MIA > Biblioteca > Marcel Willard > Novidades
Na prisão de Mitrovica, como nas outras prisões da Iugoslávia, os prisioneiros eram maltratados, mal alimentados, privados de leitura. Um belo dia, a 16 de março de 1934, reuniram-se para cantar a Internacional. Foi um belo escândalo. Esses homens, que já cumpriam longas penas, foram acusados de “atividades hostis ao Estado” e, em virtude da lei “para proteção do Estado”, condenados a ficarem encarcerados mais dois ou três anos.
Um delegado da Associação Jurídica Internacional, o advogado parisiense Etienne Milhaud, pôde assistir ao processo, apesar de feito a portas fechadas. Voltou cheio de admiração pela “energia, coragem e fé apostólica dos vinte e seis prisioneiros”. Entre eles, o grande pintor Moysés Pijadé, cuja autoridade se impôs ao próprio presidente, que Milhaud qualifica de “besta policial”.
Desde que o presidente deu a palavra aos acusados, estes, que não ignoram absolutamente a que vingança se expõem por parte de seus carcereiros, não hesitam em denunciar os tratamentos ferozes a que são submetidos.
Pijadé emagreceu seis quilos e meio. É sustentado, escreve Milhaud, por uma brava energia. Fala em nome de seus camaradas:
— “Alguns prisioneiros perderam perto de 17 quilos. Os tratamentos impostos* são tais que muitos enlouqueceram. Alguns sucumbiram a eles. Um prisioneiro doente, com quarenta graus de febre, foi atirado na masmorra. Outro recebeu cutiladas por ter querido espiar pela janela. Alguns morreram em consequência dos golpes recebidos. O médico da prisão foi obrigado a passar um certificado falso... Pela parte que me toca, sofro, sobretudo, por estar privado de meus livros: somos 26 e só nos é permitido ter um”.
O presidente afirma que um só livro lhes basta perfeitamente.
— '“Um só livro”, réplica Pijadé, “basta para 26 homens? Vou tomar nota disso!”
O presidente perde a calma:
— “Aí está como respondeis ao vosso presidente, impertinente! Ainda não são tratados suficientemente mal!” Mas nada acontece!
O presidente procura saber se os prisioneiros, condenados como comunistas, continuaram como tais, porque, nesse caso, estão “em estado de reincidência”.
Todos, todavia, conta-nos Milhaud, se vangloriam de ser comunistas, proclamam seu ideal, sua fé, sua confiança no futuro. Todos dizem:
— “Continuamos comunistas”.
Um deles, Davidovitch, desdenha da armadilha e responde tranquilamente:
— “Isso não é de sua conta; o senhor não me deve interrogar sobre isso: está fora dos debates”.
E visto como o presidente se encoleriza, “eu, declara Davidovitch, calmamente, sei me comportar em audiência”.
Ao seu defensor, que então intervem, o presidente multa em duzentos dinares.
Tendo o procurador perguntado aos prisioneiros se tinham “feito uma aliança de ordem econômica” um deles responde:
— “Do ponto de vista econômico, nós partilhamos os palitos: essa é, quase que exclusivamente, nossa alimentação”.
E Milhaud relata com emoção a reconstituição do “crime”: ela teve lugar na prisão. O presidente ordena aos prisioneiros que cantem.
“Descemos para o pátio, escreve Milhaud, e escutamos o coro mais belo, mais cheio, mais harmonioso, um canto de libertação e de fé, que se eleva alegremente, como um desafio a esse tribunal absurdo, a essa prisão monstruosa, à justiça, ao rei".
Um vigia, encarregado da acusação de Pijadé, não se peja de afirmar que o tinha ouvido cantar e que, entre todas as vozes, reconhecia a sua.
— “Mas, retruca Pijadé, vós nunca me dirigistes a palavra. Sabeis perfeitamente que estais mentindo”.
A autoridade de Pijadé é tal que o vigia, que o terá à sua mercê depois da audiência, não ousa insistir.
O tribunal condenou esses altivos combatentes. Mas, entre os motivos do julgamento, um só é verídico, temi a força de uma confissão:
— “É evidente que qualquer desses prisioneiros, se fosse novamente posto em liberdade, realizaria imediatamente as ideias da canção, desde que se lhe apresentasse oportunidade para isso!”