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Recentemente, K. Legien, um dos representantes mais conhecidos e destacados dos sindicatos alemães, publicou seu relatório sobre a viagem à América do Norte em livro bastante volumoso, intitulado Do Movimento Operário da América do Norte.
Sendo um representante tão importante não só do movimento sindical alemão mas também do internacional, K. Legien deu à sua viagem um destaque extraordinário, próprio, por assim dizer, de um ato de Estado. Durante anos inteiros manteve negociações a respeito dessa viagem com o Partido Socialista da América do Norte e com a Federação Americana do Trabalho (American Federation of Labor), união de organizações sindicais dirigida pelo célebre (tristemente célebre) Gompers. Quando foi anunciada a viagem de Karl Liebknecht à América do Norte, Legien não quis viajar ao mesmo tempo que ele
“para que nos Estados Unidos não interviessem simultaneamente dois oradores, cujas concepções sobre a tática do Partido e sobre o significado e o valor dos diversos ramos do movimento operário não coincidem plenamente”.
K. Legien reuniu grande quantidade de materiais sobre o movimento sindical da América do Norte, porém não soube, absolutamente, elaborá-los em seu livro, impregnado de preferência de um amontoado de coisas inúteis sob a forma de fragmentadas descrições de viagem, folhetinescas pelo conteúdo e, pior do que folhetinescas, enfadonhas. Nem sequer os estatutos das associações sindicais da América do Norte, que ofereciam particular interesse para Legien, foram estudados ou elaborados, mas apenas traduzidos, e, além disso, de modo desordenado e incompleto.
Há um episódio da viagem de Legien extremamente instrutivo e que revela com admirável clareza as duas tendências do movimento operário mundial e, em particular, do alemão.
Legien visitou a Câmara de Deputados dos Estados Unidos, o chamado “Congresso”. O regime democrático da República produziu grata impressão a um homem educado no Estado policial prussiano, e, com satisfação compreensível, assinala que o Estado na América do Norte facilita a cada deputado não só um gabinete com todo conforto moderno, mas também um secretário pago para o cumprimento das múltiplas obrigações do deputado. A simplicidade e espontaneidade no tratamento por parte dos deputados e do presidente da Câmara eram bem diferentes do que Legien havia visto em outros parlamentos europeus e particularmente na Alemanha. Na Europa, um social-democrata não poderia nem sequer pensar em pronunciar um discurso de saudação numa sessão oficial de um parlamento burguês! Mas na América do Norte isto foi muito fácil, e o título de social-democrata não assustou a ninguém... à exceção desse mesmo social-democrata!
Desse modo, manifestaram-se a maneira burguesa norte-americana de “matar com suavidade” a socialistas pouco firmes e a maneira oportunista alemã de renunciar ao socialismo para agradar a uma burguesia “suave”, cortês e democrática.
O discurso de saudação de Legien foi traduzido para o inglês (a democracia não se assustou de modo algum com um idioma “estranho” em seu parlamento); mais de duzentos deputados, por sua vez, apertaram a mão de Legien como “convidado” da República; o presidente da Câmara manifestou-lhe expressamente o seu agradecimento.
“A forma e o conteúdo de meu discurso de saudação — escreve Legien — foram acolhidos com simpatia pela imprensa socialista, tanto dos Estados Unidos como da Alemanha. No entanto, certos redatores da Alemanha não puderam deixar de fazer a observação de que meu discurso demonstra uma vez mais o quanto é irrealizável para um social-democrata a tarefa de pronunciar um discurso social-democrata diante de um auditório burguês. Claro, tais redatores, provavelmente, teriam em meu lugar pronunciado um discurso contra o capitalismo e a favor da greve de massas, enquanto que eu considerei importante acentuar diante desse parlamento que, na Alemanha, os operários social-democratas e os organizados em sindicatos desejam a paz entre os povos e aspiram por meio da paz ao posterior desenvolvimento da cultura até o grau máximo possível”.
Pobres “redatores”, como nosso Legien com seu discurso de “homem de Estado” pulverizou-os! No movimento operário da Alemanha, o oportunismo dos líderes sindicais em geral e de Legien em particular são coisas conhecidas há muito tempo e avaliadas nos justos termos pela multidão de operários conscientes. Mas na Rússia, onde com demasiada frequência fala-se do “modelo” de socialismo europeu, destacando precisamente os traços piores e negativos do “modelo”, não será demais determo-nos mais detalhadamente no discurso de Legien.
