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Primeira Edição: Publicado na revista Lustas Sociais nº 1, do Núcleo de Estudos de Ideologia e Lutas Sociais do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Trata-se do capítulo 7 de La discordance des temps. Essais sur les crises, les classes, l´historie (Paris, Les Éditions de la Passion, 1995). Transcrição de Cássia Chrispiniano Adduci, doutoranda em Ciências Sociais pela PUC-SP, e Lúcio Flávio de Almeida, professor do Departamento de Política da PUC-SP, ambos membros do NEILS.
Fonte: "Marxismo, Modernidade e Utopia", Editora Xamã, São Paulo, 2000).
Transcrição: Autorizada por José Corrêa Leite, organizador da coletânea.
HTML: Fernando A. S. Araújo
A grande mutação em curso é freqüentemente resumida pelos termos mundialização ou globalização, às vezes, para exaltar os méritos modernizantes de um liberalismo comercial “sem fronteiras”; às vezes, ao contrário, para fazer dele um “espantalho” que justifique os diversos fechamentos identitários (protecionismo econômico, recrudescimentos nacionalistas, respostas defensivas aos fluxos migratórios). É importante precisar a realidade, os limites, as contradições das mudanças reais para melhor esclarecer as modificações da relação entre conflitos de classes e conflitos nacionais.
Durante a última década, a mundialização se acelerou indiscutivelmente. O comércio internacional aumentou mais rápido que o produto interno dos países diretamente envolvidos nele. Desde 1975, os investimentos diretos no estrangeiro crescem mais rápido que os investimentos domésticos. De 1980 a 1988, eles triplicaram no seio da tríade Estados Unidos-Europa-Japão. As fusões de capitais de origem “nacional” diferente geram oligopólios cujas ligações com os Estados se afrouxam. O comércio mundial passa à frente dos mercados internos enquanto motor da acumulação.(1)
Pode-se concluir, como escreve François Chesnais, que “a economia mundial está constituída”? Sim, em certo sentido, mas a fórmula é muito geral para não ser ambígua. A economia já havia se tornado mundial na virada do século, com a colonização e a emergência do imperialismo moderno. O processo atravessa atualmente um novo salto qualitativo, mas o comércio mundial não representa senão 20% a 30% do volume total das trocas em 1990 e os investimentos diretos no estrangeiro, 1% do produto interno bruto mundial. Os mercados de capitais e de produtos são mais e mais unificados, mas o mesmo não ocorre, e longe disto, com o mercado de trabalho: 350 milhões de trabalhadores dos países ricos ganham por hora menos de 18 dólares contra 1 ou 2 dólares para 1,2 bilhão de trabalhadores dos países pobres; dentro do próprio mercado único europeu, o mercado de trabalho permanece fragmentado. Várias empresas multinacionais operam em diversos continentes e produzem em várias dezenas de países, mas elas permanecem apoiadas no poder diplomático, monetário e militar dos imperialismos dominantes que participam do G7. Apesar das freqüentes imprecações diversionistas contra a tecnocracia de Bruxelas, são os governos, portanto os Estados, que permanecem, até segunda ordem, com o poder de decisão dentro da União Européia. Enfim, no último período, a mundialização se desenvolve sobre a base de uma financeirização desmedida, de preferência a um desenvolvimento efetivo das forças produtivas.
A situação permanece transitória entre as antigas formas de regulação social essencialmente nacionais e as formas emergentes de regulação supranacionais parciais, em escala continental ou mundial. Os efeitos da mudança já se manifestam na evolução das formações sociais, na dissociação tendencial das esferas políticas e econômicas (daí as crises dos Estados-nação e das classes dominantes), nas tentativas de reorganização dos mercados (zonas de livre comércio, de livre troca, conjuntos regionais), na formulação de um novo “direito” internacional.
As forças sociais e políticas surgidas no período de crescimento posterior à Segunda Guerra Mundial são parcial e inegavelmente desarticuladas pelas ofensivas liberais, os efeitos da crise, a reorganização do processo produtivo. Os países industrializados registram, deste modo, uma baixa significativa no assalariado industrial com crescimento espetacular do desemprego estrutural e das exclusões, um desmantelamento parcial das concentrações dos trabalhadores, uma desestruturação das solidariedades tradicionais, sociais, profissionais, sindicais. Ninguém pode prever o efeito desagregador destes fenômenos duráveis sobre as sociedades onde o assalariado representa mais de 80% da população ativa e os antigos mecanismos de solidariedade (família ampliada, ligações entre cidade e campo) foram reduzidos.
Na ex-União Soviética e na Europa Oriental, a emergência de um capitalismo fortemente dependente tem efeitos devastadores sobre sociedades bastante industrializadas e urbanizadas. Ela se reveste de formas de terceira (ou mesmo quarta) mundialização. Este processo é temporariamente freado pelo caráter parcial e hesitante das privatizações (daí a fraca taxa de desemprego oficial) e pelo caráter híbrido das formas de propriedade. Mais habitualmente, na falta de uma regulação comercial generalizada, e ainda que a antiga regulação burocrática esteja desmantelada, a integração no mercado mundial só pode, de um lado, acentuar o caráter desigual do desenvolvimento entre setores e regiões, reforçando o caráter centrífugo das reinvidicações nacionais sob forma de um nacionalismo dos mais favorecidos (República Tcheca, Eslovênia, Croácia, Países Bálticos), ansiosos para obter seu bilhete de entrada na grande Europa; e de outro, o agressivo nacionalismo protecionista dos abandonados à própria sorte no liberalismo realmente existente.(2)
O abalo dos “compromissos nacionais” entre classes dominadas e dominantes estabelecidos no período de crescimento excepcional do pós-guerra mina, simultaneamente, as solidariedades de classe e a coesão dos Estados-nação. Ele é propício aos “pânicos de identidade” e à valorização de outras ligações sociais (nacionais, religiosas, comunitárias). Nos limites do Estado-nação, as economias nacionais dominantes formam conjuntos relativamente coerentes articulando um território, um mercado, um Estado. A rude concorrência liberal introduz, ao contrário, fraturas entre uma lógica econômica de um capital cada vez mais transnacional e uma soberania política ligada a um espaço público nacional. Torna-se cada vez mais difícil atribuir uma origem “nacional” a uma firma ou a um produto. As desproporções entre ganhadores e perdedores da globalização se cavam não somente entre países, mas no próprio interior das metrópoles dominantes, ao ponto de questionar as funções redistributivas do Estado social. Em jargão jornalístico, o Sul ataca o Norte. Daí a perda de legitimidade de instituições duramente atacadas pelos efeitos conjugados da desregulamentação, das privatizações (reforço dos poderes econômicos privados em detrimento do serviço público) e da mundialização (perda do controle sobre as relações econômicas e monetárias).
As ofensivas liberais, o endividamento vertiginoso dos Estados e das coletividades locais, o deslocamento da pressão fiscal em favor das empresas e em detrimento dos mais fracos, a crise aguda das finanças públicas conduzem à uma revisão dos procedimentos do Estado-providência (indexação salarial, sistemas de proteção social, serviços públicos)(3) (Castel, 1995). Disto resulta uma interpenetração ampliada entre negócios e poder, uma corrupção galopante e a propagação de fenômenos mafiosos. Com sua vivacidade habitual, Régis Debray sublinhou bem os fogos cruzados paradoxais entre “a homogeneização do mundo e a reinvidicação das diferenças”, entre a deslocalização industrial e a “apaixonada relocalização dos espíritos”, entre a universalização planetária da economia e a fragmentação (“a histeria territorial obsessiva”) do político, entre desenraizamento e contra-enraizamento. Sob um outro registro, o conselheiro econômico de Bill Clinton, Robert Reich, pergunta: “Formamos ainda uma comunidade, mesmo que não mais sejamos uma economia?” Sem dúvida, a interrogação decorre de uma extrapolação abusiva. Mas ela expressa uma tendência e angústias reais.(4)
Se o diagnóstico de Debray é brilhante, a resposta é um pouco curta:
“A religião não é o ópio do pobre mas a vitamina do fraco. Como demover os mais despossuídos de recorrer a ela se os Estados democráticos não têm mais uma mística a propor além da perspectiva da prosperidade material? É na falta de uma religião cívica livremente consentida, na falta de uma espiritualidade agnóstica, na falta de uma verdadeira moral política e social que prosperam os novos fanatismos clericais”.
