Contribuição para o Estudo da Questão Agrária

Álvaro Cunhal

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Introdução


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1. Exploração capitalista que se agrava

Ao estudar a questão agrária em Portugal, numa época em que o fundamental dos dados estatísticos então existentes eram os do Inquérito Agrícola de 1952-1954, do Censo da População de 1950 e de outros censos e estatísticas anteriores, Álvaro Cunhal procedeu a uma muito vasta e aprofundada caracterização e demonstração das leis do desenvolvimento capitalista na sociedade rural portuguesa. Demonstrou também com abundância de números e de fundamentos teóricos os níveis de expansão capitalista já atingidos, diferenciando-os pelas várias regiões, tal como resulta aliás da lei do desenvolvimento desigual dos espaços económico-sociais. E enunciou ainda as linhas previsíveis da sua evolução futura, já então em fase de intensa progressão.

Na revisão do texto a que pôde proceder em meados da década de 60, mas em termos só muito abreviados, Álvaro Cunhal acrescentou alguns elementos mais recentes, os quais certificavam que as direcções essenciais da evolução capitalista não só se mantinham como se estavam a acentuar.

Actualmente existe uma maior e mais recente massa de dados, se bem que por vezes um tanto defeituosos e ainda aguardando um mais profundo tratamento. Com eles poderá verificar-se o extraordinário acento e penetração que tiveram as formas capitalistas de exploração na sociedade rural portuguesa durante os últimos vinte anos da época fascista, ou seja, até ao movimento revolucionário de 25 de Abril de 1974 e, em certos aspectos, também nos anos posteriores.

A análise do processo capitalista, segundo o método marxista, não se cinge a verificar se na sociedade capitalista em expansão o processo económico é retardado (e se inclusive retrocede) ou se, ao contrário, é impulsionado e em que medida.

Em qualquer caso, haja zonas de atraso económico ou existam áreas de progresso económico, as teses marxistas demonstram que esses atrasos e esses progressos beneficiam sempre e somente as classes burguesas exploradoras; e que prejudicam sempre e sempre mais as classes trabalhadoras. Assim sucede por força da acção das leis da exploração do homem pelo homem características da sociedade capitalista.

Por isso, no estudo da evolução do capitalismo na agricultura portuguesa não basta considerar apenas nem principalmente os indicadores do estado e da evolução das forças produtivas. É necessário considerar sobretudo os indicadores que põem a descoberto as relações de produção capitalistas, ou seja, as estruturas económicas e sociais pelas quais se exercem as múltiplas formas de opressão e exploração capitalista sobre as classes trabalhadoras da terra.

Não é possível, nem, é necessário, numa simples introdução a um já muito aprofundado texto de análise sobre a questão agrária em Portugal, retomar todas as suas sistemáticas linhas de observação e procurar dar-lhes as referências numéricas mais recentes. Essa poderá ser e urge que seja a tarefa de quem possa e saiba tomar o valioso testemunho adiantado por Álvaro Cunhal e apreender os métodos e as conclusões que permitirão seguramente projectar este livro numa série de outros, que proporcionem um bom uso, e em tempo mais oportuno, dos indicadores de situação à medida que vão sendo obtidos.

Nesta mera Introdução irá pôr-se em foco apenas alguns desses indicadores, que bastem à verificação de que as conclusões tiradas por Álvaro Cunhal neste livro, escrito quase todo na década de 50 e só agora editado em Portugal, vieram a ganhar mais importância e actualidade com o extraordinário agravamento das condições da exploração capitalista em Portugal nos últimos vinte anos.

A partir do princípio de 1950 regista-se uma certa intensificação do ritmo de entrada em uso de tractores e outro equipamento mecânico na Agricultura.

Continuam a ser muito deficientes as estatísticas a este respeito, mas em termos de grandeza genérica haverá suficiente aproximação se se disser que, em 1950, se andava na ordem dos 2000 tractores apenas para todo o País, porém concentrados sobretudo nas grandes propriedades do Sul. De ano para ano, o número de tractores foi subindo gradualmente, admitindo-se que se estivesse na ordem dos 40.000 em 1975, o que não é muito e tem várias agravantes, entre as quais se contam, além do alto custo de materiais e serviços de assistência, avultadas taxas de modelos antigos, de material demasiado gasto e em muito má situação quanto a recolha, conservação, manutenção e reparações.

No que toca a ceifeiras-debulhadoras, estava-se na ordem das 20 em 1950, chegando-se progressivamente a cerca de 4.000 em 1975, com problemas idênticos aos da generalidade do equipamento mecânico.

O Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente de 1968 veio realçar um tanto o atraso ainda existente na motorização dos trabalhos agrícolas. Para não alongar, colhem-se apenas duas breves imagens: 40 % das 313.775 explorações mais pequenas, as de menos de 1 ha., e 18,5 % das 313.855 que se situavam no escalão 1 ha. a 4 ha. não dispunham de outro recurso senão a força humana de trabalho: e isto representa cavar a terra a pulso; puxar o arado aos ombros, por falta de um mínimo de posses para comprar e sustentar não já um tractor ou um moto-cultivador, mas uma só vaca ou uma muar; puxar também a nora ou a picota a pulso ou a pé, por total carência de meios para adquirir um pequeno motor.

Enquanto recusavam ajuda aos pequenos agricultores para se equiparem, os senhores do Estado fascista concediam por ano aos grandes agrários centenas de milhares de contos em subsídios para compra de grandes máquinas e bónus no preço do gasóleo.

Pelos elementos do Inquérito Agrícola de 1968 vê-se que era nas maiores explorações que se concentrava mais e melhor equipamento, e é esta circunstância que favorece grandemente a redução dos custos de produção na grande empresa e o processo de ruína e expropriação das mais pequenas explorações pelos grandes agrários e financeiros.

Ainda no capítulo da energia, o Inquérito de 1968 revela atrasos enormes na utilização de electricidade, em especial como força motriz, mas até simplesmente para iluminação: das 811.656 explorações recenseadas, apenas 98.161, ou seja 12,2 %, declararam utilizar energia eléctrica!

Claro que a situação era ainda pior em 1950, mas ainda hoje os confrontos que se façam com os países europeus em matéria de equipamento mecânico e uso de electricidade, dois dos meios de produção de maior capacidade de impulso no processo económico, deixam-nos no fundo de todas as escalas do desenvolvimento.

