Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás

Vladimir Ilitch Lénine


o) Quadro Geral da Luta no Congresso. A Ala Revolucionária e a Ala Oportunista do Partido


Agora que terminámos a análise dos debates e das votações do congresso, precisamos de fazer o balanço para podermos, baseando-nos em todos os materiais do congresso, responder à pergunta seguinte: que elementos, grupos e matizes acabaram por formar a maioria e a minoria que vimos nas eleições e que estavam destinadas a constituir durante um certo tempo a divisão fundamental do nosso partido? É necessário fazer o balanço de todo o material sobre matizes de princípio, em matéria de teoria e táctica, que as actas do congresso nos oferecem com tanta abundância. Sem um «resumo» geral, sem um quadro geral de todo o congresso e de todos os principais agrupamentos nas votações, estes materiais ficam demasiado fragmentados, dispersos, de maneira que à primeira vista os diversos agrupamentos parecem acidentais, sobretudo a quem não se der ao cuidado de estudar, de modo independente e em todos os seus aspectos, as actas do congresso (e entre os leitores haverá muitos que se tenham dado a esse cuidado?).

Nos relatórios parlamentares ingleses encontra-se frequentemente a característica palavra division - divisão. A câmara «dividiu-se» em determinada maioria e minoria, diz-se, numa votação. A «divisão» da nossa câmara social-democrata na discussão de diversas questões no congresso, dá-nos um quadro único no seu género, insubstituível pela sua plenitude e exactidão, da luta interna do partido, dos seus matizes de opinião e dos seus grupos. Para tornar mais nítido este quadro, para obter um verdadeiro quadro, e não um amontoado de factos e factozinhos desligados, fragmentados e isolados, para pôr fim às discussões intermináveis e sem sentido, sobre as diversas votações (quem votou por quem e quem apoiou quem?), decidi tentar representar, sob a forma de diagrama, todos os tipos fundamentais de «divisões» no nosso congresso. Este processo parecerá seguramente estranho a muita gente, mas duvido que se possa encontrar outro método que verdadeiramente permita sintetizar e resumir os resultados de maneira tão completa e tão precisa. No caso de votação nominal, pode-se determinar com absoluta precisão se tal ou tal delegado votou a favor ou contra uma proposta; quanto a certas votações importantes não nominais pode-se, com base nas actas, determiná-lo com um elevado grau de probabilidade, com um grau suficiente de aproximação da verdade. E se se tomar em consideração todas as votações nominais, assim como todas as votações não nominais sobre questões de certa importância (a julgar, por exemplo, pelo pormenor e a paixão dos debates), obteremos um quadro da luta interna do nosso partido, um quadro que terá a máxima objectividade que é possível alcançar com os materiais de que dispomos. Ao fazê-lo, em vez de dar uma imagem fotográfica, ou seja, uma imagem de cada votação tomada separadamente, tentaremos elaborar um quadro, isto é, apresentar os principais tipos de votações, ignorando as excepções e variações relativamente pouco importantes e que apenas complicariam as coisas. Em todo o caso cada qual poderá, baseando-se nas actas, verificar cada pormenor do nosso quadro, completá-lo com qualquer votação particular, numa palavra, criticá-lo não só com argumentos, dúvidas ou referências a casos isolados, mas traçando um quadro diferente com base nos mesmos materiais.

Inscrevendo no diagrama cada um dos delegados que tomaram parte nas votações, indicaremos com sombreado diferente os quatro grupos fundamentais que seguimos pormenorizadamente ao longo de todos os debates no congresso, a saber: 1) iskristas da maioria; 2) iskristas da minoria; 3) «centro» e 4) anti-iskristas. Vimos as diferenças de matizes de princípios entre estes grupos numa imensidade de exemplos, e se há alguém a quem os nomes desses grupos desagradam, porque lembram demasiadamente aos amadores de ziguezagues a organização do Iskra e a tendência do Iskra, dir-lhe-emos que não é o nome que importa. Agora que seguimos já os matizes através de todos os debates do congresso, podem ser facilmente substituídos os nomes já estabelecidos e familiares no partido (mas que ferem os ouvidos de alguns), pela caracterização do que constitui a essência dos matizes entre os grupos. Com tal substituição teríamos para esses mesmos quatro grupos as designações seguintes: 1) sociais-democratas revolucionários consequentes; 2) pequenos oportunistas; 3) oportunistas médios e 4) grandes oportunistas (grandes à nossa escala russa). Esperemos que estas designações choquem menos os que há algum tempo começaram a assegurar a si próprios e aos outros de que «iskristas» é um nome que apenas designa um «círculo», e não uma tendência.

