3-24 de Junho (16 de Junho - 7 de Julho) de 1917
Primeira Edição: a 28 (15) 2 29 (16) de Junho de 1917 no Pravda n.° 82 e 83.
Fonte: Obras Escolhidas em Três Tomos, 1978, t2, pp 103-111, Edições Avante! — Lisboa, Edições Progresso — Moscovo.
Tradução: Edições "Avante!" com base nas Obras Completas de V. I. Lénine, 5.ª ed. em russo, t. 32, pp. 261-276.
Transcrição: Partido Comunista Português.
HTML: Fernando A. S. Araújo, março 2009.
Direitos de Reprodução: © Direitos de tradução em língua portuguesa reservados por Edições "Avante!" — Edições Progresso Lisboa — Moscovo, 1977.
Camaradas, no curto espaço de tempo que me foi concedido só posso deter-me, e penso que isto é mais conveniente, nas questões de princípio fundamentais, expostas pelo relator do Comité Executivo e pelos oradores seguintes.
A questão primeira e fundamental que se colocava perante nós era a questão de onde estamos — o que são estes Sovietes que se reuniram agora no Congresso de toda a Rússia, o que é a democracia revolucionária, de que aqui tanto se fala para encobrir a completa incompreensão dela e a mais completa renúncia a ela. Pois falar de democracia revolucionária diante de um Congresso dos Sovietes de toda a Rússia e encobrir o carácter desta instituição, a sua composição de classe, o seu papel na revolução, não dizer sobre isto nem uma palavra, e pretender ao mesmo tempo ao título de democratas, é estranho. Pintam-nos o programa de uma república burguesa parlamentar, como a que tem havido em toda a Europa Ocidental, pintam-nos um programa de reformas reconhecidas hoje por todos os governos burgueses, em cujo número se inclui também o nosso, e falam-nos juntamente com isso de democracia revolucionária. Falam diante de quem? Diante dos Sovietes. E eu pergunto-vos se existe algum país na Europa, burguês, democrático, republicano, no qual exista algo parecido com estes Sovietes. Tendes de responder que não. Em parte alguma existe, nem pode existir, uma instituição semelhante, pois das duas uma: ou um governo burguês com esses «planos» de reformas que nos pintam e que dezenas de vezes em todos os países foram propostas e ficaram no papel, ou essa instituição para a qual agora apelam, esse «governo» de tipo novo que foi criado pela revolução e do qual há exemplo apenas na história dos maiores ascensos revolucionários, por exemplo em 1792 e em 1871 na França e em 1905 na Rússia. Os Sovietes são uma instituição que não existe em nenhum dos Estados burgueses parlamentares de tipo corrente, e não pode existir ao lado de um governo burguês. É o tipo novo e mais democrático de Estado, ao qual nós, nas resoluções do nosso partido, dávamos o nome de república democrática camponesa-proletária, na qual o poder pertence exclusivamente aos Sovietes de deputados operários e soldados. É um erro pensar que esta é uma questão teórica, é um erro tentar apresentar as coisas como se se pudesse contorná-las, é um erro objectar que actualmente coexistem com os Sovietes de deputados operários e soldados instituições deste ou daquele género. Sim, coexistem. Mas precisamente isto é que gera uma quantidade inaudita de equívocos, de conflitos e de atritos. É precisamente isto que provoca a passagem da revolução russa do seu primeiro ascenso, do seu primeiro movimento de avanço, à sua estagnação e aos passos atrás que agora vemos no nosso governo de coligação, em toda a política interna e externa, em relação com a ofensiva imperialista que se está preparando.
Das duas uma: ou um governo burguês comum, e nesse caso não são necessários os Sovietes de operários, camponeses, soldados e outros, então serão ou dissolvidos pelos generais, pelos generais contra-revolucionários que têm o exército nas mãos, sem prestar a menor atenção à oratória do ministro Kerenski, ou morrerão de uma morte sem glória. Não há outro caminho para estas instituições, que não podem retroceder nem parar e apenas podem existir avançando. Eis um tipo de Estado que não foi inventado pelos russos, que foi gerado pela revolução, pois de outro modo a revolução não pode vencer. No seio do Soviete de toda a Rússia são inevitáveis os atritos, a luta dos partidos pelo poder. Mas isso será uma superação dos possíveis erros e ilusões pela própria experiência política das massas (rumores) e não pelos discursos que fazem os ministros, referindo-se ao que disseram ontem, ao que escreverão amanhã e ao que prometerão depois de amanhã. Isto, camaradas, do ponto de vista de uma instituição criada pela revolução russa e diante da qual se coloca hoje a questão de ser ou não ser, é ridículo. Os Sovietes não podem continuar a existir como existem agora. Pessoas adultas, operários e camponeses, têm de reunir-se para adoptar resoluções e ouvir discursos que não podem ser submetidos a nenhuma prova documental! Instituições deste género representam a passagem para essa república que criara, não em palavras, mas de facto, um poder firme, sem polícia, sem exército permanente, esse poder que na Europa Ocidental não pode ainda existir, o poder sem o qual a revolução russa não pode vencer, no sentido da vitória sobre os latifundiários, no sentido da vitória sobre o imperialismo.
