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Não ter medo da morte, vede bem, não é heroísmo pessoal: é, no fundo, peculiaridade do comunista, do proletariado revolucionário, dos bolcheviques. A classe burguesa não está mais em condições de suscitar em suas fileiras uma coragem verdadeira, um heroísmo verdadeiro. É uma classe que sossobra e não tem mais nenhuma perspectiva.
(Dmítrov “aos correspondentes da imprensa comunista”, Moscou, fim de abril de 1934).
A primeira dessas regras consiste em não ter medo.
Não será isso um lugar-comum. É, concordo. Um lugar-comum para um bolchevique. Mas não é supérfluo enunciá-lo, porque, para um bolchevique, precisamente, semelhantes palavras assumem todo o seu sentido.
Dominar em si a besta, este medo de besta perante a morte, perante o sofrimento, perante a tortura, é coisa mais fácil de dizer do que de fazer.
Se fosse tão fácil de fazer, por que essa vitória sobre o medo é tão rara entre os que não são bolcheviques? Não é por acaso, nem em virtude de ideia preconcebida ou de uma escolha arbitraria, que quase todos os heróis contemporâneos, cujo exemplo é citado neste livro, são comunistas.
Para vencer o medo, não basta ser corajoso fisicamente: “é preciso uma vontade de ferro e método. Olhos fixos num objetivo. Uma grande coragem política’'.
Ao evocar Dmítrov em sua cela, tentei mostrar à custa de que esforço e por que meios teve que se dominar para conseguir reprimir-se. E ele, o que tinha a dominar, era, antes de tudo, sua solidão e sua cólera.
Dominar-se é domar, também, tanto a cólera, quanto o medo.
Imaginai um operário chinês cujos dentes os piores suplícios não puderam descerrar.
Perde os sentidos. Volta a si. Antes de chamar novamente o carrasco, é o renegado que se lhe apresenta. O renegado promete-lhe vida salva, se concordar também em renegar sua causa, um futuro brilhante se trair seus camaradas. Habilmente, lembra-lhe ou insinua que o Partido se mostrou injusto para com ele, que ninguém liga ao seu sacrifício. O operário sabe que, se acolher o traidor como este o merece e assim que o tiver enxotado, será de novo a vez do carrasco. Todavia, não fraqueja.
Uma vontade de ferro e método. Mirar-se no exemplo de Dmítrov que, à força de trabalho, “nunca esteve só’'. De Rakosi, cujos treze anos de prisão não lhe venceram a energia. De Edgar André, cujo bom humor inspirava a todos os outros, confiança e coragem.
O autodomínio é a condição previa e necessária da autodefesa. Se não te dominas, como queres dominar o inimigo? Se não vences, em ti, o instinto de conservação, como queres vencer as forças desencadeadas contra ti?
Além disso, não se deve acreditar que essa escolha do sacrifício só comporte sacrifício.
Dmítrov está livre. Torgler colheu o fruto de sua fraqueza pelo menos enquanto era apenas um covarde e não ainda um traidor? Na prisão, ele era, para os carcereiros hitleristas, objeto de desprezo. Dmítrov, ao contrário, forçara sua estima e seu respeito.
Se Dmítrov não tivesse refegado sua vida, se não tivesse sido corajoso por quatro, se, como Torgler, só tivesse inspirado a piedade que cabe aos inocentes, mas não a admiração, o entusiasmo irresistível dos povos, estaria, porventura, vivo e livre? E Popov e Tanev o estariam também? É claro, não quero dizer com isso que basta mostrar-se corajoso para estar preservado da morte. Demasiado numerosos são os heróis que choramos e temos de vingar. Nem sequer é preciso remontar até Babeuf. A morte do nosso querido Edgar André, o grito de dor e de cólera que nos arrancou são demasiado recentes para nos permitirem um tal exagero.
Mas, se a traição pôde salvar a paz de alguns desertores, “tirando-lhes, aliás, toda a razão de viver”, não é verdade que a fraqueza, a não resistência que mata politicamente, seja um meio de conjurar a morte ou o sofrimento físico. Bem longe disso!
“A estrada dmitroviana da resistência é a única que se abre para uma perspectiva de libertação”.
Pode-se dizer que ela é sempre libertadora, porquanto, nó pior dos casos, se o combatente,. não liberto pessoalmente, venha a cair de fronte erguida, terá pelo menos forçado a passagem para os que o vêm render e contribuído com seu exemplo para a libertação de seus irmãos de combate.
“Não temer por sua pele”, não tremer perante a morte ou a dor, eis precisamente a primeira lei da autodefesa.
“Não informar o inimigo sobre o que ele não deve conhecer”, eis ainda um axioma que nossos grandes mestres de estratégia autodefensiva, Lênin e Dmítrov, formulam com força, com insistência.