O mesmo poderá ser observado, até certo ponto, pelo Inquérito de 1968, no que respeita a outro equipamento das explorações: pequenas e grandes obras de represamento ou captação de águas; aposentos para animais; oficinas mecânicas; adegas, lagares, moagens, queijarias e outras oficinas tecnológicas; armazéns para máquinas e produtos; silos, nitreiras, etc.

Nalguns casos, instalações destas foram abandonadas e estão em ruínas nas quintas e herdades pela concorrência mortal e concentração capitalista em complexos industriais de vinhos, moagens, lacticínios, salsicharia, etc.

Na generalidade dos casos é a persistente falta de iniciativa dos agrários que deixa as águas perderem-se quando chove e faltarem no resto do ano; que mantém ao relento, sem qualquer coberto, grande parte das máquinas e dos gados; que não aproveita os subprodutos da exploração para rações nem faz forragens cultivadas, nem usa o sistema dos silos; que abandona as poucas nitreiras e os sistemas de estrumação, criando desequilíbrios graves com adubação mineral estreme.

De todo o modo, eram ainda as explorações de maior escalão que concentravam a maior massa de instalações destas: nos perímetros de rega, realizados sobretudo com dinheiros do Estado, nas oficinas e armazéns vários, nas instalações pecuárias, nas instalações fabris e outras, também em grande parte subsidiadas com dinheiros públicos.

O progresso técnico capitalista é, aliás, especialmente notável no sector industrial adjacente ao sector agrário: ou seja, as riquíssimas fontes de lucro que são as indústrias de produtos originários da Agricultura ou que a ela se destinam. Nos últimos vinte anos do fascismo criaram-se algumas desenvolvidas fábricas de vinhos e derivados, cervejas e refrigerantes, de azeite, de moagem, descasque de arroz, conservas de tomate e carnes, lacticínios, cortiça, celulose, etc. Do mesmo modo progrediu mais a fabricação de adubos e rações, de certos tipos de máquinas agrícolas, de materiais de construção, etc.

A título de exemplo refere-se que a produção de alimentos preparados para animais cresceu na média continental, de modo progressivo, de 181.394 contos em 1960 para 2.328.600 contos em 1969, a preços correntes. Mas deve sublinhar-se que para essas fabricações há recurso sistemático a milho, soja e outros produtos americanos e de outros países estrangeiros, quando essas dispendiosas importações podem ser substituídas pelo acréscimo das produções nacionais e desde logo pelo cessar do criminoso desperdício de grandes massas de matérias-primas portuguesas: subprodutos do descaque de arroz e das indústrias de carnes, conservas, óleos, etc.

Menciona-se também o desenvolvimento da fabricação de adubos, que de 1960 para 1969 passou dos 790.949 contos para 2.647.859 contos, por avanços anuais sucessivos, em valores globais do Continente, a preços correntes.

O progresso principal consistiu em fabricar mais cá do que importar, com vantagens sobretudo para os fabricantes capitalistas, pois que os consumos de adubos em Portugal persistem em muito baixo nível na relação com as escalas dos países europeus: 30 kg/ha. de superfície agrícola útil, em 1963-1964, contra 255,6 kg/ha. na Bélgica, 242 kg/ha. na Holanda e assim por diante.

De assinalar que às adubações químicas se acrescentam, em países mais desenvolvidos, fortes incorporações de matéria orgânica, largo uso de rotações com culturas melhoradoras e outras técnicas modernas que ainda mais nos têm feito atrasar nos índices de produtividade.

Como se pode comprovar, esses progressos não nos fizeram recuperar os grandes atrasos em que estávamos e estamos na escala europeia e não se realizaram em benefício das classes populares: processaram-se com escandalosas protecções, ajudas e lucros somente em proveito de uma minoria cada vez mais reduzida, sobre a ruína de milhares de pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais e uma crescente exploração dos trabalhadores.

Continuando a pôr em foco mais directamente as condições de produção agrária, convirá ainda notar certas outras evoluções, pela sua importância.

Os planos de florestação do País persistem gravemente atrasados, deixando centenas de milhares de hectares de regiões serranas ano após ano sujeitos a intensa erosão e o clima geral do País afectado por novas degradações, além de que essas centenas de milhares de hectares de terras abandonadas, sem floresta, sem pastos, sem nada, continuam a nada ou pouco produzir, tendo impelido à própria fuga das populações.

De resto, a este respeito de abandono de terras, os últimos anos do fascismo trouxeram um notável retrocesso, com entrega até de boas terras de trigo a coutadas de caça e extensas terras de várzea a gado bravo, a floresta de choupos e eucaliptos, quando não a juncais ou canaviais espontâneos.

Não se irá efectuar aqui um circunstanciado confronto de números que dessem medidas de avanço ou recuo nas produções globais e por hectare no trigo, na cevada e noutros cereais, nas oleaginosas, frutas, legumes, assim como nos efectivos pecuários e respectivas produções e ainda nos diversos produtos florestais.

Aqui cabe melhor utilizar um indicador geral de situação quanto aos níveis da produção agrária no seu conjunto e das suas principais componentes: o denominado Produto Agrícola Bruto (PAB), em que se reúne ano a ano a estimativa do valor global das várias produções agrícolas, pecuárias e florestais.

Há duas estimativas oficiais, do próprio INE: uma feita a preços correntes e outra efectuada a preços constantes de 1963. A primeira é muito influenciada pela forte desvalorização real da moeda. A estimativa a preços constantes possibilita uma impressão mais aproximada da evolução real das produções.

Diversas publicações do INE contêm as séries de apuramentos efectuados por aquele departamento oficial, quanto ao Produto Agrícola Bruto, séries essas que começam em 1953 e vêm até 1913, inclusive, estando também publicados nas Estatísticas Agrícolas de 1974 uns apuramentos provisórios para 1974. As séries retrospectivas de 1953 a 1969 estão publicadas no n.º 1 de Estatísticas Económicas — Agricultura, Pecuária e Silvicultura, 1971, do INE. As séries seguintes vêm nas Estatísticas Agrícolas dos últimos anos.

Os quadros que contêm essas séries de números são já muito grandes, pelo que não é adequado reproduzi-los aqui. Por outro lado, é útil partir dos valores absolutos da produção e calcular as variações em relação ao ano anterior e ao primeiro ano das séries: 1953.

