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Não conheço o texto original de Léon Denis que serviu de base a presente tradução de Wallace Leal Rodrigues e igualmente não encontrava motivo para esta análise que me foi solicitada por esse dedicado companheiro de doutrina. Aliás, suas observações e notas já haviam aumentado sobremaneira o volume em relação ao texto original e incluídos dados históricos e biográficos importantes sobre a matéria.
Vale observar, ainda, de inicio, que o trabalho de Léon Denis sobre “Socialismo e Espiritismo” foi redigido quando ainda não se conheciam os principais experimentos políticos originados com as teorias de Engels, Marx e Lenine, nem as distorções de conceitos e mesmo de conteúdo.
Mas, o primeiro destaque deve ser dado às diversificações do Socialismo, pois, deformado em sua análise e aplicação, tem servido de cobertura para estruturas de Estado que não correspondem à sua realidade doutrinária.
O Cristianismo tem sua base nos princípios socialistas, relativamente à forma de organização de sociedade.
Allan Kardec em OBRAS PÓSTUMAS, em “As Aristocracias”, analisa o processo de Socialização do Poder, em perfeita consonância com o que conste do 1° capítulo de A GÊNESE, com esta confissão tão próxima de Marx:
“Infelizmente, as religiões têm sido instrumento de dominação”.
O extraordinário criador de Sherlock Holmes, Arthur Conan Doyle, à página 51 de seu livro LA NOUVELLE REVÉLATION (Edições Payot, Paris, 1919), afirmava:
“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se as mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista ”.
Filho de operário, já aos 12 anos de idade trabalhava Léon Denis descolando folhas de cobre na Casa da Moeda de Bordeaux. Conta-se que muitas vezes seus dedos sangravam no contato áspero com o metal.
Essa origem operária ajudou a marcar o sentido social de sua vida, mesmo porque até a visão deficiente foi consequência do esforço noturno do estudo, já que trabalhava durante o dia.
Com raízes operárias e ele próprio trabalhando de dia para garantir os estudos de noite, pôde mais tarde dedicar-se ao movimento cooperativista e ao serviço beneficente do ensino.
Por isso mesmo não lhe foi difícil compreender, conforme expõe neste trabalho, que
“Socialismo e Espiritismo estão unidos por laços estreitos, visto que um oferece ao outro o que lhe falta a mais, isto é, o elemento de sabedoria, de justiça, de ponderação, as altas verdades e o nobre ideal sem o qual corre ele o risco de permanecer impotente ou de mergulhar na escuridão da anarquia.
E reforçou essa afirmativa acentuando que
“o socialismo poderá tornar-se uma das alavancas que levará a humanidade para destinos melhores”.
A procura de uma nova ordem social em que o homem não seja o lobo do homem, mas o seu Irmão, é o sonho de toda a humanidade.
Nenhum cidadão de sentimentos firmados nos princípios do Cristianismo pode aceitar, sem uma justa reação, as disparidades sociais e económicas que colocam fabulosas riquezas em geral mal ganhas e mal utilizadas, ao lado de agrupamentos de parias que não têm o mínimo para sobreviver.
Kardec em OBRAS PÓSTUMAS, no capítulo “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, como em O LIVRO DOS ESPÍRITOS, destaca:
“Risquem-se das leis e das instituições, das religiões e da educação, os últimos restos da barbárie e os privilégios; destruam-se por completo todas as causas que dão vida e desenvolvimento a estes eternos obstáculos do verdadeiro progresso e que, por assim dizer, aspiramos por todos os povos na atmosfera social, e então os homens compreenderão os deveres e benefícios da fraternidade, e a liberdade e igualdade se estabelecerão por si mesmas de qualquer forma".
Estava Kardec seguro de que chegaremos a essa fase de justiça social com liberdade e igualdade e ainda em OBRAS PÓSTUMAS pode orientar para que a alcancemos, afirmando:
“a aspiração do homem para uma ordem de coisas melhor que a atual é um indicio certo da possibilidade de que chegará a ela. Cabe, pois, aos homens amantes do progresso ativar esse movimento pelo estudo e a prática dos meios julgados mais eficazes”.
Essa compreensão das mudanças de estrutura e da própria ordem social está profundamente comprometida com o conteúdo da Doutrina Espírita que se baseia na justiça da reencarnação, mas que atribui ao ser humana a tarefa fraterna de auxiliar o irmão, procurando eliminar as diferenças através de uma prática social que permita ao homem auxiliar o semelhante necessitado com os bens que possua.