Recusar responder a qualquer pergunta, que vise a, organização à qual pertencemos(1), sua vida e sua atividade interna; abster-se, a qualquer preço, de pronunciar uma palavra que possa fornecer ao inimigo as armas que lhe faltam e ele procura, eis o ABC do combatente que caiu cativo.
Desconhecer esse ABC seria, ao mesmo tempo, armar o inimigo contra nós e desarmar-nos perante ele. Seria trair. Sim, trair. Para esta regra absoluta, nenhuma exceção! A quem infringe, conscientemente ou não, nenhuma desculpa. Ninguém tem o direito de ignorá-la. Quem a ignora ou a vicia é um traidor.
“Nada entregar, nada renegar”, tal a dupla lei que, em sua carta de 1905, Lênin formulava:
“Minhas relações de organização, abstenho-me de examiná-las, silêncio sobre isso, evito formalmente falar em nome de uma organização, mas, como social-democrata, falo-vos de nosso Partido e peço-vos que considereis minhas declarações como uma tentativa de expor precisamente as opiniões social-democratas que foram desenvolvidas em todas as nossas publicações, nossas brochuras, nossos avulsos, nossos jornais”.(2)
Vimos como todos os grandes revolucionários se ajustaram a essa lei. Assim é que Dmitrov, ao mesmo tempo que glorifica o Partido búlgaro do qual se declara orgulhoso de ser um chefe responsável, recusa, sem meias palavras, responder a qualquer pergunta concernente a esse Partido ilegal.
Assim é que prefere sacrificar a prova de seu álibi a indicar o nome do 'amigo búlgaro que viu em Munique no dia do incêndio do Reichstag, cujo testemunho teria sido decisivo.
Assim é que, graças a sua discrição, todos os esforços despendidos peia polícia, pelo juiz de instrução e pelo tribunal para conhecer os endereços e os números do telefone, cifrados, que tinham sido apreendidos em sua casa, permaneceram vãos e o segredo de suas ligações políticas ficou estritamente salvaguardado.
É essa lei leninista que o próprio Dmítrov, no decorrer de nossa entrevista, definia nestes termos:
“Não se dá informação sobre a vida interior e sobre a atividade do Partido. O inimigo nada deve conhecer disso. Com maior razão ainda se o Partido é ilegal”.
Essa lei comporta um corolário: não comprometer os amigos, os simpatizantes que, de qualquer maneira, prestaram serviço ao militante capturado; os que, por exemplo, lhe deram residência sob um falso nome. Dimitrov sempre se esforçou, em suas declarações relativas àqueles dentre seus hospedeiros que a polícia descobrira, por melhorar sua situação. Insistia no fato, rigorosamente exato, de que nenhum dentre eles soubera quem era, nem o que fazia.
Os que nos ajudaram têm direito a essa prova elementar de gratidão e, inclusive, é este o, único meio de não desencorajar uma simpatia ativa, da qual nossos combatentes têm sempre necessidade.
Todos os militantes, que foram interrogados por um policial ou por um juiz de instrução, sabem de que maneira tendenciosa suas declarações verbais são, na maioria dos casos, “resumidas” nos depoimentos para os quais se pede sua assinatura.
Mas o que é preciso saberem é que nunca devem assinar um depoimento sem tê-lo, antes, cuidadosamente relido e verificado. Se a transcrição de suas respostas é infiel ou incompleta, devem, ou exigir e obter as retificações ou adições necessárias ou recusar inflexivelmente sua assinatura, que mais tarde, a acusação não deixaria de explorar contra eles.(3)
O meio mais seguro de não se expor a fornecer armas contra si e contra os seus é, evidentemente, não assinar, por princípio, nenhum depoimento de interrogatório. Assim é, sobretudo, quando o depoimento não é redigido na língua materna do militante. Nenhum tradutor juramentado merece suficiente confiança para nos preservar de um simples erro ou, com mais forte razão, de uma armadilha do inimigo.
Eis porque Dmitrov não assinou nenhum dos depoimentos redigidos pela polícia e pelo juiz de instrução. Ele próprio resumia, com a cabeça repousada, suas respostas em declarações escritas e não esquecia jamais de adicionar suas próprias perguntas ou pedidos, suas reservas, seus protestos. De boa ou má vontade, o magistrado instrutor tinha que anexar essas declarações ao seu dossier.
Aí temos também um exemplo para o qual recomendamos a atenção dos militantes.
Já vimos que os bolcheviques e até, antes da cisão, os social-democratas russos, tinham levado ainda mais longe a prudência: até ao silêncio absoluto durante todo o decorrer da instrução. Dissemos porque. Qualquer outra atitude só comportaria perigos. Para o próprio militante interrogado e, sobretudo, para a organização.