Passemos à descrição detalhada dos tipos de votações «fotografadas» no diagrama junto (ver o diagrama: «Quadro geral da luta no congresso»).

(Os números com + e - representam o número total de votos emitidos a favor e contra determinadas questões. Os números situados debaixo das barras representam o número de votos de cada um dos quatro grupos. O carácter das votações englobadas por cada um dos tipos A-E é explicado no texto.)
QUADRO GERAL DA LUTA NO CONGRESSO
 
 +41  5  -5
A 24 9 8   2 3   5
 
  +32   -16  
B 24 8   8 8  
 
  -25   +26  
C 18 7   6 2 10 8  
 
  -23   +28  
D 19 3 1   5 9 7 7  
 
  +24   -20  
E 24   9 10 1  
 
  Iskristas da maioria Iskristas da minoria Centro Anti-Iskristas  
                                                      

O primeiro tipo de votação (A) engloba os casos em que o «centro» se uniu aos iskristas contra os anti-iskristas ou contra uma parte deles. Inclui a votação do programa no conjunto (só Akímov se absteve, os outros votaram a favor), a votação da resolução de princípio condenando a federação (todos votaram a favor à excepção de cinco bundistas), a votação do § 2 dos estatutos do Bund (os cinco bundistas votaram contra nós e houve cinco abstenções: Martínov, Akímov, Brúker e Mákhov, com dois votos, os outros connosco); esta é a votação que é representada no diagrama A. Em seguida, as três votações sobre a questão da confirmação do Iskra como Órgão Central do partido foram também do mesmo tipo; a redacção (cinco votos) absteve-se, nas três votações dois votaram contra (Akímov e Brúker) e além disso, na votação dos motivos da confirmação do Iskra abstiveram-se os cinco bundistas e o camarada Martínov(1).

O tipo de votação que acabamos de examinar responde a uma questão de grande interesse e importância: quando é que o «centro» do congresso votou com os iskristas? Quando, com raras excepções, os anti-iskristas também estavam connosco (aprovação do programa, confirmação do Iskra independentemente dos motivos), ou quando se tratava de declarações que ainda não obrigavam directamente a uma atitude política precisa (reconhecer o trabalho de organização do Iskra não obriga ainda a aplicar de facto a sua política de organização em relação aos grupos particulares; rejeitar a federação não impede ainda uma abstenção quando se trata de um projecto, concreto de federação, como vimos no exemplo do camarada Mákhov). Já vimos anteriormente, a propósito do significado dos agrupamentos no congresso em geral, quão inexactamente esta questão é apresentada na exposição oficial do Iskra oficial que (pela boca do camarada Mártov) apaga e escamoteia a diferença entre os iskristas e o «centro», entre os sociais-democratas revolucionários consequentes e os oportunistas, citando os casos em que os anti-iskristas também votaram connosco! Mesmo os mais «direitistas» dos oportunistas alemães e franceses nos partidos sociais-democratas não votam contra quando se trata de questões como a adopção do programa no seu conjunto.

