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Desde a Comuna de Paris de 1871 que não tinha havido revoltas em massa na Europa Ocidental. Na Rússia, porém, a vaga de protestos em massa quer entre os operários quer entre os camponeses estava a aumentar rapidamente em cada década.
O estádio imperialista de desenvolvimento agravou ainda mais as contradições que já existiam na Rússia czarista. Lado a lado, com a indústria moderna e o capital financeiro, existiam ainda formas medievais de propriedade da terra, e como resultado, relações semi-feudais nas áreas rurais.
Em nenhum outro grande país da Europa se encontravam tão chocantes contrastes sociais. Na Rússia daquele período havia a par e par as bem iluminadas cidades modernas com enormes fábricas e luxuosas residências de banqueiros e magnatas industriais, pequenas aldeias afastadas onde as pessoas usavam sapatos de fibra caseira, cultivavam as suas terras com arados antiquados e faziam as colheitas à mão com foices, entregando quase metade da produção aos proprietários. O capital dos monopólios não só não interferiu com estes vestígios da servidão mas, para garantir o máximo lucro, fazia tudo para que eles não desaparecessem. O atraso geral do país e a abjecta pobreza da maior parte da população dava oportunidades ainda maiores para intensificar a exploração dos trabalhadores.
As massas populares da Rússia sofriam não só em resultado da opressão capitalista mas também do tratamento arbitrário de que eram vítima por parte dos proprietários e da despótica máquina de estado czarista. A atmosfera tomou-se cada vez mais tensa. Estava iminente uma revolução de massas populares à escala nacional. Esta seria conduzida e organizada pela classe operária que nesta altura já tinha adquirido muita experiência útil no movimento de greves e tinha sido endurecida pelas lutas de classe das décadas precedentes.
Com a crise industrial do virar do século as actividades revolucionárias do operariado e do campesinato adquiriram relevo. Os operários começaram a fazer greves de natureza política, e já não por razões puramente económicas, e a organizar manifestações de rua que muitas vezes davam origem a escaramuças com a polícia e com as tropas czaristas. Os camponeses começaram a adoptar formas mais activas de protesto contra os proprietários, a espoliá-los das propriedades e a tomar as suas terras pela força em vez de apresentarem petições e recusar-se a cumprir os tradicionais serviços. Esta vaga crescente de actividade revolucionária atingiu as camadas democráticas da Intelligentzia, e houve protestos estudantis em muitas cidades universitárias.
No Verão de 1903, o que primeiro tinha sido uma série de greves isoladas nas cidades industriais do Sul evoluiu para uma enorme greve geral que ia de Odessa e Rostov-no-Don, até Baku e Batumi. Mobilizou duzentos mil trabalhadores de várias nacionalidades — Russos, Ucranianos, Arménios, Georgianos e Azerboijãos.
A dimensão das greves e a coesão entre os operários de diferentes nacionalidades era coisa que não se tinha visto antes, em qualquer outro país naquele período. O proletariado russo estava claramente a tornar-se a vanguarda do movimento revolucionário internacional.
Para realizar com êxito o seu papel histórico, era imperativo que a classe operária russa fundasse um Partido Marxista Revolucionário. Os sociaisdemocratas russos, desde o tempo do Grupo de Emancipação do Trabalho, estavam sempre a chamar a atenção para este facto. O primeiro núcleo dum partido deste tipo foi a Liga da Luta para a Emancipação da Classe Operária, que Lenine tinha fundado em 1895 em S. Petersburgo e que tinha sido dissolvido pela polícia pouco depois. Três anos mais tarde, em 1898, representantes de algumas organizações sociais-democratas efectuaram uma reunião ilegal em Minsk, onde anunciaram a fundação do Partido Trabalhista Social-Democrata Russo. Contudo, também esta iniciativa foi jugulada à nascença, porque os que estiveram presentes no Primeiro Congresso do Partido foram logo presos, deixando os comités e os grupos clandestinos espalhados por todo o país de novo sem uma direcção central.
Em 1900, por iniciativa de Lenine, que tinha regressado havia pouco do exílio na Sibéria, revolucionários marxistas russos começaram a publicar em Estugarda um jornal chamado Iskra (A Faísca). O editorial do primeiro exemplar chamado «As Tarefas Urgentes do Nosso Movimento» era de Lenine.
Na Rússia czarista, onde não havia liberdade de expressão, de reunião ou de associação, este jornal clandestino era o único meio de fazer agitação política em larga escala e de organizar as fileiras dos trabalhadores progressistas. Exemplares do Iskra, impressos no estrangeiro, entravam clandestinamente na Rússia pela Roménia, pelo Irão, pela Finlândia, pela Alemanha e outros países. A secção editorial nomeou alguns agentes, sobretudo revolucionários profissionais experimentados, que distribuíam o jornal por todos os cantos da Rússia e estabeleceram apertados laços com os comités sociais-democratas locais. Tipografias clandestinas de Kichinev e Baku ajudaram também a garantir ao Iskra uma larga circulação. O jornal imprimia não só artigos de propaganda como estava atento a todos os acontecimentos da época, imprimindo relatórios dos seus correspondentes em toda a Rússia.
O Iskra desempenhou um papel fundamental no trabalho preparatório para o Segundo Congresso do Partido Trabalhista Social-Democrata Russo que se realizou em 1903. Neste congresso, Lenine e os seus companheiros, os «duros iskraístas», defenderam coerentemente os princípios que tinham elaborado para um partido de tipo novo, perante o ataque de vários elementos oportunistas. Durante as eleições para os corpos centrais do Partido. Lenine e o seu grupo obtiveram a maioria dos votos, e a partir dessa altura ficaram conhecidos por bolcheviques (do russo bolchinstvo — maioria) e os seus opositores por mencheviques (de menchinstvo — minoria).
O aparecimento mais importante neste Segundo Congresso foi a aprovação do programa do Partido. Consistia ele em duas partes: um programa mínimo e um programa máximo. O programa mínimo definia claramente as tarefas imediatas do Partido — o derrube da autocracia czarista, o estabelecimento de uma república, a garantia de direitos iguais para todas as nacionalidades e o seu direito à autodeterminação, a introdução do dia de trabalho de 8 horas e a abolição das práticas feudais na vida rural. O programa máximo estabelecia o objectivo último do Partido — a revolução socialista e a construção de uma sociedade socialista. Não havia em qualquer outro partido naquela época, um partido operário com um programa tão fundamentalmente revolucionário. A elaboração de tal programa pelos revolucionários marxistas russos era assim um acontecimento importante não só para a classe operária russa como para o movimento trabalhista internacional em geral. O estabelecimento de um partido marxista revolucionário russo foi o resultado mais importante do Segundo Congresso dos Sociais-Democratas Russos.
Entretanto, o movimento revolucionário na Rússia continuava a crescer. O descontentamento aumentava rapidamente, particularmente depois das derrotas na Guerra Russo-Japonesa de 1904- 1905.
Em Janeiro de 1905, os operários de muitas das principais fábricas de S. Petersburgo entraram em greve. Num esforço para dissuadir os operários de iniciarem actividades revolucionárias e incitado pela polícia, o padre Georgi Gapon convenceu os operários da capital a fazerem uma petição com a lista das suas reivindicações ao czar. Muitos operários tinham ainda uma fé ingénua no czar como «pai do povo», e acreditavam que ele ignorava as condições em que viviam. Assim, em 9 de Janeiro, um domingo, uma enorme multidão de quase 150 mil trabalhadores de todos os bairros da cidade marchou em procissão até ao Palácio de Inverno, levando bandeiras e retratos do czar para entregarem a sua petição. Nicolau II, em vez de falar aos trabalhadores, partiu para a sua residência de Verão, deixando a capital a cargo do alto comando militar. A multidão foi recebida com balas e mais de mil pessoas foram mortas e o dobro feridas.
Este dia ficaria conhecido na história como o «Domingo Sangrento». As cruéis represálias do czar contra uma manifestação pacífica causaram grande indignação e convenceu finalmente o povo de que o czar não era seu pai mas seu cruel inimigo. Nessa mesma noite, em alguns bairros de S. Petersburgo, os operários começaram a juntar armas e a construir barricadas. Nos dias que se seguiram alastraria uma poderosa vaga de protestos até às fronteiras do império.
