Depois da aprovação dos estatutos, o congresso adoptou uma resolução sobre as organizações regionais, várias resoluções relativas a diferentes organizações do partido, e depois de debates extremamente instrutivos sobre o grupo Iújni Rabótchi, cuja análise fiz anteriormente, o congresso passou à questão das eleições para os organismos centrais do partido.
Sabemos já que a organização do Iskra, de quem todo o congresso esperava uma recomendação autorizada, se tinha dividido neste ponto, querendo a minoria da organização tentar no congresso, através de uma luta livre e aberta, conquistar a maioria. Sabemos também que, muito antes do congresso, todos os delegados tinham tomado conhecimento do plano de renovação da redacção pela eleição de dois grupos de três para o OC e o CC. Detenhamo-nos neste plano mais pormenorizadamente para esclarecer os debates no congresso.
Eis aqui o texto exacto do meu comentário ao projecto de Tagesordnung do congresso, em que foi exposto este plano(1): «O congresso elegerá três pessoas para a redacção do OC e outras três para o CC. Estas seis pessoas em conjunto, por maioria de 2/3 se necessário, completarão a redacção do OC e o CC por cooptação, e apresentam ao congresso o relatório correspondente. Depois da aprovação deste relatório pelo congresso, a cooptação posterior far-se-á separadamente pela redacção do OC e pelo CC.»
Deste texto o plano ressalta com uma precisão perfeita e sem o mínimo equívoco: ele significa a renovação da redacção com a participação dos mais influentes dirigentes do trabalho prático. Os dois aspectos que assinalei neste plano são imediatamente evidentes para quem se der ao trabalho de ler com alguma atenção o texto citado. Mas nos tempos que correm devemos determo-nos a explicar mesmo as coisas mais elementares. O plano significa justamente a renovação da redacção, e não necessariamente que se amplie ou se reduza o número dos seus membros, mas precisamente que se renove, ficando em aberto a questão de um possível alargamento ou redução; a cooptação é prevista apenas para os casos em que for necessária. Entre as hipóteses emitidas por diversas pessoas sobre a questão desta renovação havia também planos de redução ou aumento possível do número de membros da redacção para sete membros (pela minha parte considerei sempre que sete era muito mais conveniente que seis), e até o aumento deste número para onze membros (coisa que eu considerava possível no caso de uma união pacífica com todas as organizações sociais-democratas em geral, com o Bund e a social-democracia polaca em particular). Mas o mais importante que normalmente esquecem os que falam do «grupo de três», é que se exige que os membros do CC participem na solução da questão relativa à cooptação posterior para o OC. Nem um só camarada entre todos os membros da organização e delegados da «minoria» do congresso que conheciam este plano e o aprovaram (exprimindo o seu acordo ou de maneira explícita ou pelo seu silêncio) se deu ao trabalho de explicar o significado desta exigência. Primeiro: porque se tinha adoptado como ponto de partida da renovação da redacção precisamente um grupo de três e só um grupo de três? É evidente que isso careceria em absoluto de sentido se se visasse exclusivamente, ou pelo menos principalmente, ampliar esse organismo colectivo, se tal organismo colectivo fosse considerado verdadeiramente «harmonioso». Seria estranho que para ampliar um organismo colectivo «harmonioso» não se partisse do seu conjunto, mas apenas de uma parte dele. Sem dúvida que nem todos os membros desse organismo colectivo eram considerados inteiramente aptos para discutir e resolver o problema da renovação da sua composição pessoal, da transformação do velho círculo redactorial num organismo do partido. É evidente que mesmo quem pessoalmente desejasse a renovação sob a forma de ampliação reconhecia que a antiga composição não era harmoniosa, que não correspondia ao ideal de um organismo do partido, porque, de outro modo, não havia razão para começar por reduzir o grupo de seis a um grupo de três para o ampliar. Repito: isto é evidente por si só, e apenas um obscurecimento momentâneo da questão por questões «pessoais» o pôde fazer esquecer.
Em segundo lugar, do texto antes citado ressalta que mesmo o acordo dos três membros do OC ainda não bastaria para ampliar o grupo de três. Também isto é sempre esquecido. Para a cooptação são precisos 2/3 de seis, ou seja, quatro votos; por isso bastaria que os três membros eleitos para o CC opusessem o seu «veto» para tornar impossível qualquer ampliação do grupo de três. Pelo contrário, mesmo se dois dos três membros da redacção do OC fossem contra a cooptação posterior, esta poderia mesmo assim efectivar-se se os três membros do CC lhe tivessem dado o seu acordo. É evidente desta maneira que se pretendia, ao transformar o velho círculo em organismo do partido, dar voz decisiva aos dirigentes do trabalho prático eleitos pelo congresso. Quais eram, aproximadamente, os camaradas que tínhamos em mente, mostra-o o facto de a redacção, antes do congresso, ter eleito por unanimidade como sétimo membro o camarada Pavlóvitch, para o caso de ser necessário falar no congresso em nome do nosso organismo colectivo; além do camarada Pavlóvitch, propôs-se para o lugar do sétimo um velho membro da organização do Iskra e membro do CO, mais tarde eleito membro do CC(2).
Assim, o plano de eleição de dois grupos de três visava manifestamente: 1) renovar a redacção, 2) eliminar nela certos aspectos do velho espírito de círculo, inadequado num organismo do partido (se não houvesse nada a eliminar, não teríamos tido que inventar o grupo de três inicial!), e por fim 3) eliminar os traços «teocráticos» de um organismo de literatos (eliminação a realizar fazendo com que destacados militantes práticos intervenham para resolver a questão da ampliação do grupo de três). Este plano, do qual todos os redactores tinham sido informados, assentava evidentemente na experiência de três anos de trabalho e correspondia completamente aos princípios que pusemos em prática consequentemente em matéria de organização revolucionária: na época de dispersão em que apareceu o Iskra, muitas vezes se constituíam grupos de modo fortuito e espontâneo, sofrendo inevitavelmente de certas manifestações nefastas do espírito de círculo. A criação do partido implicava e exigia a eliminação destes aspectos; a participação de destacados militantes práticos nesta eliminação era imprescindível, já que certos membros da redacção se tinham ocupado sempre de questões de organização, e não era apenas um organismo de literatos que devia entrar no sistema dos organismos do partido, mas sim um organismo de dirigentes políticos. O facto de ter deixado ao congresso a tarefa de eleger o grupo de três inicial, era igualmente natural do ponto de vista da política desde sempre defendida pelo Iskra: preparámos o congresso com extremo cuidado, esperando que fossem plenamente esclarecidas as questões de princípio controversas, do programa, da táctica e da organização; não duvidávamos que o congresso seria um congresso iskrista no sen-tido de que a imensa maioria se solidarizaria nestas questões fundamentais (o que em parte demons-travam também as resoluções sobre o reconhecimento do Iskra como órgão dirigente); tínhamos pois que deixar aos camaradas sobre cujos ombros tinha pesado todo o trabalho de difusão das idei-as do Iskra e de preparação da sua transformação em partido decidirem eles próprios quem eram os candidatos mais competentes para o novo organismo do partido. É unicamente pelo carácter natural do plano dos «dois grupos de três», unicamente pela sua plena conformidade com toda a política do Iskra e com tudo o que sabiam dela os que tivessem a mais pequena relação com o trabalho, que se pode explicar a aprovação geral deste plano e a ausência de qualquer outro plano concorrente.
E eis que no congresso o camarada Rússov propõe, antes de mais, que se elejam os dois grupos de três. Os partidários de Mártov, que nos tinha informado por escrito da relação deste plano com a falsa acusação de oportunismo, nem sequer pensaram, todavia, em reduzir a discussão sobre o grupo de seis e o grupo de três à questão de saber se esta acusação era fundada ou não. Nem um deles o mencionou sequer! Nem um deles ousou dizer uma só palavra sobre a diferença de princípio dos matizes ligados ao grupo de seis e ao grupo de três. Preferiram um meio mais corrente e mais barato: apelar para a piedade, falar de um possível ressentimento, fingir que o problema da redacção estava já resolvido com a designação do Iskra como Órgão Central. Este último argumento, utilizado pelo camarada Koltsov contra o camarada Rússov, é manifestamente falso. Na ordem do dia do congresso figuravam - e não acidentalmente, é claro - dois pontos especiais (ver p. 10 das actas): p. 4- «O OC do partido» e p. 18 - «A eleição do CC e da redacção do OC». Isto, em primeiro lugar. Em segundo lugar, ao designar o OC, todos os delegados declararam categoricamente que com isso não se confirmava a redacção, mas apenas a orientação(3), e nenhum protesto se levantou contra estas declarações.