Uma religião cívica e uma espiritualidade laica? A questão é somente alterada. Pretender que cursos de instrução cívica e o canto obrigatório da Marselhesa sejam suficientes para reter o crescimento das “identidades obscuras” é ainda se imobilizar em uma linha Maginot ideológica tanto insignificante quanto ilusória frente às pesadas tendências da época. É urgente compreender porque as místicas republicanas tradicionais estão à beira do suspiro final, porque a escola e o Estado perderam sua aura em proveito dos estádios e das casas de espetáculos.(5)
Frente às pesadas tendências da mundialização, da reorganização da divisão do trabalho, da mistura das populações, os Estados-nação tentam, cada vez mais dificilmente, desempenhar seu papel integrador. Daí a tentação dos Estados emergentes de encontrar uma legitimidade mítica nas raízes (a terra e os mortos), com seu cortejo de fantasmas purificadores.
Afirmando que uma nação pode “existir sem princípio dinástico”, Renan já recusava:
1) o argumento racial porque a “consideração etnográfica não estava de modo algum na constituição das nações modernas”: “não existe raças puras” e fazer repousar a política “sobre a análise etnográfica é sustentá-la sobre uma quimera”;
2) o argumento lingüístico porque “as próprias línguas são formações históricas” e ninguém poderia “fechar-se nesta ou naquela”;
3) o argumento religioso porque a religião, “tornada algo individual”, não mais seria capaz de “oferecer uma base suficiente para o estabelecimento de uma nacionalidade moderna”;
4) o argumento econômico porque “a comunidade de interesse traça os contornos do comércio”, mas não de uma pátria;
5) o argumento geopolítico, enfim, porque “não é a terra que, mais do que a raça, faz uma nação”.(6)
Deste modo, não haveria outro critério que a vontade eletiva dos povos se atribuindo uma Constituição. O fato nacional revelaria uma herança (“a posse em comum de um rico legado de lembranças”) e uma vontade permanentemente renovada (“o desejo de viver junto”, “ter feito grandes coisas junto e desejar continuar a fazê-las”): “ter sofrido, usufruido, esperado junto, isto vale mais do que as alfândegas comuns e fronteiras de acordo com as idéias estratégicas”. Ao definir nação como um “plebiscito de todos os dias”, Renan sintetiza perfeitamente esta lógica na qual o homem, enquanto cidadão livre, não divide “nem sua língua, nem sua raça”.
Esta historicização do princípio nacional conduz Renan a prever seu rápido declínio:
“Dentro de cinqüenta anos, o princípio nacional estará em decadência. As nações não são algo eterno. Elas começaram, elas acabarão. A confederação européia, provavelmente, as substituirá”.
As previsões lineares são sempre temerárias. A idéia da nação como forma política transitória permite, entretanto, prever, à distância, os perigos de um nacionalismo tardio, reativo e rançoso:
“O princípio das nacionalidades independentes não tem por natureza, como muitos pensam, livrar a espécie humana do desastre da guerra; ao contrário, sempre acreditei que o princípio das nacionalidades, substituído pelo doce e paternal símbolo da legitimidade, não fez degenerar as lutas dos povos nos extermínios de raça e não eliminou do código de direito das pessoas seus temperamentos, suas civilidades senão admitindo as pequenas guerras civis e dinásticas de antigamente”.
Renan prevê a engrenagem fatal de uma pureza étnica original imaginária:
“Ninguém pode dizer onde esta arqueologia irá parar”.
Ao direito dos mortos e das raças, ele opõe vigorosamente aquele dos vivos e das nações:
“A infame divisão da humanidade em raças não pode levar senão a guerras de extermínio, a guerras zoológicas, permitam-me dizer, análogas àquelas que as diversas espécies de roedores ou de carniceiros se submetem durante a vida”.
Diante da universalização mercantil abstrata, a procura de uma legitimidade “etnográfica e arqueológica” aparece realmente hoje em dia como a última justificativa de uma reinvidicação nacional freqüentemente esvaziada de sua essência democrática. A idéia de nação não representa mais, como na época da “primavera dos povos”, o papel reunificador e integrador que dissolveu os particularismos vingativos. Ela tende, ao contrário, a ressuscitar as diferenças originais e exclusivas contra as misturas. A lógica “étnica” do nacionalismo senil não tem, portanto, nada de acidental. A involução do princípio nacional se anuncia, desde o fim do século XIX, com o crescimento do nacionalismo como ideologia orgânica do Estado-nação e com a construção de uma hierarquia imperialista planetária. O “chauvinismo” dos países dominantes exprime então uma crise marcada pelo desenvolvimento antagônico de um imperialismo cosmopolita e de um movimento operário internacionalista.
Começa, neste momento, o que René Gallissot chama “o trabalho das origens”. Evidente desenterrar dos mortos. O povo torna-se raça. As “etnicidades fictícias” entram em marcha.(7)
Os dados da questão nacional foram modificados pelo desenvolvimento do imperialismo moderno. Hannah Arendt percebeu, dentro desta grande virada do início do século, os germes dos desastres posteriores.(8) Segundo ela, o imperialismo constitui
“a primeira fase de dominação política da burguesia muito mais do que o último degrau do capitalismo”.
Seu crescimento teve como resultado o declínio do Estado-nação. Esta mudança trouxe múltiplas conseqüências políticas e ideológicas, tanto nas metrópoles concorrentes como nos países conquistados.
1. O aparecimento de um novo nacionalismo, um nacionalismo tribal:
“assim como o imperialismo continental foi engendrado pelas ambições frustradas dos países que não puderam tomar parte na súbita expansão dos anos 1880, o tribalismo apareceu como o nacionalismo dos povos que não participaram da emancipação nacional e não conseguiram atingir a soberania do Estado-nação”.(9)
A “consciência tribal ampliada” se caracterizaria principalmente pela “identificação da nacionalidade do indivíduo com sua alma”, por um “orgulho introvertido” marcando a exaustão do princípio nacional como ampliação do horizonte do campanário ou do território e como lógica de integração a uma comunidade política, fundada não sobre as raízes mas sobre um pacto constitucional. “Mais ou menos característico de todas as nações e nacionalismos da Europa central e oriental”, o tribalismo parte, ao contrário, “de elementos pseudo-místicos”.