Estes quadros mais desenvolvidos, que se não apresentam aqui, são todavia significativos pela eloquência com que revelam a grave instabilidade das nossas produções agrárias. E não é só nem principalmente pela decantada variabilidade do clima: outros países europeus têm-no em piores circunstâncias. E em piores condições naturais, de clima e de terras, produzem cada vez mais e mais regularmente. Mesmo as plantas que em Portugal têm o melhor ambiente natural para a produção, como são a oliveira, a vinha, o sobro, o pinheiro e muitas outras, apresentam produções sempre altamente oscilantes. O que principalmente faz variar tanto as produções da terra em Portugal é serem elas dominadas e reguladas pela lei da procura do lucro máximo e outras regras do comportamento quotidiano de grandes potentados capitalistas, com crescente domínio em vários sectores económicos (até às nacionalizações efectuadas em 1975), domínio que em numerosos casos ainda prossegue.

Para dar só uma abreviada idéia da excepcional insegurança da produção agrária nacional, citam-se uns breves exemplos colhidos nos quadros que se vêm referindo:

— No agrupamento "Produtos Vegetais", que inclui Cereais, Tubérculos, Produtos Hortícolas, Frutas, Vinhos, Azeite e Outros, o valor global da produção em 1973 é inferior ao apresentado vinte anos antes, em 1953! Por outro lado, nesses vinte anos há 12 descidas de produção em relação ao ano anterior e 8 subidas, chegando estas oscilações a ir de - 24,5 % a +35,2 %. Os anos de grande quebra sucedem-se aos de alta, e vice-versa. Sendo a média assim tão variável, a situação agrava-se ainda em certas produções básicas, como é o caso dos Cereais e do Azeite, em que as alternâncias se tornaram fenómeno corrente e esperado, se bem que atribuído a causas fortuitas, do clima e outras, para tentar encobrir e proteger os verdadeiros responsáveis.

— No conjunto "Produtos Animais", que engloba Carnes, Leite, Ovos, Lã e Outros, há uma menos deficiente progressão, mas mesmo assim estava-se, em 1973, com apenas +11,6% de produto global relativamente à produção de vinte anos atrás. Neste já longo intervalo de tempo também o valor médio anual destas produções andou para baixo e para cima, em anos contíguos, chegando a subir num ano para +19% em relação ao ano anterior e descendo noutro para –25,8 %.

— No grupo da "Produção Florestal e Caça" há uma ainda mais acentuada tendência para o crescimento da produção, mas sem desaparecer o carácter anárquico, oscilante, registado nos outros sectores produtivos, carácter esse originado sempre e sobretudo, repete-se, pelas condições da exploração capitalista. Em vinte anos registam-se 9 descidas do produto global e 11 subidas, com amplitude variável, mas que chega a ir para +25,5% que no ano antecedente ou para -18,3%, como revela a estimativa para 1974. Neste último caso, algo que tem muito a ver com o 25 de Abril e o boicote capitalista interno e internacional à Revolução em Portugal.

— Em consequência destas flutuações nos três conjuntos que o constituem, o Produto Agrícola Bruto global do Continente não tem verdadeiramente área de produção em que assente um progresso continuado e firme. Até 1974 ainda era tudo área de acção capitalista.

Desde 1975 começa a haver uma área de controlo dos que trabalham e logo nos primeiros tempos são os trabalhadores a dar provas, tanto nos campos como nas fábricas sob a sua orientação, de que a produção pode progredir muito, mesmo enfrentando actos da mais grave sabotagem económica, como sejam: saque de grandes somas em dinheiro, de gados, máquinas e matérias-primas, recusas de crédito, incêndios, etc.

Os indicadores do INE dão o PAB total no continente com um acréscimo de 13,7% apenas em relação a 1953, registando-se no intervalo 9 descidas e 11 subidas intercaladas, chegando de um ano para outro (1966-1967) a passar de -10,6% para + 10,5%.

O facto de haver produções em 1973 que são pouco maiores ou até inferiores às de 20 anos atrás já revela as graves insuficiências e defeitos do processo produtivo agrário em Portugal. Mas o simples confronto ano a ano não é bastante e pode até induzir noções gerais defeituosas.

Por isso, organizou-se o Quadro I, no qual se procura trabalhar com números médios anuais por decénio, o que permite estabelecer mais seguras bases para aferir já não a instabilidade das produções mas o nível dos avanços ou recuos nos seus termos mais gerais.

As séries facultadas pelo INE tornam possível estabelecer já as médias decenais do PAB e das suas componentes para dois decénios: 1953-1962 e 1963-.1972.

QUADRO I - PRODUTO AGRÍCOLA BRUTO
(A preços constantes de 1963)
Rubricas Decênio
1953-1962
Decênio
1963-1972
Variação
(em %)
Valor médio
anual
Unidade:
1000 contos
Valor médio
anual
Unidade:
1000 contos
Agricultura e pecuária 13.499 14.746 + 9,2
1. Produtos Vegetais 8.417 8.717 + 3,6
Cereais 2.432 2.208 - 9,2
Legumes e tubérculos 1.107 1.188 + 7,3
Vinhos e aguardentes 1.781 1.854 + 4,1
Azeite e azeitonas 1.019 785 - 23,0
Frutas 994 1.346 + 35,4
Produtos hortícolas 781 852 + 9,1
Outros 303 484 + 59,7
2. Produtos animais 5.082 6.029 + 18,6
Carne 3.318 3.965 + 19,5
Leite 985 1.166 + 18,4
Ovos 459 557 + 21,4
287 305 +  6,3
Outros 33 36 + 9,1
Silvicultura e Caça 2.364 2.783 + 17,7
Material lenhoso 1.358 1.627 + 19,8
Cortiça 652 695 + 6,6
Resina e cascas tanantes 209 306 + 46,4
Outros 145 155 + 6,9
Total 15.863 17.529 + 10,5
Fonte: I. N. E. — Estatísticas Económicas, N.º 1, 1971
e Estatísticas Agrícolas de 1972 em diante. 

Ressaltam deste Quadro múltiplas questões importantes, entre as quais se anotam as seguintes:

— Graves tendências para a baixa de produção em 2 sectores nevrálgicos: Cereais, — 9,2% na média do decénio 1963-1972 relativamente a 1953-1962; e Azeite e Azeitonas, –23,0%,

— Nítida tendência para a estagnação, em termos de produção global e absoluta (e sem análise circunstanciada das especialidades, o que é importante) noutras áreas essenciais: Vinhos, Tubérculos e Produtos Hortícolas, do conjunto "Produtos Vegetais", Lã e Outros, em "Produtos Animais", Cortiça e Outros, em "Produtos Florestais". Taxas de avanço inferiores a 1% ao ano em termos de relação com os acréscimos de população, com as respectivas necessidades primárias e as necessidades gerais da economia nacional são, em última análise, retrocessos também.