Os dogmas que envelheceram reclamam uma outra vivência e, por isso, a revolução que representou o Cristianismo, abalando os alicerces do poderio romano na palavra meiga do Nazareno tem o mesmo sentido da revolução que o Espiritismo prega, visando à destruição do egoísmo e levando os homens à convicção de que nada possuem de seu, pois que são meros depositários dos bens materiais e simples usufrutuários da riqueza. Desse depósito e desse usufruto haverão de dar conta na sucessividade das reencarnações.
Não havia violência na pregação de Jesus, embora Ele fosse claro e preciso com referência á riqueza, toda vez que lhe era propiciada uma oportunidade de manifestar-se.
E os apóstolos seguiram-lhe os passos.
A própria Igreja Católica procura atualizar-se socialmente, como se fizesse uma autocrítica na procura do Cristianismo primitivo. Tem, no entanto, dificuldades intransponíveis, porque a estrutura conservadora de muitos séculos é uma séria barreira ao encontro da via socialista para diminuir as desigualdades flagrantes e as injustiças sedimentadas pela ordem social vigente. A introdução da Encíclica Mater et Magistra seguiu a linha da Rerum Novarum e da Popularium Progresso. Já o Papa Pio XI denunciava como principal vicio do capitalismo liberal o divórcio entre a ordem econômico-social e a moral, embora não pudesse a Igreja passar da palavra à ação.
O problema não estava, apenas, porém, em diagnosticar as raízes da miséria e em condenar a voracidade do capitalismo, mas em procurar os caminhos para essa justiça social que foi banida do planeta. Ai, as dificuldades se acumularam e a Igreja não passava do diagnóstico...
A conversão cristã teria que vir com a revisão de Zaqueu, no encontro com Jesus, anulando as injustiças praticadas com a restituição dos bens e a dispensa dos privilégios que mantinha.
Enquanto a conversão de Zaqueu não se amplia com a repetição do gesto, a ordem estabelecida fica intocável e o comprometimento com as iniquidades sociais e com as estruturas sedimentadas, é reafirmado a cada momento.
Não foi uma advertência vã a de Jesus ao moço rico que pretendia segui-lo e ao qual recomendou que deixasse seus bens, nem a observação quanto ao óbolo da viúva que dera tão pouco e, no entanto fora à dádiva maior, porque enquanto outros ofertaram do que lhes sobrava, ela doara do que lhe fazia falta...
Não foi, também, sem razão que as lições se repetiram demonstrando que a riqueza deveria estar a serviço da comunidade de tal maneira que o mau uso da propriedade poderia significar maiores empecilhos para alcançar o Reino dos Céus.
“É mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” (Mateus 19.24).
No Deuteronômio (15,4) está o clamor para que não haja lugar para a pobreza; com a condenação dos lucros e juros, no Levitico (25, 35, 38) ou a condenação de exploração do homem (Levitico, 19:13). As lições do Cristianismo primitivo estão vivas, renascendo nos princípios da Doutrina Espírita que eclodiu praticamente com a Revolução Industrial na Europa.
A substituição de um sistema social por outro não foi à solução, porque o que se faz necessário é uma ordem social baseada na fraternidade e no amor ao semelhante.
As próprias nações ricas luxam a custa da miséria do denominado terceiro mundo, fornecedor de matérias primas, mergulhado num alarmante índice de mortalidade infantil, fornecendo uma mão de obra aviltada numa atmosfera de doenças, de miséria e de fome, onde o homem não se diferencia do animal no tratamento que recebe.
Por isso mesmo, Kardec pôde comparar as nações aos homens quando advertiu que se elas seguissem o preceito de não fazer às demais o que não desejassem que lhes fizessem, o mundo viveria sob o signo da paz e do progresso.
“Vencido o egoísmo, será mais fácil extirpar as outras paixões que corroem o coração humano”, lembra Léon Denis.
De fato, o nosso edifício social a ser construído pelo Socialismo, pode não excluir todas as iniquidades, porque a condição humana não é de perfeição, mas, sem dúvida, significará muito na edificação de uma sociedade menos injusta.
A constatação dessas iniquidades não é feita apenas pelos espíritas que pregam uma ordem social mais cristã.
Os documentos mais recentes da Igreja Católica (“Subsídios para Puebla”, Documento N° 13 - Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros, Edições Paulinas, 1978, pág. 8), são utilíssimos na constatação dessa realidade:
“Observa-se no continente latino-americano uma exacerbação do conflito opressores e oprimidos, devido a uma situação de gritante iniquidade social”.
A iníqua repartição das rendas vem propiciando um perigoso afrontamento das classes sociais.
A posse dos meios de produção concentra-se nas mãos de grupos poderosos ou do Estado, ao mesmo tempo em que se acelera a desnacionalização das economias nacionais, pelo domínio crescente das multinacionais.
