna em nossa própria Pátria, não poupando esforços para encontrar sempre a solução harmônica e pacífica de todas as divergências e contradições de classes que porventura nos possam separar e dividir. Não foi inútil o sangue derramado em tantos anos de guerra. Não é diferente, por acaso, o mundo de hoje daquele de antes da guerra? O mundo de Teerã e Criméia daquele de Munich? O mundo em que o marechal Tito pode mandar fuzilar o traidor Mihailovich, daquele que permitiu a Franco assassinar o povo espanhol?
Antes da guerra, nós, comunistas, lutávamos contra a democracia burguesa aliada dos senhores feudais mais reacionários e submissa ao capital estrangeiro colonizador, opressor, explorador e imperialista. Hoje, o problema é outro, a democracia burguesa volta-se para a esquerda, a classe operária tem a possibilidade de aliar-se com a pequena burguesia do campo e da cidade e com a parte democrata e progressista da burguesia nacional contra a minoria reacionária e aquela parte igualmente reacionária do capital estrangeiro colonizador. Mesmo aqui em nossa terra, o velho tipo de politiqueiro demagogo, que se ria do povo que cinicamente enganava, e do qual só se lembrava nas horas de eleições, tende a desaparecer, de morte natural, por fatalidade histórica. Tem por isso toda a razão o jornalista que escreveu há dias que o novo político é aquele que acredita no povo.
"No povo que tem plena consciência de seus interesses, mas que no momento mostra ter pouca confiança nos políticos que nunca o souberam compreender. Essa confiança é que é preciso restabelecer pela união de todas as classes na realização de uma tarefa comum que faz das reivindicações políticas o passo inicial de um imenso programa consistente em pôr em aproveitamento as possibilidades econômicas do país". (O Jornal, 18/5/45).
É este justamente o programa de união nacional que pregamos e pelo qual lutamos desde a agressão nazista ao nosso povo, desde que com o ataque de Hitler à União Soviética teve inicio a grande guerra pela libertação e independência dos povos. Mas a união nacional dos dias de hoje, do momento histórico que atravessamos, nada tem que ver com a política reformista daqueles que em 1914 fizeram a "união sagrada" em benefício do imperialismo e à custa do sangue das grandes massas trabalhadoras. Uma cousa é tão diferente da outra quanto são diferentes as Nações Unidas, de hoje, da velha Liga das Nações — organização reacionária contra os povos soviéticos, estes mesmos povos que sob a direção do Partido Bolchevique de Lenin e do guia genial, o marechal Stálin, são hoje o esteio máximo dasNações Unidas.
"Com a vitória sobre o nazismo entramos realmente numa nova época. Terminou o período de guerra e começou o período do desenvolvimento pacífico". (Stálin).
Nós, comunistas, que vivemos sempre na ilegalidade, sentimos bem o quanto difere esta nova época daqueles tempos de antes da guerra, em que vivíamos perseguidos, insultados e vilmente caluniados. Éramos então os "traidores da pátria", porque nos defendíamos com ardor e violência da violência de um Estado a serviço dos elementos mais reacionários das classes dominantes e do capital estrangeiro colonizador. Depois veio a ameaça fascista, e com a derrota de 1935 encheram-se em nossa terra os cárceres da reação. Foram os anos negros de nossa história contemporânea. Mas, dez anos de guerra e perseguições contra o comunismo fizeram do nosso povo o povo mais comunista da América.
É o que tinha de ser. Comunista para o nosso povo é aquele que de maneira mais firme e conseqüente luta contra o estado de cousas intoleráveis e injusta predominante em nossa terra; comunista é o que quer a negação disso que aí tomos, a negação da miséria e da fome, a negação do atraso e do analfabetismo, a negação da tuberculose e do impaludismo, a negação do barracão e do trabalho de enxada de sol a sol nas fazendas do senhor, a negação da censura à imprensa e das limitações de toda ordem às liberdades civis, a negação enfim da exploração do homem pelo homem. E o povo tem razão, porque é realmente este em seus traços gerais o nosso programa, o programa do Partido Comunista do Brasil, que justamente por isso é nos dias de hoje o partido não só do proletariado como de iodo o nosso povo.