Depois de um breve intervalo, em Maio, o movimento revolucionário ganhou nova força. Trabalhadores têxteis em greve, em Ivanovo - Voznesenk, elegeram um Conselho Especial ou Soviete para conduzir a greve. Este Conselho e os que foram eleitos em várias outras cidades foram os primeiros Sovietes dos Representantes dos Operários que mais tarde se tornariam órgãos de poder revolucionário na Rússia.
Em Junho, a tripulação do couraçado Potemkin amotinou-se. A bandeira revolucionária nunca tinha sido içada num navio de guerra tão grande. E, sob esta bandeira, o Potemkin navegou até Odessa onde havia uma greve geral. O esquadrão especial enviado a tomar o navio rebelde não disparou um único tiro, porque os marinheiros recusaram-se a cumprir as ordens dos seus oficiais e mostraram total simpatia para com os seus companheiros. Embora a tripulação do Potemkin não conseguisse estabelecer o contacto necessário com o proletariado das cidades do mar Negro e fosse mais tarde obrigado a ir para um porto romeno e abandonar aí o navio, o impacto deste histórico motim foi tremendo. O governo czarista sabia agora que nem sequer podia confiar no apoio das suas forças armadas.
A greve dos tipógrafos de Moscovo abriu uma fase nova no movimento revolucionário, que culminou em Outubro de 1905 numa greve política geral que envolveu cerca de 2 milhões de operários da indústria e ferroviários. Os centros industriais e os caminhos de ferro ficaram paralisados. A história do movimento trabalhista internacional nunca tinha assistido a uma greve em tão larga escala.
Esta unidade sem precedentes nas fileiras dos operários e dos grupos de trabalhadores de «colarinho branco» de posição menos elevada, professores e estudantes que se juntaram à sua causa, levou os círculos governamentais a um verdadeiro pânico. Depois de alguma hesitação, Nicolau II compreendeu que não servia de nada apoiar-se exclusivamente na repressão para esmagar este crescente movimento revolucionário, e em 17 de Outubro publicou um manifesto que prometia ao povo liberdades democráticas e a convocação de uma Duma de Estado, legislativa.
Lenine e os bolcheviques denunciaram as manobras do czar e as suas intenções, exortando o proletariado a preparar-se para fazer uma revolta armada nacional para derrubar a autocracia czarista. Na altura da greve de Outubro, os Sovietes de Representantes de Trabalhadores tinham começado a aparecer em alguns centros industriais. Lenine observou que estes conselhos para organização de greves tinham de se tornar órgãos capazes de chefiar uma revolta e finalmente órgãos de um novo governo revolucionário.
O clímax deste movimento revolucionário foi a revolta armada organizada em Dezembro de 1905 pelos operários de Moscovo apoiados pelos de Rostov-on-Don, Novorossiisk, Sormovo e outros centros industriais. Em todas estas cidades, os bolcheviques conduziam os revoltosos, reunindo os operários e encorajando-os nas batalhas com as forças czaristas. Neste período, contudo, os bolcheviques tinham pouca experiência na organização das lutas de rua e da revolta armada em geral. As revoltas não foram simultâneas e faltava-lhes organização central, o que reduziu em muito as oportunidades do seu desenvolvimento numa revolução nacional. A táctica conciliatória dos mencheviques teve um efeito negativo na moral dos trabalhadores revoltosos, o que veio a permitir ao governo czarista primeiro, isolar os centros de revolta; depois, encetar a sua repressão metódica.
O fermento revolucionário continuou em 1906 e 1907, mas nesta altura já a maré estava a baixar. A falta de uma aliança entre o proletariado e o campesinato fez-se sentir com muita clareza. Revoltas camponesas em várias partes do país obrigaram o czar a abolirmos pagamentos de amortização pela terra que fora dada aos camponeses em 1861. No entanto, estas revoltas eram esporádicas e isoladas. Os camponeses ainda tinham a ilusão de que podiam melhorar a sua situação e de que podiam obter mais terras pela generosidade do czar ou por uma resolução da Duma. Esta hesitação, tão comum entre o campesinato, também era comum aos soldados. Apesar de ter havido motins em vários regimentos e em certos navios, o exército e a marinha em geral não passaram para o lado da revolução e foram pelo contrário utilizados pelo czar para a esmagar.
O regime czarista venceu esta investida revolucionária, no que foi ajudado pelos países capitalistas ocidentais que fizeram ao governo czarista um grande empréstimo no momento mais crítico. O governo foi ainda apoiado pela grande burguesia, que se alarmou com as proporções da revolução popular e ajudou as autoridades czaristas a «impor a lei e a ordem».
A Primeira Revolução Russa foi derrotada, mas com ela aprenderam-se lições muito úteis. Fez avançar a educação política dos operários e ajudou-os a libertarem-se de ilusões quanto ao papel patriarcal do czar. Os acontecimentos mostraram que era o proletário que teria de desempenhar o principal papel no movimento revolucionário. Também mostraram claramente a necessidade vital de uma firme aliança entre o proletariado e o campesinato, e de aliciar o exército para o lado da revolução.
De 1905 a 1907 fez-se sentir claramente o significado de métodos de luta, como as greves políticas e a revolta armada, e do papel de órgãos como os Sovietes de Representantes dos Trabalhadores. A experiência tinha mostrado que o único partido revolucionário coerente era a dos discípulos de Marx e Lenine, o Partido dos bolcheviques.
Em relação ao significado histórico da Primeira Revolução Russa, Lenine escreveria mais tarde:
«Sem o «ensaio geral» de 1905, a vitória da Revolução de Outubro de 1917 teria sido impossível.»
A luta revolucionária da classe operária russa actuou como um estímulo para o movimento operário em vários países da Europa Ocidental. A notícia do «Domingo Sangrento» despertou uma vaga de amarga indignação entre os operários da Europa, que exprimiram a sua solidariedade com o povo trabalhador da Rússia em «meetings» e reuniões especiais. «Contem connosco! Podem confiar na nossa ajuda! Abaixo o czar! Viva a Revolução Social!» escreveram os líderes dos sindicatos franceses num discurso especial dirigido aos operários russos.
O jornal fundado pelos sociais-democratas esquerdistas alemães Leipziger Volkszeitung observava que na vitória sobre o regime czarista que a classe operária russa havia necessariamente de conseguir, o movimento operário internacional via a condição fundamental para a sua própria vitória sobre o capitalismo. Em 1905, o movimento grevista voltou a ganhar importância na Europa. A Europa Ocidental não assistia a lutas de classe destas proporções havia muitos anos. Os acontecimentos que se estavam a dar na Rússia convenceram os trabalhadores do Ocidente da eficiência das greves políticas em massa, a que eles começaram a chamar «táctica russa». Em Setembro, operários de Budapeste organizaram uma greve política geral. Em Outubro e Novembro, os operários de Viena, Praga e Cracóvia reuniram-se para tomarem parte em greves políticas. Poderosas manifestações de operários austríacos e checos culminaram com o levantamento de barricadas e em escaramuças com a polícia e as tropas.
«O que aconteceu na Rússia tem de acontecer aqui!», tal era o slogan que exprimia as aspirações de operários estrangeiros de seguirem o exemplo da heróica classe operária russa. Em Dezembro de 1905 foi organizada uma segunda greve política em Budapeste e um mês mais tarde foi organizada em Hamburgo a primeira greve política geral da história do movimento operário alemão.
A experiência da Revolução Russa apontava para a necessidade de mobilização e coesão de todos os elementos revolucionários. No contexto do crescente movimento grevista, na Primavera de 1905, os socialistas franceses uniram-se para formar um só partido.
A campanha de solidariedade de apoio ao povo russo na sua luta contra o despotismo czarista foi apoiado por progressistas de toda a Europa. O conhecido escritor francês Anatole France que dirigiu a Sociedade dos Amigos do Povo Russo, escreveu na altura:
«A Revolução Russa é uma revolução mundial. Mostrou ao proletariado mundial os seus métodos de luta e os seus objectivos, o seu poder e o seu destino... O destino da nova Europa e o futuro da Humanidade está agora a ser decidido nas margens do Neva, do Vístula e do Volga.»