— Índices de certa progressão em diversas produções. Mas mesmo quando se atingem os 35,4% (Frutas), 46,4% (Resinas), etc., há que não considerar esses acréscimos de mais elevada taxa como qualquer coisa excepcional, já que se parte de um tão profundo atraso, de um ponto tão baixo em níveis de produção e se está a considerar o espaço largo que é o decénio, e não o ano ou o quinquénio. Quanto mais baixo é o ponto de partida mais urgentes têm de ser os grandes saltos.

Vem a propósito disto referir que a média anual da Produção Agrícola Total em Portugal no triénio 1961-1963 subiu apenas 9% em relação à média anual do triénio 1952-1954, enquanto na Jugoslávia se alteou em 56,4% e na Grécia 54,8% (OCDE — "Projections Agricoles pour 1975 et 1985", 1968). Já então Portugal elevava a sua produção agrícola global a um ritmo seis vezes mais lento que o registado em países com ainda acentuados retardamentos.

O Quadro I, que fornece os valores médios anuais do Produto Agrícola Bruto do continente nos últimos dois decénios, a preços de 1963, segundo estimativas oficiais do INE, mostra um produto anual médio no decénio de 1963-1972, no sector agrário, ao nível dos 17.529 milhares de contos, traduzindo uma subida de apenas 10,5% em relação à média anual do decénio anterior.

Por outro lado, aqueles menos de 18 milhões de contos do PAB, a preços constantes de 1963, são uma real pobreza num País como o nosso, com fraco desenvolvimento industrial e cuja população no Continente anda pelos 8 milhões e meio de habitantes: portanto, se se repartisse esse produto igualitariamente, caberia a miséria de 2 contos por ano e por cabeça! Mas em sistema capitalista a partilha não é assim: há uma reduzida minoria de privilegiados que não chamam, a si nenhuma parte de miséria, ou de austeridade mínima que seja; os que trabalham e produzem toda a riqueza ficam com uma miséria mais reduzida que as médias estatísticas, e uns centos de ricas famílias, exactamente as que originam essas duras privações para os trabalhadores, juntam e levam do País aos milhões de contos, e passam, aqui e sobretudo no estrangeiro, uma vida de afrontoso folguedo e esbanjamento.

Tão diminuta é a produção nacional de alimentos e outros produtos da Agricultura que se vem, ano a ano, a aumentar inquietantemente a importação de produtos agrícolas, enquanto terras imensas ficam incultas e centenas de milhares de braços sem trabalho.

Importar também ê negócio, com que vêm engordando sempre mais os já muito ricos especuladores, que dominam os circuitos comerciais de importação e também os de exportação.

Aliás, foi prática muito corrente do sistema capitalista antes do 25 de Abril importar batata, carnes, milho e outros cereais, etc., precisamente quando os pequenos e médios agricultores de norte a sul do País estavam com aflitiva necessidade de vender. Foi esse mais um cruel processo largamente utilizado pelo grande capital e pelo Estado fascista ao seu serviço para arruinar e liquidar o campesinato pobre, arrebatando-lhe os produtos a baixo preço e finalmente as terras e outros bens, em especial por hipotecas e outros empréstimos a juros usurários.

A gravidade do peso crescente das importações sobre a economia nacional no seu conjunto pode ficar evidenciada por alguns confrontos que se façam.

Nas Estatísticas Agrícolas, do INE, encontram-se já volumosos dados, embora com deficiências várias, para estudos de certa profundidade nesta matéria, os quais estão em geral ainda por fazer.

Em linhas muito genéricas, podem verificar-se, entre outras, as seguintes relações;

— A importação de produtos da Agricultura para o Continente tem crescido, de modo quase regular e em ritmo acelerado, de tal maneira que entre 1955 e 197%, ou seja em dois decénios, aumentou em cerca de nove vezes no valor em contos, a preços correntes. O aumento em peso ou volume é também muito grande, embora na ordem das três a quatro vezes.

— Ora, nem o conjunto das exportações do Continente de produtos também originários da Agricultura já compensa essas crescentes importações. Na verdade, ainda até cerca de 1960, o valor global da exportação de tais produtos era em geral superior ao da importação; enquanto depois dessa época o valor exportado vem diminuindo em relação ao importado em ritmo tal que para 1974 já se situava apenas na ordem de pouco mais que metade. Esta é mais uma comprovação de que o processo produtivo agrícola perde ritmo de forma muito grave. E esta gravidade é tanto maior quanto o aumento de ritmo em Portugal exige equipamento mecânico e outro, que pelo menos numa primeira fase tem de ser em grande parte importado. Assim decorre outra muito séria consequência dessa quebra das exportações de produtos da Agricultura relativamente às importações originárias do correspondente sector: para se equipararem, nas primeiras fases do seu desenvolvimento, os países retardados necessitam comprar equipamentos agrícolas e industriais com o valor da venda de produtos da Agricultura. Enquanto preponderar em Portugal a exploração capitalista dificilmente se contém a grave deterioração da nossa economia agrária e geral também nestes aspectos.

Porém, a situação económica está ainda em curso de agravamento por outros aspectos.

— O Produto Agrícola Bruto, que para estes confrontos precisa agora ser considerado a preços correntes (e não a preços constantes, por não se dispor de estimativas de importação na mesma base), entre 1955 e 1974 cresceu apenas de cerca de três vezes e a exportação de produtos da Agricultura anda na mesma ordem de elevação, enquanto a importação de produtos desses aumentou em cerca de nove vezes, ou seja, o triplo do aumento do PAB, tudo no mesmo período. De modo que em 1955 essa importação representava pouco mais do que a quinta parte do PAB e em 1974 já foi bem mais que metade do valor do PAB.

Outras correlações importa fazer, por exemplo com a evolução do conjunto populacional do Continente, com as necessidades crescentes do consumo interno, etc. Obter-se-ão desfasamentos de montante agravado, sempre reveladores de um retardamento generalizado da nossa Agricultura, por força da intensificação dos processos exploradores do capitalismo.

A solução lógica para estes e outros problemas é intensificar a cultura das terras e a criação de animais, o que em Portugal está ainda por fazer em grande medida. E para isso é preciso também ampliar a produção fabril, expandir os serviços de ensino, de assistência técnica, de saúde, etc., etc. Tudo isto melhora as condições de emprego e de vida dos trabalhadores. Não convém aos capitalistas, mas interessa vitalmente aos trabalhadores. Por isso, assim fizeram os trabalhadores na generalidade dos países socialistas, e em pouco tempo se acabou ali, de vez, com o desemprego.