Na realização progressiva e pacífica, dentro da ordem e da lei, de um tal programa, está sem dúvida a única saída para a grande crise política, econômica e social que atravessamos. E é por estarmos convencidos disto que, num gesto de lealdade e de superior patriotismo, estendemos a mão a todos os homens honestos, democratas e progressistas sinceros, seja qual for sua posição social, assim como seus pontos de vista ideológicos ou filosóficos e seus credos religiosos. Só assim alcançaremos a verdadeira união nacional sem a qual seremos presa fácil do fascismo e dos agentes do capital estrangeiro mais reacionário que, na defesa de seus interesses, fomenta a desordem e prega a desunião, geradora do caos e da guerra civil que precisamos c todo transe evitar.
Esta a nossa posição política, a linha política de nosso Partido — unificação nacional para iniciar a solução dos graves problemas econômicos e sociais e chegarmos, de maneira pacífica, através de eleições livres e honestas, à Assembléia Constituinte e à reconstitucionalização democrática que todos almejamos.
A não ser com o nosso povo não temos compromissos com ninguém. Lutamos e lutaremos pela unificação nacional e estendemos a mão a todos os brasileiros, mas não fazemos cambalachos nem cederemos uma linha sequer aos desordeiros aos golpistas, trotskistas e demais aventureiros a serviço do fascismo e dos piores inimigos do nosso povo.
Sabemos o quanto é grave o momento que atravessamos e em contato, como estamos, com as camadas mais pobres de nosso povo sabemos e sentimos o quanto é dolorosa sua situação econômica e miserável o nível de vida a que chegou. Multiplicam-se com a inflação os preços dos artigos de primeira necessidade e não são reajustamentos de salários cem acréscimos de 40 ou 50% que permitirão à classe operária sair da miséria em que se debate. Do outro lado, uma absurda fixação de preços que em geral só atingiu os produtos agrícolas de maior consumo veio agravar a situação já difícil em nosso campo, fomentar o êxodo agrícola para as grandes cidades e determinar a escassez cada vez maior dos referidos artigos e alimentai a especulação impiedosa do mercado negro.
Como enfrentar tão séria situação? O remédio não está, evidentemente, na guerra civil nem nos golpe;; salvadores. Mas já está visto também que os paliativos nada resolvem. Não é mais possível enganar a fome do povo com a eloqüência vazia sobre as belezas de nossa natureza. O método mais recente do malabarismo com cifras já não dá também maiores resultados. Como avaliar valores com uma unidade monetária elástica que encolhe cada vez mais em seu poder de compra?
A linguagem dos patriotas é outra — o povo não quer ser acalentado como criança, quer conhecer a verdade, e já provou suficientemente nesses anos de guerra que sabe sofrer em silêncio, com altivez e resignação, se assim for necessário à honra e à independência da Pátria. O que é evidente, já não pode mais ser negado, é que, já agora, estala por todos os lados nossa arcaica estrutura econômica. Nada se fez de prático nos últimos quinze anos, que se seguiram à grande crise de 1929, para resolver as contradições fundamentais entre as forças de produção em crescimento e unia infra-estrutura econômica secularmente atrasada em que os restos feudais lutam ainda por sobreviver em plena época da revolução socialista e da vitória do socialismo; já em realização na sexta ou quinta parte do mundo.
A verdade é que os elementos mais reacionários das classes dominantes do país e do capital estrangeiro procuraram, e em grande parte o conseguiram, nestes quinze anos, impedir o progresso nacional. Política de proteção aos que monopolizam a propriedade da terra e não a cultivam, pela lei do reajustamento econômico, pela queima do café, pelos Institutos monopolizadores. Política da proteção a uma industria primitiva e retrógrada, pela proibição da importação de maquinaria moderna. Tudo determinando uma renda nacional miserável que não permite maior expansão da renda pública, o que impediu o reequipamento das estradas de ferro, a aquisição de navios, o desenvolvimento da instrução popular e o saneamento em escala necessária de largos tratos de nosso vasto país.