A revolução que significa o Espiritismo é mais profunda, porque penetra as bases do comportamento humano e implica numa revisão de princípios morais, sem o que a revisão jurídica, econômica e social, não seria alcançada com eficácia.
Mas devemos compreender que o Socialismo não pode ser uma fórmula artificial que deva ser imposta ditatorialmente neste ou naquele país, neste ou naquele continente.
Partindo do fundamental, compreendendo o Socialismo como uma reação da coletividade contra o predomínio dos interesses individuais ou grupais, terá que admiti-lo com características próprias de cada comunidade, sob pena de copiarmos exemplos desajustados de cada uma das realidades nacionais.
Uma incursão pela história nos faz passar pelo socialismo de Platão, Thomas Morus, Campanella, Engels, Marx, Lenine, etc., mas as contradições que podem nos levar exatamente ao contrario do que se procura, estão nas limitações puramente econômicas das fórmulas e da análise.
O Espiritismo acrescenta um outro elemento ao Socialismo, distinguindo-o das outras fórmulas, embora reconheça que Platão não só aplicou o método psicológico para explicar o surgimento do Estado em razão das necessidades do homem, como advertiu dos riscos com a multiplicação dessas necessidades. Aí exatamente é que, nascendo o comércio e surgindo o dinheiro, o homem acostumou-se ao excesso e ao luxo e, com estes, adveio à ganância, complicando a estrutura primitiva do Estado. Em consequência, a pobreza e a riqueza teriam que conviver, guerreando-se através dos tempos. Lembra Platão que nessa altura a paz interior desaparece e
“até o menor Estado se divide em duas partes distintas: o Estado dos pobres, e o dos ricos que se digladiam”.
O Espiritismo embora compreenda e explique certos fenómenos sociais e económicos através da lei da reencarnação, tem que ser eminentemente revolucionário no sentido de reivindicar as mudanças da estrutura da sociedade, combatendo a concentração da riqueza e a ausência de fraternidade que significam a manutenção dos privilégios e dos excessos no uso dos bens.
Jesus, filho de artesãos, ensinando pelo próprio nascimento a grande lição evangélica dos simples e o amor pelos pobres, foi um revolucionário por excelência, mas não se transformou num caudilho a serviço de grupos ou partidos, porque sua missão transcendia as misérias do império romano e não podia por isso mesmo perder-se no labirinto das paixões políticas e das artimanhas da burocracia da administração.
A vida de Jesus e dos apóstolos ao lado da população cristã de Jerusalém era a demonstração prática e real dos ensinamentos que pregavam a fraternidade e a vida comunitária.
É evidente que os tempos são outros e que com o progresso técnico e cientifico, com a Revolução Industrial e as mudanças sensíveis na forma de vida e de convívio social, não se poderia reproduzir a mesma atmosfera e exigir, da comunidade atual que vivesse como os apóstolos.
No entanto, os princípios que fundamentavam aquela vida, ou seja, o sentido de cooperação e de auxilio, o amor pelos humildes e necessitados, a repartição dos bens com o semelhante, a predominância do sentimento sobre a ganância, do amor sobre o ódio, são imutáveis no correr dos séculos e marcam o verdadeiro sentido cristão da vida.
O Espiritismo não prega novidade quando realiza o chamamento à vida simples e fraterna.
Figuras inesquecíveis como São Vicente de Paulo e São Francisco de Assis, há séculos, são legendas desse amor cristão.
O fundador da Ordem dos Franciscanos era filho de um rico comerciante e, no entanto, ao invés de herdar-lhe os bens e a fartura, atendeu ao chamamento de uma “voz interior”, voltando-se para os pobres.
E São Vicente de Paulo teve sua biografia resumida numa frase que costumamos reproduzir pela beleza da comparação:
“Nele, como em certas plantas nas quais as flores nascem antes da folhagem, à caridade nasceu antes da razão”.
Como, no entanto, eliminar “as pragas da propriedade privada” de que falava Thomas Morus na UTOPIA?
Como continuidade histórica do Cristianismo, o Espiritismo no seu sentido evolucionista caminhou para o encontro com os ideais socialistas e não teve dúvida em afirmar através de Kardec que
“uma nova ordem de coisas tende a estabelecer- se, e os mesmos que a isso se opõem com mais empenho são exatamente os que mais o ajudam, sem sabê-lo"
Mas onde estariam estas pragas da propriedade privada?