Assim, a declaração de que depois de ter confirmado um órgão determinado o congresso tinha de facto confirmado desse modo a redacção - declaração muitas vezes repetida pelos partidários da minoria (Koltsov, p. 321, Possadóvski, ibid., Popov, p. 322, e muitos outros) -, era simplesmente de facto falsa. Era uma manobra evidente para todos, a qual mascarava o abandono da posição tomada quando todos ainda podiam de modo verdadeiramente imparcial encarar o problema da composição dos centros. Não era possível justificar o abandono, nem por razões de princípio (porque levantar no congresso a questão da «falsa acusação de oportunismo» seria demasiado desvantajoso para a minoria, a qual não disse uma só palavra a esse respeito), nem por uma referência a factos concretos sobre a verdadeira capacidade de trabalho do grupo de seis ou do grupo de três (porque a simples referência a estes factos teria fornecido uma montanha de provas contra a minoria). Tiveram que escapar-se, portanto, com frases sobre «o todo harmonioso», «colectividade harmoniosa», sobre «a harmonia e a integridade cristalina do todo», etc. Não é de espantar que imediatamente se tenham chamado tais argumentos pelo seu verdadeiro nome: «palavras mesquinhas» (p. 328). O próprio plano do grupo de três testemunhava claramente falta «de harmonia», e as impressões recolhidas pelos delegados no decorrer de mais de um mês de trabalho em comum forneceram sem dúvida aos delegados uma grande quantidade de dados para que pudessem julgar de modo independente. Quando o camarada Possadóvski fez alusão (de maneira imprudente e irreflectida do seu ponto de vista: ver pp. 321 e 325 sobre o emprego «condicional» que ele fez da palavra «fricções») a estes dados, o camarada Muraviov declarou francamente: «Na minha opinião, é agora completamente claro para a maioria do congresso que tais fricções(4) existem indubitavelmente» (p. 321). A minoria quis compreender a palavra «fricções» (lançada por Possadóvski e não por Muraviov) exclusivamente no sentido de algo pessoal, não ousando levantar a luva lançada pelo camarada Muraviov, não ousando formular um único argumento que na realidade servisse para a defesa do grupo de seis. Gerou-se uma discussão arquicómica pela sua esterilidade: a maioria (pela boca do camarada Muraviov), declara ver com toda a clareza o verdadeiro significado do grupo de seis e do grupo de três, enquanto a minoria persiste em não ouvir e afirma que «não temos a possibilidade de fazer essa análise». A maioria não só considera possível fazer essa análise, como já «a fez» e fala dos resultados para ela perfeitamente claros dessa análise, enquanto a minoria, pelos vistos, receia essa análise, escudando-se unicamente nas «palavras mesquinhas». A maioria recomenda «que se tenha em conta que o nosso OC não é apenas um grupo de literatos»; a maioria «quer que à cabeça do OC estejam pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso, que preencham as exigências de que falei» (isto é, exigências não apenas literárias, p. 327, discurso do camarada Langue). Ainda desta vez, a minoria não ousa levantar a luva e não diz nem uma única palavra sobre quem, na sua opinião, pode fazer parte de um organismo colectivo que não seja apenas literário, nem diz quem é uma pessoa «perfeitamente determinada e conhecida do congresso». Á minoria continua a entricheirar-se por trás da famosa «harmonia». Mais ainda. A minoria serve-se mesmo de argumentos que são absolutamente falsos em princípio, e que por isso provocam, muito justamente, uma resposta violenta. «O congresso - vejam só - não tem o direito, nem moral nem político, de modificar a redacção» (Trótski, p. 326), «é uma questão demasiado delicada (sic!)» (ibid.) «como devem comportar-se os membros não eleitos da redacção perante o facto de o congresso não querer que eles façam mais parte da redacção?» (Tsariov, p. 324)(5).
Tais argumentos remetiam já a questão inteiramente para o campo da piedade e do ressentimento, sendo um reconhecimento manifesto da bancarrota no terreno dos argumentos verdadeiramente de princípio, verdadeiramente políticos. E a maioria definiu imediatamente esta maneira de pôr o problema pelo seu verdadeiro nome: filistinismo (camarada Rússov). «Na boca de revolucionários - disse justamente o camarada Rússov - ouvimos singulares discursos que estão em evidente desacordo com o conceito de trabalho de partido, de ética de partido. O argumento essencial que os adversários da eleição dos grupos de três formulam reduz-se a um ponto de vista puramente filistino sobre os assuntos do partido» (todos os sublinhados são meus)... «colocando-nos neste ponto de vista que não é de partido e sim filistino, em cada eleição iremos encontrar-nos perante a questão de saber se Petrov se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito Ivanov, se determinado membro do CO se não ofenderia vendo que em vez dele foi eleito outro para o CC. Camaradas, onde é que isto nos vai levar? Se nos reunimos aqui não para nos obsequiarmos mutuamente com agradáveis discursos ou trocarmos amabilidades filistinas, mas para criar um partido, não podemos de maneira nenhuma estar de acordo com esse ponto de vista. Trata-se de eleger funcionários e não pode colocar-se a questão de falta de confiança em nenhum dos não eleitos, mas apenas do bem da causa e de que a pessoa eleita seja adequada para o cargo para que é designada» (p. 325).
Aconselharíamos todos os que querem entender por si próprios as causas da cisão do partido e chegar às suas raízes no congresso que leiam e releiam o discurso do camarada Rússov, cujos argumentos a minoria não refutou, como nem sequer os pôs em dúvida. Aliás é impossível contestar verdades tão elementares e primárias, cujo esquecimento tão justamente explicou o próprio camarada Rússov só por «excitação nervosa». E para a minoria esta é efectivamente a explicação menos desagradável de como eles tinham podido abandonar o ponto de vista de partido para passar a um ponto de vista filistino e de círculo(6).
Mas a minoria estava a tal ponto impossibilitada de encontrar argumentos razoáveis e sérios contra as eleições que, para além de introduzir espírito filistino nos assuntos do partido, chegou a métodos de carácter francamente escandaloso. De facto, como não chamar assim ao método utilizado pelo camarada Popov, que aconselhou o camarada Muraviov «a não aceitar encargos delicados» (p. 322)? Que é isto senão querer «introduzir-se na consciência alheia», segundo a justa expressão do camarada Sorókine (p. 328)? Que é isto senão especular sobre «questões pessoais» à falta de argumentos políticos? Ao afirmar que «sempre protestámos contra tais meios», o camarada Sorókine tinha ou não razão? «Será admissível a conduta do camarada Deutsch, que procurou de maneira ostensiva pôr no pelourinho os camaradas que não estavam de acordo com ele?»(7) (p. 328).
Façamos o balanço dos debates sobre a questão relativa à redacção. A minoria não refutou (nem tentou refutar) as numerosas indicações da maioria sobre o facto de que os delegados conheciam o projecto do grupo de três desde a abertura do congresso e antes do congresso e de que, por consequência, esse projecto se baseava em considerações e dados independentes dos acontecimentos e discussões do congresso. A minoria, ao assumir a defesa do grupo de seis, tomava uma posição inadmissível e errada quanto aos princípios baseada em considerações filistinas. A minoria mostrou ter esquecido completamente o ponto de vista de partido quanto à escolha dos funcionários, sem procurar sequer fazer uma apreciação de cada candidato para um cargo, da sua adequação ou não adequação às funções desse cargo. A minoria furtou-se ao exame da questão a fundo, invocando a famosa harmonia, «vertendo lágrimas», «tomando atitudes patéticas» (p. 327, discurso de Langue), como se «se quisesse matar» alguém. A minoria chegou mesmo a «introduzir-se na consciência alheia», a gritar que as eleições eram «criminosas», a usar de outros meios igualmente inadmissíveis, sob a influência da «excitação nervosa» (p. 325).
