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O interesse especial deste processo reside na oposição que evidencia entre dois métodos, entre duas linhas de sentido contrário, uma das quais a história condenou, ao passo que glorificava a outra.
A primeira é seguida pelos que reduzem sua defesa à defesa de sua própria pessoa. Basta-lhes demonstrar juridicamente seu álibi, sua inocência.
Um deles, Torgler, hesita ainda em renegar-se a si mesmo: castra-se e só busca animar os juízes. Um instinto de conservação enganador isola-o das massas, afasta-o do combate; seu advogado, um inimigo, tem-no preso nas mãos e destrói-o politicamente. Vai trair.
Dois outros, Tanev e Popov, não renegam sua classe, seu Partido; perdem, porém, de vista o objetivo, o interesse de sua classe; acreditam, muito erradamente, ser mais hábil mostrarem-se “prudentes”, isto é, fracos. Um deles tentou suicidar-se. Um e outro fecham os olhos para o exemplo do seu chefe, não se solidarizam com ele, recusam-se a rejeitar seu advogado ex-officio. E este poderia tomar como pretexto sua atitude, para recusar a Dmitrov qualquer documentação política!
Dmitrov disse-me que, por mais de dez vezes, o Dr. Teichert lembrou-lhe que era “também” defensor dos dois outros búlgaros e estes estavam em desacordo com a defesa política de seu camarada!
— “Popov e Tanev encarregaram mesmo o Dr. Teichert de dizer-me que eu não deveria adotar uma atitude tão política, porque isso agravaria sua sorte. A princípio, recusei acreditar. Sua atitude, porém, perante o Tribunal, demonstrou-me a autenticidade dessa informação”.
O próprio intérprete disse um dia a Dmitrov: “Vossos dois camaradas são muito medrosos”. E Dmitrov recorda este fato desgraçadamente notório:
— “Eles o demonstraram quando eu fui expulso da sala de audiência. Meus coacusados não se solidarizaram comigo e não ergueram nenhum protesto contra minha expulsão”.
Quanto a Dmitrov, ao contrário, sempre seguiu o outro método. Subordinou tudo (inclusive os álibis) à defesa política de sua classe, de seu Partido, de sua Internacional e mesmo à contraofensiva que iria decidir da vitória.
O presidente Bunger não deixava também passar nenhuma oportunidade de opor à terrível eficacia desse método a “prudência” dos três outros comunistas:
— “Vede, Dmitrov, vossos coacusados têm uma atitude correta e honesta; agora podeis compreender porque o tribunal adota essas medidas extraordinárias contra vós...”
Em vão a acusação desarvorada revelou sua confusão, oferecendo a Dmitrov oportunidade de alegar, o que, afinal de contas, nada provava, que Van der Lubbe não tivesse agido só, sem instigador e sem cúmplices. Era a absolvição certa. O comunismo teria sido condenado na pessoa do holandês, O qual se alegava ter sido excluído do Partido com o fito de executar um trabalho especial.
Um tal contrato tácito com o diabo, tal compromisso com a acusação, é coisa que nenhum militante pode aceitar sem se desonrar politicamente.
Para um Dmitrov, essa questão nem mesmo se apresenta.
Em vista da acusação destroçada, só busca levar mais adiante seu êxito, levar para a frente a ofensiva política, até a derrota do inimigo.
Van der Lubbe é o “lamentável Fausto” que lá está sozinho no banco dos acusados. Dmitrov delibera confundir publicamente o Mefistófeles que se esconde;
—“Em minha qualidade de acusado fortuito e inocente e, mais ainda, em minha qualidade de comunista e de membro da Internacional Comunista, tenho o máximo interesse em que a questão do incêndio do Reichstag seja esclarecida por todos os lados, e que, ao mesmo tempo, o Mefistófeles desaparecido apareça à vista de todos”.(1)
Assim é que Dmitrov, que dirige os debates ainda mesmo quando expulso, força a acusação e o Tribunal (não obstante a resistência dos Teichert e dos Sack) a abandonar essa segunda linha de resistência; assim é que fórmula, como já o vimos, a questão do subterrâneo. Assim é que propõe seja ouvido o chefe do Partido comunista holandês, para demonstrar que Van der Lubbe portou-se, não como agente, mas como inimigo do Partido, do qual não recebeu nenhuma missão.(2)
Assim é que, para Dmitrov, defender-se é defender seus camaradas coacusados, Popov, Tanev, Torgler, é estender-lhes o bastão, dar-lhes o exemplo, reparar seus erros, intervir em seu favor e em seu lugar contra as testemunhas que os acusam.
Defender-se implica sobretudo defender seu Partido e sua Internacional; pô-los em condições de contra-ataque.
É demonstrar que é, não apenas falso, mas absurdo e contrário a toda verossimilhança dizer que o Partido comunista alemão tivesse preparado uma insurreição armada para os últimos dias de fevereiro ou para março de 1933.
É demonstrar que o Partido alemão e a Internacional sempre se levantaram contra os atentados terroristas.
Defender-se é atacar: atacar os verdadeiros incendiários, os Goering-Mefisto, o regime nacional-socialista.
É formular e resolver a questão chave: “Quem estava interessado no incêndio do Reichstag? A quem aproveitaria essa evidente provocação?”
Lede no segundo Livro Pardo as questões formuladas por Dmitrov ao conde Helldorf, ao polícia Heller, ao inspetor Brosig.(3)
Lede nas Cartas, notas e documentos as petições e propostas de provas dirigidas por Dmitrov ao presidente Bunger.
É uma incomparável lição de dialética, de precisão e de profundeza política e é também um modelo de habilidade. Observai a escolha das testemunhas e a escolha das perguntas.
