A REVOLUÇÃO DESFIGURADA
A Falsificação Estalinista da História

Leão Trotski

Exclusão de Trotski do Comitê Central
Discurso pronunciado na Assembléia Plenária do Comitê Central e da Comissão Central de Controle em 23 de Outubro de 1927


Durante os meses de Agosto, Setembro e Outubro a fracção estalinista entregara-se à luita contra a oposição baseando-se nas determinações de Julho-Agosto. Por Outubro, finalmente, chegou o momento de se decidir a fracção directora a executar o seu projecto. O Pleno de Outubro tinha por fim não só eliminar Trotski e Zinoviev do Comitê Central, mas também preparar as condições necessárias que permitissem aplicar uma política de repressão em grande escala.

O Pleno de Julho-Agosto tinha habituado o Partido à idéia de que a oposição não queria defender a República dos Sovietes contra os inimigos imperialistas. Mas na nova fase, esta indigna acusação, desacreditou-se de seguida, não abundava já e foram espalhadas as últimas reservas ideológicas de que dispunha Estaline. Começou a resmungar-se dum pretenso complot militar planeado pola oposição. Essa intervenção nossa no complot teria consistido no facto dum oficial, falando com outros — que igual que ele não faziam parte da conjuração, mas que de certo puderam chegar a sê-lo — teria pronunciado o nome de Trotski perante alguns dos seus colegas. Fez-lo, não com o propósito de conspirar, mas sem alguma intenção certa. Que mais tinha! Pronunciara-se o nome de Trotski; alguns especialistas achavam-se juntos; semelha evidente, falando em geral, que bem pudesse consistir numa conjuração militar. É boa verdade que o especialista militar que citou Trotski (a carácter, milhares de pessoas pronunciavam o seu nome) achava-se, por outras circunstâncias, no momento da «criminal» conversa, na Mongólia, isto é, num lugar pouco propício para um golpe de Estado que, de se efectuar, deveria ser em Moscovo. Mas, é que por acaso os esbirros de Estaline têm o dever de dizer onde está a Mongólia, e em geral, de se ocupar de geografia nas intervenções nas células do Partido? Alguns especialistas foram presos, sem a menor razão, ao que parece.

Menjinski, presidente da G.P.U., apresentou sobre este ponto um relatório ante a Assembléia Plenária do Comitê Central e da Comissão Central de Controle, logo que a questão da oposição foi posta a discussão. Mesmo os mais rudes partidários da fração estalinista, aqueles mais despojados de consciência, escuitaram o relatório com um sentimento de angústia e vergonha. A amálgama termidoriana alumiou, assim, grosseiramente. Alguns membros da maioria manifestaram nos corredores a sua indignação. O fracasso da trama estalinista foi tão patente no Pleno que todos os oradores que lhe seguiram, fora de Bukharine, evitaram — quer por prudência quer por repugnância — abordar esta questão. Isso não quita, naturalmente, para que os agitadores de Estaline prosseguiram empeçonhando o Partido com murmúrios em relação ao complot contra-revolucionário.

A exclusão de Trotski e Zinoviev na véspera do XV Congresso foi o preâmbulo indispensável da eliminação total da oposição e da deportação dos oposicionistas activos para a Sibéria e para a Ásia Central. Inaugurou-se deste jeito um novo período no desenvolvimento da Revolução.