A Primeira Revolução Russa demonstrou claramente que a Rússia se tinha tornado o centro do movimento revolucionário mundial.
No virar do século na maioria dos países da Ásia e do Norte de África, as sementes dos futuros movimentos de libertação nacional já tinham sido lançadas. Novas formas de exploração de países coloniais e dependentes não só levaram a uma mais extensa exploração dos recursos naturais destes países e dos seus povos no interesse dos capitais europeus e norte-americanos, como também foram acompanhadas dum desenvolvimento de relações capitalistas.
A exportação de capitais que distingue a fase imperialista do desenvolvimento capitalista, levou ao estabelecimento de empresas industriais capitalistas, de grandes plantações e à exploração de minas nos países da Ásia onde havia enormes quantidades de matérias-primas baratas. A necessidade de exportar as matérias-primas e de vender produtos europeus manufacturados e o crescimento de cidades nestes países promoveu a construção de caminhos de ferro, estradas, portos e de locais para utilização pública. Nas plantações e fábricas estabelecidas pelos europeus começou a crescer uma nova classe, a operária. Em muitos países coloniais o seu aparecimento precedeu o da burguesia industrial.
Estes operários, muitos deles antigos artesãos arruinados pelo influxo de artigos manufacturados europeus, eram sujeitos a uma cruel exploração pelos seus patrões europeus e pelos seus capatazes e agentes de recrutamento. Os trabalhadores eram quase todos analfabetos, e como geralmente mantinham um íntimo contacto com as aldeias; de onde tinham vindo originalmente, continuavam em grande medida sob a influência das tradições medievais religiosas e de casta. A consciência de classe destes trabalhadores estava ainda na sua fase de formação, mas as terríveis condições em que viviam e trabalhavam deram origem a vários protestos espontâneos que exigiam os seus direitos económicos básicos.
O domínio dos monopólios imperialistas atrasou o crescimento da burguesia industrial local, que achava mais ou menos impossível competir com os artigos vendidos pelos países capitalistas mais avançados, cujos representantes ocupavam posições privilegiadas. Nestas circunstâncias a burguesia local nascente foi obrigada a limitar-se às empresas comerciais e a pequenas indústrias que não requeressem grandes investimentos de capital, e circunscrita ao mercado interno. Os imperialistas, que tinham interesse em manter os países coloniais e dependentes como fontes de produtos agrícolas e de matérias-primas para a indústria, opuseram barreiras insuperáveis no caminho da industrialização nestes países, isto é, da produção dos meios de produção.
O principal bastião de apoio das potências imperialistas nas suas colónias e nos países nominalmente independentes era a reaccionária classe dos proprietários de terras, e os comerciantes, que prosperavam como intermediários no comércio entre estes últimos e os empresários estrangeiros. O facto de que grande parte da terra estava concentrada nas mãos dos grandes proprietários tomava difícil explorar os camponeses quase sem terras ou mesmo sem terras, através de rendas pesadíssimas, fenómeno típico da era feudal. Por vários meios, os proprietários conseguiram roubar aos camponeses a maior parte dos seus produtos e não mostravam desejo de introduzir métodos agrícolas capitalistas. Só para a produção de certos produtos industriais o trabalho assalariado e as grandes empresas se mostraram mais vantajosos para os proprietários e para os camponeses prósperos.
A estratificação do campesinato intensificou-se, mas só um pequeno sector ficaria em posição de prosperar nas novas condições. A grande massa dos camponeses ficou arruinada, perdeu as suas terras e tornou-se na prática escrava por dívidas, dos poderosos proprietários.
Mas não era só às massas operárias mas à burguesia nacional destes países, que era negada a participação na administração, e estava sujeita a constante opressão e discriminação. O poder político, administrativo e legal estavam nas mãos dos colonialistas e dos seus acólitos escolhidos nas classes reaccionárias locais. Todos estes factores deram origem a irreconciliáveis contradições entre os povos coloniais e os imperialistas.
Nos países semicoloniais os trabalhadores e a burguesia nacional opunham-se directamente aos grandes proprietários e aos burocratas chefiados por corruptas e despóticas dinastias. No entanto, embora estes governantes fossem pouco mais do que obedientes instrumentos, nas mãos das potências estrangeiras cujos interesses eram defendidos pelo atraso económico e político dos países semicoloniais, o papel dos imperialistas como principal suporte dos regimes feudais obsoletos não era ainda claramente compreendido mesmo por muitos progressistas desses países.
No começo do século XX, em todos os países da Ásia e do Norte de África a luta contra o feudalismo e o domínio dos imperialistas estrangeiros tinham-se tornado uma tarefa de enorme importância, essencial para a procura dum desenvolvimento nacional independente. O aparecimento de laços mais íntimos entre as várias regiões destes países e o desenvolvimento de um mercado interno, embora lentos e irregulares, levaram ao aparecimento das nações. Em muitos países coloniais e dependentes, a população era formada por muitos povos e grupos étnicos diferentes. O aparecimento de nações nestas regiões é, por isso, necessariamente um processo extremamente complicado. No império otomano, por exemplo, o aparecimento de nações entre os vários povos subjugados não turcos estava muito avançado em relação ao processo paralelo da própria Turquia. Árabes, Macedónios e Albanês lutavam para se libertarem do grupo do absolutismo turco e estabelecer com os seus próprios estados independentes.
Na Índia, Indonésia, Filipinas e outros países coloniais observavam-se dois processos paralelos no aparecimento de nações: algumas nações nasceram na base do desenvolvimento de uma nacionalidade particular, como foi o caso dos Gujarati, Bengalis e Marathas, na Índia, dos Javaneses, na Indonésia, e dos Tagalogs, nas Filipinas, enquanto outras nações nasceram como resultado da fusão de várias nacionalidades. Os interesses comuns desses povos de várias nacionalidades nos países coloniais na luta contra o domínio imperialista estrangeiro prepararam o caminho para a sua mais íntima unidade à escala nacional e deram um carácter de unidade aos movimentos nacionalistas burgueses nascentes. A Intelligentzia local destes países iria ser o porta-voz desta crescente luta antifeudal e anti-imperialista.
Os primeiros representantes desta Intelligentzia eram membros das classes privilegiadas e prósperas. Muitos deles tinham tido oportunidade de receber educação no estrangeiro. No entanto, ao mesmo tempo a moderna educação secular estava a avançar nos países semi-coloniais. Os colonialistas começaram a fundar escolas, sobretudo estabelecimentos de treino e até universidade para treinar o pessoal mais novo que era necessário aos corpos governamentais e estabelecimentos privados e para formar médicos e advogados.
A introdução da educação europeia numa escala limitada estava também orientada de modo a formar as opiniões e atitudes da população local e a levar ao reconhecimento da superioridade dos colonialistas e da sua cultura. No entanto, os imperialistas já não estavam em posição de impedir a infiltração das ideias progressistas entre a juventude destes países e sobretudo entre a Intelligentzia de entre as classes não privilegiadas.
Logo no final do século XIX, os Ingleses, senhores da Índia, preocuparam-se com o crescente espírito de protesto e a influência das ideias revolucionárias e o sentimento nacionalista entre os estudantes. O vice-rei lord Curzon promulgou uma reforma universitária especial destinada a tornar os lugares na Universidade de acesso mais difícil para aqueles que tinham simpatias democráticas.
A Intelligentzia da burguesia e os proprietários que criticavam a ordem existente nestes países exigiram participação na administração e reformas económicas, apoiando sobretudo os interesses das classes de onde eles próprios vinham. Apenas uma pequena minoria de representantes dos estratos privilegiados da sociedade, juntamente com a Inteligentzia pequeno-burguesa revolucionária, apoiou efectivamente as massas trabalhadoras oprimidas.
A luta da burguesia nacional nascente para defender os seus interesses de classe era simultaneamente uma luta de natureza democrática nacional e geral, dirigida contra o imperialismo e o feudalismo, e dizia directamente respeito a todas as classes da sociedade. Todos estes países reuniam nesta altura, as condições necessárias para a unidade nacional e a coesão.
Assim, no início do século XX, as circunstâncias eram propícias à revolução burguesa e em muitos países da Ásia havia oportunidade de realizar tais revoluções, mas o seu alcance e o seu resultado provável variavam muito de país para país, dependendo de um grande número de factores internos e externos.