Em Portugal, os últimos decénios da época fascista, em especial desde 1950 e até às imediações do 25 de Abril de 1974, foram caracterizados por um extraordinário incremento do desemprego nos assalariados e no campesinato pobre submetido a intensa proletarização.

A "grande solução" encontrada por Salazar, Marcelo Caetano e outros ministros fascistas foi fazer dos trabalhadores portugueses a principal mercadoria de exportação: primeiro para as Américas e para África, depois para a Europa; enfim, para onde quer que houvesse capitalistas sedentos de esburgar até aos ossos a energia de trabalhadores da nossa Pátria, aqui tão necessários ao progresso do País. De tal modo foi a sangria, sobretudo nos últimos anos do fascismo, que Portugal ficou sem grande parte dos mais válidos trabalhadores (estimada em cerca de um terço), com uma população activa agrícola e não agrícola de enorme peso de velhos e crianças e de trabalhadores não especializados, o que se tornou novo e gravíssimo factor de atraso e de exploração económica.

Com o 25 de Abril, o fim das guerras colonialistas (que também faziam sair do País centenas de milhares de jovens, como desertores ou como soldados, muitos dos quais vieram estropiados e muitos outros foram mortos) e o crescer da crise capitalista na Europa ocidental foi estancada significativamente a torrente emigratória. E com a ampla luta dos trabalhadores melhoraram inicialmente as condições de trabalho.

Mas a aberta ou encapotada política de defesa do capitalismo praticada por sociais-democratas declarados ou de máscara "socialista", a par da sabotagem económica sistemática das forças mais reaccionárias, de novo fazem agravar os problemas do desemprego.

E, uma vez mais, esses ministros sociais-democratas pensam e já falam abertamente na "grande solução" que é o fomento da emigração: o grande negócio que é exportar força de trabalho para exploração de quaisquer capitalistas venezuelanos ou americanos na Venezuela, no Brasil ou na Argentina já que do capitalismo europeu, a braços com a crise, é sempre de recear a expulsão das centenas de milhares de trabalhadores portugueses que lá têm sido explorados em condições muitas vezes infernais, sob governos mais ou menos sociais-democratas.

A cruel exploração de emigrantes não é apenas rico negócio para capitalistas americanos, germânicos, franceses, ingleses e outros, onde quer que tenham montado o seu aparelho explorador. As respectivas remessas já eram salvação para apertos financeiros do fascismo e fundos apetecidos para o saque de milhões de contos ao ano, com que se aviaram conhecidos senhores da banca, da especulação turística e variados outros, incluindo grandes agrários, já antes do 25 de Abril, à medida que se precipitava a queda do fascismo e da exploração colonial.

Após o 25 de Abril, por processos os mais diversos, descarados ou encobertos, os grandes possuidores de acções e terras nacionalizadas continuam a indemnizar-se bem, levando para fora do País, e designadamente do sector agrário, capitais enormes. Esta autêntica rapina está a ser um dos mais graves aspectos do processo económico em Portugal nos últimos tempos. Quanto mais tempo e outras possibilidades tiverem os capitalistas para o saque mais difícil será aos trabalhadores portugueses, a todos os trabalhadores, qualquer que seja a sua profissão ou convicção política ou crença religiosa, recuperar o País em seu benefício, o que só poderá ocorrer com o fim do capitalismo e a implantação do socialismo.

Sublinhou-se já atrás — e isto mesmo é questão essencial debatida insistentemente ao longo deste livro de Álvaro Cunhal — que a análise marxista dos diferentes tipos de sociedade não se limita a considerar apenas o estado e a evolução das forças produtivas: ponto fundamental é observar também e sobretudo as relações que se estabelecem entre os homens no processo produtivo, ou seja, em suma, as relações de produção. E entre estas têm grande destaque as formas de exploração exercidas por certas classes sociais sobre as classes trabalhadoras, nos tipos de sociedade em que tem havido desdobramento social em classes antagónicas, as exploradoras e as exploradas, divisão e exploração estas assentes basicamente na apropriação privada da terra e dos meios de produção pelas classes que exploram a força de trabalho de grandes massas de outros seres humanos.

Na parte antecedente deste ponto 1 da Introdução procurou-se inserir alguns breves apontamentos de apreciável significado quanto aos atrasos e avanços do conjunto das forças produtivas na sociedade rural portuguesa, originados nos últimos decénios pelo crescente avanço das formas capitalistas de exploração no processo produtivo e social agrário em Portugal.

Esse progresso e refinamento das estruturas capitalistas de exploração e opressão foram muito acentuados nos últimos tempos do fascismo.

Apoiando-se na análise concreta da realidade portuguesa da primeira metade deste século, Álvaro Cunhal insiste na questão basilar de que aquela já então indubitável e muito nitida tendência para o predomínio das estruturas capitalistas não representa só progresso: mesmo quando se trata de analisar se há (ou não) avanço da economia; e já se viu que o capitalismo promove desenvolvimentos e também contenções ou até retrocessos, seja na massa de meios de produção existentes ou das produções conseguidas, seja nos efectivos de força humana de trabalho, seja ao nível do uso da ciência e da técnica da produção; em síntese, origina avanços, retardamentos e até passos atrás no conjunto das forças produtivas. Mas, além disso, ê de importância primordial verificar quem tira proveito desses avanços e atrasos, É a conclusão concreta e lógica é que são cada vez mais as classes exploradoras as únicas beneficiadas, em última análise, existam recuos ou haja progressos económicos, enquanto existir preponderância da exploração capitalista e esse domínio tenha acento. Esta exploração, diga-se de passagem, sofreu um forte abalo nos dois primeiros anos já decorridos após o 25 de Abril de 1974.

Postos já em foco alguns aspectos mais recentes dos progressos ou retardamentos do processo económico que decorreu no sector agrário nacional até à queda do fascismo, nesse ano de 1974, interessa agora adiantar um certo número de referências concretas à evolução das estruturas económico-sociais agrárias depois da década de 50.

Parte fundamental das transformações verificadas resulta da acção, cada vez mais aguda, na sociedade rural portuguesa, da conhecida lei da concentração capitalista.