O segundo tipo de votação (B) compreende os casos em que os iskristas, consequentes e inconsequentes, se uniram contra todos os anti-iskristas e todo o «centro». Eram sobretudo os casos em que se tratava de aplicar os planos concretos e definidos da política iskrista, em que se tratava do reconhecimento do «Iskra» de facto, e não só em palavras. Incluem o incidente do CO(2), a colocação em primeiro lugar da questão relativa à situação do Bund no partido, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi, as duas votações sobre o programa agrário e, por fim, em sexto lugar, a votação contra a União dos Sociais-Democratas Russos no Estrangeiro (Rabótcheie Dielo), ou seja o reconhecimento da Liga como a única organização do partido no estrangeiro. O velho espírito de círculo, anterior à formação do partido, os interesses de organizações ou grupinhos oportunistas, uma concepção estreita do marxismo, lutavam aqui contra a política consequente e de princípios da social-democracia revolucionária; os iskristas da minoria ainda estiveram ao nosso lado várias vezes numa série de casos, numa série de votações extremamente importantes (do ponto de vista do CO, do Iújni Rabótchi, da Rabótcheie Dielo)... enquanto não se tratou do seu próprio espírito de círculo, da sua própria inconsequência. As «divisões» deste tipo mostram claramente que, numa série de questões relativas à aplicação dos nossos princípios, o centro estava ao lado dos anti-iskristas, estava muito mais perto deles que de nós, muito mais inclinado na prática para a ala oportunista que para a ala revolucionária da social-democracia. Os «iskristas» de nome, que sentiam vergonha por serem iskristas, mostraram a sua verdadeira natureza, e a luta inevitável provocou não pouca irritação, que escondia aos olhos dos elementos menos reflectidos e mais impressionáveis o significado dos matizes de princípio que se revelavam nesta luta. Mas agora que o ardor da luta se acalmou um pouco, e que as actas ficaram como um extracto desapaixonado duma série de lutas encarniçadas, agora só os que fecham propositadamente os olhos podem deixar de ver que a união dos Mákhov e dos Egórov com os Akímov e os Líber não era nem podia ser um fenómeno casual. Só resta a Mártov e a Axelrod evitar uma análise completa e minuciosa das actas ou tentar modificar retrospectivamente a sua conduta no congresso com toda a espécie de expressões de pesar. Como se se pudesse, com o pesar, suprimir a diferença de pontos de vista e a diferença de política! Como se a actual aliança de Mártov e Axelrod com Akímov, Brúker e Martínov pudesse fazer o nosso partido, reconstituído no segundo congresso, esquecer a luta que os iskristas travaram contra os anti-iskristas durante quase todo o congresso!

O que caracteriza o terceiro tipo de votação no congresso, representado pelas três últimas das cinco partes do diagrama, a saber: (C, D e E), é o facto de uma pequena parte dos iskristas se desligar e passar para o lado dos anti-iskristas que, por esta razão, vencem (enquanto continuam no congresso). Para seguir com exactidão absoluta o desenvolvimento desta célebre coligação da minoria iskrista com os anti-iskristas, coligação cuja simples menção provocava em Mártov mensagens histéricas ao congresso, citamos todos os três tipos essenciais de votações nominais deste género. C - votação sobre a igualdade de direitos das línguas (tomamos a última das três votações nominais desta questão por ser a mais completa). Todos os anti-iskristas e todo o centro se levantam contra nós como um só homem, enquanto uma parte da maioria e uma parte da minoria se separam dos iskristas. Não se vê ainda quais os iskristas capazes de formar uma coligação definitiva e sólida com a «direita» oportunista do congresso. Depois vem o tipo D - votação sobre o parágrafo primeiro dos estatutos (das duas votações tomámos a mais precisa, isto é, em que não houve nenhuma abstenção). A coligação adquire contornos de maior relevo e torna-se mais sólida(3): os iskristas da minoria estão já todos do lado de Akímov e Líber; dos iskristas da maioria estão muito poucos, o que compensa os três delegados do «centro» e um anti-iskrista que passaram para o nosso lado. Basta um simples olhar para o diagrama para ver quais os elementos que, por acaso e temporariamente, passavam ora por um lado, ora para outro, e quais os que caminhavam irresistivelmente para uma sólida coligação com os Akímov. Na última votação (E - eleições para o OC, o CC e o Conselho do partido), que representa justamente a divisão definitiva em maioria e minoria, percebe-se claramente a fusão total da minoria iskrista com todo o «centro» e com os restos dos anti-iskristas. Dos oito anti-iskristas, só o camarada Brúker permanecia então no congresso (Akímov já lhe tinha explicado o seu erro e ele tinha tomado o lugar que lhe pertencia por direito nas fileiras dos martovistas). A retirada dos sete oportunistas mais «direitistas» decidiu a sorte das eleições contra Mártov.(4)

E agora, apoiando-nos em dados objectivos sobre as votações de todos os tipos, façamos o balanço do congresso.