Sem esse poder não se pode sequer falar de que nós próprios possamos conseguir uma vitória semelhante, e quanto mais examinarmos o programa que nos aconselham aqui e os factos diante dos quais nos encontramos, com tanto maior força ressaltará a contradição fundamental. Dizem-nos, como disseram o relator e outros oradores, que o primeiro Governo Provisório era mau! Mas então quando os bolcheviques, os malfadados bolcheviques, disseram: «nenhum apoio, nenhuma confiança neste governo», quantas acusações de «anarquismo» choveram sobre nós! Hoje todos dizem que o governo precedente foi mau, mas em que se distingue desse governo precedente o governo de coligação, com os ministros quase-socialistas? Não basta de conversas sobre programas e projectos, será que não basta, não é tempo de passar aos actos? Passou já um mês desde que, em 6 de Maio, se formou o governo de coligação. Vede os factos, vede a ruína que existe na Rússia e em todos os países arrastados para a guerra imperialista. Como se explica a ruína? Pela rapacidade dos capitalistas. Eis onde está a verdadeira anarquia. E dizemos isto com base em confissões publicadas não no nosso jornal, não em qualquer jornal bolchevique, Deus nos livre, mas no ministerial Rabótchaia Gazeta: os preços industriais dos fornecimentos de carvão foram elevados pelo governo «revolucionário»!! E o governo de coligação não mudou nada a este respeito. Perguntam-nos se na Rússia se pode introduzir o socialismo ou, em geral, realizar imediatamente transformações radicais; tudo isso são vazios subterfúgios, camaradas. A doutrina de Marx e Engels, como eles sempre explicaram, consiste em que: «a nossa teoria não é um dogma, mas um guia para a acção.»[N82] Em nenhuma parte do mundo existe, nem pode existir durante a guerra, um capitalismo puro que se transforme em socialismo puro, mas existe algo intermédio, algo novo, algo sem precedentes, porque sucumbem centenas de milhões de homens arrastados para esta guerra criminosa entre capitalistas. Não se trata de promessas de reformas, isso são palavras vazias; trata-se de dar o passo de que agora necessitamos.
Se quereis referir-vos à democracia «revolucionária», diferenciai este conceito do de democracia reformista sob um ministério capitalista, porque, enfim, é tempo de passar das frases sobre a «democracia revolucionária», das congratulações recíprocas a propósito da «democracia revolucionária», à caracterização de classe, tal como nos ensina o marxismo e o socialismo científico em geral. O que nos propõem é a passagem à democracia reformista sob um ministério capitalista. E isso poderá ser magnífico do ponto de vista dos modelos correntes da Europa Ocidental. Mas hoje existe toda uma série de países em vésperas da ruína, e as medidas práticas que, como disse o orador precedente, o cidadão ministro dos Correios e Telégrafos, são tão complicadas que é difícil implantá-las sem um estudo especial, essas medidas são completamente claras. Ele disse que não existe na Rússia nenhum partido político que se declare pronto a tomar todo o poder. Eu respondo: «Existe! Nenhum partido pode recusá-lo, e o nosso partido não o recusa: a todo o momento está pronto a tomar todo o poder.» ( Aplausos, e risos.) Podeis rir quanto quiserdes, mas se o cidadão ministro nos coloca diante desta questão ao lado de um partido de direita, receberá uma resposta adequada. Nenhum partido pode recusar-se a isso. E num momento em que existe ainda liberdade, em que as ameaças de prisão e de desterro para a Sibéria, ameaças da parte dos contra-revolucionários ao lado dos quais se sentam os nossos ministros quase-socialistas, não são senão ameaças, em tal momento cada partido diz: depositai em nós a vossa confiança e nós dar-vos-emos o nosso programa.