A derrota daquilo que antes aparecera como o poder invencível da Rússia czarista na guerra com o Japão e especialmente a Revolução Russa de 1905, teriam uma grande influência no despertar da consciência nacional dos povos da Ásia e na sua luta anti-imperialista e antifeudal. «O capitalismo mundial e o Movimento de 1905 na Rússia despertaram finalmente a Ásia», observou Lenine na altura.
A Revolução Russa de 1905 foi a primeira revolução burguesa democrática realizada sob a chefia da classe operária. Ao contrário de todas as revoluções burguesas anteriores, a Revolução Russa empenhara-se na tarefa de realizar profundas transformações democráticas na sociedade. Isto fez dela o exemplo e o modelo para muitos países, mas, particularmente, como era natural, para os países do Oriente, que ainda viviam problemas que exigiam uma revolução burguesa, fase por que a maioria dos países ocidentais já tinha passado havia muito.
Os acontecimentos na Rússia tiveram um impacto especialmente forte nos países asiáticos que tinham fronteiras com o império russo e haviam sido objecto dá expansão imperialista czarista, mas que durante muitos anos tinham sido solo fértil para a propaganda de ideias progressistas, feita pelos estratos democráticos da sociedade russa.
Numerosos imigrantes dos países asiáticos que tinham fronteiras com a Rússia — Iranianos no Baku e na Ásia Central; Coreanos, no Extremo Oriente do império, e Chineses que trabalhavam no Caminho de Ferro Oriental Chinês — tomaram parte na Revolução de 1905 contra o regime czarista ao lados dos russos. Mais tarde, eles haviam de levar as ideias revolucionárias e a sua experiência para os seus países de origem.
A crise da sociedade feudal na Pérsia foi agravada por um grande afluxo de capitais estrangeiros. Os onerosos empréstimos que a Pérsia tinha pedido à Inglaterra e à Rússia obrigaram o governo a fazer novas concessões comerciais e a conferir privilégios a estas duas potências imperialistas. Em 1901, um homem de negócios inglês de nome d’Arcy, obteve uma concessão para a extracção do petróleo em toda a Pérsia, à excepção das províncias do Norte. Mais tarde, esta concessão ia constituir a base da Companhia de Petróleo Anglo-Persa, um dos principais instrumentos do imperialismo na escravização colonial da Pérsia. O Banco Imperial da Pérsia completa, com os seus numerosos ramos e com o direito de emitir moeda, a dominação do sistema financeiro do país. No Norte, era o Banco Russo-Persa que dominava. Os direitos aduaneiros e alguns impostos estavam nas mãos de Belgas, dirigidos por Naus. Criou-se também uma brigada de cossacos com a ajuda de oficiais russos e sob o seu comando, a pedido do xá, de modo a este dispor de uma unidade particularmente leal.
A classe dominante feudal chefiada pelo xá Muzaffar ed-Din intensificou a exploração dos operários. A maior parte do dinheiro do Tesouro do Estado e que vinha por via de empréstimos estrangeiros era gasto na Corte pelo xá e pelos seus favoritos, o que originava crescentes descontentamentos. Estavam constantemente a rebentar revoltas espontâneas em várias partes do país e no exército, onde muitos soldados não recebiam durante meses. Sectores cada vez maiores da população urbana acabaram por compreender a necessidade de restringir os poderes absolutos do xá e dos seus acólitos.
A fraca burguesia persa, que não tinha partido ou organização política, uma parte da classe dos proprietários de terras, cujas propriedades nesta altura eram orientadas com bases comerciais, e mesmo os chefes religiosos, cujos privilégios económicos e políticos estavam a ser usurpados pelo governo do xá, apoiavam todos, o movimento reformista. Nesta tensa atmosfera, a influência da Revolução Russa ia ter um efeito electrizante. O mínimo pretexto seria suficiente para pôr em movimento um amplo movimento revolucionário.
Em 12 de Dezembro de 1905, a prisão e os maus tratos dados em Teerão a alguns comerciantes que tinham protestado contra os impostos exorbitantes e a voracidade de um dos mais implacáveis favoritos do xá despertaram grande indignação em todo o país. Os bazares e oficinas fecharam e numa reunião especial realizada numa mesquita foi apresentado o pedido de demissão de alguns funcionários de Estado odiados e da instituição de uma comissão especial para orientar os problemas do povo. A reunião foi dispersa pela força, o que provocou uma indignação popular ainda maior. Em sinal de protesto alguns líderes religiosos deixaram a capital para fazerem o bast (ou santuário) numa mesquita não longe da capital. Ali juntaram-se-lhes cerca de 2000 comerciantes e artesãos. Estes bastis mandaram um grupo de porta-vozes ao xá e também a outras cidades à procura de apoio. A agitação começou em Chiraz e Meched e continuou na capital, tendo-se envolvido uma parte da guarnição da cidade.
Alarmado com o alastrar do movimento popular, o xá decidiu fazer algumas concessões e prometeu aceder aos pedidos que lhe tinham feito. Substituiu os particularmente impopulares governadores de Teerão e Verman e publicou um decreto que estabelecia uma Casa da Justiça (Adalat Klane). Então, os bastis voltaram à capital. Contudo, o governo do xá não mostrava pressa em cumprir as promessas feitas, na esperança de que seria capaz de controlar o movimento. Mas a vaga de descontentamento ia aumentando. No Verão de 1906, a dispersão pelas armas de um grupo de manifestantes da capital que tinham libertado um chefe popular do movimento reformista, foi sinal para a acção. De novo, bazares e oficinas cerraram portas e as ruas de Teerão encheram-se de manifestantes, contra quem as tropas do xá abriram fogo. Em 15 de Julho, 200 líderes religiosos partiram da capital para Qum. No dia seguinte, um grupo de importantes comerciantes fizeram bast no jardim da Embaixada britânica. Dentro de pouco tempo havia 13 000 bastis. As suas reivindicações foram consignadas numa posição que foi entregue ao xá e enviada para Qum e outras cidades. Estas reivindicações transformaram-se em programa da luta revolucionária. Ora das reivindicações fazia parte uma nova exigência: a promulgação duma constituição e a abertura de um Parlamento (majlis). Esta nova exigência teve apoio em grande número de cidades. Os imans e mullahs de Qum declararam que, se o xá não aceitasse as reivindicações dos bastis, deixariam o país. Mais uma vez o xá fez várias concessões: despediu o odiado primeiro-ministro e designou um novo sucessor mais liberal: Muchiru’d Daulah. No início de Agosto, foram anunciadas eleições para a convocação de um majlis. Os bastis então dispersaram e os bazares foram abertos mais uma vez.
Apesar da natureza não democrática das eleições em duas fases, nas quais os camponeses e trabalhadores assalariados não foram autorizados a tomar parte, estas eleições, a primeira da história persa, causaram grande entusiasmo entre as massas populares, particularmente nas cidades.
Observou-se uma reacção particularmente aguda na capital do Azerbaijão persa, governado pelo extremamente reaccionário filho herdeiro do xá, Mohammed Ali. As suas tentativas para obstruir as eleições agitaram a população de Tabriz e a área circunvizinha. Foi nestas regiões que as primeiras organizações sociais e políticas de massas, conhecidas por anjunmans, foram estabelecidas. Em breve começaram a surgir em todo o país organizações semelhantes. Mercadores, artífices, os pobres das cidades e até alguns membros das classes, reaccionárias juntaram-se a eles. A verdadeira natureza da sua actividade dependia muito da sua composição e da proporção de elementos democráticos. Entre os numerosos anjunmans da capital havia mesmo um que tinha sido estabelecido pelos príncipes Kajar. Porém, na maioria dos casos, estas organizações reflectiam as aspirações antifeudais das massas. Em muitas cidades, os anjunmans obtiveram praticamente o controlo da administração local.
A influência da Revolução Russa nas províncias do Norte ia levar ao aparecimento, tanto nestas províncias como entre os Persas que tinham deixado o seu país em direcção à Transcaucásia, das primeiras organizações políticas democráticas secretas — as sociedades de mujtahids (campeões da justiça). Nelas se congregavam comerciantes, artífices, camponeses e pobres da cidade, operários e os escalões mais baixos das ordens religiosas. Os mujtahids reivindicaram uma reforma burguesa democrática radical. Os elementos de pequena burguesia desempenhariam o principal papel nestas sociedades.