Muito se falou do carácter «casual» da maioria no nosso congresso. Era com este único argumento que se consolava o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O diagrama mostra claramente que num sentido, mas só num, se pode qualificar a maioria de casual: no sentido de a retirada dos sete delegados mais oportunistas da «direita» ter sido pretensamente casual. Na medida em que esta retirada foi casual (mas apenas nessa medida) a nossa maioria foi também casual. Um simples olhar ao diagrama mostrará melhor do que longas dissertações de que lado estaria, deveria ter estado, esse grupo de sete(5). Mas cabe perguntar até que ponto podemos verdadeiramente considerar casual a retirada deste grupo de sete? Esta é uma questão que não gostam de pôr-se as pessoas que gostam de falar do carácter «casual» da maioria. É uma questão desagradável para eles. Será por acaso que foram os representantes mais acérrimos da ala direita do nosso partido que se retiraram, e não os da ala esquerda? Será por acaso que foram os oportunistas que se retiraram, e não os sociais-democratas revolucionários consequentes? Esta retirada «casual» não terá qualquer relação com a luta contra a ala oportunista, que se travou durante todo o congresso, e que aparece com tão grande evidência no nosso diagrama?

Basta fazer estas perguntas, tão desagradáveis para a minoria, para compreender que facto encobre este falatório sobre o carácter casual da maioria. É o facto indubitável e indiscutível de que a minoria era composta pelos membros do nosso partido mais inclinados para o oportunismo. A minoria era composta pelos elementos do partido menos estáveis no plano teórico, menos consequentes no campo dos princípios. A minoria foi formada precisamente pela ala direita do partido. À divisão em maioria e minoria é a continuação directa e inevitável da divisão da social-democracia em revolucionária e oportunista, em Montanha e Gironda, divisão que não data de ontem, que não existe só no partido operário russo, e que certamente não desaparecerá amanhã.

Este facto é de capital importância para explicar as causas e as peripécias das nossas divergências. Tentar eludir este facto, negando ou encobrindo a luta no congresso e os matizes de princípios que nela se manifestaram, é passar a si próprio um atestado de completa indigência intelectual e política. E para refutar esse facto seria necessário, em primeiro lugar, demonstrar que o quadro geral das votações e das «divisões» no nosso congresso do partido é diferente daquele que esbocei; seria necessário, em segundo lugar, demonstrar que em todas as questões nas quais o congresso se «dividiu», os sociais-democratas revolucionários mais consequentes, que na Rússia têm o nome de iskristas(6), estavam em erro quanto ao fundo. Tentai demonstrá-lo, senhores!

O facto de a minoria ser composta pelos elementos do partido mais oportunistas, menos estáveis e menos consequentes dá-nos, entre outras, a resposta às numerosas dúvidas e objecções dirigidas à maioria por pessoas que conhecem mal a questão ou não pensaram suficientemente nela. Não será mesquinho, dizem-nos, querer explicar a divergência por um pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod? Sim, senhores, o erro do camarada Mártov foi pequeno (eu próprio declarei isso no congresso, no ardor da luta); mas este pequeno erro podia causar (e causou) um grande dano, em virtude do facto de o camarada Mártov se ter deixado atrair por delegados que tinham cometido toda uma série de erros e que, a propósito duma série de questões, tinham evidenciado a sua inclinação para o oportunismo e a sua inconsequência no terreno dos princípios. Que os camaradas Mártov e Axelrod tenham revelado falta de firmeza é um facto individual e sem importância; mas não foi um facto individual, antes de partido e não de todo sem importância, a formação de uma minoria muito considerável de todos os elementos menos estáveis, de todos aqueles que não reconheciam em absoluto a tendência do Iskra e a combatiam abertamente, ou que reconhecendo-a verbalmente de facto se colocavam repetidamente ao lado dos anti-iskristas.

Não será ridículo querer explicar as divergências pelo predomínio do espírito de círculo endurecido e pelo filistinismo revolucionário no pequeno círculo da antiga redacção do Iskra? Não, não é ridículo, porque em apoio desse espírito individual de círculo se levantou tudo aquilo que no nosso partido, durante todo o congresso, tinha lutado pelo espírito de círculo em todas as suas formas, tudo aquilo que em geral não pudera elevar-se acima do filistinismo revolucionário, tudo aquilo que invocava o carácter «histórico» do mal do espírito de círculo e do filistinismo para justificar e manter esse mal. Ainda se poderia talvez considerar casual o facto de estreitos interesses de círculo se terem sobreposto ao espírito de partido no pequeno círculo da redacção do Iskra. Mas não é por acaso que, para defender esse espírito de círculo, se tenham levantado como um só os camaradas Akímov e Brúker, aos quais não era menos cara (talvez mais) a «continuidade histórica» do célebre comité de Vorónej e da famosa «Organização Operária» de Petersburgo(7), os camaradas Egórov que choravam o «assassínio» da Rabótcheie Dielo tão amargamente (talvez mais) como o «assassínio» da velha redacção, os camaradas Mákhov, etc., etc. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és, diz a sabedoria popular. Diz-me quem é o teu aliado político, quem vota por ti, dir-te-ei qual a tua fisionomia política.