A nossa conferência de 29 de Abril deu este programa[N83]. Infelizmente, não o levam em consideração, nem se regem por ele. É necessário, pelos vistos, esclarecê-lo de maneira popular. Tentarei dar ao cidadão ministro dos Correios e Telégrafos uma explicação popular da nossa resolução, do nosso programa. O nosso programa, em relação à crise económica, consiste em que seja exigida imediatamente — para isso não é necessário nenhum adiamento — a publicação de todos os lucros fabulosos, que chegam a 500-800 por cento, e que os capitalistas obtêm não como capitalistas no mercado livre, num capitalismo «puro», mas com os fornecimentos de guerra. Eis realmente onde o controlo operário é necessário e possível. Eis uma medida que vós, se vos chamais a vós próprios democracia «revolucionária», deveis realizar em nome do Soviete e que pode ser implantada de hoje para amanhã. Isto não é o socialismo. Isto é abrir os olhos do povo para a verdadeira anarquia e para o verdadeiro jogo com o imperialismo, o jogo com o património do povo, com centenas de milhares de vidas, que amanhã perecerão porque continuamos a estrangular a Grécia. Publicai os lucros dos senhores capitalistas, prendei 50 ou 100 dos milionários mais ricos. Bastará detê-los algumas semanas, ainda que nas mesmas condições privilegiadas em que se mantém Nicolau Romanov, com a simples finalidade de pôr a descoberto os fios, os manejos fraudulentos, a sujeira, a cobiça que também sob o novo governo custam ao nosso país milhares e milhões todos os dias. Eis a causa fundamental da anarquia e da ruína, eis porque dizemos: na Rússia continua tudo como antes, o governo de coligação não mudou nada, ele ofereceu apenas um montão de discursos declamatórios, de frases pomposas. Por muito sinceros que sejam os homens, por muito sinceramente que desejem o bem dos trabalhadores, as coisas não mudaram — a mesma classe continua no poder. A política que está a ser seguida não é uma política democrática.
Falam-nos da «democratização do poder central e local». Acaso não sabeis que essas palavras só são novas para a Rússia, que nos outros países houve já dezenas de ministros quase-socialistas que fizeram ao país promessas semelhantes? Que significam elas quando perante nós está o facto concreto e vivo: a população local elege as autoridades, mas o á-bê-cê da democracia é violado pela pretensão do centro de nomear ou confirmar as autoridades locais. A dilapidação do património do povo pelos capitalistas continua. A guerra imperialista continua. E prometem-nos reformas, reformas e reformas, cuja execução é perfeitamente impossível neste quadro, porque a guerra esmaga tudo, determina tudo. Porque não estais de acordo com os que dizem que a guerra não se faz pelos lucros dos capitalistas? Em que reside o critério? Em primeiro lugar, em que classe está no poder, em que classe continua a dominar, em que classe continua a ganhar centenas de milhares de milhões com operações bancárias e financeiras? É a mesma classe capitalista, e por isso a guerra continua a ser imperialista. Nem o primeiro Governo Provisório, nem o governo com os ministros quase-socialistas mudaram nada: os tratados secretos continuam secretos, a Rússia continua a lutar pelos estreitos, pela continuação da política liakhovista na Pérsia[N84], etc.
Eu sei que não quereis isto, que a maioria de vós não quer isto, e que os ministros não querem isto, porque não se pode querer isto, porque isto significaria o massacre de centenas de milhões de homens. Mas considerai a ofensiva de que tanto falam agora os Miliukov e os Maklákov. Eles compreendem perfeitamente do que se trata. Sabem que isto está ligado à questão do poder, à questão da revolução. Dizem-nos que é precise distinguir entre questões políticas e estratégicas. É ridículo apresentar sequer essa questão. Os democratas-constitucionalistas compreendem perfeitamente que se trata de uma questão política.
Que a luta revolucionaria pela paz começada a partir de baixo pode conduzir a uma paz separada é uma calúnia. O primeiro passo que daríamos se tivéssemos o poder seria: deter os maiores capitalistas e romper todos os fios das suas intrigas. Sem isto, todas as frases sobre uma paz sem anexações nem contribuições são palavras absolutamente vazias. O nosso segundo passo seria declarar aos povos, independentemente dos governos, que consideramos todos os capitalistas bandidos, tanto Teréchtchenko, que não é em nada melhor que Miliukov, só um pouco mais estúpido, como os capitalistas franceses, como os ingleses, como todos.