Einstein, citado por Humberto Mariotti (O HOMEM E A SOCIEDADE NUMA nova civilização - Edicel, São Paulo, 1967), em afirmativa constante de artigo na revista ganche européenne, de Paris,, janeiro de 1957, apontava essas causas:
“A anarquia económica da sociedade capitalista, tal como existe hoje, constitui, a meu ver, a fonte real de todo o mal”.
E prosseguia Einstein:
“Por uma questão de clareza, chamará doravante por trabalhadores a todos aqueles que não compartilhem da propriedade dos meios de produção, ainda que isto não corresponda ao uso normal do termo”.
Para o Espiritismo, os bens são concedidos em custódia e o seu usufruto apresenta valores espirituais que são creditados aos que compreenderam que esses bens não lhes pertencem, sendo o homem mero instrumento no uso da propriedade a serviço do conjunto social.
Deve ter sido esse o fundamento de Cosme Marino para afirmar que “o Socialismo é um capitulo do Espiritismo” no seu livro El Concepto espiritista del Socialismo, editado em Buenos Aires em 1960 pela Editora Victor Hugo.
Outro não é, também, o objetivo de Humberto Mariotti no seu já citado volume o homem e a sociedade numa nova civilização.
O Socialismo deve “promover as reformas ousadas, acelerando a evolução para a transformação”, na expressão de Léon Blum, conceito que não se afasta daquele que entende que o cristão sincero e fiel às origens do Cristianismo tem que ser acessível à renovação social das transformações que nos levem a uma sociedade justa como preconizou o Divino Mestre.
Para isso é necessário coragem, renúncia e sinceridade de propósitos.
Jean Jaurès, nos seus Discours à ta jeunesse, de 1903, assim o reconhecia:
“coragem é ir ao Ideal e compreender o real.. . Éprocurar a verdade e dizê-la; é não seguir a lei da mentira triunfante, e não fazer da nossa alma, da nossa boca e das nossas mãos, eco dos aplausos imbecis e dos gritos fanáticos”.
Reconhecemos que o capitalismo envelheceu e que muitas foram às modificações por que passou a sociedade.
Assistimos ao surgimento do contrato trabalhista, eliminando o trabalho escravo, embora ainda vigente mesmo depois da abolição da escravatura; a redução das horas de trabalho, as férias, as licenças, o descanso semanal remunerado, etc.
Mas a sociedade capitalista, por sua vez, reagiu a essas conquistas e, assim, confiou à inteligência jurídica da época as medidas legais que lhe facultassem sobreviver e ai se instalou os trustes, as multinacionais, as sociedades anónimas, os títulos de crédito, a garantia fiduciária, as fortunas móveis. Que encontram tranquilo sono no segredo dos depósitos de bancos suíços. As falências que deixam os falidos mais ricos do que antes...
Essas adaptações de sobrevivência justificaram afirmações como estas de Walter Lippmann e Nicholas Murray Butler, respectivamente (Walter Lippmann, A CIDADE NOVA, 1938, págs. 32 e 329):
“O capitalismo moderno não teria podido se desenvolver se a sociedade por ações não existisse ”.
“As sociedades por ‘ações’ foi a maior descoberta dos tempos modernos, mais preciosa que a do vapor e da eletricidade”.
Um ponto, no entanto, é sempre colocado em debate quando se examina o tema que foi objeto do trabalho de Léon Denis — socialismo e espiritismo — o relativo ao materialismo histórico e à interpretação do conceito económico como fundamental e o da luta de classes como essência do marxismo.
Alemão de nascimento, Marx, após os estudos no Colégio de sua cidade natal, cursou as Universidades de Boom e Berlim indo em 1843 para Paris a fim de dedicar-se ao estudo do Socialismo com Arnold Ruge, em colaboração com o qual editou os deutch-französische Jahrbücher, onde publicou os primeiros estudos conhecidos depois como marxistas, particularmente, A critica da FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL.
O conceito materialista da história não se conjuga com a Doutrina Espírita e, nesse aspecto, as posições são inconciliáveis.
Convicto de que a economia política constituiu a base da sociedade capitalista e que a atividade intelectual não é senão reflexo da evolução económica Marx dedicou-se inteiramente ao estudo dessa matéria.
O conceito materialista da história, assim exclusivamente compreendido, iria constituir nunca irreconciliável divergência com o Socialismo que tosse capaz de conviver com o Espiritismo.
Estava Marx preocupado com o elemento revolucionário da história e não com a origem das coisas. Negava Marx valor à afirmação dos filósofos idealistas de que as transformações provinham, antes de tudo, do espírito ou da razão absoluta, porque entendia que elas tinham origem nas condições materiais da existência.
Parecia mais preocupado em localizar a realidade ou a verdade social, mas a falha de sua interpretação do homem está exatamente na exclusão do elemento moral e espiritual.