As muito variadas formas de exploração capitalista conduziram até 1974 a intensa e crescente acumulação da terra e dos meios de produção na propriedade privada de um número cada vez mais diminuto de ricas famílias.

Existem múltiplas provas desse fenómeno, característico da expansão capitalista.

O Inquérito Agrícola realizado em 1968 pelo INE referenciou a seguinte situação ao nível geral do Continente:

Quadro II
Classificação das Explorações Agrícola Segundo os Escalões de Área Total
Escalões
de área total
(ha.)
Número de explorações Área total (ha)
Por
escalão
%
Sobre
total
continente
Por
escalão
%
Sobre
total
continente
menos de 1 ha 316.627 39,0 124.887 2,5
menos de 4 ha 631.482 77,8 742.516 14,9
menos de 20 ha. 784.707 96,7 1.924.147 38,7
entre 20 –200 ha 24.312 3,0 1.083.757 21,8
mais de 200 ha. 2.637 0,3 1.966.253 39,5
mais de 500 ha 1.140 0,14 1.508.566 30,3
mais de 1.000 ha 488 0,06 1.065.800 21,4
Continente 811.656 - 4.974.157 -
Fonte: I. N. E. – Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente 1968 

Com estes números pode observar-se:

– Pouco mais de 2500 explorações, as de mais de 200 ha., detinham em 1968 quase 40 % da área total: mais do que as 784.701 explorações de área inferior a 20 ha., que todavia representavam 96,7 % do número total das explorações recenseadas.

– E as menos de 500 maiores explorações, mais precisamente as 488, de área superior a 1000 ha., acumulavam no conjunto continental 21,4 % da área total em exploração – quase a quarta parte – bem mais do que a área ao dispor das 631.482 explorações de dimensão abaixo dos 4 ha., que abrangiam 77,8 % do total das explorações.

Deve assinalar-se que a situação é muito diferenciada distrito a distrito (e até concelho a concelho), continuando a observar-se concentrações de propriedade da terra e de meios de produção de nível excepcional em distritos do Sul. Como exemplos, podem citar-se os seguintes, segundo o Inquérito de 1968: as 275 explorações de mais de 500 ha. do distrito de Évora (2,4 % do número total de explorações) detinham 71,5 % da área global, e as 138 de mais de 1000 ha. (1,2 % do número total) 54,9 % da área total.

Todavia, a concentração real da terra e dos meios de produção era já então ainda mais avultada, tanto a nível continental como ao nível dos distritos, pois que o mesmo grande patrão possuía em regra mais do que uma grande exploração e multas vezes tinha dezenas de explorações grandes, médias e até pequenas em vários concelhos e mesmo em distritos diversos.

O confronto com os números do Inquérito Agrícola de 1952-1954 tem de ser efectuado com várias precauções, pois que existem importantes diferenças de critério entre esse Inquérito e o de 1968. Duas das principais diferenças são: em 1952-1954 os escalões tomados pelo INE foram os de área arvense, e não os de área total, e a área arvense total não é obtida directamente pelo Inquérito, mas por estimativa de algum defeito.

Com essas e outras ressalvas indispensáveis é, no entanto, possível colher algumas verificações importantes, entre as quais:

– Tendência nítida para a diminuição, entre 1952-1954 e 1968, do número de explorações de média dimensão e da respectiva área, o que é confirmado e comprova a drástica redução do número de patrões e de empresas patronais de pequena e até média dimensão, em muito intensa ruína pela acção demolidora do grande capitalismo agrário, comercial, industrial e financeiro. Os Censos de 1960 e 1970, como os anteriores, adiante referidos, revelam também essa rarefacção do pequeno e mesmo médio patronato.

– No mesmo período de 1952-1954 a 1968, tendência para uma polarização do número de explorações nos dois extremos: aumento generalizado em número nas explorações acima dos 200 ha., embora com irregularidade nos índices distritais e concelhos, por escalão, as quais não desmentem a regra genérica; elevação do número de explorações de pequena dimensão, seja por partilhas de herança em explorações já muito pequenas, seja por arrendamento de pequenas parcelas de por vezes grandes quintas como recurso de vida, ou ainda por outras razões.

– Regra muito nítida de aumento, no mesmo período, das áreas e percentagens de área concentrada pelas maiores explorações.

Os últimos decénios do fascismo foram eloquentes quanto à ampliação ou formação de enormes blocos de propriedade agrária, não só ao nível do Continente e das Ilhas, como quanto às vastas roças de S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique; dezenas de milhares de hectares foram sendo acumulados pelos grandes grupos financeiros chefiados pelas famílias Mello (Grupo CJJF), Sommer-Champalimaud, Espírito Santo e Borges & Irmão; por grandes industriais da cortiça, das celuloses, da especulação turística e imobiliária. Só a Torralta juntou uns 30.000 ha. em 5 anos; os mares de eucaliptos da sueca Billerud e da britânica Caima Pulp & Co. liquidam os campos de milho, hortas e vinhedos de milhares de camponeses pobres desde Aveiro ao Tejo e Sado.

A concentração capitalista não se realiza apenas ao nível da apropriação da terra e dos meios de produção agrária: máquinas, gados, plantações, edifícios, etc.

O sistema capitalista faz rodear esse fundamental sector produtivo por estruturas comerciais, industriais e financeiras, com as quais as grandes empresas procedem a volumosas acumulações de lucros e juros, à custa da exploração dos trabalhadores de todos esses sectores e da ruína dos pequenos agricultores, comerciantes e industriais.

São muitíssimo variadas as formas de exploração capitalista. Álvaro Cunhal analisa-as em extensão e profundidade neste livro. Algumas delas foram sendo também anotadas ao longo desta Introdução, mas ela não visa nem poderia visar em especial essa matéria.

O objectivo desta parte da Introdução é facultar alguns pontos de referência mais recentes para as linhas de progressão do capitalismo na Agricultura portuguesa.

Mas não se poderá deixar de anotar, embora abreviadamente, o considerável avanço que houve também nos decénios que antecederam o 25 de Abril de 1974, na apropriação do fundamental das estruturas de comercialização e de industrialização de produtos da Agricultura ou destinados a este sector básico, por parte dos grandes grupos económicos, domínio esse estendido às operações financeiras com o sector e ao aparelho do Estado.

Este domínio foi levado a tal ponto que assumiu as características de capitalismo monopolista de Estado, com o aparelho estatal colocado nos aspectos económicos e repressivos ao serviço dos grandes monopólios.