O vosso próprio Izvéstia[N85] se embrulha e, em vez de uma paz sem anexações nem contribuições, propõe manter o statu quo. Não, não é assim que concebemos a paz «sem anexações». E aqui até o Congresso Camponês[N86] se aproxima mais da verdade, ao falar de uma república «federativa», dando assim expressão à ideia de que a república russa não quer oprimir nenhum povo nem à maneira nova nem velha, de que não quer conviver na base da violência com nenhum povo, nem com a Finlândia nem com a Ucrânia, que o ministro da Guerra tanto critica e com as quais se criam conflitos imperdoáveis e inadmissíveis. Nós queremos uma república da Rússia, una e indivisível, com um poder forte, mas um poder forte só se consegue com o acordo voluntário dos povos. «Democracia revolucionária", isto são grandes palavras, mas são aplicadas a um governo que complica com chicanas mesquinhas a questão da Ucrânia e da Finlândia, que, nem mesmo se queriam separar, e que se limitam a dizer: não adieis a aplicação do á-bê-cê da democracia até à Assembleia Constituinte!
É impossível concluir uma paz sem anexações nem contribuições enquanto não renunciardes às vossas próprias anexações. Porque, enfim, isto é ridículo, é um jogo, de que ri cada operário da Europa; ele diz: «em palavras eles são eloquentes, exortam os povos a derrubar os banqueiros, mas colocam os banqueiros do próprio país no ministério. Prendei-os, ponde a descoberto as manipulações, descobri os fios — isto não o fazeis apesar de terdes organizações poderosas contra as quais é impossível resistir. Passastes pelos anos de 1905 e 1917, sabeis que a revolução não se faz de encomenda, que nos outros países as revoluções seguiram sempre o duro e sangrento caminho das insurreições e que na Rússia não existe um só grupo, não existe uma só classe que possa opor-se ao poder dos Sovietes. Na Rússia é possível que esta revolução, por excepção, seja uma revolução pacífica. E se esta revolução oferecesse hoje ou amanhã a paz a todos os povos, rompendo com todas as classes capitalistas, veríamos como a França e a Alemanha, pela boca dos seus povos, dariam o seu acordo num prazo brevíssimo, porque esses países caminham para a ruína, porque a situação da Alemanha é desesperada, porque ela não se pode salvar e porque a França ...
(O presidente: «O seu tempo esgotou-se.»).
Terminarei em meio minuto ... (Rumores, pedidos da assistência para que continue, protestos, aplausos.)
(O presidente: «Comunico ao Congresso que o praesidium propõe o prolongamento do tempo concedido ao orador. Quem se opõe? A maioria é pela continuação do discurso.»)
Dizia eu que se a democracia revolucionária na Rússia fosse uma democracia não em palavras, mas de facto, impulsionaria a revolução para a frente e não entraria em acordo com os capitalistas, não discorreria sobre a paz sem anexações nem contribuições, mas procederia de modo a liquidar as anexações na Rússia e declararia abertamente que considerava qualquer anexação criminosa e banditesca. E então seria possível evitar a ofensiva imperialista, que ameaça com a morte milhares e milhões de homens, pela partilha da Pérsia, dos Balcãs. Então ficaria aberto o caminho para a paz, caminho que não seria — isso não o dizemos — um caminho simples, que não excluiria uma guerra realmente revolucionária.
Não colocamos esta questão como a coloca hoje Bazárov na Nóvaia Jizn[N87]; dizemos somente que a Rússia se encontra em tais condições que, no fim da guerra imperialista, as suas tarefas são mais fáceis do que poderia parecer. E ela encontra-se em condições geográficas tais que as potências que se decidissem a apoiar-se no capital e nos seus interesses vorazes e marchar contra a classe operária russa e o semi proletariado, isto é, o campesinato muito pobre, aliado a ela, se elas o fizessem isto seria para elas uma tarefa extremamente difícil. A Alemanha está à beira da ruína e, depois da intervenção da América, que quer devorar o México e que amanhã provavelmente entrará em luta com o Japão, depois dessa intervenção a situação da Alemanha é desesperada: ela será aniquilada. A França, que, pela sua situação geográfica, é de todas a que mais sofre e cujo esgotamento atinge o máximo, este pais que passa menos fome do que a Alemanha, perdeu incomparavelmente mais material humano do que a Alemanha. Pois bem, se desde o primeiro passo se tivesse posto freio aos lucros dos capitalistas russos e se se os tivesse privado de toda a possibilidade de embolsarem lucros de centenas de milhões, se tivésseis proposto a todos os povos uma paz contra os capitalistas de todos os países, declarando abertamente, ao fazê-lo, que não quereis entabular nenhuma espécie de negociações nem estabelecer o menor contacto com os capitalistas alemães nem com quem, directa ou indirectamente, os favorecesse ou tivesse algo que ver com eles, que vos negáveis a falar com os capitalistas franceses e ingleses — então ter-vos-íeis pronunciado para os acusar perante os operários. Não teríeis considerado como uma vitória que tenha obtido passaporte um MacDonald[N88], que nunca travou uma luta revolucionária contra o capital e que deixam passar porque ele não exprimiu nem as ideias, nem os princípios, nem a prática, nem a experiência da luta revolucionária contra os capitalistas ingleses, pela qual o nosso camarada MacLean e centenas de outros socialistas ingleses estão nas prisões, tal como está o nosso camarada Liebknecht, que se encontra num presídio por ter dito: «soldados alemães, disparai contra o vosso Kaiser».