O pequeno erro do camarada Mártov e do camarada Axelrod permanecia e podia permanecer pequeno enquanto não servisse de ponto de partida para uma aliança sólida entre eles e toda a ala oportunista do nosso partido, enquanto não conduzisse, em virtude desta aliança, a uma reincidência do oportunismo, à desforra de todos os que o Iskra tinha combatido, e que com imenso gozo agarravam a ocasião de poder descarregar a sua cólera sobre os partidários consequentes da social-democracia revolucionária. Os acontecimentos posteriores ao congresso conduziram precisamente a que, no novo Iskra, víssemos justamente uma reincidência do oportunismo, a desforra dos Akímov e dos Brúker (ver a folha publicada pelo comité de Vorónej(8)), o júbilo dos Martínov, aos quais foi enfim permitido (enfim!) escoicear, no odiado Iskra, o odiado «inimigo» por todos os velhos agravos, quaisquer que fossem. Isto mostra-nos com particular clareza quanto era essencial «o restabelecimento da antiga redacção do Iskra» (citado do ultimato do camarada Starover datado de 3 de Novembro de 1903) para salvaguardar «a continuidade» iskrista...

Tomado em si mesmo, não havia nada de terrível, nem de crítico, nem sequer absolutamente nada de anormal, no facto de o congresso (e o partido) se terem dividido numa ala esquerda e numa direita, numa revolucionária e numa oportunista. Pelo contrário, estes últimos dez anos da história da social-democracia russa (e não só da russa) conduziram necessariamente, inelutavelmente, a esta divisão. Que uma série de erros bem pequenos cometidos pela ala direita, de divergências sem grande importância (relativamente) tenham provocado a divisão, é uma circunstância que (parecendo chocante a um observador superficial e a um espírito filistino) foi um grande passo em frente para todo o nosso partido no seu conjunto. Antes divergíamos sobre grandes questões que, por vezes, podiam até justificar uma cisão; hoje chegámos a acordo sobre todos os pontos grandes e importantes; o que nos separa agora são simplesmente certos matizes que se podem e devem discutir, mas pelos quais seria absurdo e pueril separarmo-nos (como justamente disse o camarada Plekhánov no interessante artigo intitulado O Que Se não Deve Fazer, ao qual ainda voltaremos). Agora que a conduta anarquista da minoria, depois do congresso, quase conduziu o partido à cisão, é frequente encontrar sabichões que dizem: acaso teria valido a pena em geral lutar no congresso por ninharias como o incidente do CO, a dissolução do grupo Iújni Rabótchi ou da Rabótcheie Dielo, o §1, a dissolução da antiga redacção, etc.? Quem assim raciocina(9) introduz de facto o ponto de vista de círculo nos assuntos do partido: a luta de matizes no partido é inevitável e necessária enquanto não conduz à anarquia e à cisão, enquanto se desenvolve dentro dos limites aprovados, de comum acordo, por todos os camaradas e membros do partido. E a nossa luta no congresso contra a ala direita do partido, contra Akímov e Axelrod, contra Martínov e Mártov, em nada ultrapassou esses limites. Basta lembrar dois factos que o testemunham da maneira mais incontestável: 1) quando os camaradas Martínov e Akímov estavam para se retirar do congresso, estávamos todos prontos a afastar por todos os meios a ideia de uma «ofensa», todos adoptámos (por 32 votos) a resolução do camarada Trótski convidando esses camaradas a dar-se por satisfeitos com as explicações, e a retirarem a sua declaração; 2) quando chegámos à eleição dos centros, demos à minoria (ou ala oportunista) do congresso a minoria nos dois centros: Mártov no OC, Popov no CC. Não podíamos agir de outro modo, do ponto de vista de partido, visto que tínhamos decidido já antes do congresso eleger dois grupos de três. Se a diferença de matizes que se tinham manifestado no congresso não era grande, a conclusão prática que tirámos da luta desses matizes também não era grande: esta conclusão reduzia-se exclusivamente ao facto de dois terços dos dois grupos de três deverem ser atribuídos à maioria do congresso do partido.