Trotski — A proposta que fiz para discutir separadamente a questão do oficial de Wrangel(1*) e do complot militar foi rejeitada. No fundo, eu punha a questão de saber porquê, por quem e como tinha sido enganado o Partido quando lhe foi dito que os comunistas ligados à oposição faziam parte duma organização contra-revolucionária. Para demonstrar mais uma vez como é concebida a discussão, decidistes suprimir a acta estenografada, isto é, ocultar ao Partido a minha breve intervenção sobre o falso oficial de Wrangel. Bukharine apresentou-nos aqui a filosofia da amálgama termidoriana, baseada nos documentos de Menjinski, que nada tem a ver com a nossa imprensa nem com a oposição em geral. Nós precisamos de factos e não da filosofia barata à maneira de Bukharine. Os factos não existem. E por isso, precisamente, toda esta questão foi introduzida na discussão por meio dum truque. A brutalidade e a deslealdade cresceram até se tornaram perfídia criminosa. Todos os documentos de que Menjinski deu conhecimento se levantam totalmente contra a política que se aplica actualmente; basta vê-los à luz duma análise Marxista. Agora não tenho tempo de fazê-lo. Não quero mais que pôr a questão fundamental: como e porquê a fracção que está actualmente na direcção foi obrigada a enganar o Partido, fazendo passar um agente da GPU por um oficial de Wrangel, e a extirpar fragmentos dum inquérito inacabado e empolado intencionalmente para aterrorizar o Partido através dum falso comunicado sobre a participação dos oposicionistas numa organização contra-revolucionária? Para que se faz isso? Aonde conduz isso? Apenas estas questões importam do ponto de vista político. Tudo o resto passa para segundo ou mesmo para décimo plano.

Duas palavras, ante de mais, sobre o que se chama «trotskismo». Com este termo, totalmente oportunista, planea-se edificar uma teoria. Para fabricar o «trotskismo» trabalha a todo o vapor e com três equipas de reserva uma grande fábrica de falsificações. Recentemente escrevi, a este respeito, uma carta ao Instituto Histórico do Partido, carta que contém cerca de cinqüenta citações e documentos, e que apanha a escola histórica e teórica que campeia actualmente, em flagrante delito de falsificação, alteração e dissimulação dos factos e dos documentos, de desfiguração do pensamento de Lenine, tudo isso com a intenção de combater o pretenso «trotskismo». Exigi daquela que essa carta fosse enviada aos membros do Pleno, o que não foi feito. E, no entanto, esta carta contém quase exclusivamente citações e documentos. Enviá-la-ei para a «Folha de discussão» do «Pravda». Ainda que pense que, aí também, será dissimulada ao Partido, porque os actos e documentos que nela reproduzo são demasiado sufocantes para a escola estalinista.

Na nossa declaração de Julho do ano passado tínhamos predito com perfeita exatidão todas as etapas polas que haveria passar a demolição da direcção leninista do Partido e a sua substituição pola de Estaline. Falo duma substituição temporária, pois quanto mais «vitórias» obtiver o grupo dirigente, mais na realidade se debilitará. Podemos completar agora as nossas previsões de Julho do ano passado com a conclusão seguinte: o actual triunfo de Estaline do ponto de vista da organização, precede a sua queda política. Este é totalmente inevitável e, de acordo com o regime estalinista, produzir-se-á bruscamente. A tarefa fundamental da oposição consiste em reduzir ao mínimo os danos que as conseqüências da perigosa política da direcção actual causarão ao Partido e à ligação deste com as massas.

Quereis excluir-nos do Comitê Central. Estamos de todo de acordo com vós em reconhecer que esta medida deriva automaticamente da actual orientação, na fase do desenvolvimento que acaba de atingir, ou antes, da sua falência. A fracção dirigente que exclui do Partido centenas e centenas dos melhores militantes, de obreiros bolcheviques inabaláveis; a malta do aparelho que ousa excluir bolcheviques como Mratchkvoski, Serebriakov, Preobrajenski, Charov e Sarkis, isto é, camaradas que poderiam criar um Secretariado do Partido com mais autoridade e preparação, mais leninista que o actual Secretariado; a fracção EstalineBukharine, que encarcera na Prisão Interior mais impenetrável da GPU admiráveis militantes como Netchaiev, Stikhold, Vassiliev, Schmidt, Fichelev e tantos outros; a fracção do aparelho que subsiste violentando o Partido, afogando o seu pensamento, desorganizando a vanguarda do proletariado não só na URSS, mas em todo o mundo; esta fracção, saturada de oportunismo, que arrastava atrás de si, e ainda arrasta, os Tchang Kai Chek, os Fen Iu Siang, os Wang Tin Wei, os Purcell, os Hiks, os Ben Tillet, os Kussinen, os Smeral, os Pepper, os Heinz-Neumann, os Rafès, os Martinov, os Kudriatiev e os Ustrialov, essa camarilha não pode tolerar a nossa presença no Comitê Central, mesmo um mês antes do Congresso. Isso, nós compreendemo-lo.