2. Uma nova relação se estabelece no coração das metrópoles entre as massas e o grande capital. A massa alarmada dos miseráveis, a massa ameaçada pela pobreza se distingue das classes das quais ela aglutina os rejeitados e os abandonados à própria sorte. Ela fornece a matéria primeira de todos os populismos e a claque de todos os plebiscitos bonapartistas. Desde a primeira eleição de um presidente por sufrágio universal, Marx percebeu, notavelmente, a lógica desta comunhão-encarnação no corpo personalizado do Estado:
“apesar de uma ligação metafísica entre a Assembléia Nacional eleita e a nação, entre o presidente eleito e a nação, a relação é pessoal. É verdade que a Assembléia Nacional representa, em seus deputados individuais, as facetas variadas do espírito nacional, mas é no presidente que ele se encarna. Ele dispõe em relação à Assembléia de uma espécie de direito divino. Ele é por graça do povo”.(10)
3. A noção de raça aparece enfim como o princípio do corpo político e a burocracia como o princípio da dominação. Transversal às fronteiras nacionais, a luta “natural” das raças se opõe à luta social das classes: “quando os russos se tornaram eslavos, quando os franceses assumiram o papel de chefes de uma força negra, quando os ingleses se transformaram em homens brancos, como por um desastroso sortilégio, os alemães já se tornaram arianos, então esta mudança significará ela própria o fim do homem ocidental. Pouco importa o que os cientistas possam avançar: a raça é, politicamente falando, não o começo da humanidade, mas seu fim, não a origem dos povos mas sua decadência, não o nascimento natural do homem mas sua morte antinatural”.(11)
A estas novas representações da época imperial, a generalização do princípio das nacionalidades em seguida à Primeira Guerra Mundial adicionou fenômenos inéditos, entre eles a aparição de massas “apátridas”. Quando descreve a explosão do “cinturão de populações miscigenadas” sob o impulso das nacionalidades tribais, Hannah Arendt parece falar do presente. Aparecem então os fluxos de populações flutuantes presas entre o repatriamento sob critérios étnicos e a naturalização nos países onde elas se encontram, se, no entanto, a possibilidade legal existe. Porque, frente aos movimentos migratórios gerados pelas convulsões da Europa central e oriental, “em vez de naturalizar uma fração ao menos dos recém-chegados, os países se puseram a anular as naturalizações anteriores” e a introduzir uma legislação para preparar “desnaturalizações em massa”. “Incapaz de fornecer uma lei para os que perderam a proteção de um governo nacional”, o Estado-nação, já cedendo às tentações de segurança, “repõe o problema nas mãos da polícia”. Seu declínio diante dos critérios de raças, de raízes, de hereditariedade étnica significa, desta forma, para Hannah Arendt, “o fim dos direitos do homem”:
“O perigo é que uma civilização global, coordenada por uma hierarquia universal, comece um dia a produzir bárbaros nascidos em seu próprio seio, à força de ter imposto a milhões de pessoas condições de vida que, apesar das aparências, são condições de vida selvagens”.(12)
Cosmopolitismo abstrato e ascensão de um “nacionalismo tribal” e purificador, aforismo e corrupção do Estado, xenofobia e substituição da luta de classes pela luta de raças, boa consciência “humanitária” do homem branco, emergência de populações amalgamadas “apátridas”, populismo demagógico e plebiscito permanente para sondagem de opinião: de acordo com fórmula consagrada, toda semelhança com as situações atuais seria, é lógico, puramente fortuita.
A partir da Revolução Francesa, o Estado-nação representa a adequação entre um espaço econômico (o mercado territorial), um espaço social e um espaço de soberania política (jurídica e institucional). “O espírito do povo” hegeliano sela esta correspondência funcional. O Estado penetra ao mesmo tempo as diferentes esferas da sociedade e a consciência dos indivíduos que a compõem. À diferença da massa disforme que “não sabe o que quer”, o povo existe, em conseqüência, para e no Estado. Um povo, uma nação, um Estado é, desta forma, imposto como a máxima perfeita da comunidade política moderna. Historicamente, ela constitui, entretanto, a exceção idealizada muito mais do que a regra. Alguns povos não puderam jamais se erigir em Estados. Alguns Estados são tradicionalmente plurinacionais. Disto resulta um complexo jogo de tensões e fricções entre espaços econômicos, culturais, políticos, arbitrariamente supostos como isomórficos.(13)
Da mesma maneira que a nação, o povo é uma figura típica do século XIX. Sob a Revolução Francesa, ele simboliza o fim da submissão (no senso estrito do termo) e o acesso insurreicional à cidadania. Sujeito a eclipses e ausências, este povo de antes da gangrena nacionalista existe desde o início enquanto acontecimento, na e por sua sublevação, sua violência irruptiva, suas jornadas libertadoras. Depois do Termidor, do Império e da Restauração, sua imagem já não é mais tão inocente. Fraturas sangrentas dividem o antigo terceiro-estado e revelam as formas modernas do antagonismo de classes que explode no grande dia, em junho de 1848. Renan ou Flaubert apreenderam ao vivo esta ruptura definitiva. Por um lado, a elevação da burguesia “saída do povo”, e, por outro, a formação de um proletariado escravizado pela máquina dividiram em dois este povo “uno e indivisível”. Também sua representação romântica, tal qual a ilustra Michelet ou Hugo, é cheia de ambigüidades. Substância corporal da Nação ou da República, o povo mítico torna-se o símbolo patético da unidade perdida: “Um povo! Uma pátria! Uma França! Não se tornarão nunca duas nações!”.(14)
Dividido pela guerra civil, o povo não é mais o bom povo da lenda revolucionária heroificada por Michelet. Ele retorna à plebe ou à multidão, figuras inorgânicas de uma massa decomposta, brutalizada, passiva. Ele se dispersa em um agregado de espectadores (mais tarde, de consumidores e de “hordas esportivas”), matéria primeira anônima a manipular a opinião e a servir aos déspotas bonapartistas. Engels percebe muito cedo no bonapartismo “a verdadeira religião da burguesia moderna”, onde as massas comungam em uma espécie de solidariedade negativa. De Luís Bonaparte a Boulanger, a Berlusconi ou a Tapie, o populismo não é a invenção de hábeis demagogos. Ele exprime a aspiração de identidade desta poeira de humanidade sem nome que chamamos, hoje em dia, simplesmente, “as pessoas”. Ele é o produto da pobreza de ontem, da exclusão e do desemprego de hoje, da miséria de sempre. Sob estas formas contemporâneas, ele é entretenido pelo cerimonial midiático e pela comunicação de massa, propícios ao estabelecimento de uma relação direta entre o poder e os indivíduos privados.
Compreendendo perfeitamente as implicações destas mudanças de forma e de vocabulário, Walter Benjamin constatou que a Alemanha hitleriana tornou-se o país onde era “proibido nomear o proletariado”. Quando observa que “os movimentos totalitários visam e conseguem reorganizar as massas, não as classes”, Hannah Arendt lhe faz eco rigorosamente:
“As massas não são unidas pela consciência de um interesse comum e elas não têm esta lógica específica das classes que se exprime pela perseguição de objetivos precisos, limitados e acessíveis... A relação entre a sociedade de classes, dominada pela sociedade burguesa, e as massas, que são resultado de sua ruína, não se identifica com a relação entre a burguesia e a plebe, que era um subproduto da produção capitalista. As massas dividem com a multidão somente uma característica: elas são estranhas a todas as ramificações sociais e a toda representação política normal. Mas, se a plebe herda – ainda que sob uma forma desnaturalizada – critérios e atitudes da classe dominante, as massa refletem, e de certa forma desnaturalizam, os critérios e as atitudes de todas as classes no que se refere aos negócios públicos ”.(15)
Algumas vezes para melhor, freqüentemente para pior, a nação deu ao povo uma identidade política. A fecundidade desta união parece, a partir de agora, exaurida. Os povos não são eternos. Sua atomização resignada e sua glorificação arcaica são duas formas opostas de pacificar as relações de classes na comunhão entre progresso e tradição, passado e futuro, identidade e mudança. O “povo”, ao qual se dirigem os populismos modernos, deve ser indiferenciado do ponto de vista de classe para melhor se reduzir a um conglomerado protestativo de pobres (e não de explorados), de “pequenos”, de abandonados à própria sorte. Respondendo à angústia de preservar o que está se desfazendo, o discurso demagógico pode, deste modo, passar sem transição do registro pseudo-revolucionário ao nacionalismo diferencialista e xenófobo. Ele não exprime o último degrau da decomposição social, mas uma espécie de intermédio, aberto a diferentes resultados contrários. Seu público já não é mais o povo da cidadania republicana, mas a clientela indiferenciada do espetáculo mercantil. Assim, a relação do povo com a classe se inverte. No século passado, a classe emergiu das diferenciações sociais no seio do povo. O abatimento da consciência de classe significa, a partir de hoje, a desintegração do povo na massa. É pouco possível imaginar a que barbaridades poderia se prestar este “povo” tornado “menos que povo”, do qual a violência plebéia não será mais uma violência fundadora de um direito novo, mas uma violência unilateralmente negativa.