Não seria mais acertado mandar os capitalistas imperialistas para esses mesmos trabalhos forçados que a maioria dos membros do Governo Provisório, na terceira Duma especialmente restaurada para isto — não sei, aliás, se é a terceira ou a quarta — diariamente nos preparam e prometem e que escrevem já, a esse respeito, os novos projectos de lei do Ministério da Justiça? MacLean e Liebknecht, eis os nomes dos socialistas que convertem em realidade a ideia da luta revolucionária contra o imperialismo. Eis o que é preciso dizer a todos os governos se se quer lutar pela paz; é preciso acusá-los diante dos povos. Então colocareis todos os governos imperialistas numa situação embrulhada. Mas agora quem está numa situação embrulhada sois vós, quando vos dirigistes aos povos com o apelo pela paz de 14 de Março[N89], dizendo: «derrubai os vossos imperadores, os vossos reis e os vossos banqueiros», enquanto nós, que temos nas mãos uma organização sem precedentes, rica pelo número, experiência e força material como o Soviete de .Deputados operários e soldados, formamos um bloco com os nossos banqueiros, constituímos um governo de coligação quase-socialista e escrevemos projectos de reformas como os que vêm sendo escritos na Europa há dezenas e dezenas de anos. Ali, na Europa, zombam de semelhante tipo de luta pela paz. E ali só a compreenderão quando os Sovietes tomarem o poder e actuarem de modo revolucionário.
Em todo o mundo só existe um país que pode hoje dar passos para pôr fim à guerra imperialista, numa escala de classe, contra os capitalistas, sem revolução sangrenta, só há um país, e esse país é a Rússia. E ela continuará a sê-lo enquanto existir o Soviete de deputados operários e soldados. Ele não poderá existir muito tempo ao lado de um Governo Provisório de tipo corrente. E ele continuará a ser como é apenas enquanto não se passar à ofensiva. A passagem a ofensiva é uma viragem em toda a política da revolução russa, isto é, a passagem da espera, da preparação da paz por uma insurreição revolucionária a partir de baixo, para o recomeço da guerra. A passagem da confraternização numa frente à confraternização em todas as frentes, da confraternização espontânea, quando se trocava uma côdea de pão por um canivete com um proletário alemão faminto, pelo que são ameaçados com o presídio, à confraternização consciente: eis o caminho que era apontado.
Quando tomarmos nas nossas mãos o poder, poremos um freio aos capitalistas, e a guerra não será já a mesma que a que se trava hoje, pois a guerra é determinada pela classe que a trava e não por aquilo que se escreva num papel. No papel pode-se escrever o que se quiser. Mas, enquanto a classe capitalista formar a maioria do governo, a guerra continuará a ser imperialista, escrevais vós o que escreverdes, por muito eloquentes que sejais, sejam quais forem os ministros quase-socialistas que tenhais. Isto todos sabem e todos vêem. E o exemplo da Albânia, o exemplo da Grécia, da Pérsia[N90] mostrou-o de modo tão claro e tangível que me surpreende que todo o mundo ataque a nossa declaração escrita sobre a ofensiva[N91] e ninguém diga uma só palavra sobre os exemplos concretos! Prometer projectos é fácil, mas as medidas concretas vão sendo adiadas. Escrever uma declaração sobre a paz sem anexações é fácil, mas o exemplo da Albânia, da Grécia, da Pérsia é posterior ao ministério de coligação. E o Delo Naroda, órgão não do nosso partido, mas órgão governamental, órgão dos ministros, escreveu que isto é um escárnio a que submetem a democracia russa, que estrangulam a Grécia. E o próprio Miliukov, de quem fazeis sabe Deus o quê — é um simples membro do seu partido, Térechtchenko não se diferencia em nada dele — escrevia que a diplomacia dos aliados exercia pressão sobre a Grécia. A guerra continua a ser imperialista, e por muito que desejeis a paz, por mais sincera que seja a vossa simpatia pelos trabalhadores e por mais sincero que seja o vosso desejo de paz — estou plenamente convencido de que o desejo de paz não pode deixar de ser sincero na massa — sois impotentes, pois só se pode pôr fim à guerra desenvolvendo a revolução. Quando na Rússia começou a revolução, começou também a luta revolucionária