Mas essa divergência fundamental, não poderá invalidar todo um acervo de estudos de interpretação econômica da história que ele processou com dedicação e boa fé.
Basta aos espíritas e demais espiritualistas suprir essa falha de interpretação, incluindo a visão cristã dos fenómenos.
O combate ao marxismo, aliás, tem sido feito de maneira sectária, em geral tendo em vista apenas a preocupação de defesa dos dogmas de certos grupos religiosos ou de interesses de grupos econômicos ameaçados.
O marxismo trabalha os fatos, mas o certo é que expressou realidades sociais e econômicas, faltando-lhe embora o importante suporte do fenômeno espiritual que Allan Kardec pesquisou e definiu em sua importante obra de codificação da Doutrina dos Espíritos.
Sem o conhecimento do fenómeno espiritual, Marx repeliu a hipótese do mundo incorpóreo, assustado com os dogmas religiosos da época e o profundo comprometimento das religiões com as estruturas sociais e económicas, comprometimento que ele considerou fator de submissão económica e social do homem.
Considerava Marx o espiritualismo uma irrealídade e o responsabilizava pelo apoio aos regimes reacionários e conservadores.
Ignorou a essência revolucionária do Cristianismo e deixou de considerar que os erros estavam na sua distorção e não na sua essência original.
Jules Moch, em SOCIALISME VIVANT (Editora Robert Lafont, Paris, 1960), em um dos seus capítulos analisa a questão relativa ao materialismo histórico.
Aponta Jules Moch o materialismo clássico de certos filósofos, como irreconciliável com as doutrinas religiosas que distinguem a alma eterna do corpo perecível, visto que, segundo essa escola, a vida está indissoluvelmente ligada à matéria e, nesse caso, a alma só existe no corpo e pelo corpo.
Assim, sublinha que o materialismo histórico de Marx é a tese segundo a qual os fenómenos económicos constituem o substrato da vida dos grupos humanos, e são eles que a condicionam e que exercem uma influência dominante na evolução social, política ou moral dos homens, não tendo qualquer relação com o materialismo clássico.
E sublinha Jules Moch:
“Não devemos de resto levar a teoria do materialismo histórico às suas últimas consequências; seria absurdo reduzir toda a evolução das sociedades a considerações económicas, assim como negar a influência de outros fatores morais ou humanos”.
“O Socialismo moderno - prossegue - está longe de ser uma análise apenas económica. É muito mais do que isso, pois visa permitir ao homem a sua livre expansão em todos os campos, e libertar se de todas as opressões económicas, políticas e espirituais. É essencialmente uma revolta contra a injustiça, contra a ‘desumanízação’ do homem numa sociedade que repousa sobre o proveito sem trabalho, o apetite do ganho e do lucro. Em que será este protesto incompatível com uma crença filosófica ou religiosa? Antes pelo contrário: o socialismo e a religião não podem esbarrar um no outro, pelo simples fato de as suas zonas de ação não se sobreporem As religiões mesmo quando visam moralizar á vida, tendem essencialmente a dar ao homem uma esperança depois da morte; o Socialismo quer libertar a vida e não se preocupa nem com a origem nem com o destino final do homem”.
O livro de Léon Denis tem a virtude de reativar o debate em torno do Socialismo e do Espiritismo, permitindo a continuidade de uma análise que julgamos oportunas, especialmente agora quando o Partido Socialista, na França, elegendo o Presidente da grande nação latina, procura, sem a violência das revoluções pelas armas, as modificações viáveis para abrir caminho ao programa de socialização gradual, democraticamente, respeitada a estrutura pluripartidária.
O imposto sobre a fortuna - medida adota pelo governo socialista da França é já um passo importante na melhor distribuição da renda, fazendo utilizar o excesso da concentração de bens & capital em favor das camadas necessitadas e desassistidas.
Afinal, a natureza nos ensina como a essência da vida, nada nos cobrando pelo ar que respiramos, pela chuva que alimenta as lavouras e mantém os rios, pela luz que nos chega todos os dias, pelo calor que o sol distribui a todos, sem indagar de origem, condição social, económica e geográfica, exemplificando com a gratuidade de seus serviços e sem a procura de recompensa.
A lição da natureza dando o seu capital sem reivindicar lucros ou vantagens, proveitos ou benefícios, é uma é, legenda inscrita na consciência coletiva, reclamando do homem a exemplificação da fraternidade, que está na palavra do Divino Reformador quando aconselhou fazer ao semelhante o que desejamos que ele nos faça.
Freitas Nobre
Abril de 1982
Inclusão | 07/08/2018 |