“Liqüidado o proletariado, liqüidado será também, rapidamente, o povo”.(16) É conhecido o interesse de Foucault pela “plebe que simplesmente segue adiante” na qual acredita encontrar um povo dessacralizado e liberado da pesada missão do progresso. Podemos compreender a função crítica desta “massa indistinta que desfaz as grandes figuras épicas (povo e classes) da subjetividade histórica”. Foucault toma preventivamente suas distâncias diante das transfigurações populistas desta noção de plebe:
“Tomar este ponto de vista da plebe, que é o do inverso e do limite em relação ao poder, é então indispensável para fazer a análise de seus dispositivos; a partir daí pode se compreender seu funcionamento e seus desenvolvimentos. Eu não penso que isto possa se confundir de maneira alguma com um neopopulismo que substancializará a plebe ou um neoliberalismo que contraria os seus direitos primitivos”.(17)
Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein destacam, corretamente, a relação entre a confusão do pertencimento de classe e o crescimento das referências comunitárias. Insistindo sobre o papel da luta de classes enquanto princípio de inteligibilidade das transformações sociais, Balibar considera que as classes “perderam sua identidade visível”. A luta das classes teria “saído de cena”. Disto resultaria uma situação insólita, pouco inteligível, de “luta das classes sem classes”: “Esta inversão de ponto de vista volta a admitir, em conformidade ao que é historicamente observável na superfície das coisas, que não há classe trabalhadora sobre a base única de uma situação sociológica mais ou menos homogênea, mas somente onde existe um movimento operário... As identidades de classe relativamente homogêneas não são o efeito de uma predestinação, mas o efeito da conjuntura”.(18) Wallerstein considera, da mesma forma, a consciência de classe como uma das figuras possíveis do antagonismo estrutural. Sua atualização manifestaria um progresso da transformação social, enquanto a cristalização dos grupos de status e dos corporativismos diversos seriam o índice de forças retrógradas. Assim, a noção de raça remeteria a uma homogeneidade genética imaginária, legitimando a divisão da economia-mundo entre centro e periferia. A de nação, a uma comunidade de interesse geopolítico para além do afrontamento de classes. A de etnicidade, a um conceito cultural enraizado no núcleo doméstico. Estas diferentes “identidades ambíguas” exprimiriam a procura de posições hierárquicas no sistema mundial de dominação e de dependência ao preço de uma recusa radical da representação de classe.
Estados, povos e nações se determinam reciprocamente. No espaço nacional ideal, a lei do valor opera na escala de um território socialmente homogêneo onde o Estado regula as relações sociais. Na falta de uma regulação planetária coerente (sem levar em conta pressões crescentes de organismos tais como a ONU, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial do Comércio), a mundialização quebra a correspondência funcional entre o espaço monetário, econômico, social e o do compromisso político. Divididas pela concorrência, as classes dominantes existem e se unificam em oposição às classes oprimidas através do Estado que as representa. Uma vez que o Estado-nação permanece ainda a forma indispensável da dominação de classe, porém não mais responde às pesadas tendências da globalização, elas se dividem sobre projetos de reorganização política e conhecem uma desestabilização, perceptível em todos os lugares, de seu pessoal dirigente: corrupção galopante, especulação, papel crescente dos aventureiros, interferências com o narcotráfico e a máfia, contestações das camadas burguesas e pequeno-burguesas menos sólidas diante dos efeitos da concorrência liberal, fissuras nas próprias fileiras do grande capital quanto às perspectivas de redefinição da ordem planetária.
Combinada com o obscurecimento da consciência de classe, esta crise é propícia aos fechamentos comunitários. Evocamos, a partir de então, as “etnias” como se se tratasse de um estranho retorno colonial recalcado, como se, temporariamente contida pela “civilização” missionária, uma natureza selvagem voltasse à superfície. Olhando-a de mais perto, parece mais que nossa modernidade produz “etnicidades” tipicamente contemporâneas. A promoção da etnia e de sua homogeneidade pretensamente natural é um fenômeno diretamente herdado das práticas coloniais. Na falta de desenvolver o liame social, ressuscitamos ou fabricamos clãs e castas.
Desde o fim do século XIX, a administração colonial impõe sua ordem e sua pacificação. A denominação dos grupos e a confusão nas definições, o fracionamento em pequenas nações utilizadas nos jogos de alianças sutis contribuem para a invenção de uma cartografia étnica reforçada, em troca, pela emergência de interesses locais ou corporativos propícios à manipulação, que se etnicizam para melhor beneficiar promoções e prebendas. No período do entre-guerras, a “grade étnica” é aos poucos estabilizada. Os pesquisadores podem então começar o inventário comparativo do que militares e administradores ajudaram a elaborar. Com as independências africanas, a chegada ao poder das elites perpetua esta herança combinando confisco social e exclusões étnicas em nome de um nacionalismo ideológico. Esta tradição perversa se encontra atualmente no processo de democratização de alguns Estados, nos quais a contestação perfeitamente legítima do regime de partido único serve também de pretexto para reativar a etnicidade como enquadramento original para a reivindicação de uma existência política. Estas manifestações exprimem, na verdade, a falência das políticas redistributivas de aparelhos de Estado frágeis e corrompidos, os efeitos desiguais das políticas de ajuste estrutural ditados pelas instituições monetárias internacionais, a decomposição de elites locais dependentes incapazes de se erigirem em verdadeiras classes dominantes.
Do ponto de vista dos “vencedores”, a invocação de uma desordem exótica imemorial desqualifica as razões propriamente políticas destes conflitos: “A etnia convidaria assim à desordem, à inconseqüência, à supremacia do imaginário cultural, à falta de modernidade, à recusa da distinção sociedade civil/Estado. Enfim, as etnias invadem os campos deserdados, os terrenos abandonados ou incultos pelas tentativas de modernização, de burocratização, de laicização” pela “engenharia etnicista”. Estas identidades fabricadas não se tornaram menos freqüentemente operacionais sem levar em conta sua gênese arbitrária e, algumas vezes, barroca.(19)
Por uma espécie de efeito bumerangue, a noção de etnicidade vem assombrar as próprias metrópoles imperialistas onde a capacidade de integração do Estado se enfraqueceu.(20) Algumas pesquisas se propõem a lhe “construir sociologicamente a noção” e a lhe sublinhar as virtualidades positivas: a aspiração do excluído de ascender, afirmando isto, à cidadania. Assim compreendida, a categoria de etnia teria emergido nos Estados Unidos nos anos setenta para sublinhar a ligação entre natureza e cultura. No momento em que a idéia de nação retorna à de Estado, a de etnia retornaria a sua falta: “A nação é uma categoria do mundo moderno remetendo suficientemente de forma direta à imagem de um projeto político e, em particular, à formação de um Estado como lugar ou enquadramento da vida coletiva, no momento em que a etnicidade se definiria, fundamentalmente, pela ausência ou falta desta vontade ou desta capacidade política”.(21) As sociedades teriam assim conhecido três modos de etnização durante os últimos trinta anos: o modo cultural do renascimento de identidade e o retorno às raízes; o modo social nascido do processo de imigração/exclusão, exarcebado pelos efeitos da crise econômica (etnização por exclusão); enfim, o retorno do diferencialismo tolerante e democrático, defensor das minorias oprimidas, ao diferencialismo sectário e exclusivo dos guetos urbanos. Este crescimento em potencial seria o índice de uma profunda mutação: no momento em que as sociedades capitalistas industriais se estruturam em torno da centralidade do conflito de classes, as contestações culturais não seriam mais ligadas ao “controle único do progresso industrial”. Daí a aparição, na “nebulosa dos movimentos sociais”, da etnicidade, espécie de “movimento social vazio”, desarticulado pela exclusão, esquartejado entre diferencialismo e igualitarismo.