a partir de baixo pela paz. Se vós tornásseis o poder nas vossas mãos, se o poder passasse para as organizações revolucionárias para lutar contra os capitalistas russos, os trabalhadores dos outros países acreditariam em vós e então poderíeis propor a paz. Então a nossa paz ficaria garantida, ao menos por dois lados, por parte de dois povos que se esvaem em sangue e cuja causa é desesperada, por parte da Alemanha e da França. E se as circunstâncias nos pusessem então na situação de uma guerra revolucionária — isto ninguém sabe e não excluímos isto — diríamos: «não somos pacifistas, não renunciamos à guerra se a classe revolucionária estiver no poder, se verdadeiramente despojou os capitalistas de toda a influência na direcção dos assuntos e da possibilidade de acentuar a ruína que lhes permite embolsar centenas de milhões.» O poder revolucionário declararia e explicaria a todos os povos sem excepção que todos os povos devem ser livres, que do mesmo modo que o povo alemão não tem direito a lutar para conservar a Alsácia e a Lorena, também o povo francês não tem direito a lutar pelas suas colónias. Porque se a França luta pelas suas colónias, a Rússia tem Khivá e Bukhará, que são também uma espécie de colónias, e então a partilha das possessões coloniais começará. E como partilha-las, segundo que norma? Segundo a força. Mas a força mudou, a situação dos capitalistas é tal que não há outra saída senão a guerra. Quando tomardes o poder revolucionário, tereis a via revolucionária para a paz: dirigir-se aos povos com um apelo revolucionário, explicar a táctica com o vosso exemplo. Então abrir-se-á diante de vós o caminho de uma paz conquistada por via revolucionária e tereis as maiores probabilidades de poder evitar a morte de centenas de milhares de homens, então podereis estar seguros de que os povos alemão e francês pronunciar-se-ão a vosso favor. E os capitalistas ingleses, americanos e japoneses, mesmo se quisessem uma guerra contra a classe operária revolucionária — cujas forças decuplicarão quando tiver sido posto um freio e afastados os capitalistas, e o controlo tiver passado para as mãos da classe operária — mesmo se os capitalistas americanos, ingleses e japoneses quiserem uma guerra, haveria noventa e nove probabilidades em cem de não serem capazes de a travar. E bastará que declareis que não sois pacifistas, que estais dispostos a defender a vossa república, a vossa democracia operária, proletária, contra os capitalistas alemães e franceses e outros, para que a paz seja assegurada.
Eis por que atribuímos uma importância tão fundamental à nossa declaração sobre a ofensiva. Chegou a hora de uma viragem em toda a historia da revolução russa. A revolução russa começou apoiada pela burguesia imperialista de Inglaterra, que pensou que a Rússia era uma espécie de China ou Índia. Em vez disto, ao lado do governo em que hoje têm a maioria os latifundiários e os capitalistas, surgiram os Sovietes, organismos representativos com uma força nunca vista no mundo, que vós matais com a vossa participação no ministério de coligação com a burguesia. Em vez disto, a revolução russa fez com que a luta revolucionária a partir de baixo contra o governo capitalista seja acolhida em toda a parte, em todos os países, com três vezes mais simpatia do que antes. A questão coloca-se assim: avançar ou recuar. Durante uma revolução é impossível permanecer no mesmo lugar. Eis por que a ofensiva é uma viragem em toda a revolução russa, não no sentido estratégico da ofensiva, mas político e económico. A ofensiva é hoje, objectivamente, independentemente da vontade ou da consciência deste ou daquele ministro, o prosseguimento da matança imperialista e da morte de centenas de milhares, de milhões de pessoas pelo estrangulamento da Pérsia e de outros povos fracos. A passagem do poder para o proletariado revolucionário apoiado pelo campesinato pobre e a passagem para a luta revolucionária pela paz sob as formas mais seguras e menos dolorosas que a humanidade jamais conheceu, a passagem para uma situação em que ficarão assegurados o poder e a vitória dos operários revolucionários tanto na Rússia como em todo o mundo. (Aplausos de uma parte da assembleia.)