Um líder do exército de dois milhões de filiados aos sindicatos alemães, e precisamente aos sindicatos social-democratas, um membro da minoria social-democrata do Reichstag alemão, pronuncia um discurso nitidamente liberal burguês diante da assembleia suprema dos representantes da América do Norte capitalista. Logicamente, nenhum liberal, nenhum outubrista recusaria subscrever essas palavras sobre a “paz” e sobre a “cultura”.
E quando os socialistas da Alemanha fazem a observação de que este discurso não é social-democrata, esse “líder” dos escravos assalariados do capital mostra pelos socialistas um desprezo olímpico. O que é um “redator” em comparação a um “político realista” e arrecadador de cotas dos operários! Nosso Narciso pequeno-burguês sente pelos redatores o mesmo desprezo que um Pompadour policial em certo Estado sente por um terceiro elemento.
Provavelmente, “esses redatores” teriam pronunciado um discurso “contra o capitalismo”.
Vede pois de que se ri esse socialista de pacotilha: de que possa ocorrer a um socialista a ideia de falar contra o capitalismo. Semelhante ideia é completamente estranha aos “sisudos varões” do oportunismo alemão: eles falam para não prejudicar o “capitalismo”. E cobrindo-se de vergonha com esse servil renegar do socialismo, orgulham-se de seu ignominioso comportamento.
Legien não é um qualquer. Representa o exército ou, melhor dito, a oficialidade do exército dos sindicatos. Seu discurso não é de modo algum um fato fortuito, não é de modo algum um lapsus linguae, não é de modo algum uma voz isolada, não é de modo algum leviandade de um “erudito assessor” alemão encerrado em seu gabinete provinciano que se desorienta diante dos capitalistas da América do Norte, corteses e não contaminados de arrogância policial. Se fosse só isso, não valeria a pena nos determos no discurso de Legien.
Mas, está claro, não é assim.
No Congresso Internacional de Stuttgart, a metade da delegação alemã era composta de pseudossocialistas dessa natureza e votou a favor da resolução arqui oportunista sobre o problema colonial.
Tomai a revista alemã Cadernos Socialistas Mensais (??) e vereis nela, continuadamente, artigos de dirigentes do tipo de Legien, oportunistas até à medula, que nada têm de comum com o socialismo, artigos referentes a todas as questões mais importantes do movimento operário.
E se a explicação “oficial” do Partido alemão “oficial” consiste em que “ninguém lê” os Cadernos Socialistas Mensais, que esses não gozam de influência, etc, isso não é verdade. O “caso” de Stuttgart demonstra que não é verdade. Os conhecidos e importantes militantes, parlamentares e líderes dos sindicatos que colaboram nos Cadernos Socialistas Mensais propagam seu ponto de vista entre as massas de modo constante e firme.
O “otimismo oficial” do Partido alemão foi assinalado há muito tempo em seu próprio campo, por aqueles que mereceram por parte de Legien a depreciativa (do ponto de vista de um burguês) e honrosa (do ponto de vista de um socialista) denominação de “esses redatores”. E quanto mais frequentes sejam na Rússia as tentativas de liberais e liquidacionistas (incluindo, é claro, Trotski) de transplantar para nosso país esta excelente qualidade, mais enérgica deve ser nossa réplica.
A social-democracia alemã tem grandes méritos. Possui uma teoria perfeitamente elaborada, graças à luta de Marx contra todos os Hoehberg, Duhring e companhia, teoria que nossos populistas tratam em vão de esconder ou de corrigir com um espírito oportunista. Possui uma organização de massas, jornais, sindicatos e associações políticas, esse mesmo grau de organização de massas que evidentemente, agora, também estamos alcançando em nosso país, como o demonstram as vitórias que por toda parte conseguem os marxistas-pravdistas, tanto nas eleições à Duma como no terreno da imprensa diária, ou nas eleições ao Conselho de Seguros, ou nos sindicatos. Os denodados esforços de nossos liquidacionistas, “desalojados de seus postos” pelos operários, no sentido de esconder a questão sobre a organização de massas na Rússia adaptada às condições de nosso país, são estéreis e nada mais significam que o empenho de alguns supostos intelectuais de se desviarem do movimento operário, tal qual os pertinazes esforços dos populistas.
Mas os méritos da social-democracia alemã não são tais, graças a discursos tão vergonhosos como o de Legien e os “discursos” (na imprensa) dos colaboradores dos Cadernos Socialistas Mensais, mas apesar deles. Não devemos encobrir nem complicar com frases de um “otimismo oficial” a inegável enfermidade do Partido alemão, que se revela claramente em fenômenos dessa espécie, porém salientá-la diante dos operários russos, para que possamos aprender com a experiência de um movimento mais velho, para que possamos saber o que não devemos imitar.
Inclusão | 13/12/2013 |