A análise da etnicidade enquanto resposta à uma exclusão agravada remete, inevitavelmente, à ligação profunda entre esta exclusão e as relações de produção das quais a crise é a manifestação crítica. Fenômenos a considerar em sua especificidade, crise urbana, marginalidade, precariedade não são as novas formas da “miséria do mundo”, estranhas umas às outras, mas o inverso e as diferentes facetas de um modo de reprodução do qual a exclusão massiva constitui uma das condições funcionais recorrentes. Da mesma forma que uma vontade de integração política frustrada, o fechamento comunitário ou étnico traduz, na margem da regulação comercial inflexível, a procura das solidariedades tradicionais que compensem as crescentes carências do Estado social redistributivo.
A mundialização comercial e a interpenetração das populações são, a partir de então, realidades impositivas. Vários problemas (econômicos, ecológicos, sanitários) sem fronteiras exigem uma redistribuição dos níveis de soberania, tanto na direção do alto (deliberações e instituições internacionais), como para baixo (desenvolvimento da democracia local e regional). No momento em que se rompem os espartilhos nacionais, a reinvidicação de identidades hereditárias ameaça se sobrepor à associação voluntária, o direito de sangue ao direito do solo.
Este ressurgimento de nacionalismos vingativos quando se esgota o impulso do Estado-nação não é o menor dos paradoxos. A “comunidade internacional” reconheceu esses últimos anos dezesete novos países e 14 mil quilômetros de fronteiras suplementares na Europa. Na medida em que a capacidade de integração nacional declina, os povos que ascendem tardiamente a uma existência estatal independente são tentados a voltar a procurar uma legitimidade étnica.(22) A comunidade religiosa pode igualmente constituir uma resposta refúgio à ruína de instituições fragilizadas pela crise mundial. A hierarquia religiosa reencontra, assim, o papel proto ou para-estatal que tinha antes da emergência das nacionalidades modernas.
Eric Hobsbawm sustenta, apesar de tudo, que “o nacionalismo étnico-lingüístico” se enfraqueceu e que os Estados multinacionais serão mais do que nunca a regra. Esta confiança no enfraquecimento do princípio nacional sob efeito da internacionalização “objetiva” da produção reanima ainda as miragens da razão histórica. Habermas cai em uma ilusão análoga a partir de premissas diferentes. Ele estima que a mundialização das trocas e a densificação dos meios de comunicação deixam cada vez menos lugar para o nacionalismo agressivo. O único “patriotismo pós-nacional” compreensível seria atualmente um “patriotismo constitucional” à imagem do respeito desapaixonado da lei que teria caracterizado, segundo ele, a sociedade alemã ocidental antes da reunificação. Extrapolando esta laicização do liame político, Habermas proclama estar “pela primeira vez na ordem do dia” a abolição do “estado de natureza entre Estados” e anuncia a paz perpétua enfim realizada: “Hoje, a vontade de auto-conservação submete todos os Estados ao imperativo de abolir a guerra como meio de solução dos conflitos”. Foi escrito em 1987, quatro anos antes da Guerra do Golfo, cinco anos antes do começo da nova Guerra dos Bálcãs.(23)
Habermas minimiza a contrapartida reprimida do “patriotismo constitucional alemão”: este espectro do passado que não cessa de perseguir o presente. Ele se junta, a sua maneira, aos marxistas mecanicistas em uma apreciação otimista da mundialização industrial e financeira, como se existisse um “internacionalismo” espontâneo do mercado e da comunicação. Agora a concorrência liberal multiplica, ao contrário, as desigualdades, as exclusões, as humilhações. Elas alimentam frustrações e ressentimentos. Cosmopolitismo mercantil e reações de identidades (nacionalismo purificador, fundamentalismos) são o verso e o reverso da mesma moeda.
A crise atual do Estado-nação enquanto quadro de regulação social conjuga o desmembramento de coletivos estatais (União Soviética, Iugoslávia, Tchecoslováquia) e as tentativas de remembramento de grandes mercados regionais. Ainda não é possível discernir as formas políticas suscetíveis de responder à dupla exigência de dominar os problemas em escala internacional e de controle democrático de proximidade. Na zona intermediária indecisa do “já é demais” e do “ainda não”, as nações não esgotaram seu papel histórico, desde que, entretanto, não se voltem para a ruminação mítica das origens, mas se abram à redistribuição necessária dos atributos da soberania.
O estilhaçamento, a sobreposição, a imbricação dos espaços monetários, sociais, políticos, jurídicos, militares, culturais, lingüísticos anuncia, provavelmente, um período de hibridação. A formação de coletivos regionais (tratados, pactos, União Européia) faz parte de uma tentativa de resposta ao rendimento decrescente das regulações nacionais. Mas não será muito possível reencontrar, a curto e médio prazo, uma adequação ampliada de seus espaços, simples réplica em escala maior – espécie de ampliação fotográfica – das antigas nações. Os processos combinados de mundialização e de regionalização não se abrem mecanicamente sobre os embriões de Estados regionais ou continentais. As contradições da União Européia ilustram bem o problema. O duplo processo de concentração de um capital europeu, de uma parte (por fusões e alianças entre firmas européias); e de formação, de outra parte, de um capital diretamente multinacional (por fusões e alianças cruzadas entre firmas européias, americanas e japonesas) alimenta interesses e lógicas distintas. Assim, o projeto de uma Europa política não é o prolongamento natural ou o coroamento espontâneo de uma Europa econômica. Depois das crises dos efeitos centrífugos de 1973-1974, 1982-1983, as iniciativas de retomada da construção européia (Sistema monetário, Parlamento de Estrasburgo, Ato único) são menos derivadas do grande capital do que de uma vontade dos atores políticos.
Segundo um mito tenaz, a questão nacional constituiria um ponto cego da teoria de Marx. Entretanto, de Rosa Luxemburg a Eric Hobsbawm, passando por Karl Kautsky, Otto Bauer, Lenin, Anton Pannekoek, Otto Strasser, Trotsky, Roman Rosdolsky, esta teoria inspirou uma literatura abundante sobre o tema.(24) Para além de suas divergências, estes “clássicos” concordam em considerar a idéia moderna de nação do ponto de vista histórico. O crescimento em poder do capital combina a unificação de mercados nacionais e uma tendência à democracia política marcada, principalmente, pela difusão da educação popular de massa. Em tal problemática, o Estado não aparece como a cabeça política da qual se dotaria um corpo social pré-existente, mas como o agente constitutivo da nação, o instrumento de sua delimitação territorial, o organizador de um espaço monetário e jurídico homogêneo, o artesão da unidade lingüística. Ele fixa a contrario a noção de estranho e codifica novas exclusões; contribuindo, desta forma, para constituir a burguesia em classe dirigente para além das divisões inerentes à concorrência.
Étienne Balibar considera que a forma nacional do Estado pôde se impor de maneira fortuita em detrimento dos impérios ou das redes das cidades-Estado. Este acaso encontra, entretanto, sua parte de necessidade na funcionalidade de um espaço de circulação mercantil, política e juridicamente unificado, necessário à determinação do trabalho abstrato como modelo de relação social. Ao desenvolvimento desta abstração responde o da cidadania moderna. Impõe-se, assim, um modo de legitimidade onde o pertencimento voluntário prevalece sobre o pertencimento orgânico e o mito das origens. Radicalizando este primado da cidadania sobre a nacionalidade, a Constituição revolucionária de 1793 funda uma concepção política e cívica da nação.
