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Prefácio à Edição Brasileira(1*)
Este trabalho foi preparado e escrito em circunstâncias particularmente adversas. Circunstâncias que limitaram os elementos de estudo e que obrigaram a fugir de considerar problemas, a calar idéias, a deformar a expressão delas, a riscar, a mutilar, a escrever menos do que pensávamos e pior do que sabíamos. Foi forçoso dar relevo a factos e números e apagar considerações teóricas; substituir, por vezes, a precisão e incisão da análise e as considerações próprias por uma forma descritiva e a abundância de citações; não ligar de uma forma viva os problemas económicos com os problemas políticos da actualidade.
Foi escrito com tais limitações. E também com a ideia de poder um dia ser publicado legalmente, mesmo com o visto da censura fascista. Tratava-se de aproveitar tristes e míseras possibilidades de trabalho e de "legalidade". Mas não se poderá dizer que só espíritos ensoberbecidos pelo receio de se mostrarem mais pobres do que cuidam ser podem recusar-se a aproveitar tais migalhas quando só delas dispõem?
As novas condições de nossa vida e as tarefas presentes se, por um lado, eliminam certas limitações, não concedem, por outro, o tempo necessário para refundir este estudo e actualizar os elementos estatísticos. Daí termos resolvido manter toda a sua estrutura e, além da introdução de alguns dados novos mais significativos numa nota final, fazer apenas uma rápida revisão para dar maior clareza à linguagem e tornar explícitas citações de escritores clássicos.
Talvez que, mesmo assim, o objectivo deste trabalho seja alcançado. Como se estudam nele leis e tendências gerais, a desactualização estatística de alguns anos não parece prejudicar a sua efectiva actualidade. Aliás, todos os elementos posteriores que conhecemos confirmam no essencial as teses defendidas. Lacunas graves são evidentes: ao corporativismo apenas se alude, apesar da sua extrema importância; não é dado relevo à natureza e papel das cooperativas; não são definidos objectivos, nem os termos da aliança do proletariado com os camponeses no momento presente. Se as condições o permitirem, pode ser que venhamos a tratar desses problemas num outro ensaio. Neste já o não podem ser.
Ao estudarmos o desenvolvimento do capitalismo na agricultura portuguesa (tema central deste ensaio), encontramos uma precisa confirmação das leis da evolução do capitalismo. Entretanto, esse mesmo estudo nos mostrou a cada passo os erros desconformes a que podem conduzir o esquematismo e o espírito dogmático. Guiamo-nos pela ideia de que nenhum defeito é mais grave num estudioso do que o apego teimoso a ideias feitas, contra a verdade dos factos, e nenhum cuidado mais necessário do que corrigir francamente pontos de vista, quando estes se mostram menos correctos. O estudo da realidade revela um sem-número de factos novos e imprevistos, às vezes desconcertantes. É necessário interpretá-los e explicá-los. Assim o fizemos na medida das nossas possibilidades, certos de não termos evitado faltas em assunto quase virgem para estudiosos portugueses, mas esperançados também em termos dado uma contribuição para o estudo da questão agrária em Portugal.
Fevereiro de 1966.
Álvaro Cunhal
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Notas:
(1*) A edição brasileira foi publicada com o título A Questão Agrária em Portugal, (Nota das Edições "Avante!".) (retornar ao texto)
Inclusão | 24/07/2006 |