Em Outubro de 1906 foi aberta a primeira majlis. Apesar de as tendências não democráticas da maioria dos seus membros, as suas reuniões, que eram abertas ao público, foram claramente influenciadas pela têmpera das massas e pelas actividades dos anjunmans na capital. A sua tarefa principal era a elaboração de uma constituição. No fim de Dezembro, pouco antes de morrer, Muzaffar ed-Din ratificou a Lei Fundamental elaborada pelo majlis, que definia os seus direitos e poderes.
Quando o reaccionário xá Mohammed Ali subiu ao trono não tinha o menor desejo de ligar importância ao majlis e ainda menos de ratificar emendas à Lei Fundamental que teriam completado a transformação da Pérsia num Estado constitucional. Entretanto, a agitação popular aumentava em Tabriz e outras cidades, incluindo a capital. As massas trabalhadoras, ainda de maneira espontânea, tentaram apresentar as suas reivindicações. Nas províncias do Norte, a acção camponesa contra os khans e proprietários estava a tornar-se cada vez mais frequente. Em Teerão, os trabalhadores da electricidade e da imprensa entraram em greve e tentaram fundar sindicatos.
A conclusão do acordo anglo-russo em Agosto de 1907, que dividiu a Pérsia em duas esferas de influência, deu ainda maior impulso ao movimento nacional. O majlis recusou-se a reconhecer o acordo e a vaga de protestos cresceu rapidamente.
Mohammed Ali viu-se obrigado a ratificar as emendas à Lei Fundamental embora ainda tivesse secretas esperanças de um golpe contra-revolucionário. A constituição persa institucionalizou as liberdades burguesas e limitou os poderes do xá através do majlis, a que foram dados direitos legislativos, o direito de ratificar o orçamento, os empréstimos estrangeiros e as concessões. A constituição legalizou os anjunmans como órgãos popularmente eleitos, com o poder de controlar a actividade das autoridades distritais e provinciais. Os líderes religiosos, que tinham conseguido aumentar a sua influência no país devido à sua activa participação na revolução nas suas primeiras fases, obtiveram importantes privilégios através desta constituição. Uma comissão especial do ulema (geólogos muçulmanos, homens eruditos) ficou com o direito de estabelecer se as leis individuais eram ou não compatíveis com o Islão.
A transformação da Pérsia numa monarquia constitucional era um avanço, mas não significava que o xá e a nobreza reaccionária estivessem dispostos a perder o seu antigo poder e privilégios.
Uma vez a constituição aprovada, a burguesia, os proprietários liberais e os líderes religiosos consideravam que a revolução tinha acabado. Estavam prontos a cooperar com um monarca constitucional. No entanto, o xá, que tinha trazido as suas forças leais para junto da capital, no Outono de 1907, fez uma primeira tentativa para efectuar um golpe contra-revolucionário. Os anjunmans do povo, feitas por iniciativas das organizações mujtahid e das unidades fiday (fidays, os que estão prontos a sacrificar-se) vieram em defesa da constituição. Os anjunmans de Tabriz exortavam ao derrube do xá. A tentativa de contra-revolução foi derrotada. Entretanto, a crescente actividade das massas começava a alarmar os liberais que estavam em maioria no majlis. Fizeram um pacto com o xá, que hipocritamente jurou sobre o Corão observar a constituição. No início de Junho de 1908 era evidente que estava a ser preparado outro golpe contra-revolucionário.
Enquanto as forças democráticas se uniam para defender a constituição, o majlis liberal pedia ordem e tentou mais uma vez negociar com o xá. Em 22 de Junho foi declarado na capital o estado de emergência e no dia seguinte a brigada cossaca, comandada por um coronel russo de nome Lyakhov, dissolveu o majlis. As unidades fiday que se reuniram para defender o majlis foram esmagadas com artilharia. Uma vaga de terror começou em Teerão. Deputados esquerdistas do majlis, numerosos líderes dos anjunmans democráticos da cidade que tinham sido suficientemente ousados para aplaudir a revolução e criticar o xá, e vários jornalistas e poetas foram capturados e torturados até à morte ou executados.
No entanto, este golpe de Teerão não significava o fim da revolução. O seu principal centro era agora a cidade revoltosa de Tabriz, que as forças reaccionárias não conseguiram capturar depois dos acontecimentos de Junho na capital. O poder em Tabriz estava nas mãos dos anjunmans. A maior parte dos liberais retiraram-lhe o seu apoio mas os anjunmans foram reforçados por representantes dos artífices, camponeses e elementos revolucionários burgueses.
Os anjunmans confiaram nas unidades fiday, que contavam ao todo cerca de 20 000 homens. Os comandantes, os antigos camponeses e líderes mujtahid Sattar e Bagir, organizaram a defesa da cidade. A ordem revolucionária foi estabelecida e foram introduzidas medidas severas para reprimir a especulação. A revolta do Tabariz teve um carácter nitidamente revolucionário e democrático.
O despertar da consciência política e o alastramento da actividade revolucionária que se via em muitos países do Oriente neste período, ia assumir proporções particularmente impressionantes na China. A consciência nacional e o patriotismo prepararam o caminho para a divulgação das ideias revolucionárias não só entre as fileiras da Intelligentzia e dos estudantes mas também entre outros estratos da população (a burguesia nacional, os trabalhadores progressistas, etc.). Teve um papel importante na propaganda das ideias de liberdade e independência e na formação de organizações revolucionárias Sun Yat-sen (1866-1925).
A divulgação das ideias revolucionárias entre os emigrantes e estudantes chineses, a notícia da revolução que rebentaria na Rússia e muitas revoltas na própria China deram a Sun Yat-sen consciência da necessidade de unir todas as organizações antimanchu numa nova organização revolucionária de massas — a Sociedade de Restauração da China.
Na Primavera de 1905, numa reunião de estudantes chineses revolucionários em Bruxelas, Sun Yat-sen expôs a sua famosa teoria dos Três Princípios do Povo — o Nacionalismo, a Democracia e o Modo de Vida. Nas condições em que se encontrava a China naquela altura estes princípios implicavam a queda da dinastia Manchu, a instituição de uma república democrática e a introdução de direitos iguais de propriedade das terras. Estes princípios eram a plataforma sobre a qual várias organizações revolucionárias chinesas estabeleceram a Liga Revolucionária Chinesa. Neste partido, agruparam-se não só elementos burgueso-democráticos mas também representantes da burguesia nacional, alguns sectores dos proprietários mais progressistas e os estudantes revolucionários, unidos na sua determinação de pôr fim ao domínio manchuriano na China. Sun Yat-sen foi eleito presidente da Liga Revolucionária Chinesa e começou imediatamente os seus preparativos para uma revolta revolucionária. A Liga Revolucionária Chinesa fundou um jornal chamado O Povo que era impresso em Tóquio. Lenine aplaudiu o programa de Sun Yat-sen observando:
«Cada linha da plataforma de Sun Yat-sen respira um espírito de democracia militante e sincera.»
A Liga Revolucionária Chinesa começou a trabalhar numa altura em que o país já estava inundado de fermento revolucionário. No Sul e Sudoeste do país, ocorreram algumas revoltas populares no período de 1906 a 1911. Em 1906 estalou a primeira revolta operária da história da China (na cidade de Pingsiang, na província de Kiangsi). Em 1907-1908 houve revoltas de camponeses, artífices e elementos pequeno-burgueses nas províncias de Kwangtung, Kwangsi, Yunnan e Anhwei. Em 1910 estalaram revoltas camponesas nas províncias de Changsha e Xantung. Estas revoltas não tiveram êxito devido à má Organização e insuficiente ligação com o exército e com as massas noutras partes do país.
Sun Yat-sen e a Liga que ele dirigia tomaram parte activa na organização de toda esta actividade revolucionária, enviando representantes para o local em que se davam e organizando reforços de armas e dinheiro, etc. Aproveitando as lições das últimas derrotas, a Liga começou a fazer propaganda entre os soldados das «tropas modernas» (unidades organizadas segundo o modelo europeu). Em resposta a um apelo de Sun Yat-sen a maior parte dos membros da Liga, e em particular os membros estudantes, juntaram-se ao exército para espalhar a propaganda revolucionária entre os soldados.