Tentamos em 1835 com a Aliança Nacional Libertadora resolver revolucionariamente tais problemas, enfrentar a demagogia integralista com a resolução dos problemas fundamentais da revolução democrático-burguesa — a revolução agrária e anti-imperialista pelo seu conteúdo, porque já sabíamos que sem um golpe decisivo contra o capital estrangeiro reacionário e colonizador, sem que a terra passasse ao poder da massa camponesa sem terra, nenhum passo seria possível dar no progresso do país. Fomos derrotados e nestes dez anos de combate ao comunismo o que de fato se fez com as armas asquerosas da polícia, do Tribunal de Segurança Nacional, do DIP reacionário de ontem, bem diferente por certo deste de hoje que irradia a palavra do povo, foi impedir o progresso nacional e enganar a nação com uma prosperidade fictícia de inflação e de obras públicas suntuárias e de fachada, com exclusão talvez única e honrosa do início da construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda.
Mas hoje a situação é outra. A guerra precipitou a crise e pôs em tensão as grandes forças materiais e morais de nosso povo. Com uma rapidez que a muitos surpreende, modifica-se nossa situação política e damos passos decisivos para a democracia:, de maneira a poder o Brasil em breve alcançar pelo seu regime político os países capitalistas mais avançados. E, devido a isso, já são agora as próprias classes dominantes, por intermédio da palavra autorizada dos dirigentes de maior prestígio de suas tradicionais organizações, que mostram compreender o que há de profundo e verdadeiro no dilema de Euclides da Cunha — progredir ou perecer. Perecer ou alcançar e sobrepassar aos países capitalistas mais avançados, não só pelo regime político, como também economicamente.
Esta a nossa tarefa atual e urgente. Para levá-la a bom termo, de maneira ordeira e pacífica, é que precisamos da união mais firme e leal de todo o nosso povo, dos patriotas, democratas e progressistas de todas as classes. Contra uma unidade tão ampla só poderá ficar a minoria reacionária e fascista que ainda espera conseguir deter a avalanche democrática com golpes de estado e guerra civil. Todos juntos porém, operários e patrões progressistas, camponeses e fazendeiros democratas, intelectuais e militares, havemos de vencê-la, dirigir nossa Pátria pelo caminho do progresso e salvar nosso povo do aniquilamento físico, do atraso cultural e da decadência moral que o ameaça. Estamos convencidos de que dentro de um Parlamento democrático livremente eleito, de que participem os genuínos representantes do povo, será possível e relativamente fácil encontrar a solução progressista de todos os nossos problemas. Será possível então legislar sobre a propriedade da terra, em particular dos latifúndios abandonados nas proximidades dos grandes centros de consumo e das vias de comunicação já existentes, colocando seus donos ante o dilema inexorável de explorá-los por métodos modernos ou de entregá-los ao Estado para que sejam suas terras distribuídas gratuitamente à massa camponesa sem terra que nelas queira viver, trabalhar e produzir para o mercado interno em expansão e cada vez mais livre, de que tanto necessita a nossa indústria.
Num Parlamento democrático será possível legislar centra o capital estrangeiro mais reacionário, contra os contratos lesivos ao interesse nacional e ao progresso do país. Isto não quer dizer que sejamos contrários ao capital estrangeiro que nas condições do mundo atual ainda pode ser, dentro das limitações da Carta do Atlântico e após as decisões históricas de Teerã e Criméia, um dos colaboradores mais eficientes do progresso e da prosperidade dos povos mais atrasados. No mundo inteiro os povos ficarão agora livres da intervenção estrangeira nos seus negócios internos, e assim sendo, o imperialismo está moribundo e o capital estrangeiro perde a sua característica mais reacionária para se transformar em fator de progresso e prosperidade para todos os povos.
Protegeremos num Parlamento democrático a indústria nacional ameaçada pela concorrência estrangeira, entregando ao Estado o controle planificado de nossas importações. É cada vez mais claro que o ouro proveniente das exportações nacionais não pode mais ser malbaratado na aquisição de artigos de luxo, as geladeiras, os discos de vitrola, as camisas e outras bugigangas, semelhantes àquelas contas de vidro com que os portugueses enganavam os nossos índios para deles obter em troca os víveres de que necessitavam nos primeiros tempos da colonização e escravização dos mesmos aborígines.