A luta do espírito filistino contra o espírito de partido, das «questões pessoais» do pior gosto contra as considerações políticas, das palavras mesquinhas contra os conceitos mais elementares do dever revolucionário, eis o que foi a luta à volta do grupo de seis e do grupo de três na trigésima sessão do nosso congresso.
E na 31ª sessão, quando, por maioria de 19 votos contra 17 e três abstenções, o congresso rejeitou a proposta para confirmação do conjunto da antiga redacção (ver p. 330 e a errata), e quando os antigos redactores voltaram para a sala das sessões, o camarada Mártov, na sua «declaração em nome da maioria da antiga redacção» (pp. 330-331), deu provas, em proporções ainda maiores, das vacilações e da mesma instabilidade da posição política e das concepções políticas. Examinemos em pormenor cada um dos pontos da declaração colectiva e da minha resposta (pp. 332-333) a esta declaração.
«A partir de agora - diz o camarada Mártov depois da não confirmação da antiga redacção - o velho Iskra já não existe, e seria mais lógico mudar-lhe o nome. De qualquer maneira, vemos na nova decisão do congresso uma restrição substancial do voto de confiança dado ao Iskra numa das primeiras sessões do congresso.»
O camarada Mártov, com os seus colegas, levanta uma questão, verdadeiramente interessante e instrutiva sob muitos aspectos, sobre a coerência política. Já lhe respondi ao invocar aquilo que todos tinham dito quando da confirmação do Iskra (p. 349 das actas, cf. acima, p. 82). É indubitável que estamos na presença de um dos mais gritantes exemplos de falta de consequência em política. Da parte de quem? Da parte da maioria do congresso ou da maioria da antiga redacção, deixamos ao leitor o cuidado de julgar. É ainda ao leitor que deixamos o cuidado de decidir de duas outras questões postas muito a propósito pelo camarada Mártov e pelos seus colegas: 1) é um ponto de vista filistino ou um ponto de vista de partido que revela o desejo de ver «uma restrição do voto de confiança ao Iskra» na decisão do congresso de proceder à eleição dos funcionários para a redacção do OC? 2) a partir de que momento deixa realmente de existir o velho «Iskra»? A partir do n° 46, quando Plekhánov e eu começámos ambos a dirigi-lo, ou a partir do n° 53, quando a maioria da antiga redacção se colocou à cabeça dele? Se a primeira questão é uma questão de princípio das mais interessantes, pelo contrário a segunda é uma questão de facto das mais interessantes.
«Como se decidiu agora - prossegue o camarada Mártov - eleger uma redacção de três pessoas, eu declaro em meu nome e em nome dos meus outros três camaradas que nenhum de nós fará parte dessa nova redacção. Pela minha parte, acrescentarei que, se é exacto que alguns camaradas quiseram inscrever o meu nome como um dos candidatos a esse «grupo de três», vejo-me obrigado a ver nisso uma ofensa que não merecia (sic!). Digo isto em virtude das circunstâncias em que se decidiu alterar a redacção. Decidiu-se isso por causa de certas “fricções”(8), da incapacidade para actuar da antiga redacção, e o congresso resolveu essa questão num determinado sentido, sem nada perguntar à redacção sobre essas fricções e sem nomear sequer uma comissão para pôr a claro isso da sua incapacidade para actuar» ... (O estranho é que a ninguém da minoria ocorreu propor ao congresso que «perguntasse à redacção» ou nomeasse uma comissão! Não seria porque, depois da cisão da organização do Iskra e do fracasso das conversações sobre as quais escreveram os camaradas Mártov e Starover, isso teria sido inútil?)... «Nestas circunstâncias, devo considerar a hipótese de certos camaradas de que eu aceitaria trabalhar na redacção reformada desta maneira como uma mancha na minha reputação política»...(9)
Foi propositadamente que reproduzi na íntegra este raciocínio, para apresentar ao leitor uma amostra e o ponto de partida do que floresceu com tanta abundância depois do congresso e que não podemos qualificar de outro modo senão como querela mesquinha. Já empreguei esta expressão na minha Carta à Redacção do «Iskra» e, apesar do descontentamento da redacção, sou obrigado a repeti-la pela sua exactidão incontestável. É errado crer-se que tais querelas implicam «motivos baixos» (como conclui a redacção do novo Iskra): qualquer revolucionário minimamente familiarizado com as nossas colónias de exilados e emigrados certamente pôde ver dezenas de exemplos destas querelas, em que se colocavam e examinavam até à saciedade as mais absurdas acusações, suspeitas, auto-acusações, questões «pessoais», etc., querelas provocadas pela «excitação nervosa» e condições de vida anormais, bafientas. Não há um só homem sensato que se ponha a procurar a todo o custo motivos baixos nestas querelas, por mais baixas que sejam as suas manifestações. E é apenas por uma «excitação nervosa» que se pode explicar esta meada emaranhada de absurdos, de questões pessoais, de horrores fantásticos, de penetrações na consciência alheia, de ofensas e de calúnias imaginárias que nos oferece o excerto que reproduzi do discurso do camarada Mártov. As condições de vida bafientas geram entre nós centenas destas querelas, e um partido político não mereceria consideração se não ousasse dar o seu verdadeiro nome à doença de que sofre, fazer um diagnóstico implacável e procurar o meio de cura.
Na medida em que se pode distinguir nesta meada algo de princípio, tem de se chegar inevitavelmente à conclusão de que «as eleições nada têm de comum com uma ofensa à reputação política», que «negar o direito do congresso de proceder a novas eleições, de introduzir qualquer modificação nos quadros de funcionários, de seleccionar os componentes dos organismos aos quais outorga poderes», significa embrulhar a questão, e que «o ponto de vista do camarada Mártov segundo o qual podia eleger-se parte do antigo organismo revela uma enorme confusão de conceitos políticos» (como disse no congresso, p. 332)(10).
Omito a observação «pessoal» do camarada Mártov relativa à questão de saber quem teve a iniciativa do plano do grupo de três e passo à caracterização «política» do significado que ele deu à não confirmação da antiga redacção: ...«O que se passou agora é o último acto da luta que se desenrolou durante a segunda metade do congresso»... (Muito bem! e esta segunda metade começa no momento em que Mártov, a propósito do §1 dos estatutos, caiu no apertado abraço do camarada Akímov)... «Não é segredo para ninguém que, quanto a esta reforma, não se trata de “capacidade para actuar”, mas de uma luta pela influência sobre o CC»... (Em primeiro lugar, não é segredo para ninguém que se tratava tanto da capacidade para actuar como de uma divergência sobre a composição pessoal do CC, visto que o plano de «reforma» foi apresentado quando ainda não se podia falar da segunda divergência e quando, em conjunto com o camarada Mártov, tínhamos escolhido como sétimo membro da redacção o camarada Pavlóvitch! Em segundo lugar, já mostrámos, apoiados em documentos, que se tratava da composição pessoal do CC, e que à la fin des fins(11) o problema se reduziu a uma diferença de listas: Glébov-Travínski-Popov e Glébov-Trótski-Popov)... «A maioria da redacção mostrou que não queria ver transformado o CC num instrumento da redacção»... (Começa a cantilena de Akímov: a questão da influência, pela qual luta qualquer maioria, em qualquer congresso de partido, sempre e em todo o lado, a fim de consolidar esta influência por uma maioria nos organismos centrais, passa para o domínio dos mexericos oportunistas sobre o «instrumento» da redacção, sobre «um simples apêndice» da redacção? como disse o próprio camarada Mártov um pouco mais tarde, p. 334.)... «É por isso que foi preciso reduzir o número de membros da redacção(!!). E é por isso que não posso fazer parte de tal redacção»... (Vejam só com mais atenção este «e é por isso que»: como poderia a redacção transformar o CC num apêndice ou num instrumento? Exclusivamente no caso de ter três votos no Conselho e abusar desta superioridade? Não é claro? E não será também claro que o camarada Mártov, eleito terceiro membro, poderia sempre impedir qualquer abuso e eliminar apenas com o seu voto qualquer superioridade da redacção no Conselho? A questão reduz-se, pois, precisamente, à composição pessoal do CC, e desde logo fica bem claro que isso de instrumento e apêndice são meros mexericos.) ... «Em conjunto com a maioria da antiga redacção, eu pensava que o congresso poria fim ao “estado de sítio” no seio do partido e instalaria nele um regime normal. Na prática, o estado de sítio com as suas leis de excepção contra certos grupos foi prolongado e até se agravou. Só se se mantiver a composição da antiga redacção podemos garantir que os direitos conferidos à redacção pelos estatutos não serão utilizados em prejuízo do partido»...