A acumulação de crescentes massas de terras e de meios de produção na posse de um exíguo número de ricas famílias portuguesas e grandes grupos estrangeiros, que exprime a lei da concentração capitalista, tem como consequência a lei da proletarização de grandes massas de pequenos e até médios agricultores: estes ficam sem terras nem meios de produção e apenas lhes resta a força de trabalho para venderem numa outra forma de exploração, como simples proletários, através do baixo salário.

Nem sempre é abrupta a passagem de camponeses a proletários. Em numerosos casos é gradual a destruição da empresa familiar, ou da patronal de pequena dimensão: pode começar por perder a terra através de créditos de agiotagem ou venda de aflição e permanecer como rendeiro, e mais cedo ou mais tarde ser forçado ainda a ir vendendo sempre mais força de trabalho fora da exploração agrícola, a um qualquer patrão agrário ou industrial ou em serviços. Torna-se assim um semiproletário.

A determinação dos efectivos e taxas de proletários, semiproletários, trabalhadores familiares, pequenos patrões e grandes patrões na População Activa Agrícola é questão da maior Importância na análise da expansão capitalista na sociedade rural.

Álvaro Cunhal salienta que os índices de proletarização são precisamente os mais expressivos indicadores do desenvolvimento capitalista. E, já no século passado, Marx previu que essa criação do capitalismo, a classe proletária, é também a força que destrói o capitalismo e vai edificando, em sucessivos países, sociedades sem classes, o socialismo, pois que somente assim o proletariado poderá fazer cessar a exploração do homem pelo homem.

Os elementos estatísticos para o cálculo dos efectivos das diferentes classes sociais na Agricultura portuguesa sob o capitalismo encontram-se nos Censos gerais da população, mas apenas a partir do de 1930 e ainda assim com grandes deficiências e dificuldades. O estudo aprofundado dos Censos está ainda em geral por fazer, sobretudo os de 1930, 1940, 1960 e 1970, além do mais porque contêm maiores defeitos e obstáculos do que o realizado em 1950. Por outra parte, entre todos eles há grandes diferenças de critério. De forma que as comparações têm de ser efectuadas com especial cuidado e há que tomar certos números não como medida muito exacta mas como aproximações genéricas.

Em virtude destes problemas, mas também para não alongar mais esta Introdução, evita-se inserir aqui quadros já um pouco elaborados sobre as médias distritais e do Continente e Ilhas na base dos Censos de 1940, 1950, 1960 e 1970.

Porém, desses quadros retiram-se alguns breves pontos de referência acerca das matérias em causa:

– A taxa de trabalhadores "Remunerados" (sobretudo Assalariados e Empregados), no conjunto da População Activa Agrícola, com Profissão, estaria na ordem de pouco mais de 50 % na média continental de 1940, subindo para o alto nível de uns 60 % em 1950 e 1960, entrando por volta de 1960 a descer, para estar em 1970 sensivelmente ao nível de 1940.

Mas há grandes diferenças nas médias distritais (e sabe-se que também dentro de cada distrito, entre os concelhos). Já em 1940, 3 distritos apresentavam índices acima dos 80 %: Évora, Portalegre e Setúbal, com Beja, Santarém, Lisboa e Castelo Branco nas proximidades ou acima dos 70%; em 1950 e 1960 as taxas destes distritos ainda tendem a crescer, apresentando-se um tanto em descida pelo Censo de 1970.

– Os números absolutos do mesmo conjunto dos "Remunerados" terão sofrido uma evolução próxima dessa.

No total do Continente: subida de cerca de 20 % entre 1940 e 1950; pequena descida em 1960; baixa da ordem dos 40 % entre 1960 e 1970.

O movimento é o mesmo em quase todos os totais distritais, embora com taxas algo mais diferenciadas.

– Os Trabalhadores "Não Remunerados" (sobretudo Pessoas de Família) representam uma parcela ainda muito variável da População Activa Agrícola: de certa importância em taxa e número absoluto ainda em 1970 em alguns distritos (casos de Braga, Viana do Castelo e Viseu, em especial), mas quase não contam nos distritos de Évora, Portalegre e outros do Sul e até começam a contar muito menos em distritos do Centro e do Norte, pois que a tendência generalizada, segundo os Censos, parece ser para forte redução neste grupo social, o que tem lógica: desaparição das formas de dependência pessoal.

– Os "Isolados", que fornecem em certa medida indicação dos que trabalham em termos familiares (mas nem sempre apenas na exploração familiar, como se refere mais adiante), mostram tendência para algumas subidas de uns Censos para os outros, desde 1940, por vezes com quebras decenais em alguns dos distritos.

– O conjunto dos "Patrões", que compreende grandes, médios e pequenos, sem distinção pelos Censos, apresenta tendência para drástica redução, tanto no número total do Continente (de 231.454 em 1940 para 17.100 em 1910), como em todos os totais distritais.

Estas variações assim tomadas exigem, todavia, alguns comentários mais:

– O conjunto da População Activa Agrícola, com Profissão, que subira anda um pouco em número absoluto entre 1940 e 1950, seja no do Continente seja nos totais de quase todos os distritos, entrou a baixar em 1960 e desceu muito em 1910.

Estes movimentos foram influenciados sobretudo por duas das respectivas componentes:

l.a Saída de trabalhadores do campo para trabalhos não agrícolas, sobretudo indústrias. Este importante movimento originou uma redução da taxa de Activos Agrícolas na População Activa Total do Continente de cerca de mais de 50 % em 1940 para uns 30 % em 1910, na média continental, havendo fortes diferenças entre os distritos, seja quanto à taxa de cada um, seja quanto ao acento da baixa.

2.a Saída de trabalhadores do País, pela fortíssima emigração, sobretudo a partir de cerca de 1960. Isto originou não apenas redução do número de Activos Agrícolas mas até do número global de Activos com Profissão no Continente. Nesse decénio terminado cora o Censo de 1910, este revelou reduções notáveis da própria população total em quase todos os distritos: exceptuaram-se os mais desenvolvidos do litoral.

Forneceram foragidos da dura exploração capitalista nos campos, sobretudo os conjuntos "Remunerados" e "Não Remunerados", mas sem dúvida também a dos "Isolados" e a dos Pequenos e Médios "Patrões", E isto já explica uma, parte das variações anotadas mais atrás. Mas não chega.

– Há Pequenos e Médios "Patrões" que, por empobrecimento ou falta de assalariados suficientes na região, foram constrangidos, com alguns dos seus familiares, a trabalhar eles próprios as terras, contribuindo assim para aumentos notados no número de "Isolados". Isso é confirmado pelo inquérito Agrícola de 1968, como se disse nas considerações ao Quadro II.