Apenas a recusa da minoria do congresso do partido de ser minoria nos centros levou, primeiro, aos «chorosos queixumes» de intelectuais vencidos e, depois, à frase anarquista e a actos anarquistas.

Para concluir, lancemos um novo olhar ao diagrama do ponto de vista da composição dos centros. É perfeitamente natural que, além da questão dos matizes, se pusesse também aos delegados, durante as eleições, a questão da adequação, da capacidade de trabalho, etc., desta ou daquela pessoa. Agora a minoria confunde de bom grado esses problemas. Mas é evidente que são questões diferentes, como o demonstra, por exemplo, o simples facto de a eleição de um grupo de três inicial para o OC ter sido projectada ainda antes do congresso, quando ninguém podia prever a aliança de Mártov e Axelrod com Martínov e Akímov. Para perguntas diferentes deve obter-se a resposta por processos diferentes: relativamente aos matizes, deve-se procurar a resposta nas actas do congresso, nos debates públicos e na votação de todos e cada um dos pontos. A questão da adequação das pessoas, toda a gente tinha decidido no congresso que devia ser resolvida em votações secretas. Porque é que todo o congresso aprovou unanimemente tal decisão? A questão é de tal modo elementar que seria estranho que nos detivéssemos nela. No entanto, a minoria começou a esquecer (depois da sua derrota nas eleições) mesmo o á-bê-cê. Ouvimos torrentes de discursos ardentes, apaixonados, exaltados até à irresponsabilidade para defender a antiga redacção, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes que no congresso estavam relacionados com a luta pelo grupo de seis e pelo grupo de três. Ouvimos falar e discursar por toda a parte sobre a incapacidade para o trabalho, a inépcia, as más intenções, etc., das pessoas eleitas para o CC, mas não ouvimos absolutamente nada sobre os matizes no congresso que se bateram pelo predomínio no CC. Parece-me que fora do congresso é indigno e indecoroso falar e discursar sobre as capacidades e actos das pessoas (porque estes actos em 99 casos em 100 constituem um segredo de organização, que só deve ser revelado à instância superior do partido). Lutar fora do congresso através de tais falatórios equivale na minha opinião a actuar por meio de mexericos. E a única resposta que eu poderia trazer a público sobre esses falatórios seria lembrar a luta no congresso: dizeis que o CC foi eleito por uma pequena maioria. Está certo. Mas esta pequena maioria era composta por todos aqueles que da maneira mais consequente, não em palavras mas na prática, lutaram pela concretização dos planos do Iskra. A autoridade moral desta maioria deve pois ser ainda infinitamente superior à sua autoridade formal - superior para todos aqueles que sobrepõem a continuidade da tendência do Iskra à continuidade deste ou daquele círculo do Iskra. Quem eram os mais competentes para julgar da capacidade desta ou daquela pessoa para levar à prática a política do Iskra? Aqueles que tinham aplicado esta política no congresso ou os que, em toda uma série de casos, combateram esta política e defenderam todo o tipo de atraso, todo o tipo de velharias, todo o tipo de espírito de círculo?


Notas de rodapé:

(1) Porque se escolheu precisamente para o diagrama a votação do § 2 dos estatutos do Bund? Porque as votações sobre a confirmação do Iskra são menos completas e porque as votações sobre o programa e a federação referem-se a decisões políticas menos definidas e concretas. Dum modo geral, escolher uma ou outra de uma série de votações do mesmo tipo não alterará em nada os traços essenciais do quadro, como poderá facilmente dar-se conta quem quer que faça as alterações correspondentes. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(2) É esta votação que é representada no diagrama B: os iskristas obtiveram 32 votos e a resolução do bundista 16. De notar que entre as votações deste tipo não houve uma só votação nominal. O modo como os delegados individualmente votaram só pode ser estabelecido - com um altíssimo grau de probabilidade - por duas espécies de dados: l) nos debates os oradores dos dois grupos de iskristas pronunciam-se a favor e os oradores dos anti-iskristas e do centro contra. 2) o número de votos «a favor» é sempre muito próximo de 33. É preciso também não esquecer que ao analisar os debates do congresso nós fizemos notar, além das votações, toda uma série de casos em que o «centro» se uniu aos anti-iskristas (aos oportunistas) contra nós, como aconteceu quando se tratou da questão relativa ao valor absoluto das reivindicações democráticas, ao apoio a favor dos elementos de oposição, à restrição do centralismo, etc. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(3) A julgar por tudo, do mesmo tipo foram outras quatro votações sobre os estatutos: p.278 - 27 a favor de Fomine e 21 a nosso favor; p. 279 - 26 a favor de Mártov e 24 a nosso favor; p. 280 - 27 contra mim e 22 a favor; e, na mesma página, 24 a favor de Mártov e 23 a nosso favor. São as votações sobre cooptação para os centros, das quais já falei antes. Não há votações nominais (houve uma, mas perderam-se os dados). Os bundistas (todos ou em parte) salvam, pelos vistos, Mártov. Corrigimos mais acima as afirmações erradas de Mártov (na Liga) sobre as votações deste tipo. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(4) Os sete oportunistas que se retiraram do 2.° congresso foram os cinco bundistas (o Bund separou-se do partido no segundo congresso, depois da rejeição do princípio federativo) e dois partidários da Rabótcheie Dielo, o camarada Martínov e o camarada Akímov. Estes dois últimos abandonaram o congresso depois de a Liga iskrista ser reconhecida como a única organização do partido no estrangeiro, isto é, depois da dissolução da «União dos Sociais-Democratas Russos» no estrangeiro afecta à Rabótcheie Dielo. (Nota de Lénine à edição de 1907.-N. Ed.) (retornar ao texto)

(5) Mais adiante veremos que, depois do congresso, tanto o camarada Akímov como o comité de Vorónej, o mais próximo do camarada Akímov, expressaram abertamente as suas simpatias pela «minoria». (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(6) Nota para o camarada Mártov. Se o camarada Mártov esqueceu agora que iskrista quer dizer partidário de uma tendência e não membro de um círculo recomendamos-lhe que leia nas actas do congresso a explicação desta questão dada pelo camarada Trótski ao camarada Akímov. Círculos iskristas no congresso (em relação ao partido) eram três: o grupo «Emancipação do Trabalho», a redacção do Iskra e a organização do Iskra. Dois destes três círculos foram tão razoáveis que se dissolveram a si próprios, o terceiro não teve suficiente espírito de partido para o fazer e foi dissolvido pelo congresso. O círculo iskrista mais amplo, a organização do Iskra (que compreendia a redacção e o grupo «Emancipação do Trabalho») tinha no congresso apenas 16 membros, dos quais apenas onze tinham voto. Iskristas por tendência sem pertencerem a nenhum «círculo» iskrista, estavam no congresso, segundo os meus cálculos, 27 com 33 votos. Portanto, entre os iskristas, menos de metade pertenciam aos círculos iskristas. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

(7) O Comité de Vorónej e a «Organização Operária» de Petersburgo estavam nas mãos dos «economistas» e tinham uma posição hostil em relação ao Iskra leninista e ao seu plano de organização, que visava a edificação do partido marxista. (retornar ao texto)

(8) Ver Obras Escolhidas de Lénine em Três Tomos, Tomo I, pp. 364-365. (N. Ed.) (retornar ao texto)

(9) Não posso deixar de relembrar, a propósito, uma conversa que tive no congresso com um dos delegados do «centro». «Como está carregada a atmosfera do nosso congresso!» - dizia-me, em tom de queixa. «Essa luta encarniçada, essa agitação de um contra outro, essa polémica tão dura, essa atitude imprópria de camaradas!...» «Que coisa maravilhosa é o nosso congresso!» - respondi-lhe. «Luta franca, livre. Manifestaram-se as opiniões. Revelaram-se matizes. Tomaram forma grupos. Levantaram-se as mãos. Adoptou-se uma decisão. Ficou para trás uma etapa. Avante! É assim que eu vejo as coisas. Isso é a vida. Já não são mais as intermináveis e aborrecidas discussões próprias de intelectuais e que terminam não porque se tenha resolvido um problema, mas simplesmente porque a gente se cansou de falar...»

O camarada do «centro» olhava-me com olhos espantados e encolhia os ombros. Falávamos linguagens diferentes. (Nota do Autor) (retornar ao texto)

Inclusão: 27/12/2002
Última modificação: 05/03/2024