A brutalidade e a deslealdade caminham a par com a cobardia. Dissimulastes a nossa plataforma. Mais precisamente: tentastes ocultá-la. Que significa este medo da nossa plataforma? É evidente. TER MEDO DA NOSSA PLATAFORMA É NÃO OUSAR APRESENTAR-SE DIANTE DAS MASSAS.

Anunciáramos em 8 de Setembro que, apesar de todas as proibições, daríamos a conhecer a nossa plataforma ao Partido. Fizemo-lo assim e realizaremos esse trabalho até o fim. Mratchkovski, Fichelev e todos os outros camaradas que imprimiram a nossa plataforma, agiram e agem em absoluta solidariedade connosco, membros oposicionistas do Comitê Central e da Comissão Central de Controle. Somos nós inteiramente responsáveis disso, não só do ponto de vista político, mas também do ponto de vista organizativo.

A deslealdade e a brutalidade que descrevia Lenine, já não são só características duma pessoa: são as características da fracção dirigente, da sua política, do seu regime. Não se trata apenas de procedimentos visíveis do exterior. O traço característico e essencial da actual orientação é a fé na violência omnipotente para com o próprio Partido. Graças à Revolução de Outubro, o nosso Partido possui um poderoso aparelho de coerção, sem o qual não é possível conceber a ditadura do proletariado. O núcleo central desta ditadura é o Comitê Central do nosso Partido.

Durante a vida de Lenine, enquanto houve um Comitê Central leninista, o aparelho de organização do Partido foi submetido a uma política revolucionária de classe practicada à escala universal. É verdade que Estaline, na qualidade de Secretário-Geral, foi desde o início objecto das preocupações de Lenine. «Este cozinheiro só prepara pratos muito condimentados», dizia ele num círculo aos seus camaradas mais íntimos na altura do X Congresso. Mas sob a direcção leninista, num Buró Político de composição leninista, o Secretário-Geral desempenhava um papel completamente secundário. A situação começou a mudar a partir da doença de Lenine. A selecção de homens polo Secretariado, o agrupamento de estalinistas através do aparelho, tomou um carácter de valor próprio, independente da linha de conduta política. Eis porque Lenine, reflectindo na eventualidade da sua ausência física, deu um último e supremo conselho ao Partido: «Afastai Estaline do seu posto; ele pode conduzir o Partido à cisão e à morte»(2*). O Partido não teve a tempo conhecimento deste conselho. O aparelho, habilmente seleccionado, dissimulou-o. As conseqüências deste estado de cousas erguem-se perante nós agora em toda a sua vastidão.

A fracção dirigente crê que se pode chegar a tudo pola violência. É um erro fundamental. A violência pode ter um papel revolucionário enorme, mas com uma condição: a de estar submetida a uma política de classe justa. A violência dos bolcheviques contra a burguesia, contra os mencheviques, contra os socialistas-revolucionários deu, em determinadas circunstâncias históricas, resultados imensos. As violências de Kerenski e de Tseretelli contra os bolcheviques nada mais fizeram que apressar a derrota do regime de colaboração. Ao excluir, ao privar do trabalho, ao encarcerar, a fracção dirigente actua polo látego e polo suborno, contra o seu próprio Partido. O militante obreiro não ousa dizer na sua própria célula aquilo que pensa e teme votar segundo a sua consciência. A ditadura do aparelho mantém no terror o Partido, que deve ser a expressão suprema do proletariado. Ao semear o medo no Partido, a fracção dirigente diminui a capacidade neste de manter o terror entre os seus inimigos de classe. Mas o regime do Partido apenas vive por si mesmo. Exprime toda a política da direcção do Partido. No decurso destes últimos anos esta política deslocou o seu eixo de classe da esquerda para a direita, do proletariado para a pequena burguesia, do obreiro para o especialista, do militante de base para o funcionário, do operário agrícola e do lavrador pobre para o kulak, do operário de Xangai para Tchang Kai Chek, do labrego chinês para o oficial burguês, do proletário inglês para Purcell, Hicks e os outros membros do Conselho Geral das Trade-Unions, e assim sucessivamente. É nisso que consiste exactamente a essência própria do estalinismo.