Entre uma teoria geral das nacionalidades, que se volta inevitavelmente para o formalismo, e uma política de pura circunstância, que se perde na diversidade de casos específicos; entre critérios subjetivos, que definem tautologicamente a nação pelo “sentimento nacional”, e critérios objetivos naturalistas, que a reduzem aos atributos territoriais, lingüísticos ou étnicos, o jogo das definições parece estéril. As respostas “à” questão das nacionalidades variam em função das situações concretas, segundo uma tensão permanente entre princípios e circunstâncias.
Na declaração de 1870 da Associação Internacional dos Trabalhadores, Marx formulou o princípio segundo o qual um povo que oprime outro não poderia ser livre. Esta profissão de fé é ilustrada pela defesa dos direitos nacionais do povo polonês, como do povo irlandês. O papel emancipador do proletariado coincide então com sua capacidade de assumir a liderança da nação em formação. Podemos ler, assim, no Manifesto Comunista:
“Como o proletariado deve começar por conquistar o poder político, se erigir em classe nacional, se constituir em nação, permanece ele mesmo nacional, ainda que de modo algum no sentido burguês da palavra”.
A distinção entre “nações históricas” e “povos sem história”, sistematizada por Engels em seus artigos na Nova Gazeta Renana, e a relatividade histórica da questão nacional resultam, entretanto, em conclusões contraditórias em relação ao princípio proclamado. Na paixão e na desilusão das revoluções vencidas de 1848, Engels tem fórmulas terríveis contra os povos eslavos da Europa central. Ele fala “em apagar até o nome” destas pequenas nações: “Um dia nós nos vingaremos cruelmente dos eslavos por sua traição”. Na verdade, estes julgamentos definitivos misturam, sem precaução, uma questão política concreta e uma extrapolação teórica. É verdade que as nações eslavas da Europa tiveram um papel reacionário contra as revoluções democráticas alemã e húngara de 1848-1851. Mas Engels conclui que elas estão condenadas a repetir este papel para sempre. Se elas não foram capazes de ascender a uma existência política independente em relação à Alemanha e aos turcos, se elas existem apenas em referência ao despotismo russo, se elas conheceram um processo “de desnacionalização milenar”, estas micro-nações não poderiam pretender um papel tardio. “Necessariamente contra-revolucionárias”, elas são condenadas a se fundir no interior das nações maiores ou a sobreviver enquanto “monumentos etnográficos”. A análise torna-se, deste modo, perigosamente apologética. A opressão de hoje prolongando a de ontem... Seguindo as mesmas premissas, Marx justifica as anexações do Texas e da Califórnia pelos Estados Unidos em detrimento dos “mexicanos preguiçosos”. Ela estaria de acordo com o interesse da civilização (apesar dos colonos americanos serem escravagistas e o México ter abolido a escravidão desde 1829!).
A constatação conjuntural de uma tendência se transforma assim em prognóstico atemporal, condenando irremediavelmente estas nações incapazes de história, estas “ruínas de povos pisoteadas pela marcha da história”. Ao perder ligação com seu conteúdo social, a lei histórica geral se desencaminha pela abstração. Todavia, produto incerto da luta e da necessidade, a história real não emite julgamentos definitivos. No momento em que Engels escreve seus panfletos, o sentimento nacional desperto pelas guerras napoleônicas já trabalha as profundezas da sociedade russa e espanhola.
Este despertar se produziu efetivamente com a abertura de uma nova fase na acumulação do capital, a do imperialismo moderno. Não há nada de surpreendente em que os grandes debates sobre a questão nacional e colonial datem do fim do século passado e começo do XX. Diretamente confrontado com o despertar dos povos do Oriente e da Ásia, Lenin censura Rosa Luxemburg por não lhes haver dedicado suficiente atenção. Articulada em torno do direito das nações a dispor delas, a própria posição de Lenin apareceria, posteriormente, como a ortodoxia dominante. Na verdade, o caso é bem menos simples. Antes da guerra, o programa bolchevique afirma o direito de princípio à autodeterminação de todas as nações que compõem o Estado. Este direito permanece, no entanto, algébrico. A separação e a formação de um Estado não é senão uma Transcrição, e não a única conveniente, da autodeterminação: existe sempre uma gama de respostas possíveis (autonomia, livre associação de povos, federação ou confederação). A partir do mesmo princípio, os revolucionários da nação dominante sustentam, incondicionalmente, o direito da nação oprimida de escolher livremente a forma de sua existência política, inclusive a separação e a independência; os da nação oprimida enfatizam a solidariedade de classe com os explorados da nação dominante: a defesa dos direitos nacionais não implica união sagrada.
Confrontados com o nacionalismo e o chauvinismo dos poderes ocidentais concorrentes, os dirigentes do movimento operário europeu tiveram uma atitude diferentemente reservada, ou mesmo hostil, diante da questão nacional. Rosa Luxemburg denuncia o direito à autodeterminação como um “lugar comum” que não traz “nenhuma solução prática aos problemas nacionais”. Na época do imperialismo, a questão nacional teria esgotado seu papel progressista. Com a existência de partidos operários de massa, a luta de classes teria conquistado a proeminência. O proletariado não mais teria de se esconder atrás das saias da burguesia. É a partir daí que surge o risco do Estado (freqüentemente plurinacional), que define o contorno estratégico da luta e a reinvidicação nacional, produzir diversionismos. Apesar destes excessos, que resultam em abandonar à burguesia a reinvidicação nacional e seu conteúdo social (a questão agrária), Rosa Luxemburg indica uma dificuldade real. As implicações da autodeterminação são distintas dos outros direitos democráticos (de expressão, de reunião, de organização etc). Na medida em que estes direitos tornam-se armas utilizáveis na luta das classes, a criação de um novo Estado institucionaliza um aparelho de dominação que não poderia escapar das determinações de classe (um Estado a serviço de quais interesses? que exército? que polícia? que justiça? que administração?). Eis porque Rosa Luxemburg insiste, prioritariamente, sobre as formas da democracia pluralista (assembléia constituinte soberana) e sobre “o autogoverno” (a autogestão) local.
Criticado a partir de posições simetricamente opostas, Bauer desenvolve um enfoque original, ligado a sua experiência de um Estado multinacional e ao renascimento da questão judaica como questão nacional após o caso Dreyfus. Ele define sinteticamente a nação como “o conjunto de seres humanos ligados pela comunidade de destino à uma comunidade de caráter”. O nacional em nós não seria nada além “da parte da história que nos solda à nação”. Todavia, esta compreensão subjetiva deixa sem resposta a espinhosa questão de saber onde passa a fronteira entre “as comunidades de destino”, que se consideram como nações de modo completo, e associações mais restritas em seu interior. Estado e Nação não formam necessariamente um casal racional. A nação não é a única forma imaginável de comunidade política. Além do mais, o capitalismo é suscetível de despertar “nações sem história” sem que a multiplicação das fronteiras estatais, das bandeiras, das moedas, seja, em decorrência, desejável. Nas nações do “Estado das nacionalidades”, a reinvidicação “de autonomia nacional” parece então, a Bauer, como um programa constitucional da classe operária melhor do que a separação.