Esta é a passagem integral do discurso do camarada Mártov em que lançou pela primeira vez a famigerada palavra de ordem do «estado de sítio». E agora vede a minha resposta:
...«Ao corrigir a declaração de Mártov sobre o carácter particular do plano dos dois grupos de três, nem sequer penso, no entanto, em opor-me ao que o próprio Mártov diz sobre o “significado político” da iniciativa que tomámos não confirmando a antiga redacção. Pelo contrário, estou inteiramente e sem restrições de acordo com o camarada Mártov em que esta decisão tem grande importância política, mas não no sentido que lhe atribui Mártov. Este é, disse ele, um acto da luta pela influência no CC na Rússia. Eu vou mais longe do que Mártov. Toda a actividade do Iskra enquanto grupo particular foi até agora uma luta pela influência, mas agora trata-se de algo mais, trata-se de consolidar organicamente esta influência e não só de lutar por ela. A profundidade da nossa divergência política com o camarada Mártov sobre este ponto manifesta-se claramente quando ele me lança à cara este desejo de exercer influência no CC, ao passo que eu me prezo de ter procurado e de continuar a procurar consolidar esta influência através da organização. Verifica-se que até falamos linguagens diferentes. De que serviria todo o nosso trabalho, todos os nossos esforços, se viessem a ser coroados pela mesma velha luta pela influência, e não pela plena aquisição e consolidação da influência? Sim, o camarada Mártov tem toda a razão: o passo dado é incontestavelmente um grande passo político, que prova que foi escolhida uma das tendências que actualmente se nos apresentam para o trabalho futuro do nosso partido. E não estou nada assustado com as palavras terríveis sobre o “estado de sítio no Partido”, sobre as “leis de excepção contra certas pessoas ou certos grupos”, etc. Para os elementos instáveis e hesitantes não somente podemos, mas devemos, criar o “estado de sítio”, e os nossos estatutos na sua totalidade, todo o nosso centralismo a partir de agora aprovado pelo congresso, tudo isso mais não é do que um “estado de sítio” contra as fontes tão numerosas de imprecisão política. Contra a imprecisão necessitamos justamente de leis especiais, ainda que sejam de excepção, e o passo dado pelo congresso indicou a direcção política justa, dando uma base sólida a tais leis e a tais medidas.»(12)
Sublinhei neste resumo do meu discurso no congresso a frase que o camarada Mártov preferiu omitir no seu «Estado de Sítio» (p. 16). Não admira que esta frase lhe tenha desagradado e que não tenha querido compreender o seu sentido bem claro.
Que significa a expressão «palavras terríveis», camarada Mártov?
Significa troçar, troçar dos que dão grandes nomes a coisas pequenas, que embrulham uma questão simples com uma fraseologia pretensiosa.
O único, pequeno e simples facto que pôde servir e serviu de pretexto à «excitação nervosa» do camarada Mártov consistia exclusivamente no facto de o camarada Mártov ter sofrido uma derrota no congresso, na questão relativa à composição pessoal dos centros. O significado político deste simples facto foi que a maioria do congresso do partido, depois de ter triunfado, consolidou a sua influência estabelecendo também a maioria na direcção do partido, lançando, no terreno da organização, uma base para a luta, por meio dos estatutos, contra aquilo que essa maioria considerava hesitação, instabilidade e imprecisão(13). Falar a propósito disto de «luta pela influência» com uma espécie de horror no olhar e queixar-se do «estado de sítio» era apenas fraseologia pretensiosa, apenas palavras terríveis.
O camarada Mártov não está de acordo com isto? Porque não tenta demonstrar-nos se houve no mundo um congresso de partido, se é concebível em geral um congresso de partido em que a maioria não consolidou a influência conquistada: 1) estabelecendo a mesma maioria nos centros; 2) dando-lhe poder para neutralizar a hesitação, a instabilidade e a imprecisão?
Antes das eleições, o nosso congresso tinha de resolver a questão: era à maioria ou à minoria do partido que se devia reservar um terço dos votos no OC e no CC? O grupo de seis e a lista do camarada Mártov significavam que o terço nos cabia a nós e os dois terços aos seus partidários. O grupo de três no OC e a nossa lista significavam que dois terços eram para nós, e um terço para os partidários do camarada Mártov. O camarada Mártov recusou-se a chegar a um acordo connosco ou a ceder, e provocou-nos para o combate, por escrito, diante do congresso; mas depois de ter sofrido a derrota perante o congresso, pôs-se a chorar e começou a queixar-se do «estado de sítio»! Ora não será isto uma querela mesquinha? Não será isto uma nova manifestação de tibieza própria de intelectuais?
Não podemos deixar de recordar a propósito a brilhante definição sociopsicológica desta última qualidade dada recentemente por K. Kautsky. Os partidos sociais-democratas de diferentes países estão actualmente sujeitos muitas vezes a doenças do mesmo género, e ser-nos-á muito, muito útil aprender com camaradas mais experientes o diagnóstico justo e o tratamento acertado. Por isso, a definição de alguns intelectuais dada por Kautsky só na aparência nos afastará do nosso tema.
...«No momento actual, de novo nos interessamos vivamente pela questão do antagonismo entre os intelectuais(14) e o proletariado. Os meus colegas» (Kautsky é também um intelectual, literato e redactor) «em muitos casos indignar-se-ão ao ver que eu admito este antagonismo. Mas o facto é que ele existe, e a táctica mais inadequada seria (neste como noutros casos) tentar desembaraçarmo-nos dele negando o facto. Este antagonismo é um antagonismo social que se manifesta nas classes e não em indivíduos isolados. Tal como um capitalista, um intelectual pode, individualmente, entregar-se por inteiro à luta de classe do proletariado. Em tais casos, quando isto tem lugar, o intelectual muda também de carácter. No que vou dizer a seguir, não tratarei principalmente dos intelectuais deste tipo, que ainda hoje são excepção no seio da sua classe. A seguir, quando não houver qualquer reserva especial, entendo por intelectual apenas um intelectual comum que se situa no terreno da sociedade burguesa, e que é um representante característico da intelectualidade como classe. Esta classe mantém-se num certo antagonismo com o proletariado.
«Este antagonismo é de um género diferente do antagonismo entre o trabalho e o capital. O intelectual não é um capitalista. É verdade que o seu nível de vida é burguês e que ele é obrigado a manter este nível a menos que se transforme num vagabundo, mas ao mesmo tempo vê-se obrigado a vender o produto do seu trabalho e por vezes mesmo a sua força de trabalho e sofre com frequência a exploração dos capitalistas e certa humilhação social. Assim, não existe nenhum antagonismo económico entre o intelectual e o proletariado. Mas a sua situação na vida, as suas condições de trabalho, não são proletárias; daí um certo antagonismo nos sentimentos e nas ideias.
«O proletário não é nada enquanto permanecer um indivíduo isolado. Toda a sua força, todas as suas capacidades de progresso, todas as suas esperanças, as suas aspirações, tira-as da organização, da sua actuação sistemática em comum com os seus camaradas. Sente-se grande e forte quando faz parte de um grande e forte organismo. Este organismo é tudo para ele, enquanto um indivíduo isolado, em comparação com ele, significa muito pouco. O proletário luta com a maior abnegação como uma parcela da massa anónima, sem pretender vantagens pessoais, glória pessoal; ele cumpre o seu dever em qualquer cargo onde seja colocado, submetendo-se voluntariamente à disciplina, que penetra todos os seus sentimentos, todo o seu pensamento.
« O que sucede com o intelectual é muito diferente. Ele não luta empregando, de um modo ou de outro, a força, mas servindo-se de argumentos. As suas armas são os seus conhecimentos pessoais, as suas capacidades pessoais, as suas convicções pessoais. Só se pode fazer valer pelas suas qualidades pessoais. A inteira liberdade de manifestar a sua personalidade apresenta-se-lhe pois como a primeira condição de êxito no seu trabalho. Só muito dificilmente se submete a um todo, como parte auxiliar desse todo, e submete-se-lhe por necessidade e não por inclinação pessoal. A necessidade de uma disciplina, reconhece-a apenas para a massa e não para os espíritos de elite. Ele próprio, é evidente, considera-se entre os espíritos de elite...
