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Como responde ele aos interrogatórios policiais?
Está encarcerado na prisão da prefeitura (Polizeipresidium), isolado, privado de qualquer informação precisa sobre as intenções adversas, sobre o uso que a polícia espera fazer de declarações tomadas sem testemunhas, sem garantias de direito. O arsenal jurídico ainda não lhe é familiar. Seu primeiro cuidado é “não fornecer armas ao inimigo”.
Recusa, por princípio, assinar qualquer ata de interrogatório que os policiais encarregados do inquérito redigiram, tomando por base suas declarações verbais.
Redige pessoalmente uma declaração: escreve em língua búlgara, porque, embora domine a língua alemã, nem por isso esta é sua língua materna e a maneja com menos desembaraço.
Nessa declaração, resume tudo o que acha necessário dizer, nada menos, nada mais.
Relede essa declaração, datada de 20 de março: já aplica todos os princípios da autodefesa política; esposa a linha que, desde o dia de sua prisão, Dmitrov traçou para si mesmo e da qual nunca se desviou.
A primazia do álibi político sobre o álibi pessoal. O tom frisante com que fala do ponto de vista doutrinário do Partido relativamente a atos de terror (catedral de Sofia, Reichstag). O protesto indignado contra qualquer acusação, qualquer suspeita, contra seu encarceramento e contra as primeiras arbitrariedades (confisco do seu dinheiro, privação de assistência jurídica). A reserva oposta quanto ao valor da busca realizada em sua casa em sua ausência, a defesa preventiva contra qualquer uso de falsidade.
Sobretudo, porém, nem uma palavra a mais. Dmitrov não fala de sua atividade passada. De sua atividade passada, Dmitrov não fala senão do que pode ser sabido sem nenhum prejuízo para a causa a que essa atividade serviu, serve, e para as organizações a que serve.
Voltamos a. encontrar, aqui, essa segunda regra diretriz que apontamos, na carta de Lênin, esse segundo leit-motiv de qualquer autodefesa política: a discrição. Nunca informar o inimigo sobre sua atividade, sobre a vida interna da organização.
— “Partindo de tal ponto de vista(1), disse-me Dmitrov, era-me fácil explicar que tudo o que concernia a minha atividade comunista ilegal, tudo o que concernia ao Partido búlgaro, um partido ilegal, não poderia constituir objeto de interrogatório policial. Recusei qualquer resposta a tais perguntas”.
Além do mais, nem a polícia, nem o juiz, nem o Tribunal do Império conseguiram encontrar a chave dos endereços e dos números de telefone cifrados que tinham sido encontrados em sua casa: Dmitrov tomara suas precauções.
— “Todos os esforços empregados”, disse-me ele, “para encontrar uma explicação dos endereços cifrados e dos números de telefone que haviam sido encontrados comigo, permaneceram, naturalmente, vãos para a polícia e para o juiz e, já que os endereços estavam verdadeiramente disfarçados, tudo permaneceu ininteligível e desconhecido para a polícia e para o tribunal”.
Da mesma ordem foi a preocupação que inspirou Dmitrov a sua tentativa inicial de conseguir que fossem postos fora de causa seus co-inculpados búlgaros, Tanev e Popov.
A esse propósito, eis detalhes pouco conhecidos que ele consentiu em revelar-me:
— “No que concerne a Popov e Tanev, que tinham sido presos ao mesmo tempo que eu, a princípio tivera a intenção de negar as relações estreitas que nos uniam, dizendo que nos tínhamos encontrado por acaso (tal como o tínhamos combinado superficialmente quando de nossa prisão), que não nos conhecíamos anteriormente e que esses dois búlgaros deviam voltar à Bulgária. Minha intenção era fazê-los passar por ‘inofensivos’ aos olhos da polícia e obter assim, eventualmente, sua libertação. Supunha que eu, comunista conhecido e dirigente (a polícia tivera conhecimento disso entrementes), seria, em todo o caso, retido e poderia ser implicado no incêndio do Reichstag. No mês de maio, durante o inquérito, o juiz declarou, certo dia, que, em vista disso, toda a questão era perfeitamente clara para ele: eu próprio tinha organizado tudo e feito realizar o incêndio por meus homens, Popov e Tanev. Popov tinha recebido a tarefa de atear fogo na sala e Tanev devia colaborar com Van der Lubbe, enquanto que eu tinha partido intencionalmente para Munique, a fim de assegurar um álibi. Compreendi, então, que minhas declarações relativas aos dois búlgaros em nada facilitavam sua situação, mas, ao contrário, a agravavam. Declarei, pois, que eram meus camaradas de Partido, que os conhecia há muito, que eram, como eu, emigrados políticos e, como eu, trabalhavam para o Partido búlgaro; que, ambos, eram tão inocentes quanto eu de qualquer participação no incêndio do Reichstag; que era tão impossível demonstrar qualquer relação entre eles e Van der Lubbe quanto entre Van der Lubbe e eu. Disse, além disso, que, no meu modo de ver, a inculpação lançada contra Torgler era igualmente tendenciosa e artificialmente elaborada”.
Por aqui se vê, ao vivo, como Dmitrov sabia aliar a elasticidade tática à retidão e à firmeza políticas.
Dmitrov estava igualmente empenhado — e com êxito — em não comprometer nenhuma das pessoas em casa de quem havia estado e mesmo em desviar delas qualquer suspeita. Eis de que modo:
— “Quando foram publicadas, disse-me ele, nossas fotografias em todos os jornais e, sobretudo, pelos cartazes e, quando toda a Alemanha nos conheceu, algumas pessoas em casa de quem havia habitado anteriormente e que, presentemente, tinham sido tomadas de medo, procuraram o juiz para declarar- lhe que havia habitado em sua casa sob outro nome. O tribunal descobriu, assim, duas de minhas residências. Em casos semelhantes, quando a polícia já houvesse chegado à constatação de que não tinham nenhuma significação política ou conspirativa, era-me, naturalmente, possível declarar, para melhorar a situação dos interessados, que, efetivamente, morara em sua casa sob o nome tal ou qual, O fato é que, na verdade, essas pessoas nunca haviam sabido quem eu era nem quais seriam minhas ocupações. Perante o tribunal, só depus coisas que, sem pôr em perigo nosso Partido ilegal nem nosso trabalho, podiam melhorar alguma coisa a situação de pessoas que nos tinham ajudado”.
A 28 de março, Dmitrov é transferido para a prisão preventiva de Moabit e começa a instrução judiciaria: confiam-na a esse famoso juiz Vogt, que Dmitrov, alguns meses depois, iria confundir e desmoralizar publicamente.
Notas de rodapé:
(1) Isto é, que bastaria demonstrar que um comunista nada poderia ter de comum com uma provocação dirigida contra sua classe e contra seu partido. (retornar ao texto)