O sentido último desta autonomia é a democracia socialista e a autogestão da produção. Seu sentido imediato é um ponto de apoio transitório na luta pelo poder. Com efeito, se cada nação é chamada a incluir e reconhecer importantes minorias nacionais, o princípio territorial imobiliza perigosamente as fronteiras comunitárias. A autonomia nacional cultural (com o reconhecimento dos direitos escolares, lingüísticos, culturais, coletivos) não pretende mais definir a nação como corpo territorial, mas como simples associação de pessoas sobre a base de uma “livre declaração de nacionalidade dos cidadãos maiores”, permitindo estabelecer “um cadastro de nacionalidades”. Ela favoreceria a unificação das classes exploradas ofertando às nacionalidades a possibilidade, sem obrigação(25), de se assimilar progressivamente.
No contexto político de antes da guerra, Lenin viu nestas teses uma maneira sofisticada de escapar do desmantelamento do Império Austro-Húngaro, ocultando, sem resolvê-la, a questão nacional (coletiva) em nome da livre declaração individual de nacionalidade. Roman Rosdolsky compartilha desta censura: segundo ele, a autonomia nacional deixaria o poder central do Estado nas mãos da minoria alemã dominante. Estrategicamente pertinentes, estas objeções subestimam a dimensão prospectiva da posição de Bauer. Enquanto a multiplicação de Estados resultantes do deslocamento do Império arriscava criar, por um lado, regiões administrativas artificiais, e, por outro, enclaves lingüísticos, ele não vê outra solução para este quebra-cabeça além da desterritorialização e da privatização dos direitos nacionais. Estas apreensões não eram imaginárias.
Uma alternativa à pressão dos nacionalismos tribais e dos fechamentos comunitários passa mais do que nunca por uma ligação estreita entre projetos de emancipação nacional-democráticos e uma perpectiva internacionalista mais ampla (federações, confederações, redefinição dos termos de troca). Diante do crescimento dos fluxos migratórios, da mistura das populações, do aparecimento de “sem pátria” que não mais se reconhecem nos recortes dos Estados realmente existentes, uma tal perspectiva supõe um claro primado da cidadania (enquanto princípio de pertencimento voluntário a uma sociedade política) sobre toda referência nacional ou étnica. Este primado implica uma privatização das “origens”, da mesma forma que o Estado laico significou uma privatização das crenças religiosas constitutiva de um espaço público distinto do espaço privado. Assim, o gesto fundador spinozista fica novamente na ordem do dia. Na época do implacável polidor de lentes, a separação da filosofia e da teologia anunciava a da política e da religião ou, em outros termos, a dissolução do liame orgânico comunitário em proveito de um pacto cívico e de um liame social que assinalava o advento da cidadania moderna.(26)
A prioridade da cidadania política em relação aos códigos de nacionalidade seletivos e discriminatórios, uma interpretação democrática do princípio de subsidiaridade (no sentido de uma redistribuição democraticamente consentida das competências e dos atributos de soberania), o respeito dos direitos coletivos (culturais, lingüísticos, escolares) das minorias (inclusive o direito à autodeterminação) definem as grandes linhas de resposta aos desafios e armadilhas do multiculturalismo. O propósito declarado de reparar as injustiças da história para com os vencidos e de não mais ver o mundo com o olhar dos vencedores é, sem dúvida nenhuma, o mais bem intencionado do mundo. Porém, todo enfraquecimento do princípio de cidadania universal em proveito de direitos comunitários particulares revela um paradoxo: o reconhecimento da pluralidade das culturas se inscreve em um universalismo concreto e aberto, mas as culturas comunitárias não são necessariamente universalistas elas próprias. Algumas culturas não conheceram um processo de secularização e, nelas, a religião, a sociedade e o Estado formam um todo indiviso. O espaço público laicizado permite uma pluralidade de cultos, mas a religião exclusiva opõe a este princípio o primado de sua própria lei. Segundo a “política da diferença”, “a exigência universal promove o reconhecimento da especificidade”, mas a recíproca não é verdadeira. Às vezes, as minorias em questão consideram a assimilação ou a integração como “o pecado maior contra o ideal de autenticidade”. O multiculturalismo se traduz então na concorrência egoísta entre grupos em detrimento do interesse geral, por uma polícia inquisitorial da linguagem (politically correct), pelas distorsões dos princípios elementares do direito (o ônus da prova). Seus iniciadores, eles próprios, sentiram o perigo de um relativismo inconsistente. Só existe uma resposta a esta ameaça de desligamento social: a distinção entre a crítica (legítima) dos excessos centralistas e a defesa (sempre necessária) dos direitos do homem e do cidadão enquanto direitos universais.
Sempre sonhando com uma ordem cosmopolítica planetária onde terminaria a história universal, o homem permaneceu até o presente um animal político de pequena dimensão, limitado ao horizonte de seu campanário ou de suas fronteiras. O projeto comunista inicial exprimia a ambição pioneira de uma mudança radical de escala. A falência de sua imitação burocrática conduziu à onda inquietante dos fechamentos, das crispações, das frustrações purificadoras. Só há uma forma de enfrentá-la: a reconstrução paciente das solidariedades de classe, a fraternização a partir de baixo, contra as desrazões do Estado e o fetichismo mórbido da terra e dos mortos.
Esta renovação internacionalista passa por um retorno às próprias raízes da palavra. A nação não é a última forma histórica da comunidade humana. Mas ela não poderia, por isto mesmo, se dissolver por decreto em um universalismo abstrato, imediatamente contraditado pelo incessante renascimento dos egoísmos reacionários. O universalismo liberal da uniformização mercantil e da abstração monetária alimenta, ao contrário, os pânicos de segurança e os fechamentos comunitários. São dois processos indissociáveis.
O sonho cosmopolita de indivíduos comungando diretamente da universalidade da razão quebrou-se sobre o particularismo dos interesses de classe e da razão do Estado. O grande sonho internacionalista do século passado se desfez em Budapeste ou em Praga sob as correias dentadas dos tanques que intervinham em nome de um “internacionalismo socialista”. Em termos práticos, a sociedade kantiana das nações tornou-se a ONU, com seu conselho de segurança exclusivo: a paz perpétua perdeu-se na guerra perpétua do Golfo, dos Bálcãs, da África. Da mesma forma, o internacionalismo abstrato transformou-se em fidelidade cega ao “campo socialista” e submissão incondicional à razão do Estado burocrático.
O internacionalismo renascente deve pensar as nações como momentos de uma universalização concreta mediada pelas solidariedades de classe. Entre singular e universal, a luta das classes constitui o meio termo do silogismo social. Desde que este fio vermelho, que permite encontrar a saída do labirinto identitário, se rompeu, a cena do conflito histórico foi invadida por tribos e etnias, blocos e campos, e outros fantasmas pouco agradáveis.