Notas de fim de tomo:
[N81] O I Congresso dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados de Toda a Rússia realizou-se em 3-24 de Junho (16 de Junho — 7 de Julho) de 1917 em Petrogrado. A maioria esmagadora dos delegados eram mencheviques e socialistas-revolucionários. Nos seus discursos e resoluções exortavam os operários e soldados a consolidar a disciplina no exército, a lançar uma ofensiva na frente e a apoiar o Governo Provisório e opunham-se decididamente à passagem do poder para os Sovietes, declarando (como o fez o ministro Tseretéli) que na Rússia não havia nenhum partido político capaz de assumir sozinho toda a plenitude do poder. Em resposta a isto, Lénine, em nome do partido dos bolcheviques, afirmou: "Esse partido existe!" e, no seu discurso da tribuna, disse que o partido bolchevique estava pronto em qualquer momento a assumir todo o poder.
Os bolcheviques aproveitaram amplamente a tribuna do Congresso para desmascarar a política imperialista do Governo Provisório e a táctica conciliadora dos mencheviques e dos socialistas-revolucionários, exigindo a passagem de todo o poder para os Sovietes.
O Congresso elegeu o Comité Executivo Central, constituído fundamentalmente por mencheviques e socialistas-revolucionários, que existiria até ao II Congresso dos Sovietes. (retornar ao texto)
[N82] Ver a carta de F. Engels a F. A. Sorge de 29 de Novembro de 1886. (In Karl Marx / Friedrich Engels, Werke, Bd. 36, S. 578.) (retornar ao texto)
[N83] Lénine refere-se às decisões da VII Conferência (de Abril) de toda a Rússia do POSDR (b). (retornar ao texto)
[N84] Ao falar da política liakhovista, Lénine refere-se ao esmagamento pelo Governo tsarista do movimento revolucionário e de libertação nacional. O coronel do exército tsarista Liákhov comandou as tropas russas que esmagaram a revolução burguesa na Pérsia em 1908. (retornar ao texto)
[N85] Izvéstia Petrográdskogo Sovieta Rabótchikh i Soldátskikh Deputátov (Notícias do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado): jornal diário, começou a publicar-se em 28 de Fevereiro (13 de Março) de 1917. Depois da formação, no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia, do Comité Executivo Central dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados, o jornal tornou-se o órgão do CEC e, a partir de 1 (14) de agosto, passou a publicar-se com o título Izvéstia Tsentrálnogo Ispolnítelnogo Komiteta i Petrográdskogo Sovieta Rabótchikh i Soldátskikh Deputátov (Notícias do Comité Executivo Central e do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado); a partir de 29 de setembro (12 de Outubro) publico-se com o título Izvéstia Tsentrálnogo Ispolnítelnogo Komiteta Sovieta Rabótchikh i Soldátskikh Deputátov (Notícias do Comité Executivo Central dos Sovietes de Deputados Operários e Soldados). Durante todo este tempo o jornal encontrava-se nas mãos dos mencheviques e socialistas-revolucionários e conduzia uma luta encarniçada contra o partido bolchevique. Depois do II Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia a composição da redacção do Izvéstia foi modificada e o jornal tornou-se o órgão oficial do Poder Soviético. (retornar ao texto)
[N86] Trata-se do Primeiro Congresso de Deputados Camponeses de Toda a Rússia, realizado em 4-28 de Maio (17 Maio-10 Junho) de 1917, em Petrogrado. Os socialistas-revolucionários, que tomaram a iniciativa de organizar o
Congresso, influenciaram grandemente a eleição dos delegados nas localidades. A maioria do Congresso pertencia
também aos socialistas-revolucionários. O Congresso transformou-se em arena de uma luta tenaz entre os bolcheviques e os socialistas-revolucionários para ganhar as massas camponesas. Desenvolveu-se uma luta
particularmente aguda quando da discussão do problema principal do congresso: a questão agrária. Lénine, no seu
discurso no projecto de resolução apresentado em nome da fracção bolchevique, propôs que se declarasse a terra
propriedade de todo o povo e se iniciasse imediatamente a entrega das terras dos latifundiários aos camponeses, sem
aguardar que se convocasse a Assembleia Constituinte.
Mas os dirigentes socialistas-revolucionários conseguiram que o Congresso aprovasse as resoluções redigidas por eles. As decisões do Congresso exprimiam os interesses dos kulaques, isto é, da burguesia rural. (retornar ao texto)
[N87] Nóvaia Jizn (Vida Nova): diário que se editou em Petrogrado de Abril de 1917 a Julho de 1918 (a partir de Setembro de 1917 com o título de Sobódvaia Jizn), fundado por um grupo de mencheviques internacionalistas e de escritores agrupados em torno da revista Létopis (Crónica).