Deve-se dizer que essa tática, justificada pela experiência, deva ser adotada por todos, por toda parte, sempre e em quaisquer condições? Não.
Em que casos, então, é ela preferível? Qual o critério que o militante deve adotar? Esse critério foi ainda Lênin quem o indicou em sua carta de 1905, mas sem distinguir entre a instrução e os debates.
O critério é valido para todo o processo. É determinado pela própria natureza do tribunal, pela tática da acusação e, de maneira geral, pelas possibilidades da defesa.
É possível a defesa? Se não o é (quer seja abafada pelo arbítrio da lei ou pelo arbítrio do juiz, quer seja paralisada por provas esmagadoras ou que o militante acusado não esteja em estado de garanti-la), ela não pode senão oferecer perigos, sem nenhuma contrapartida séria de vantagens políticas. Nesse caso, é melhor abster-se de responder, de participar da instrução e até, conforme o caso, dos debates.
“Nunca, porém, sem ter proclamado porque. Nunca sem ter formulado uma declaração de princípios, um protesto aberto, determinado, enérgico”.
Essa declaração deve ser preparada de antemão e muito cuidadosamente. A experiência ulterior, e, sobretudo, a de Dmitrov, mostra-nos as vantagens das declarações escritas.
Se, ao contrário, — e é o caso geral —, a defesa é possível, é politicamente utilizável. É, pois, necessário utilizará, esgotar-lhe as possibilidades. Como bom agitador, o militante deve sempre empregar ao máximo as armas de que dispõe. Porque, nesse caso, é a batalha em toda frente.
“Nunca deve perder de vista que cada uma de suas declarações é uma declaração do Partido, que compromete o Partido e deve servir para sua propaganda”.
Assim, o ponto comum de todas as hipóteses, das mais favoráveis às piores, e qualquer que seja a possibilidade da defesa, é a necessidade da declaração política, da profissão de fé, que, preparada com o máximo cuidado, será, ou o aviso de uma abstenção, de um boicote, ou a pedra angular da defesa.
Vê-se claramente que a chave dessa estratégia leninista é “a utilidade política”. A utilidade para o Partido, a utilidade para a classe operária. “É por seu coeficiente de utilidade política que se mede a oportunidade, assim como o valer de uma defesa”.
Mas é precisamente esse coeficiente que: varia de acordo com o lugar, com o tempo, as condições politicas e táticas. Foi porque, em 1905, na Rússia, as condições políticas tinham mudado e porque uma lei recente (de junho de 1904) tinha modificado, ampliado o processo penal, que os bolcheviques foram levados a tornar mais elástica e a diferenciar sua estratégia judiciária: a da recusa, do boicote, não satisfazia mais a tudo, por isso ela devia ser rejeitada em certos casos. Assim Lênin, sempre realista, não podia responder por sim ou por não às perguntas que lhe foram formuladas por Stassova e seus camaradas presos. Respondeu com uma prudência, uma clarividência, um discernimento profético.
Ainda hoje, essas perguntas não comportariam uma resposta esquemática. Na França, a partir de 1897, a instrução preparatória está cercada de certas garantias, que, “aliás, seria perigoso superestimar”. Em presença de seu advogado, os acusados políticos raramente se recusam a responder; utilizam a instrução para pôr em evidencia seus direitos, seus protestos, preparar suas armas. Na Alemanha hitlerista de 1953, Dmítrov; participa da instrução, mas sob a forma de declarações escritas, Quando o juiz se completa com o renegado e com o carrasco é melhor calar. Em audiência, o acusado político regula em geral sua tática pela da acusação, do tribunal, a publicidade ou as portas fechadas dos debates, a presença ou ausência de advogados escolhidos, de maneira geral, sobre as possibilidades e relações de forças. É extremamente raro que seja constrangido à tática do silêncio, à greve total da defesa. Mostramos como nas piores condições, sabem fazer-se ouvir um Dmítrov, um Rakosi, um Antikainen, uma Anna Pauker, um Edgar André, um Itsikava e tantos outros...
“Transformar o banco dos réus em tribuna, tal o fim que o bom militante se esforça por atingir”. Mas como atingi-lo? De acordo com que princípios?
Ainda aí, os conselhos de Lenin e o ensinamento de Dmítrov estão confirmados por uma experiência mais do que secular, que nos vão guiar no exame desses princípios.
Esses princípios reduzem-se às duas leis mestras que dominam a estratégia da autodefesa.
Notas de rodapé:
(1) Nem mesmo revelar a que organização pertencemos. (retornar ao texto)
(2) Lênin: Obras completas, t. VII, p. 77. (retornar ao texto)
(3) Essa recusa deve ser mantida, inflexivelmente, no decorrer do interrogatório da polícia. (retornar ao texto)