... «A filosofia de Nietzsche, com o seu culto do super-homem, para quem tudo se reduz a conseguir o pleno desenvolvimento da sua própria personalidade, para quem qualquer submissão da sua pessoa a qualquer grande objectivo social se apresenta vil e desprezível, esta filosofia é a verdadeira concepção do mundo do intelectual, ela torna-o absolutamente incapaz de participar na luta de classe do proletariado.
«Ao lado de Nietzsche, Ibsen é um representante destacado da concepção do mundo da intelectualidade, concepção que coincide com a sua maneira de sentir. O seu doutor Stockmann (no drama Um Inimigo do Povo) não é um socialista, como muitos supunham, mas o tipo de intelectual que deve necessariamente entrar em conflito com o movimento proletário e, em geral, com qualquer movimento popular, desde que tente actuar nele. Isto porque a base do movimento proletário, como a de qualquer movimento democrático(15), é o respeito pela maioria dos camaradas. O intelectual típico à la Stockmann vê na «compacta maioria» um monstro que deve ser derrubado.
... «O modelo ideal do intelectual que se deixou penetrar inteiramente pelo espírito proletário, que, sendo um brilhante escritor, perdeu os traços psicológicos próprios da intelectualidade, que se integrava nas fileiras sem murmurar, trabalhava em qualquer cargo que lhe confiassem, se tinha consagrado inteiramente à nossa grande causa e desprezava os chorosos queixumes (weichlickes Gewinsel) sobre o esmagamento da sua personalidade, que tantas vezes ouvimos por parte dos intelectuais formados no espírito de Ibsen e Nietzsche quando lhes acontecia ficar em minoria, o modelo ideal deste intelectual, como daqueles de que o movimento socialista necessita, era Liebknecht. Poder-se-ia igualmente citar aqui Marx, que nunca se pôs em primeiro plano e se submetia de maneira exemplar à disciplina do partido no seio da Internacional, onde mais de uma vez ficou em minoria.»(16)
Precisamente chorosos queixumes de intelectual que ficou em minoria, e nada mais, foi a renúncia de Mártov e dos seus colegas ao cargo apenas por não ter sido confirmado o antigo círculo, as lamentações sobre o estado de sítio e as leis de excepção «contra determinados grupos» que não eram caros a Mártov quando da dissolução do Iújni Rabótchi e da Rabótcheie Dielo, mas que se lhe tornaram caros quando da dissolução do seu organismo colectivo.
Precisamente chorosos queixumes de intelectuais em minoria foram afinal todas as queixas, censuras, alusões, lamentações, mexericos e insinuações sobre a «compacta maioria», de que correram rios no nosso congresso do partido(17) (e ainda mais depois do congresso), por obra e graça do camarada Mártov.
A minoria queixava-se amargamente de que a compacta maioria tinha as suas reuniões privadas: na verdade, a minoria de algum modo tinha que encobrir o facto, para ela desagradável, de que os delegados que convidava para as suas reuniões privadas se recusavam a lá ir, e aqueles que de bom grado o teriam feito (os Egórov, os Mákhov, os Brúker) não podiam ser convidados pela minoria depois de toda a luta travada entre uns e outros no congresso.
Lamentaram-se amargamente da «falsa acusação de oportunismo»: na verdade, de algum modo se tinha que encobrir o facto desagradável de que precisamente os oportunistas, que apoiavam com muito mais frequência os anti-iskristas, e em parte os próprios anti-iskiristas, formavam a compacta minoria, agarrando-se com ambas as mãos à manutenção do espírito de círculo nos organismos, do oportunismo nos raciocínios, do filistinismo nos assuntos de partido, da instabilidade e tibieza própria de intelectuais.
Mostraremos no capítulo seguinte em que consiste a explicação do facto político altamente interessante de no fim do congresso se ter formado uma «compacta maioria», e por que razão a minoria, apesar de todas as solicitações, evita com o maior cuidado a questão das causas e a história da sua formação. Mas terminemos primeiro a análise dos debates no congresso.
Durante as eleições para o CC, o camarada Mártov propôs uma resolução extremanente característica (p. 336), cujos três aspectos principais são o que eu qualificava por vezes de «xeque-mate em três lances». São estes os traços: 1) votam-se as listas de candidatos para o CC, e não candidatos individuais; 2) depois da leitura das listas, deixa-se passar duas sessões (para os debates, com certeza); 3) na ausência de uma maioria absoluta, reconhece-se a segunda votação como definitiva. Esta resolução é de uma estratégia engenhosamente concebida (devemos fazer justiça, mesmo ao adversário!), com a qual não está de acordo o camarada Egórov (p. 337), mas que seguramente garantiria a vitória completa a Mártov, se o grupo de sete, formado pelos bundistas e os partidários da «Rabótcheie Dielo», não tivesse abandonado o congresso. A estratégia explica-se justamente porque a minoria iskrista não tinha nem podia ter um « acordo directo» (que existia na maioria iskrista) não só com o Bund e Brúker, mas nem sequer com os camaradas Egórov e Mákhov.
Lembrai-vos que o camarada Mártov se lamentou no congresso da Liga, pretendendo que a «falsa acusação de oportunismo» implicava um acordo directo entre ele e o Bund. Repito, foi o medo que inspirou a Mártov esta ideia, e justamente o desacordo do camarada Egórov com a votação das listas (o camarada Egórov «ainda não tinha perdido os seus princípios», provavelmente os princípios que o levaram a associar-se com Goldblat na apreciação da importância absoluta das garantias democráticas) mostra visivelmente o facto de enorme importância de nem mesmo com Egórov ter podido efectivar-se um «acordo.directo». Mas a coligação podia fazer-se e fez-se tanto com Egórov como com Brúker, coligação no sentido de que o seu apoio era assegurado aos martovistas todas as vezes que os martovistas entrassem em sério conflito connosco, e que Akímov e os seus amigos tivessem que optar pelo mal menor. Não havia nem há sombra de dúvida de que, a título do mal menor, como aquilo que menos conduzia aos objectivos iskristas (ver o discurso de Akímov sobre o § l e as suas «esperanças» postas em Mártov), os camaradas Akímov e Líber teriam votado evidentemente pelo grupo de seis para o OC e pela lista de Mártov para o CC. A votação por listas, o deixar passar as duas sessões e a nova votação visavam obter precisamente este resultado com precisão quase mecânica, sem nenhum acordo directo.
Mas como a nossa compacta maioria continuava a ser uma maioria compacta, o movimento de flanco que o camarada Mártov propunha era apenas uma manobra dilatória, e não podíamos deixar de rejeitá-la. A minoria (numa declaração, p. 341) por escrito deu rédea solta às suas queixas a este respeito, recusando, a exemplo de Martínov e Akímov, participar na votação e nas eleições para o CC «dadas as condições nas quais estas se efectuavam». Depois do congresso, estas queixas contra as condições anormais das eleições (ver Estado de Sítio, p. 31) foram espalhadas a torto e a direito perante centenas de comadres do partido. Mas em que consistia esta anormalidade? Na votação secreta que tinha sido prevista antecipadamente pelo regulamento do congresso (§ 6, p. 11 das actas), e na qual seria ridículo ver «hipocrisia» ou «injustiça»? Na formação de uma compacta maioria, essa «coisa monstruosa» para os intelectuais dados às lamúrias? Ou no desejo anormal destes respeitáveis intelectuais de faltar à palavra que tinham dado, antes do congresso, de reconhecer a validade de todas as suas eleições (p. 380, § 18, do regulamento do congresso)?
O camarada Popov fez uma subtil alusão a este desejo quando, no dia das eleições, perguntou directamente no congresso: «O bureau tem a certeza de que a decisão do congresso é válida e legítima quando metade dos participantes nele se recusaram a votar?»(18) O bureau respondeu naturalmente que tinha a certeza e recordou o incidente com os camaradas Akímov e Martínov. O camarada Mártov juntou-se ao bureau e declarou terminantemente que o camarada Popov se enganava e que «as decisões do congresso são legítimas» (p. 343). Que o leitor julgue por si próprio da coerência política, pelos vistos altamente normal, a qual se manifesta quando se compara esta declaração perante o partido com a conduta depois do congresso e com a frase do Estado de Sítio sobre «a insurreição desencadeada já no congresso por metade do partido» (p. 20). As esperanças que o camarada Akímov depositava no camarada Mártov foram mais fortes que as efémeras boas intenções do próprio camarada Mártov.