Enfim, só um Parlamento democrático poderá rever de maneira inteligente nossa legislação trabalhista e assegurar a liberdade sindical que, a par das liberdades civis, constitui sem dúvida o elemento básico e indispensável para a realização prática de muita cousa que não passou até hoje da letra da lei. Imediatamente, o que convém a patrões e operários é resolver diretamente, de maneira harmônica, franca e leal, por intermédio de comissões mistas nos locais de trabalho ou pelo acordo mútuo entre sindicatos de classe as divergências inevitáveis criadas pela própria vida. Os operários querem e precisam de melhores salários e melhores condições de trabalho, e, atendidos, saberão ajudar os patrões, por uma eficiência maior no trabalho, a reduzir os custos de produção, tudo em benefício, afinal, da grande massa consumidora e do progresso nacional.
Mas a união nacional é necessária ainda para enfrentar de maneira prática e decisiva o grave problema da inflação que ameaça neste instante toda a nossa economia, além de gerar e alimentar o mal-estar popular habilmente explorado pelos agentes da desordem eprovocadores fascistas. Aos partidos políticos, às organizações sindicais, operárias e patronais, ao governo, cabe enfrentar de maneira unitária e solidária o grave problema.
Nós, comunistas, propomos desde já o estudo e imediata aplicação das seguintes medidas:
Estas as medidas que aconselhamos e submetemos ao debate público, sem objetivos demagógicos e visando somente os mais altos interesses da Pátria, o progresso do Brasil e o bem-estar de nosso povo.
E passo agora ao problema eleitoral, aquele que para muitos de vós, inevitavelmente influenciados pela agitação, dos últimos meses, é certamente o problema interno mais imediato e mais sério no momento que atravessamos.
Como dominar, submeter e controlar o espírito de partidarismo desenfreado e ameaçador com que se iniciou a campanha eleitoral? Uma singular campanha eleitoral cujos dirigentes de maior prestígio chegam a afirmar em praça pública que não pedem votos, mas sacrifícios, sangue, guerra civil portanto. A oposição exige que o sr. Getulio Vargas abandone o cargo, para que seja mantida a paz interna. Mas será esse realmente o caminho democrático da ordem, da paz, e da união nacional? Não terá, ao contrário, razão o sr. Getulio Vargas ao afirmar que seudever é manter a ordem para levar o país a eleições livres e honestas e entregar o poder ao eleito da Nação? Sua saída do poder neste instante seria uma deserção e uma traição que não contribuiria de forma alguma para a União Nacional; pelo contrário, despeitaria novas esperanças entre os fascistas e reacionários e aumentaria as dificuldades, tornando mais ameaçador ainda o perigo de golpes de estado e de guerra civil.
Assim como em agosto de 1942 voltou-se o nosso povo para o sr. Getulio Vargas, na esperança de que o antigo chefe do movimento popular de 1930 quisesse dirigi-lo na luta de morte contra o agressor nazista, o que o nosso povo espera agora do sr. Getulio Vargas, prestigiado como está pela vitória de nossas armas na Itália, são eleições realmente livres e honestas. Este, o seu dever de homem e cidadão, e apesar de todas as divergências políticas que já nos separaram de S. Excia. contra cujo governo já lutamos de armas na mão, não temos o direito de duvidar do patriotismo do Chefe da Nação.
O que convém ao nosso povo, aos homens sensatos e honestos de todas as classes, é que as próximas eleições constituam mais um fator, e considerável, de unificação nacional, de paz, de ordem e tranqüilidade. E como conseguir isto? Como desmascarar praticamente os demagogos, os agentes da desordem, os trotskistas ou provocadores fascistas? De uma única maneira: pela organização do povo em organismos que lhe sejam próprios, em amplos comitês ou comissões nos locais de trabalho, nas ruas e bairros; comitês populares democráticos que, unidos, pouco a pouco, de baixo para cima, constituirão, num futuro mais ou menos próximo, as organizações democráticas populares de cidade, região e Estado, até a grande união nacional, aliança de todas as forças, correntes, grupos e partidos políticos que aceitem o programa mínimo de unificação nacional. Esses comitês populares deverão ser amplos, de nenhuma cor partidária, e receber no seu seio a todos os sinceros democratas, patriotas e progressistas que realmente lutem pela união nacional, pela ordem e tranqüilidade, pelas reivindicações econômicas mais imediatas e por eleições livres e honestas. É evidente desde logo que tais organismos populares escolherão como seus candidatos aos cargos eletivos os homens que lhes inspirem confiança, que lhes pareçam capazes de defender aquele programa e de participar ativamente da solução dos grandes e graves problemas nacionais do momento.