Ao conselheiro Heller, que era encarregado, em Berlim, da vigilância sobre o Partido comunista, indaga se tinha prova de que o Partido preparava uma sublevação para o dia 27 de fevereiro. A isso, Heller é forçado a responder que não.
E Dmitrov toma a ofensiva: não seria mais lógico temer um conflito armado entre os nazis e os nacionais-alemães?
O inspetor Brosig tenta obter uma resposta à seguinte pergunta, que não é admitida:
— “O incêndio do Reichstag não terá sido porventura sinal para a destruição dos partidos operários e não terá posto fim aos conflitos internos do governo hitlerista?”
Vê-se, assim, desenvolverem-se os três temas principais da defesa política:
Insurreição comunista? Não. Nem é verdade, nem verossímil.
O terrorismo era característica dos nazis.
Só ao regime hitleriano o incêndio aproveitou.
Esses três temas estão ligados dialeticamente e, progressivamente, Dmitrov passa do primeiro, que é defensivo, aos seguintes, que são ofensivos.
Assim, uma vez que o ministro Goering declarara que, a partir de 1.° de fevereiro, se contava com uma sublevação comunista, Dmitrov pede à chancelaria do gabinete prussiano e aos ministérios competentes a exibição das decisões, ordens, decretos, que se teriam tomado para prevenir ou conjurar essa sublevação. Teriam sido, porventura^ alertadas as autoridades, o exército? Ter-se-á, porventura, podido constatar uma tentativa? De que lado é que se devia temer o perigo?.(4)
E, logo após, o segundo e terceiro temas, o contra-ataque:
“Ou se, ao contrário, todas as medidas não se haviam concentrado, então, para o esmagamento da campanha eleitoral do Partido comunista... E se, sobretudo, o próprio incêndio do Reichstag não foi explorado como uma ocasião muito favorável para extirpar a pretensa ‘peste bolchevique e marxista’”.
Defender e glorificar o Partido comunista alemão; defendê-lo e glorificá-lo em plena cidadela do hitlerismo, às barbas dos juízes, dos carrascos; defendê-lo e glorificá-lo perante os trabalhadores da Alemanha, que sofrem, que lutam, que esperam; defendê-lo e glorificá-lo, assim como à Internacional Comunista, perante o mundo: eis a tarefa que Dmitrov traça para si mesmo e não perde de vista.
Mas, tanto para refutar as calúnias, as mentiras relativas ao incêndio-sinal de insurreição, quanto para expor perante o universo a verdadeira política do Partido comunista alemão, quem estaria melhor qualificado do que o seu chefe, o estivador de Hamburgo, o herói do proletariado, do povo antifascista?
E Dmitrov não teme invocar o testemunho de Ernst Thaelmann! Pedir-lhe-á que deponha(5) sobre as perseguições de que o Partido foi objeto, perseguições que, desde o advento de Hitler ao poder, foram substituídas por uma verdadeira “campanha de extermínio”.
Perguntar-lhe-á se a atividade do Partido, de acordo com as decisões da III Internacional, não estava inteiramente orientada para o trabalho de massas, para a luta de massas e para a unidade de ação dos trabalhadores. Perguntar-lhe-á de que modo o Partido condenou todo desvio terrorista e excluiu do seu seio todo aventureiro.
Será no mesmo sentido que interrogará as testemunhas operárias. Lede o pasmoso questionário de Dmitrov(6). Se, em sua maior parte, essas perguntas não foram admitidas, as restantes bastaram para repor no seu devido lugar as confissões extorquidas. Se Thaelmann não foi ouvido, foi Dmitrov quem respondeu em seu lugar.
É, porém, nas perguntas, que em vão requer sejam formuladas aos antigos chanceleres Bruning e von Schleicher, ao vice-chanceler von Papen, ao antigo ministro Hegenberg e ao vice-presidente dos Capacetes de Aço, Dusterberg, que se apresentam com mais ousadia e precisão os temas de contra- ofensiva.
Essas perguntas evocam claramente o terrorismo inerente à política nacional-socialista, a chantagem indecente que, no fini do governo von Schleicher, provocou o advento de Hitler, os conflitos fratricidas e violentos que lançaram umas contra os outros, no início do ano de 1933, as tropas pardas e os partida-- rios dos Capacetes de Aço.
Aqui temos as duas perguntas-chaves:
— “É verdade que o incêndio do Reichstag foi utilizado a fundo pela direção nacional-socialista para superar todas as dificuldades governamentais que se haviam levantado, para instalar sua autocracia, para estabelecer o que se chama de “Estado totalitário”?
“É verdade que, em janeiro e fevereiro de 1933, ninguém contava seriamente com o estalar, por iniciativa do Partido Comunista, de uma insurreição imediata e que essa história só foi divulgada, depois do incêndio do Reichstag, para justificar as medidas de força do governo e os atos de violência das formações S.A. e S.S.?”(7)
Assim é que, sob a forma interrogativa, Dmitrov consegue desenvolver o tema mais audacioso, o mais perigoso, o mais decisivo. Assim é que, sem o designar, consegue encurralar publicamente o famoso “Mefistófeles” do incêndio.
Notas de rodapé:
(1) Idem, p. 97, documento n. 25. (retornar ao texto)
(2) Idem, p. 121, documento n. 27. (retornar ao texto)
(3) Dmitrov contra Goering (Segundo Livro Pardo), páginas 211 e 212, edições do Carrefour. (retornar ao texto)
(4) Idem, p. 104, documento n. 28. (retornar ao texto)
(5) Idem, p. 106, documento n. 29. (retornar ao texto)
(6) Idem, p. 122, documento n. 35. (retornar ao texto)
(7) Idem, ps. 111-112. (retornar ao texto)