«Venceste», camarada Akímov!
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Para mostrar a que ponto era uma «palavra terrível» a famigerada frase relativa ao «estado de sítio», frase que adquiriu já para sempre um sentido tragicómico, pode-se citar alguns pormenores, insignificantes na aparência, mas no fundo muito importantes, do fim do congresso, fim esse que teve lugar depois das eleições. O camarada Mártov está agora obcecado por esse «estado de sítio» tragicómico, afirmando muito a sério a si próprio e ao leitor que o espantalho por ele inventado significava uma perseguição anormal, um acossar, um atropelo da «minoria» pela «maioria». Vamos mostrar em seguida como as coisas se passaram depois do congresso. Mas basta mesmo prestar atenção ao fim do congresso para ver que, depois das eleições, a «compacta maioria» não só não persegue os pobres martovistas, atropelados, ofendidos e levados ao patíbulo como, pelo contrário, lhes oferece ela própria (pela boca de Liádov) dois lugares, de três, na comissão das actas (p. 354). Pegai nas resoluções sobre os problemas tácticos e sobre outros pontos (p. 355 e segs.) e vereis que se tratou dos problemas a fundo de um ponto de vista puramente prático, em que as assinaturas dos camaradas que apresentaram resoluções incluem frequentemente misturados tanto representantes da monstruosa e compacta «maioria» como partidários da «humilhada e ofendida» «minoria» (pp. 355,357, 363,365, 367 das actas). Verdadeiramente, acaso se assemelha isto a um «afastamento do trabalho» e a todos os outros «atropelos»?
A única discussão de fundo interessante, mas infelizmente demasiado curta, travou-se a propósito da resolução de Starover sobre os liberais. A julgar pelas assinaturas que a subscrevem (pp. 357 e 358), esta foi adoptada pelo congresso porque três partidários da «maioria» (Braun, Orlov e Óssipov) votaram em bloco tanto por ela como pela resolução de Plekhánov, por não verem a contradição irredutível que existia entre ambas. À primeira vista, não há contradição irredutível entre elas, visto que a de Plekhánov estabelece um princípio geral, exprime uma certa atitude do ponto de vista de princípios e da táctica para com o liberalismo burguês na Rússia, e a de Starover tenta determinar as condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários» com «tendências liberais ou democrático-liberais». Os temas destas duas resoluções são diferentes. Mas a de Starover sofre precisamente de imprecisão política, sendo por isso fútil e mesquinha. Ela não define o conteúdo de classe do liberalismo russo, não indica as tendências políticas definidas que o reflectem; não elucida o proletariado sobre as tarefas fundamentais de propaganda e agitação relativamente a essas tendências definidas; confunde (em virtude da sua imprecisão) coisas diferentes como o movimento estudantil e a Osvobojdénie(19), prescreve de modo mesquinho e casuístico três condições concretas nas quais são admissíveis «acordos temporários». Neste caso como em muitos outros, a imprecisão política conduz à casuística. A ausência de um princípio geral e o desejo de enumerar as «condições» levam a uma enumeração mesquinha e, rigorosamente falando, inexacta, dessas condições. Com efeito, examinai estas três condições de Starover: 1) «as tendências liberais ou democrático-liberais» devem «afirmar claramente e sem equívoco que, na sua luta contra o governo autocrático, se colocam resolutamente ao lado da social-democracia russa». Que diferença há entre as tendências liberais e as tendências democrático-liberais? A resolução não fornece dados para responder a esta questão. Não consistirá a diferença em que as tendências liberais exprimem a posição das camadas politicamente menos progressistas da burguesia, enquanto as tendências democrático-liberais exprimem a posição das camadas mais progressistas da burguesia e da pequena burguesia? Se assim é, como pode o camarada Starover admitir que as camadas burguesas menos progressistas (mas progressistas apesar de tudo, senão não se poderia falar de liberalismo) «se colocarão resolutamente ao lado da social-democracia»?? Isto é um absurdo, e ainda que os representantes dessa tendência «o afirmassem claramente e sem equívoco» (hipótese totalmente impossível), nós, partido do proletariado, teríamos o dever de não acreditar nas suas declarações. Ser liberal e colocar-se resolutamente ao lado da social-democracia, eis duas coisas que se excluem mutuamente.
Prossigamos. Admitamos o caso seguinte: «as tendências liberais ou democrático-liberais» declararão claramente e sem equívoco que, na sua luta contra a autocracia, se colocam resolutamente ao lado dos socialistas-revolucionários. Hipótese bem menos inverosímil (considerando a essência democrático-burguesa da tendência dos socialistas-revolucionários) que a do camarada Starover. A resolução deste, em virtude do seu carácter impreciso e casuístico, implica que neste caso acordos temporários com liberais deste género são inadmissíveis. E no entanto, esta conclusão, que decorre necessariamente da resolução do camarada Starover, conduz a uma tese francamente falsa. Os acordos temporários são também admissíveis com os socialistas-revolucionários (vede a propósito disto a resolução do congresso) e, por consequência, com os liberais que se colocarem ao lado dos socialistas-revolucionários.
Segunda condição: se essas tendências «não inscreverem nos seus programas reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e da democracia em geral, ou que obscurecem a sua consciência». Aqui temos o mesmo erro: não existiram nunca, nem podem existir, tendências democrático-liberais que não inscrevam nos seus programas reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e que não obscureçam a sua (do proletariado) consciência. Mesmo uma das fracções mais democráticas da nossa tendência democrático-liberal, a dos socialistas-revolucionários, formula no seu programa, confuso como todos os programas liberais, reivindicações contrárias aos interesses da classe operária e obscurecedoras da sua consciência. Desse facto deve-se tirar a conclusão de que é imprescindível «desmascarar a estreiteza e a insuficiência do movimento de emancipação da burguesia», mas de modo algum que sejam inadmissíveis acordos temporários.
Enfim, a terceira «condição» do camarada Starover (exigindo que os democratas-liberais façam do sufrágio universal, igual, directo e secreto palavra de ordem da sua luta) também é falsa na formulação geral em que nos é dada: não seria razoável declarar que os acordos temporários e particulares são, em qualquer caso, inadmissíveis com as tendências democrático-liberais que defendem a palavra de ordem de uma constituição censitária, uma constituição «cerceada» em geral. No fundo, poderíamos classificar aqui a «tendência» dos senhores da Osvobojdénie; mas atar-se as mãos, proibindo antecipadamente os «acordos temporários», ainda que com os liberais mais timoratos, seria uma miopia política incompatível com os princípios do marxismo.
Balanço: a resolução do camarada Starover, assinada igualmente pelos camaradas Mártov e Axelrod, é errada; e o terceiro congresso fará bem se a anular. Padece de imprecisão política na sua posição teórica e táctica, de casuística nas «condições» práticas que estipula. Confunde duas questões diferentes: 1) o desmascaramento dos traços «anti-revolucionários e anti-proletários» de qualquer tendência democrático-liberal e a obrigatoriedade da luta contra estes traços e 2) as condições em que são possíveis acordos temporários e particulares com qualquer destas tendências. Esta resolução não apresenta o que é necessário (análise do conteúdo de classe do liberalismo) e apresenta o que não é necessário (prescrição de «condições»). De maneira geral, num congresso do partido, é absurdo querer elaborar as «condições» concretas de acordos temporários quando ainda não se apresentou nenhum contratante determinado, sujeito desses possíveis acordos. E ainda que tal «sujeito» existisse, seria cem vezes mais racional deixar o cuidado de precisar as «condições» do acordo temporário aos organismos centrais do partido, como aliás fez o congresso com a «tendência» dos senhores socialistas-revolucionários (ver a modificação introduzida por Plekhánov no final da resolução do camarada Axelrod, pp. 362 e 15 das actas).