– Os Censos contabilizaram um conjunto que o INE designa por "Camponesas-" ou "Domésticas Agrícolas" fora desta População Activa Agrícola com Profissão, considerando-as como "com Ocupação", e esta imprecisão pode dar origem a que num Censos muitas trabalhadoras do campo sejam recenseadas como "Não Remunerados" ou até "Remunerados" e noutros Censos como "Domésticas Agrícolas" ou "Camponesas", portanto mais dentro ou mais fora da População Activa Agrícola com Profissão.

– Os Censos não recenseiam os semiproletários, que em grande massa se situam entre os "Isolados" e os "Remunerados". E daqui provém outra fonte de imprecisões, pois que serão recenseados num daqueles dois conjuntos consoante a sua opção ou outras circunstâncias.

E as taxas de semiproletarização do pequeno campesinato continuam a ser muito altas. Já o Inquérito Agrícola de 1952-1954 revelara esse facto muito importante pelos em geral muito altos índices de "Empresas Familiares Imperfeitas" no total das explorações familiares.

O Inquérito Agrícola de 1968 retoma esta questão'.essencial e em melhores termos: classificando estas explorações familiares que são constrangidas a vender força de trabalho umas como "Não Autónomas" e outras como "Complementares", consoante o grau de trabalho no exterior à exploração agrícola. Para permitir a comparação com os elementos de 1952-1954 fez-se a junção destes dois grupos, considerando-os como "explorações familiares imperfeitas" e assimilando as "autónomas" a "familiares perfeitas".

Daí resulta o seguinte Quadro III. Por ele se vê que os contingentes de explorações familiares sofreram fortes convulsões na década de 60, conforme se referiu atrás. É de prever uma mais intensa desaparição das explorações semiproletarizadas, ou seja, das "imperfeitas", passando sobretudo a proletários estremes (emigrantes ou não), do que das "perfeitas"; e isto pode explicar até certo ponto certa atenuação das taxas de "imperfeitas" no total das "familiares".

Todavia, ainda estaria semiproletarizada cerca de metade do conjunto continental das explorações familiares. Ora este total do Continente reduziu-se fortemente entre 1952-1954 e 1968: de 702.431 explorações familiares para somente 485.324, o que é outra nítida marca do processo de liquidação do pequeno campesinato pelo capitalismo. Mas há que tomar os números no seu valor absoluto, visto que se verifica neste caso também uma possibilidade de certo erro estatístico: uma margem de indefinição no espaço entre as explorações familiares e as pequenas empresas patronais, que só utilizem força de trabalho alheia ocasionalmente e em que o patrão e elementos de sua família também trabalham.


Quadro III
Explorações Familiares Imperfeitas no Total das Explorações Familiares
Distritos Explorações Familiares
Número total Perfeitas Imperfeitas
Número   Percentagem Número Percentagem
Viana do Castelo 25.122 18.733 74,6 6.389 25,4
Braga 40.784 22.180 54,4 18.604 45,6
Porto 43.071 22.673 52,6 20.398 47,4
Aveiro 45.490 22.613 49,7 22.877 50,3
Coimbra 37.623 18.426 49,0 19.197 51,0
Vila Real 23.780 14.470 60,8 9.310 39,2
Bragança 18.878 10.520 55,7 8.358 44,3
Viseu 50.332 32.687 64,9 17.645 35,1
Guarda 19.814 11.980 60,5 7.834 39,5
Leiria 35.820 16.306 45,5 19.514 54,5
Lisboa 21.786 6.633 30,4 15.153 69,6
Santarém 30.899 11.468 37,1 19.431 62,9
Castelo Branco 30.597 14.791 48,3 15.806 51,7
Setúbal 10.873 2.624 24,1 8.249 75,9
Évora 5.452 2.016 37,0 8.436 68,0
Portalegre 9.811 3.116 31,8 6.695 68,2
Beja 11.710 4.986 42,6 6.724 57,4
Faro 23.482 13.362 56,9 10.120 43,1
Continente 485.324 249.584 51,4 235.740 48,6
Fonte: I.N. E. - "Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente", 1968.

Mesmo que se considerassem tais explorações nas "familiares" e não nas "patronais", haveria baixa no total das "familiares", o que contribui também para a compreensão das variações nas taxas de "imperfeitas".

Em certos distritos, e sobretudo concelhos, os índices de semiproletarização não deixaram de subir, chegando-se inclusive a acréscimo nas médias distritais, como é o caso de Setúbal, que se eleva para a muito alta taxa de 75,9 %.

Mas a regra parece continuar a ser a mesma já observada no Inquérito de 1952-1954, apesar de excepções que não prejudicam a conclusão genérica: os mais altos índices de semiproletarização registam-se logicamente nos concelhos e distritos mais industrializados ou onde prepondera a grande exploração agrária capitalista.

E isto não é somente no Sul.

Continua a verificar-se na Região Demarcada do Douro: 88,5 % em Santa Marta de Penaguião, 82,2 % em Mesão Frio, 80,7 % na Régua etc.; na Região Demarcada do Dão: 93,2 % em Tábua, 72,6 % em Nelas, etc.; na Bairrada, do distrito de Aveiro, e em outras regiões vinhateiras, orizícolas e de outras culturas valiosas por todo o Norte.

Por outro lado, são os centros um tanto mais industrializados (têxtil, metalomecânica, madeiras, etc.): por exemplo, 90% em Manteigas, Guarda, e 99,4 % em Castanheira de Pêra, Leiria, em áreas têxteis de lanifícios; 67,3 % em Famalicão e 69,5 % em Santo Tirso, na área têxtil de algodões do Ave; e assim por diante.

Os já extensos elementos incluídos nesta parte da Introdução permitem avaliar um tanto em que medida se agravaram as formas e as consequências da exploração capitalista em Portugal a partir do momento até onde Álvaro Cunhal pôde levar a análise neste seu livro.

Essa crescente exploração e opressão capitalista em Portugal motivou longa e árdua luta dos trabalhadores e das outras forças patrióticas portuguesas, luta essa que desembocou finalmente no derruba-mento da ditadura fascista do grande capital, no desencadear de um processo poderoso e original que produziu transformações económicas e políticas essenciais no nosso País, entre elas um vigoroso processo de Reforma Agrária.


Inclusão 24/07/2006