Este o caminho que indicamos ao nosso povo como único capaz de evitar o caos e a guerra civil. O povo organizado é a única força capaz deimpedir adesordem e de sustentar o governo na marcha para a democracia contra as maquinações dos reacionários, da quinta coluna e dos fascistas, que, lamentavelmente não foram ainda expulsos dos postos que ocupam no próprio aparelho estatal. Foi o que vimos ainda há pouco com a grande vitória anistia, conquistada pelo povo organizado, dentro da ordena e da lei, apesar de todas as manobras perversas dos atentas do inimigo.
O Partido Comunista, vanguarda esclarecida do proletariado, sempre marchou, marcha e marchará com o povo, e os comunistas participarão ativamente da organização e desenvolvimento de comitês populares democráticos dentro dos quais se sentirão felizes ao lado de todos os democratas não comunistas, quaisquer que sejam suas opiniões políticas, filosóficas e religiosas, dignas todas do maior respeito, como deve ser no Brasil progressista e democrata a que desejamos todos chegar.
Ao proletariado cabe um papel dirigente e fundamental nesse grande esforço de unificação nacional, porque só a classe operária organizada sindicalmente pode realmente mobilizar as grandes massas populares e fazer com que a política nacional se desenvolva mais rapidamente no sentido da democracia e da liberdade. Procurar o seu sindicato para transformá-lo em instrumento de luta pela união nacional e garantia máxima da ordem interna é o grande dever operário na hora que atravessamos. É por intermédio de suas organizações sindicais que a classe operária poderá ajudar o governo e os patrões a encontrar soluções práticas, rápidas e eficientes para os graves problemas econômicos do dia. É por intermédio do sindicato que mais facilmente se exerce a vigilância de classe contra o provocador fascista que luta pela divisão do movimento operário para que as grandes empresas reacionárias possam descarregar o peso da situação econômica sobre os consumidores e, portanto, sobre os próprios trabalhadores. E através do Movimento Unificador dos Trabalhadores havemos de chegar ao organismo nacional da classe operária que assim unida será a grande força dirigente dos acontecimentos, em proveito naturalmente do progresso nacional, do bem estar do nosso povo.
Companheiros e amigos!
O que queremos é chegar através da união nacional à verdadeira democracia, antes e acima de tudo a uma Assembléia Nacional Constituinte de que participem os legítimos representantes do povo, assembléia democrática que efetivamente apoiada pelo povo, organizado em seus partidos políticos e comitês populares democráticos, possa livre e soberanamente discutir e votar a Carta Constitucional que almejamos, a Lei fundamental que permita o progresso da Pátria e nos assegure, a todos nós, e para sempre, os grandes, sagrados e inalienáveis direitos do homem e do cidadão, a par dos direitos que todos devemos ter ao trabalho, à saúde, à instrução e cultura, ao bem estar, assim como ao socorro e ajuda na doença, na invalidez e na velhice.
E para chegarmos a eleições livres torna-se cada dia mais necessário um governo que inspire confiança à Nação, um governo de que participem homens de prestígio popular e na altura de enfrentar e resolver os graves problemas da hora que atravessamos.
Nós, comunistas e anti-fascistas conscientes, que temos sido nestes dias de agitação, em que se prega a desordem e se fala abertamente de golpes armados, o esteio máximo da ordem e da lei, temos o direito de solicitar do governo que revogue sem maior demora uma legislação caduca que ainda envenena o ambiente, uma legislação que proíbe a atividade legal dos partidos políticos mas que é, no entanto, impotente frente ao integralismo que se reorganiza descarada e atrevidamente, apesar do sangue derramado pela nossa juventude nas encostas geladas dos Apeninos. A liquidação definitiva, política e moral do fascismo em nossa terra é o primeiro e indispensável passo no caminho da redemocratização do país.