Lénine refere-se ao artigo de V. Bazaróv "E Depois?", que foi publicado no n° 40 do Nóvaia Jizn de 4 (17) de Junho de 1917. Bazaróv defendi a continuação de uma guerra separada, pretensamente no intuito de salvar a revolução. (retornar ao texto)
[N88] Lénine refere-se à entrega pelo Governo Inglês de um passaporte a Ramsay MacDonald, dirigente do Partido Trabalhista Indeendente da Inglaterra, convidado a ir à Rússia pelo Comité Executivo do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado. A viagem de MacDonald foi impedida pelo Sindicato dos Marinheiros Ingleses, que se negou a pilotar o navio em que MacDonald devia viajar para a Rússia. (retornar ao texto)
[N89] O Apelo do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado «Aos Povos de Todo o Mundo» foi aprovado
pela maioria dos mencheviques e socialistas-revolucionários do Soviete sob a pressão de um amplo movimento dos
trabalhadores, que lutavam para acabar com a guerra, na reunião do Soviete de 14 (27) de Março de 1917, e foi
publicado no dia seguinte nos jornais Pravda e Izvéstia Petrográdskogo Sovieta Rabótchikh i Soldátskikh Deputátov.
O apelo exortava os povos dos países beligerantes a «efectuarem acções decididas a favor da paz»; contudo, não
sublinhava o carácter rapinante da guerra nem propunha quaisquer medidas concretas de luta pela paz, e, no fundo,
justificava a continuação da guerra imperialista pelo Governo Provisório burguês. (retornar ao texto)
[N90] Em Junho de 1917 a Albânia foi ocupada pela Itália, que proclamou a independência desse país, mas sob o seu
protectorado.
Na Grécia, sob a pressão da Inglaterra e da França, realizou-se um golpe de Estado. Os aliados, por meio dum bloqueio económico que provocou na Grécia uma fome terrível e da ocupação pelas tropas anglo-francesas de várias regiões do território grego, obrigaram o rei Constantino a abdicar do trono e colocaram no poder o seu partidário Venizelos. A Grécia, a despeito da vontade da maioria esmagadora do povo, foi arrastada para a guerra ao lado da Entente.
A Pérsia (Irão) foi, durante a guerra, ocupada pelas tropas inglesas e russas; no início do ano de 1917, esse país, tendo perdido toda a independência, foi ocupado pelas tropas russas no Norte e pelas tropas inglesas no Sul. Todos esses actos de brutal violência imperialista foram apoiados pelos diplomatas do Governo Provisório. (retornar ao texto)
[N91] Trata-se da declaração do bureau da fracção bolchevique e do bureau dos sociais-democratas internacionalistas unificados no I Congresso dos Sovietes de Toda a Rússia exigindo que fosse colocada em primeiro lugar a questão da ofensiva que o Governo Provisório estava a preparar na frente.
A declaração assinalava que esta ofensiva era ditada pelos magnates dos países imperialistas aliados, que os círculos russos esperavam desta maneira concentrar todo o poder nas mãos dos grupos militaristas, diplomáticos e capitalistas e assestar um golpe na luta revolucionária pela paz e nas posições conquistadas pela democracia russa. A declaração advertia a classe operária, o exército e o campesinato para o perigo que o país corria e apelava para que o congresso repelisse imediatamente a arremetida contra-revolucionária. Esta proposta do bureau da fracção do POSDR (b) foi rejeitada pelo Congresso.
O ministro da Guerra, Kérenski, deu ordem de iniciar a ofensiva no dia 16 (29) de Junho. No dia 18 (1 de Julho) as tropas russas da frente sudoeste passaram à ofensiva. Nos primeiros dias a ofensiva eve êxito e as tropas russas avançaram fazendo vários milhares de prisioneiros. Mais tarde, porém, o facto de os soldados russos estarem extremamente fatigados e não compreenderem os objectivos da ofensiva, e de as tropas estarem insuficientemente equipadas e abastecidas, conduziu ao rompimento pelas tropas alemãs da linha da frente, o que obrigou o exército russo a uma retirada desordenada. O exército russo sofreu uma grande derrota, tendo perdido em 10 dias cerca de 60 000 soldados e oficiais.
O fracasso da ofensiva na frente significou ao mesmo tempo o fracasso de toda a política do Governo Provisório e do bloco defensista socialista-revolucionário-menchevique que o apoiava. A derrota das tropas russas na ofensiva de Junho aumentou consideravelmente a influência dos bolcheviques entre as massas de operários e soldados, que se convenciam cada vez mais de que os bolcheviques tinham razão. As notícias sobre as enormes perdas sofridas pelas tropas russas durante a ofensiva provocaram uma onda de indignação entre os trabalhadores e apressaram o início duma nova crise política no país. (retornar ao texto)