Contudo, uma revolta de soldados em Kwanghow em 1910 falhou, pois a Liga não tinha ainda aprendido a abandonar a táctica conspiratória. Em 28 de Abril de 1911 foi organizada outra revolta pelos soldados que se tinham mostrado receptivos à propaganda dos revolucionários. Os revoltosos tomaram a residência do governador manchuriano local, mas as tropas do governo eram demasiado fortes para eles, e depois de oferecerem uma heróica resistência em grande desvantagem os revoltosos foram esmagados. Todos os prisioneiros foram sumariamente executados. Os corpos de 72 soldados que tinham sido mortos na luta ou executados foram levados pela população local e sepultados na colina Huanghuakang mesmo à saída de Kwangohow. Mais tarde foi erigido um obelisco sobre este túmulo comum em memória deste feito. «Depois dessa última derrota da revolta de Kwangtung — escreveu Sun Yat-sen —, o número de defensores da revolução começou a crescer de dia para dia».
No final de 1908, o imperador Kuang-Hsu e a sua imperatriz consorte morreram quase simultaneamente, e o sobrinho de dois anos de Kuang-Hsu, Pu-Yi, foi proclamado imperador. O Poder estava agora nas mãos dos nobres manchurianos chefiados pelos príncipes Chin e Ch’un (pai de Pu-yi). Aos nobres chineses foram negados todos os altos postos de Estado.
Este facto provocou um profundo descontentamento entre a burguesia e os proprietários de terras chineses. Subterfúgios e manobras por parte do governo, que introduziu certas reformas (o estabelecimento de comités consultivos provinciais, reorganização do sistema educacional, etc.) e prometeu que a seu tempo seria estabelecida uma monarquia constitucional, não se mostraram suficientes desta vez para debelar o descontentamento. O governo continuou a adiar a convocação dum Parlamento e a revolução estava cada vez mais perto.
Em 9 de Maio de 1911, o governo publicou um decreto que nacionalizava os caminhos de ferro existentes e a construção de outros nas províncias de Hupeh, Hunan e Kwangtung. Era um duro golpe para a burguesia chinesa que tinha estado a organizar os seus próprios projectos de construção de caminhos de ferro. Em 20 de Maio, a construção dos caminhos de ferro foi entregue a uma associação bancária apoiada por capital dos Estados Unidos, a Inglaterra, França e Alemanha. Esta atitude de franco desafio dos interesses nacionais chineses despertou a indignação de todo o país. Em sete de Setembro de 1911 o governador da província de Zechwan, Ghao Erh-feng, reagiu prendendo os chefes do movimento que se destinava a defender os interesses dos accionistas que tinham sido severamente atingidos pela nacionalização da construção do caminho de ferro. Esta acção foi a última gota, e em Chengtu, centro provincial, estalou uma revolta em larga escala. O governador foi morto, espetaram-lhe a cabeça num pau com a inscrição: «Enquanto vivo gostavas de olhar o povo de cima, agora depois de morto podes continuar a fazê-lo.»
A Liga Revolucionária Chinesa mandou os seus representantes a Zechuan para coordenarem as actividades dos revoltosos. Em Outubro de 1911, uma batalhão de engenheiros amotinou-se em Wuchang, onde representantes da Liga e outras organizações revolucionárias clandestinas tinham estado activos.
Em 11 de Outubro de 1911, o comité consultivo da província de Hupeh colaborou com os revoltosos e proclamou a república na China. Depois destes acontecimentos de Wuchang, o poder revolucionário foi também estabelecido em Hankow e Hanyan. Fez-se um governo revolucionário provisório e formou-se um exército revolucionário no qual se alistaram trabalhadores, camponeses e antigos soldados. O exército revolucionário era muito apoiado por todo o país. O exemplo de Wuchang inspirou outras cidades e regiões, que se lhe seguiram.
Foram os operários e camponeses e os sectores mais pobres e médios da burguesia que formaram o núcleo deste movimento revolucionário. Contudo, foram, sobretudo, os proprietários de terras e membros das burguesia com poder de compra que se fingiram revolucionários das massas, para confinar a revolução ao derrube da dinastia Manchu.
Em Dezembro de 1911, depois de longos anos no exílio, Sun Yat-sen voltou à China e foi recebido entusiasticamente em Xangai. Em 29 de Dezembro de 1911, os representantes de dezassete províncias elegeram-no presidente da República em Nanking. A República foi finalmente proclamada em 1 de Janeiro de 1912. No seu manifesto ao povo, Sun Yat-sen escreveu:
«Prometo arrancar os restos venenosos da autocracia, estabelecer uma república, agir no interesse do bem-estar do povo para cumprir o principal objectivo da revolução e para tornar realidade as aspirações e esperanças do povo.»
Porém, nesta proclamação notava-se a ausência de alguns pontos do programa original da Liga Revolucionária Chinesa, particularmente a exigência de direitos iguais de propriedade da terra. A Sun Yat-sen faltava ainda a confiança suficiente na força das massas populares e ele não tinha elaborado um programa claro de reformas democráticas. Havia também falta de coerência no seu programa de política externa. Ao mesmo tempo que sublinhava no seu apelo às potências estrangeiras que a China a partir de então ia ser independente e forte e gozar dos mesmos direitos e privilégios que as potências imperialistas, Sun Yat-sen pedia a estas últimas que ajudassem a China a atingir este objectivo. O governo de Sun Yat-sen representava um bloco de revolucionários burgueses, funcionários da velha burocracia e liberais, em que predominavam os liberais.
O predomínio dos liberais moldou o desenvolvimento político do novo governo. Não foram tomadas quaisquer medidas para alterar a base da estrutura socioeconómica do país, para abolir o feudalismo e o domínio imperialista, de maneira que as exigências das massas populares continuaram por satisfazer. O governo pretendia confiar a revolução dentro de um enquadramento estritamente burguês.
Entretanto, a burguesia e os proprietários de Pequim, também apostados em deter a maré revolucionária, _tomaram medidas para liquidar a monarquia. Pu-yi abdicou e seguiram-se-lhe os outros membros da casa real. Os proprietários liberais e a burguesia, alarmados pela amplitude e pelo poder do movimento revolucionário, começaram a reunir-se em apoio ao intriguista político Yuan Shih-k’ai, que foi nomeado comandante-chefe de todas as forças contra-revolucionárias. As potências imperialistas pressionavam cada vez mais o governo chinês, ameaçando intervir directamente.
Os imperialistas acabaram por apoiar abertamente Yuan Shih k’ai. Para evitar a guerra civil e a intervenção estrangeira, em 14 de Fevereiro de 1912. Sun Yat-sen renunciou à presidência a favor de Yuan Shih-k’ai, o qual mudou a sede do governo de Nanking, no Sul revolucionário para Pequim, onde as forças da reacção tinham grandes corpos de tropas à sua disposição. Os camponeses, cuja posição não tinha melhorado em consequência da revolução, começaram a revoltar-se contra os proprietários, exigindo terras e rendas mais moderadas. A classe operária também pegou em armas mais uma vez.
No entanto, todas as revoltas isoladas foram logo esmagadas pelas tropas de Shih-k’ai. A sua política tinha o apoio dos imperialistas e a associação banqueira internacional fez-lhe um grande empréstimo. Em vinte e cinco de Agosto de 1912, Sun Yat-sen e alguns antigos líderes da Liga Revolucionária Chinesa juntamente com alguns liberais fundaram um novo partido, o Kuomintang (Partido Nacional). O seu programa não fazia referência ao princípio de direitos iguais de propriedade, e os outros princípios do programa da Liga eram formulados em termos cada vez menos resolutos e revolucionários. O novo programa representava portanto um passo atrás. Contudo, mesmo esta versão alterada não agradou a Yuan Shih-k’ai que começou a submeter os membros do Kuomintang a uma cruel perseguição.
Em Julho de 1913, Sun Yat-sen apelou para o povo que começasse uma «segunda revolução». As tropas em algumas províncias do Sul acorreram ao seu chamamento, mas o povo, desiludido depois do resultado da primeira, não veio apoiar os soldados revoltosos, que foram logo derrotados pelo exército de Yuan Shih-k’ai. Então, o Kuomintang foi dissolvido e Sun Yat-sen e outros líderes tiveram que emigrar. A reacção tinha ganhado.