Quanto às objecções apresentadas pela «minoria» à resolução de Plekhánov, eis o único argumento que o camarada Mártov invocou: a resolução de Plekhánov «termina com uma conclusão mesquinha: é preciso desmascarar um literato. Não será “armar-se com um malho para abater uma mosca” ?» (p. 358). Este argumento, em que a ausência de ideias é dissimulada por uma expressão mordaz - «conclusão mesquinha» - dá-nos uma nova amostra da fraseologia pretensiosa. Primeiro, a resolução de Plekhánov fala em «desmascarar perante o proletariado a estreiteza e a insuficiência do movimento de emancipação da burguesia, sempre que essa estreiteza e insuficiência se manifestem». Por isso é a mais pura futilidade a afirmação do camarada Mártov (no congresso da Liga, p. 88 das actas) de que «toda a atenção se deve concentrar unicamente em Struve, num só liberal». Em segundo lugar, comparar o senhor Struve a uma «mosca», quando se trata da possibilidade de acordos temporários com os liberais russos, é sacrificar à mordacidade a mais elementar evidência política. Não, o senhor Struve não é uma mosca, é uma grandeza política; e se o é, não será porque pessoalmente seja uma figura muito destacada. A sua qualidade de grandeza política advém-lhe da sua posição, a sua posição de único representante do liberalismo russo, do liberalismo com certa organização e capacidade de actuar no mundo da clandestinidade. Por isso, falar dos liberais russos e da atitude do nosso partido para com eles sem ter em conta precisamente o senhor Struve, e precisamente a Osvobojdénie - é falar para não dizer nada. Ou tentará talvez o camarada Mártov indicar-nos mesmo que seja só uma «tendência liberal ou democrático-liberal» na Rússia que possa, no momento actual, mesmo de longe, comparar-se à tendência da Osvobojdénie? Seria curioso ver semelhante tentativa(20)!
«O nome de Struve nada significa para os operários», declarou o camarada Kostrov em apoio do camarada Mártov. Este é já, sem ofensa para os camaradas Kostrov e Mártov, um argumento à Akímov. Este é já um argumento como o do proletariado no genitivo(21).
Quais são os operários para quem «o nome de Struve não significa nada» (do mesmo modo que o da Osvobojdénie mencionado na resolução de Plekhánov ao lado do nome do senhor Struve)? São os operários que conhecem muitíssimo pouco ou não conhecem absolutamente nada das «tendências liberais e democrático-liberais» na Rússia. Perguntamos qual deve ser a atitude do congresso do nosso partido para com esses operários: deverá encarregar os membros do partido de dar a conhecer a esses operários a única tendência liberal definida existente na Rússia? ou deve calar um nome pouco conhecido dos operários precisamente em virtude da insuficiência dos seus conhecimentos políticos? Se o camarada Kostrov, depois de ter dado o primeiro passo na esteira do camarada Akímov, não quer dar o segundo passo, resolverá seguramente esta questão no primeiro sentido. E tendo-a resolvido no primeiro sentido, verá como o seu argumento era inconsistente. Em todo o caso, as palavras «Struve» e Osvobojdénie, na resolução de Plekhánov, podem dar aos operários muito mais do que as palavras «tendência liberal e democrático-liberal», na resolução de Starover.
No momento actual, o operário russo não pode tomar conhecimento na prática das tendências políticas mais ou menos francamente expressas do nosso liberalismo a não ser através da Osvobojdénie. A literatura liberal legal não serve neste caso porque é demasiado nebulosa. E nós devemos com o maior zelo (e perante massas operárias o mais vastas possíveis) dirigir a arma da nossa crítica contra os elementos da Osvobojdénie para que no momento da revolução futura o proletariado russo possa, com a verdadeira crítica das armas, paralisar as inevitáveis tentativas dos senhores da Osvobojdénie de cercear o carácter democrático da revolução.
À parte a «perplexidade», de que falei anteriormente, do camarada Egórov sobre o nosso «apoio» ao movimento de oposição e revolucionário, os debates sobre as resoluções não forneceram material interessante, e de resto quase não houve debates.
O congresso terminou com breves palavras do presidente recordando o carácter imperativo das decisões do congresso para todos os membros do partido.
Notas de rodapé:
(1) Ver a minha Carta à Redacção do «Iskra», p. 5, e as actas da Liga, p. 53. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(2) Trata-se de G. M. Krjijanóvski. (retornar ao texto)
(3) Ver p. 140 das actas, o discurso de Akímov: ...«dizem-me que das eleições para o OC falaremos no fim»; o discurso de Muraviov contra Akímov «que toma demasiado a peito a questão da futura redacção do OC» (p. 141); o discurso de Pavlóvitch declarando que, uma vez designado o órgão, tínhamos «materiais concretos com os quais podemos fazer as operações com que o camarada Akímov tanto se preocupa», e que, quanto à «submissão» do Iskra «às decisões do partido», não podia haver nisso nem sombra de dúvida (p. 142); o discurso de Trótski: «se não confirmarmos a redacção o que é que nós confirmamos no Iskra?... Não é o nome, mas a orientação... não é o nome, mas a bandeira» (p. 142); o discurso de Martínov: ... «Considero, como de resto muitos outros camaradas, que ao discutir o reconhecimento do Iskra como jornal duma certa tendência, como nosso Órgão Central, não devemos falar agora do modo de eleição ou de confirmação da sua redacção; falaremos disso mais tarde, no lugar correspondente da ordem do dia»... (p. 143). (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(4) Terminou o congresso sem que soubéssemos a que «fricções» o camarada Possadóvski se referia. Quanto ao camarada Muraviov, na mesma sessão (p. 322) pôs em dúvida que se tivesse interpretado fielmente o seu pensamento, e quando se retificavam as actas declarou francamente que «falara de fricções que tinha havido nos debates no congresso sobre diversas questões, de fricções de um carácter de princípio, cuja existência, infelizmente, é no momento actual um facto que ninguém negará» (p. 353). (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(5) Cf. o discurso do camarada Possadóvski:... «Ao escolher três membros entre os seis da antiga redacção, dizeis desse modo que os outros três são inúteis, supérfluos. E não tendes nem o direito nem motivos fundados para o fazer.» (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(6) O camarada Mártov, no seu Estado de Sítio, abordou esta questão do mesmo modo que todos os outros problemas por ele tratados. Não se deu ao trabalho de esboçar um quadro completo da discussão. Muito modestamente, rodeou a única verdadeira questão de princípio surgida nesta discussão: amabilidades filistinas ou eleição de funcionários? Ponto de vista de partido ou ressentimento dos Ivan Ivánovitch? Também aqui o camarada Mártov contentou-se em extrair passagens isoladas e desgarradas deste incidente, acrescentando toda a espécie de injúrias contra mim. É bem pouco, camarada Mártov!
O camarada Mártov insiste particularmente em perguntar-me a mim por que razão não se elegeu no congresso os camaradas Axelrod, Zassúlitch e Starover. O ponto de vista filistino por ele adoptado impede-o de ver como são indecorosas tais perguntas (porque não pergunta isso ao seu colega de redacção, o camarada Plekhánov?). No facto de eu considerar que «houve falta de tacto» na conduta da minoria no congresso quanto à questão do grupo de seis e exigir ao mesmo tempo que se informe disso o partido, vê Mártov uma contradição. Não há qualquer contradição nisto, como bem facilmente poderia dar-se conta o próprio Mártov, se se quisesse ter dado ao trabalho de fazer uma exposição coerente de todas as peripécias do problema, e não de fragmentos. Ter falta de tacto era pôr a questão do ponto de vista filistino, fazendo apelo à piedade e ao ressentimento; os interesses da publicidade de partido teriam exigido uma apreciação, quanto ao fundo, das vantagens do grupo de seis em comparação com o grupo de três, apreciação dos candidatos aos cargos, apreciação dos matizes: a minoria não disse sequer uma palavra acerca disto no congresso.