Não se trata de ódios nem ressentimentos pessoais. Todos nós que sofremos na nossa própria carne e na de nossos seres mais queridos esses anos de perseguições e de cárceres, já provamos suficientemente que colocamos os interesses da Pátria, de nosso povo e da Humanidade muito acima de nossas paixões pessoais.
O que não é admissível é a reorganização em nossa terra dos bandos fascistas, o que não é admissível é que continuem nos postos de governo reacionários e fascistas notórios, ainda hoje dispostos a impedir a marcha para a democracia e a fazer uso das armas de que porventura possam dispor para tentar a volta de um regime de sangue, exploração e obscurantismo que vai sendo varrido do mundo à custa do sacrifício de milhões de seres humanos, entre os quais já contamos alguns milhares de patrícios nossos, os melhores e mais queridos filhos do nosso povo.
É liquidando os restos caducos da reação que o governo se reforça e realmente marcha para a democracia.
É chamando ao poder homens de prestígio popular que compreendam o povo e saibam e possam falar com o povo que o governo se reforça e chegará a inspirar confiança a Nação na marcha sem retrocessos para a democracia, para as eleições livres e honestas que todos almejamos.
É com um governo prestigiado, forte do apoio popular, que resolveremos em paz os nossos problemas, seremos dignos enfim das responsabilidades desta hora no convívio internacional e do alto posto a que nos levou nossa participação ativa na guerra entre as nações irmãs do Continente,
Já não nos encontramos mais naquela época em que o Presidente Theodor Roosevelt, referindo-se à América Latina nos chamava a todos, alarmado, de "rusguento grupo de Estados, premidos pelas revoluções e onde um único não se destaca mesmo como nação de segunda ordem". A custa de sacrifícios ingentes, a custa do sangue do nosso povo, participamos ativamente da guerra contra o nazismo e hoje, se soubermos resolver em paz os nossos problemas, com um governo prestigiado, forte do apoio popular, devemos e podemos ser a sexta potência mundial, a sexta grande democracia, digna de seus pares nos Conselhos internacionais que dirigirão o mundo, e esperança e apoio para todos os povos do Continente ou do Mundo que ainda lutem pela democracia, pela liberdade e pela independência.
Este o apelo que em nome do Partido Comunista dirijo ao nosso povo e ao governo, aos dirigentes sindicais, operários e patrões, aos nossos intelectuais, aos chefes militares, assim como aos dirigentes de todas as correntes e partidos políticos, aos dois homens dignos que já se candidataram à Presidência da República, a todos os homens de responsabilidade enfim.
A união nacional é possível. Existem em nossa terra todas as condições objetivas para sua realização. Unamo-nos pois!
A desordem e a desunião só interessam ao fascismo, aos remanescentes da quinta coluna no país e aos agentes do capital estrangeiro mais reacionário, aos agentes do isolacionismo americano e do muniquismo inglês, inimigos todos da democracia e do nosso povo.
A união ou o caos; a democracia ou a desordem; o desenvolvimento pacífico ou a guerra civil — são os dilemas que defrontamos.
Nós, comunistas, não vacilamos. Já escolhemos há multo o nosso caminho — união, democracia, desenvolvimento pacífico — é o melhor caminho, é o que indicamos ao nosso povo.
VIVA A UNIDADE DE TODO O POVO, ORGANIZADO EM SEUS COMITÊS DEMOCRÁTICOS!
VIVA A UNIÃO DOS POVOS AMANTES DA PAZ E DA DEMOCRACIA!
VIVA A SOLIDARIEDADE DOS POVOS AMERICANOS!
VIVA A NOSSA GLORIOSA FÔRÇA EXPEDICIONÁRIA!
VIVA A FÔRÇA DAS NAÇÕES UNIDAS!
VIVA O EXÉRCITO VERMELHO E O GUIA GENIAL DOS POVOS SOVIÉTICOS O MARECHAL STÁLIN!
VIVA O BRASIL DEMOCRATA E PROGRESSISTA!
Inclusão | 09/12/2007 |