Foram os proprietários chineses e a burguesia com poder de compra, que beneficiaram dos frutos da Revolução. As massas, e em particular o campesinato, não obtiveram nem as terras nem as liberdades, porque tinham lutado tão altruisticamente durante anos.
No entanto, a Revolução deu nova vida à luta do povo chinês através da independência nacional e da emancipação social. A Conferência de Praga, dos bolcheviques, de 1912, chamou a atenção para a «importância mundial da luta revolucionária do povo chinês, que está a trazer a emancipação à Ásia e a minar o domínio da burguesia europeia».
O alvorecer do imperialismo trouxe atrás de si uma nova vaga de expansão do capital estrangeiro pelos países da América Latina. Nessa altura, os países latino-americanos tinham feito progressos significativos e em alguns deles haviam aparecido uma burguesia nacional e uma classe operária. Em vários países (tais como a Argentina, o México, o Brasil e o Chile), os padrões capitalistas da agricultura estavam a fazer rápidos progressos, e apareceu um estrato de proprietários capitalistas. Porém, este processo de desenvolvimento nacional progressista era atrasado por vestígios de feudalismo e pela penetração de capital estrangeiro. Os monopólios imperialistas procuraram fazer destes países fontes próprias de matérias-primas e zonas de investimento de capitais. Este facto acarretou distorção da economia dos países da América Latina de maneira a transformá-los em países de monocultura. Cuba tornou-se o principal produtor de açúcar da América do Sul, o Brasil fornecia café, a Argentina carne, a Bolívia estanho e o México prata e petróleo. Os países imperialistas apoiavam os grupos reaccionários de burgueses e proprietários que dominavam os países da América Latina.
Contudo, nem o domínio das oligarquias rurais, nem o domínio do capital estrangeiro puderam parar o relógio da história e deter o progresso. Apesar dos esforços dos monopolistas estrangeiros o capitalismo nacional começou a surgir e apareceram novas classes e novas forças sociais. Entre os sectores progressistas da burguesia nacional e dos proprietários capitalistas espalhou-se a convicção de que, sem a liquidação das oligarquias semifeudais e da libertação do domínio do capital estrangeiro, seria impossível assegurar um desenvolvimento político e económico livre e rápido.
No virar do século, o objectivo de liquidar os padrões feudais por um lado e o domínio estrangeiro por outro, tomaram-se interdependentes, e os movimentos de libertação nacional dos povos latino-americanos assumiram um carácter antifeudal e anti-imperialista.
A mais dramática manifestação destes desenvolvimentos foi a Revolução Mexicana de 1910- 1917, que foi o mais importante acontecimento da história de toda a América Latina desde as guerras de libertação. Foi a primeira revolução latino-americana durante a qual o povo tentou pôr fim a práticas feudais obsoletas e ao domínio imperialista.
Como resultado da política seguida pelo ditador general Porfírio Diaz, que era incompatível com os interesses nacionais, no início do século XX, o México havia sido transformado numa semicolónia da Inglaterra e dos Estados Unidos. Porfírio Diaz e os seus sequazes afirmavam que o México só se podia tornar um país desenvolvido com a ajuda de investimentos estrangeiros em larga escala. Às companhias inglesas e americanas tinham sido feitas concessões destinadas sobretudo à construção de caminhos de ferro e a abrir minas. Vastos territórios estavam agora nas mãos das companhias estrangeiras e dos latifundiários locais.
Quando no início do século XX foram descobertos grandes poços de petróleo, as companhias petrolíferas inglesas e americanas fizeram tudo quanto podiam para se apoderar deles.
Ao mesmo tempo os camponeses foram expoliados da terra a tal ponto que em breve, em alguns estados, 98 a 99% do campesinato não tinham terra alguma. Assim, as massas populares viram-se expostas não só à exploração da oligarquia local chefiada pelo ditador Diaz como também à dos monopólios.
As contradições de classe tinham-se tornado extremamente agudas no Outono de 1910, quando começou um movimento de guerrilha camponesa para lutar pela terra. Foi dirigido pelos lendários campeões da causa camponesa Emiliano Zapata (1877-1919) e Pancho (Francisco) Villa (1877-1923). O recém-aparecido proletariado mexicano levantou-se também a protestar contra a exploração desenfreada a que estava sujeito. A burguesia nacional e os proprietários capitalistas tentaram derrubar o grupo de Diaz que estava a vender os recursos do país aos imperialistas estrangeiros.
A Revolução começou em Outubro de 1910. Em Maio de 1911, a ditadura foi derrubada e foi estabelecido um novo governo sob a chefia do popular líder liberal, Francisco Madero. Em Fevereiro de 1913, Madero foi assassinado e soube-se que o embaixador dos Estados Unidos tinha interferido na conspiração. O Poder foi retomado por um grupo reaccionário chefiado pelo general Victoriano Huerta. Em Julho de 1914, contudo, o povo conseguiu derrubar o usurpador.
A Revolução entrou num nova fase. Agora as massas estavam na luta, determinando o seu curso e dando-lhe um carácter democrático. No decurso da luta, os exércitos de camponeses, juntamente com os camponeses das regiões envolvidas na vaga revolucionária, estavam a realizar uma reforma agrária. A iniciativa e a actividade do povo alarmaram os liberais, cujos interesses eram defendidos pelo seu líder, Venustiano Carranza, que se preparou para liquidar os exércitos camponeses chefiados por Zapata e Villa. A Revolução ameaçava também os interesses dos monopólios estrangeiros, e em duas datas separadas (em 1914 e 1917) os Estados Unidos organizaram intervenções armadas com o fim de esmagar a Revolução Mexicana, que só falharam devido à determinada resistência do povo mexicano. A política agressiva dos Estados Unidos em relação ao México revolucionário suscitou a irritação e indignação dos povos da América Latina que declararam a sua solidariedade para com os revolucionários mexicanos.
A Revolução Mexicana foi uma revolução antifeudal e anti-imperialista o que lhe dava um carácter burguês democrático. As massas não saíram vitoriosas da luta devido à incapacidade de o proletariado e de o campesinato se unirem. O proletariado ainda não estava em posição de chefiar o movimento revolucionário, e a burguesia assumiu em vez dele o papel principal. Lado a lado com o povo, a burguesia desafiou a ditadura de Diaz e a oligarquia dos bispos, e os poderosos proprietários e imperialistas estrangeiros. Contudo, uma vez que se tornou evidente que os seus interesses de classe chocavam com os do campesinato e do proletariado, voltou-se resolutamente contra as massas populares. Daí que, no curso da guerra civil que durou de 1915 a 1917, a aliança da burguesia e dos proprietários acabasse por conseguir esmagar os exércitos camponeses e depois suprimir as revoltas e o proletariado.
A Revolução Mexicana eliminou a ditadura reaccionária de Diaz, infligiu um sério golpe ao poder da Igreja e enfraqueceu o poder do capital estrangeiro no país. Assim, consolidou uma nova ordem burguesa, preparou o caminho para um desenvolvimento capitalista mais rápido e fortaleceu a soberania nacional mexicana. Aos olhos dos povos da América Latina, o México tornara-se o símbolo da luta contra o imperialismo. Outra consequência da Revolução foi a Constituição de 1917, que reflectia as aspirações antifeudais e anti-imperialistas do movimento revolucionário. Esta Constituição era a mais democrata de todas as constituições burguesas do Mundo de então. Porém, é de recordar que não consagrava reais conquistas revolucionárias, era apenas um programa daquilo porque o povo tinha ainda de lutar para conseguir. Além disso, como fora a aliança da burguesia com a classe proprietária que tinha tomado o governo do país e que ia pôr em prática esta Constituição, muitos dos seus artigos ainda não foram até agora executados.
A Revolução Mexicana marcou o fim de um importante estádio do movimento de libertação nacional na América Latina, fase que se distinguiu pelo facto de, sendo o povo que aguentava as consequências da luta, sendo ele que fazia os maiores sacrifícios e suportava as mais duras privações, não era ele, mas a classe dominante, que recebia os frutos da luta. As tarefas básicas — esmagar o domínio imperialista, abolir os latifúndios e derrubar os regimes reaccionários — não foram desta vez ainda realizadas.