Notas:
(1) CHESNAIS, François Chesnais, La mondialisation du capital, Paris, Syros, 1994, p.184. (retornar ao texto)
(2) Vários países dependentes tem visto, por outro lado, se esgotar o modelo de industrialização por substituição, desenvolver-se um profundo dualismo em suas sociedades (estabelecimento de zonas francas, propagação da economia informal, diferenciação na agricultura) e se degradarem as condições de suas exportações primárias (mudanças tecnológicas no Norte, agravamento do intercâmbio desigual, financeirização dos mercados). Eles conhecem uma crise urbana e rural que só pode ser resolvida por reformas agrárias e urbanas profundas que entrariam em contradição direta com os interesses das oligarquias dominantes. (retornar ao texto)
(3) Para compreender este processo mais amplo, Robert Castels propõe no lugar da noção ambígua de Estado-Providência, a de Estado Social. Ver Les métamorphoses de la question sociale, Paris, Fayard, 1995. (retornar ao texto)
(4) Robert Reich, L’économie mondialisée, Paris, Dunod, 1993, p.19. (retornar ao texto)
(5) Regis Debray, “Dieu et l’indice Dow Jones”, Liberation, 12 de agosto de 1994. A controvérsia sobre o véu islâmico deve servir de revelação. Um ciclo histórico da “grande causa” laica se encerra diante de nossos olhos com a oposição entre uma “laicidade fechada” (aquela, disciplinar, das circulares ministeriais e da autoridade administrativa em sentido único) e uma “laicidade aberta” representada unanimamente pelas hierarquias religiosas como um simples espaço vazio entre os cultos. Esta crise da laicidade é o sintoma de uma crise mais geral de representação democrática. O espaço escolar não é dissociável do espaço público. Também ele sofreu o impacto das empresas comerciais de ensino e de comunicação, ao mesmo tempo em que se separou de um espaço público incerto, flutuante entre um espaço nacional já dividido e um espaço cosmopolita ainda gelatinoso. Na falta de novos acontecimentos criadores, o senso de herança histórica se esvazia aos olhos de gerações multiculturais. (retornar ao texto)
(6) Ernest Renan, Qu’est-ce qu’une nation?, Paris, Press Pocket, 1992, coll. “Agora”. (retornar ao texto)
(7) A fórmula é de Étienne Balibar. É também dentro deste contexto que se cristaliza o princípio de congruência entre Estado e nação: “A cada nação um Estado, um só Estado para toda a nação”. A nacionalidade passa à frente da cidadania. A língua e a filiação tornam-se critérios determinantes do pertencimento nacional. Ao final da Primeira Grande Guerra, a doutrina Wilson oficializa esta equação: um povo = uma nação = um Estado. Porém, vários Estados reconhecidos pelo Tratado de Versalhes não ficaram menos “plurinacionais”. (retornar ao texto)
(8) Hannah Arendt, “Les origines du totalitarisme”, Tomo II, L’impérialisme, Paris, Fayard, 1982. (retornar ao texto)
(9) Observe-se que Hannah Arendt concebe o sionismo como uma das manifestações deste “nacionalismo tribal, na medida em que é a perversão de uma religião fundada na eleição”. (retornar ao texto)
(10) Karl Marx, “Le dix-huit Brumaire de Louis Bonaparte”, Oeuvres politiques I, Paris, Gallimard, 1994, p.452, “Bibliothèque de la Pléiade”. (retornar ao texto)
(11) Hannah Arendt, op. cit., p.67. (retornar ao texto)
(12) Op. cit., p. 253, 262-263, 292. É interessante notar o paralelismo entre os processos analisados por Hannah Arendt e o renascimento do olimpismo, o desenvolvimento do esporte de competição e o aparecimento do que Jena-Marie Brohm chama “as hordas esportivas”. Ver principalmente Jean-Marie Brohm, Les meutes sportives, critiques de la domination, Paris, l´Hamattna, 1993; e “Quel Corps?”, Critique de la mondernité sportive, Paris, Les Éditions de la Passion, 1995. (retornar ao texto)
(13) Gramsci nota, por exemplo, que a tardia unidade nacional italiana abriu um fosso durável entre o sentimento nacional das elites intelectuais e o vivido popular fortemente ligado às raízes regionais. Ver também Benedetto Croce, Histoire de l´Europe au XIXe siècle, Paris, Gallimard, coll. “Folio”, 1994. (retornar ao texto)
(14) Jules Michelet, Le peuple, Paris, Champs Flammarion, 1979. (retornar ao texto)
(15) Hannah Arendt, “Les origines du totalitarisme”, Tomo III, Le système totalitaire, Paris, Seuil, 1972, p.29, 32 e 37. (retornar ao texto)
(16) Michel Surya, “Les états du peuple”, Revue Lignes, nº 21, 1994. (retornar ao texto)
(17) Michel Foucault, “Pouvoirs et stratégie”, Les revoltes logiques, nº 4, janeiro de 1977. Ver também Alain Brossat, “La question de la plèbe”, in Michel Foucault, les jeux de la vérité et du pouvoir, Presses universitaries de Nancy, 1994. No entanto, os ventos mudam e tudo pode acontecer. Os grandes “sujeitos” históricos saíram de moda. Neopopulismo e neoliberalismo se aliam para derramar sobre a nova plebe realmente existente seus pães caritativos e seus jogos de imagens. O demagogo bonapartista, o jogador das aparências, o malabarista de opinião (para quem a política é um espetáculo e o povo pulverizado um público complacente), fazem um belo e bom conjunto com a plebe desclassificada. (retornar ao texto)
(18) Étienne Balibar e Immanuel Wallerstein, Races, nations, classes, les identités ambigües, Paris, La Découverte, 1990, p.228. (retornar ao texto)
(19) Jean Copans, Inprecor 387, janeiro de 1994. Ver também Claude Meillassoux e Christine Messiant, Génie social et manipulations culturelles en Afrique du Sud, Paris, Arcantère, 1991. (retornar ao texto)
(20) A crise do “modelo de integração” é perfeitamente analisada por Sami Naïr em Le regard des vainqueurs, Paris, Grasset, 1992. Quando este modelo faz água por todos os lados, o discurso sobre a integração apenas desloca a questão, sem resolvê-la: como reanimar uma nação anêmica? Por meio de um sobressalto republicando? Mas a república é apenas a forma político-histórica da nação sem herdeiros. Ninguém se integra mais a um território ou a um sistema institucional independentemente dos acontecimentos fundadores dos choques “integradores”. (retornar ao texto)
(21) Michel Wierviorka, La démocratie à l’épreuve, Paris, La Découverte, 1993. Ver também Samir Amin, L´Ethnie à l´assaut des nations, Paris, L´Harmattan, 1993. (retornar ao texto)
(22) A nova guerra dos balcãs não será, infelizmente, uma exceção. Sobre isto, ver, principalmente, Catherine Samary, La Déchirure yougoslave, Paris, L´Harmattan, 1994. (retornar ao texto)
(23) Jürgen Habermas, “Conscience historique et identité post-traditionnelle”, Écrits politiques, Paris, Cerf, 1990. (retornar ao texto)
(24) Ver principalmente Georges Haupt, Michael Löwy e Claudie Weil, Les marxistes et la question nationale, Paris, Maspero, 1974; Arieh Yaari, Le Défi national, Paris, Anthropos, 1978; Eric Hobsbawm, Nations et nationalismes, Paris, Gallimard, 1992. (retornar ao texto)
(25) Em Bauer, as noções de autodeterminação e autonomia não são sempre claramente distintas. Para Strasser, que aprova a abordagem feita por Bauer, a autonomia volta de fato a “privatizar” a questão nacional como o foi a questão religiosa. (retornar ao texto)
(26) “Faz muito tempo que as coisas chegaram ao ponto em que é impossível saber o que é um homem: cristão, turco, judeu ou idólatra, serão pela sua aparência exterior e seu vestuário ou por esta ou aquela igreja que ele freqüenta, ou esta ou aquela opinião à qual se vincula ou à palavra deste ou daquele mestre ao qual adere. Quanto ao resto, a vida de todos é a mesma... Desde que um direito soberano de pensar livremente, mesmo em matéria de religião, pertencer a cada um e que não se possa conceber que, em alguém, algo seja rebaixado, cada um terá também um direito soberano e uma soberania autorizada para julgar sobre religião e, conseqüentemente, para explicá-la a si mesmo e interpretá-la. A única razão pela qual os magistrados têm uma soberania autorizada para interpretar as leis e um poder soberano sobre as questões de ordem pública é que se trata de ordem pública. Logo, pela mesma razão, uma soberania autoritária para explicar a religião e julgá-la pertence a cada um. Quero dizer: porque ela é de direito privado” Spinoza, Traité théologico-politique, Paris, Garnier-Flammarion, 1965, p.22 e 158. (retornar ao texto)
Inclusão | 17/02/2011 |
Última alteração | 19/01/2013 |