Estudando atentamente as actas, o camarada Mártov teria podido encontrar nos discursos dos delegados toda uma série de argumentos contra o grupo de seis. Eis alguns excertos desses discursos: primeiro, o antigo grupo de seis deixa perceber claramente algumas asperezas no sentido de matizes de princípio; segundo, seria desejável uma simplificação técnica do trabalho redactorial; terceiro, os interesses da causa passam por cima das amabilidades filistinas; só a eleição permitirá garantir que as pessoas escolhidas sejam adequadas aos cargos; quarto, não se pode limitar a liberdade de eleição pelo congresso; quinto, o partido agora não precisa apenas de um grupo de literatos no OC, o OC não precisa apenas de homens de letras, mas também de administradores; sexto, o OC deve dispor de pessoas perfeitamente determinadas, conhecidas do congresso; sétimo, um organismo formado por seis pessoas é muitas vezes incapaz de actuar, e o seu trabalho não se fez graças a estatutos anormais, mas a despeito deles; oitavo, dirigir um jornal é assunto do partido (e não dum círculo), etc. - Que o camarada Mártov tente, se se interessa tanto pelas causas da não eleição destas pessoas, compreender cada uma destas considerações e refutar nem que seja uma só delas. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(7) Foi assim que o camarada Sorókine, naquela mesma sessão, compreendeu as palavras do camarada Deutsch (cf. p. 324: «diálogo violento com Orlov»). O camarada Deutsch explica (p. 351) que «não disse nada semelhante», mas reconhece imediatamente que disse algo de muito, muito «semelhante». «Eu não disse: quem se decidirá - explica o camarada Deutsch -, mas: estou com curiosidade de ver quem se decidirá [(sic!) o camarada Deutsch corrige-se, indo de mal a pior!] a apoiar uma proposta tão criminosa (sic!) como a eleição do grupo de três» (p. 351). O camarada Deutsch não refutou, antes confirmou, as palavras do camarada Sorókine. O camarada Deutsch confirmou a censura deste último de que «todas as noções se baralharam aqui» (nos argumentos da minoria a favor do grupo de seis). O camarada Deustch confirmou a oportunidade da alusão do camarada Sorókine a esta verdade elementar de que «nós somos membros do partido e devemos agir guiados exclusivamente por considerações políticas». Gritar que as eleições foram criminosas é rebaixar-se não só a uma atitude filistina, mas francamente ao escandalozinho! (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(8) O camarada Mártov faz provavelmente alusão à expressão do camarada Possadóvski: «fricções». Repito que o camarada Possadóvski não explicou no entanto ao congresso onde ele queria chegar, e o camarada Muraviov, que usou a mesma expressão, explicou que falava de fricções de princípio que tinham surgido nos debates do congresso. Os leitores lembrar-se-ão que o único exemplo de verdadeiros debates de princípio, debates nos quais tinham participado quatro redactores (Plekhánov, Mártov, Axelrod e eu) se referia ao § l dos estatutos, e que os camaradas Mártov e Starover se queixaram por escrito da «falsa acusação de oportunismo» como um dos argumentos a favor da «alteração» da redacção. Nesta carta, o camarada Mártov descobria uma ligação clara do «oportunismo» com o plano de alteração da redacção, mas no congresso contentou-se em fazer uma vaga alusão a «certas fricções». A «falsa acusação de oportunismo» estava já esquecida! (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(9) O camarada Mártov acrescentou ainda: «Talvez Riazánov consentisse fazer esse papel, mas não o Mártov que conheceis, penso eu, pelo seu trabalho.» Como se tratava de um ataque pessoal contra Riazánov, o camarada Mártov retirou as suas palavras. Mas Riazánov figurou no congresso como tipo representativo, não por estas ou aquelas qualidades pessoais (seria deslocado falar delas), mas pela fisionomia política do grupo «Borba», pelos seus erros políticos. O camarada Mártov faz muito bem em retirar as ofensas pessoais, supostas ou reais, mas não se devem esquecer por isso os erros políticos que devem servir de lição ao partido. O grupo «Borba» foi acusado no nosso congresso de semear o «caos organizativo» e a «fragmentação que nenhuma consideração de princípio justificava» (p. 38, discurso do camarada Mártov). Tal conduta política merece seguramente ser censurada, não só quando a vemos manifestar-se num pequeno grupo antes do congresso do partido num período de caos geral, mas também quando a vemos depois do congresso do partido, quando se elimina o caos, mesmo quando a vemos da parte da «maioria da redacção do Iskra e da maioria do grupo “Emancipação do Trabalho”». (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(10) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, p. 305. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(11) No fim dos fins. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(12) Ver V. I. Lénine, Obras Completas, 5ª ed. em russo, t. 7, pp. 307-308. (N. Ed.) (retornar ao texto)
(13) Como se manifestaram no congresso a hesitação, a instabilidade e a imprecisão da minoria iskrista? Primeiro, no fraseado oportunista sobre o § l dos estatutos; segundo, na coligação com os camaradas Akímov e Líber, a qual se desenvolveu rapidamente na segunda metade do congresso; terceiro, na faculdade de rebaixar a questão da eleição dos funcionários para o OC a um nível filistino, a palavras mesquinhas e até à penetração na consciência alheia. E depois do congresso tão belas qualidades amadureceram, e os botões deram flores e frutos. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(14) Traduzo pelas palavras intelectual, intelectualidade, os termos alemães Literat, Literatentum, que englobam não só os literatos, mas todos os homens instruídos, das profissões liberais em geral, os trabalhadores intelectuais (brain worker, como dizem os ingleses), ao contrário dos trabalhadores manuais. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(15) É muito característico do confusionismo que os nossos martovistas provocaram em todos os problemas de organização o facto de que, depois de terem feito uma viragem para Akímov e para uma democracia deslocada, estão ao mesmo tempo irritados pela eleição democrática da redacção, eleição feita no congresso e de antemão prevista por todos. Será este também o vosso princípio, senhores? (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(16) Karl Kautsky, «Franz Mehring», Neue Zeit, XXII, I, S. 99-101, 1903, n° 4. (retornar ao texto)
(17) Ver pp. 337, 338, 340, 352, etc., das actas do congresso. (retornar ao texto)
(18) P. 342. Trata-se da eleição do quinto membro do Conselho. Foram entregues 24 boletins (44 votos ao todo), dos quais havia dois em branco. (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(19) Osvobojdénie (Libertação): revista quinzenal, que se publicou no estrangeiro de 18 de Junho (l de Julho) de 1902 a 5 (18) de Outubro de 1905 sob a direcção de P. B. Struve. A revista era um órgão da burguesia monárquico-liberal rusfa. Em 1903, em volta da revista formou-se (e em Janeiro de 1904 formalizou-se) a «União de Libertação», que existiu até Outubro de 1905. Os «osvobojdenistas» constituíram mais tarde o núcleo do Partido Democrata-Constitucionalista, que se formou em Outubro de 1905. (retornar ao texto)
(20) No congresso da Liga, o camarada Mártov aduziu ainda este argumento contra a resolução do camarada Plekhánov: «A principal objecção contra esta resolução, o principal defeito desta resolução, é que ela desconhece inteiramente o facto de que temos o dever de não nos furtarmos, na luta contra a autocracia, a uma aliança com os elementos democrático-liberais. O camarada Lénine teria chamado a tal tendência uma tendência martinoviana. Esta tendência manifesta-se já no novo Iskra» (p. 88).
Esta passagem é uma colecção de «pérolas» duma rara riqueza. 1) As palavras sobre a aliança com os liberais são uma completa embrulhada. Ninguém falou sequer de uma aliança, camarada Mártov, mas apenas de acordos provisórios ou particulares. São coisas muito diferentes. 2) Se na sua resolução Plekhánov não fala de uma «aliança» inacreditável e só fala, em geral, de «apoio», isso não é um defeito, mas um mérito da sua resolução. 3) O camarada Mártov não seria capaz de se dar ao trabalho de nos explicar o que caracteriza, em geral, as «tendências martinovianas»? Não vai dizer-nos qual é a relação destas tendências com o oportunismo? Não quererá ver a relação dessas tendências com o parágrafo primeiro dos estatutos? 4) Na verdade, estou a arder de impaciência para ouvir o camarada Mártov dizer como se manifestaram as «tendências martinovianas» no «novo» Iskra. Peco-lhe, camarada Mártov, livre-me o mais rapidamente possível dos tormentos da espera! (Nota do Autor) (retornar ao texto)
(21) V. I. Lénine tem em vista a intervenção no II Congresso do POSDR do «economista» V. P. Akímov, que, ao criticar o projecto do programa do partido proposto pelo Iskra, protestou contra o facto de a palavra «proletariado» figurar no programa não como sujeito, mas como complemento. Deste modo, na opinião de Akímov, se manifestaria a tendência de separar o partido dos interesses do proletariado. (retornar ao texto)