A Primeira Revolução Russa de 1905-1907 foi a primeira de toda uma série de violentas batalhas de classes que se deram em quase todos os grandes países capitalistas da Europa.
Greves em massa, caracterizadas por um alto nível de militância, ocorreram na Suécia em 1909, na Inglaterra em 1912, e na Bélgica em 1913. Em certas vezes, a luta do proletariado assumiu um carácter particularmente determinado, como foi o caso das manifestações antimilitaristas dos operários em Espanha, em 1909, quando foram levantadas barricadas nas ruas de Barcelona. No Verão de 1914, havia barricadas e lutas de rua em Milão, Veneza e outras cidades da Itália. Os camponeses acorreram a ajudar os operários, rebuscando arsenais e quartéis da polícia. Durante uma semana inteira, o país foi paralisado por uma greve geral, que mais tarde veio a ser chamada de «Semana Vermelha».
O proletariado da Rússia era ainda a principal inspiração do movimento trabalhista internacional, como antes, desde 1905. Agora como havia recuperado das represálias reaccionárias, os operários russos começaram, depois de 1910, a substituir as greves ofensivas por greves defensivas. O massacre dos grevistas na minas de ouro do Lena, na Sibéria Oriental, em 1912, levou a uma grande onda de protesto por todo o país. Uma nova vaga de ardor revolucionário encontrou expressão num rápido crescimento do movimento grevista em todos os mais importantes centros industriais do país. Reuniões e manifestações de rua organizadas pelos operários tornaram-se fenómenos comuns. No Verão de 1914, apareceram barricadas nas ruas de S. Petersburgo e as lutas entre os operários e a polícia tornaram-se cada vez mais frequentes. A Rússia estava de novo no limiar de uma greve política à escala nacional.
Assim, pode ver-se que as crescentes contradições de classe dos países capitalistas durante a era imperialista deram como resultado uma crescente actividade revolucionária da parte das massas, de que reforçou a tendência revolucionária dentro do movimento socialista internacional. Nos começos do século XX, antes da Primeira Guerra Mundial, ia desempenhar um papel cada vez mais importante em todos os países europeus.
Na Rússia fundou-se então um partido de tipo novo, que diferia dos outros partidos da Segunda Internacional pela sua essência inconfundivelmente revolucionária. Na Alemanha, a ala esquerda do Partido Social-Democrata, chefiado por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, consolidou as suas fileiras, e, na Bulgária, um partido separado de socialistas de esquerda ou Iesnyaki, formou-se sob a direcção de Dimitr Blagoev. Nas fileiras dos socialistas franceses, o número dos que se opunham à colaboração com partidos burgueses aumentou rapidamente.
Contudo, simultaneamente, ia crescendo uma outra tendência, oportunista, dentro do movimento socialista internacional. A base social desta linha era a chamada aristocracia dos trabalhadores. Este estrato superior do proletariado europeu foi aliciado pelos capitalistas, dispostos a sacrificar para isso uma parte dos excessos de lucros que lhes vinham das pilhagens coloniais. Escusado será dizer que os trabalhadores que pertenciam a este grupo específico, corrompidos pelo suborno pelos seus senhores, não tinham interesse no desaparecimento da ordem capitalista. Tentavam arrancar concessões parciais à burguesia, não através da luta contra esta classe, mas colaborando com ela. Além disso, à medida que as ideias socialistas ganhavam popularidade, o movimento socialista internacional ia alargar-se à pequena burguesia. Estes contributos para os partidos socialistas deram origem a divergências antiproletárias e ajudaram os líderes oportunistas a consolidar a sua influência no movimento.
Já no final do século XIX, pouco depois da morte de Frederich Engels (1895), um dos principais sociais-democratas alemães, Éduard Bernstein, defendeu a revisão do supostamente ultrapassado marxismo, propondo que a ideia da revolução socialista fosse substituída pela da actividade reformista pacífica. Durante a Primeira Revolução Russa muitos líderes da Segunda Internacional não estavam dispostos a reconhecer o seu significado internacional e não mostraram vontade de estudar e de adaptar a experiência da luta travada pelo proletariado russo.
A derrota da Revolução na Rússia foi utilizada pelos oportunistas para lançar o seu desprezo e a sua condenação sobre o próprio princípio da luta revolucionária proletária e para apontar a superioridade dos métodos reformistas.
A crescente influência oportunista na Segunda Internacional encontrou expressão na recusa por parte de alguns dos seus líderes em empreenderem a luta contra o militarismo e a ameaça da guerra imperialista, que se tinha vindo a tornar cada vez mais evidente desde cerca de 1905. Nos congressos da Segunda Internacional oportunista, muitos de entre as fileiras dos sociais-democratas belgas e alemães assumiram abertamente o papel de apologistas do colonialismo, advogando a necessidade de haver colónias não só no sistema capitalista mas também no sistema socialista. Líderes oportunistas holandeses e ingleses juntaram-se-lhes para elogiar a missão civilizadora das potências imperialistas.
Na sua qualidade de marxistas revolucionários activos num país à beira da revolução, os bolcheviques russos não hesitaram em condenar os princípios revisionistas propostos por Bernstein. Na sua denúncia das ilusões reformistas em relação ao desaparecimento gradual das contradições inerentes ao capitalismo, Lenine defendeu os princípios básicos da teoria económica de Marx e a sua teoria da revolução socialista. Ao mesmo tempo sublinhou a essência criadora do marxismo e a necessidade de desenvolver ainda mais esta teoria à luz das novas condições próprias da era do imperialismo.
Uma dura batalha contra o oportunismo foi travada por Lenine e seus discípulos na própria Rússia. Nos seus esforços para estabelecer um partido proletário unido, os marxistas revolucionários russos ergueram-se contra a oposição dos economicistas, que negavam a necessidade de um partido político independente do proletariado, restringindo as tarefas deste aos sindicatos e à luta económica contra os capitalistas.
Enquanto esteve no exílio na Sibéria (1897- 1900), Lenine tinha condenado o economicismo como uma forma de revisionismo. O Iskra, jornal do partido fundado por Lenine, denunciava incansavelmente a essência oportunista do economicismo. A obra de Lenine «Que faire?», publicada em 1902, ia desempenhar um papel decisivo na derrota ideológica dos economicistas.
Depois do Segundo Congresso do Partido Operário Social-Democrata Russo, os bolcheviques foram obrigados a travar uma longa luta contra a política oportunista seguida pelos mencheviques, que afirmavam que o principal papel na revolução que estava prestes a estalar na Rússia devia ser desempenhado pela burguesia e que, por isso exortavam o proletariado a negociar com a burguesia.
Nas difíceis condições em que se encontravam depois da derrota da Revolução de 1905 quando a reacção imperava, os bolcheviques foram obrigados a consolidar as organizações revolucionárias clandestinas existentes em face das tentativas dos mencheviques para eliminarem o partido ilegal. Em 1912, numa conferência do partido realizada em Praga, os liquidacionistas mencheviques foram expulsos do partido, e foi eleito um Comité Central chefiado por Lenine.
Os marxistas revolucionários lutaram com uma determinação semelhante contra as tendências oportunistas dentro da Segunda Internacional. Em congressos socialistas internacionais, Lenine fez uma dura crítica aos líderes oportunistas, particularmente no que se refere à sua posição sobre a iminente guerra imperialista. Durante estes congressos, Lenine organizou reuniões especiais de sociais - democratas da ala esquerda, não se poupando a esforços para os unir na luta contra o oportunismo.
O Partido Bolchevique era o único grande partido operário do mundo que nunca comprometeu os princípios do internacionalismo proletário. De 1912 a 1914, Lenine falou frequentemente em defesa do programa revolucionário do partido em relação à questão das nacionalidades, que sublinhava o direito dos povos à autodeterminação, incluindo o direito à cessação. Condenando duramente as tentativas dos oportunistas para justificar a política colonial das potências imperialistas, Lenine apontou o enorme significado para a causa proletária do movimento de libertação nacional nos países coloniais e dependentes.
Inclusão | 09/12/2016 |