À primeira vista, parece que o rumo estalinista é completamente triunfante. A fracção de Estaline bate à esquerda (em Moscovo, em Leninegrado) e à direita (no Cáucaso do Norte), mas na realidade toda a política de fracção centrista realiza-se sob os golpes dum duplo látego: direita e esquerda. Privada duma base de classe, a facção burocrática centrista oscila entre duas linhas de classe entanto escorrega sistematicamente da linha do proletariado para a da pequena burguesia. Este desvio não se efectua linearmente, mas sob a forma de bruscos ziguezagues.

No passado já tivemos disso bastante. O mais evidente e o mais memorável foi a extensão dada às instruções eleitorais por efeito da pressão do kulak (lategada de direita). Depois, a revogação destas concessões, graças ao impulso da oposição (chicote de esquerda). E também houve depois não poucos ziguezagues no domínio da legislação operária, dos salários, da política de impostos, da atitude em relação ao comerciante privado, etc. Mas o rumo geral, ao mesmo tempo, deslocava-se para a direita. O manifesto publicado por ocasião do décimo aniversário de Outubro constitui, sem dúvida, um ziguezague para a esquerda. Mas nós não perdemos de vista, nem um só instante, que é apenas um ziguezague que, por si mesmo, não modifica a direcção geral da política e deve até — num futuro muito próximo — apressar o deslize do centro director, que continuará a deslocar-se para a direita.

Os berros dados hoje em relaçao à ofensiva interna contra o kulak, ao qual se lhe gritava ainda ontem com bulício: «Enriquecei!», não podem modificar esta linha de conduta, como também não farão variar as surpresas dispostas por ocasião de solenidades no género da jornada de trabalho de sete horas. A trajectória política da actual direcção está determinada, não por alguns ziguezagues aventureiros, mas sim polo apoio social que esta linha reuniu à sua volta na luita contra a oposição. Através do aparelho estalinista, do regime de Estaline, a vanguarda do proletariado sofre a pressão dos burocratas que se robusteceram (incluindo os burocratas obreiros), dos administradores, dos pequenos patrões, dos novos proprietários, dos intelectuais privilegiados das cidades e dos campos, de todos os elementos que começam a mostrar o punho do kulak ao proletariado, dizendo-lhe: «Já não estamos em 1918!».

Não é o ziguezague de esquerda que conta, é a linha de conduta política que serve de fundamento. É a selecção dos colegas do mesmo bordo, são os quadros, é a base social. Não se pode afogar as células obreiras e fazer, ao mesmo tempo, pressão sobre o kulak. As duas cousas são incompatíveis. Desde que se chegue à realização do ziguezague de esquerda promulgado por ocasião do aniversário, topar-se-á com uma resistência das mais encarniçadas nas próprias fileiras da maioria.

Hoje: «Enriquecei!», e amanhã: «Deskulakizai-vos!» Para Bukharine a cousa é fácil. Um traço forte de aparo e acabou-se. Mas o kulak, e o administrador, e o burocrata empedernido, e o «ustrialovista», têm uma idéia a esse respeito bem diferente. Não sentem inclinação para tais golpes de leme nem ziguezagues de aniversário e têm, no seu momento, a sua palavra a dizer.

O camarada Tomski, que está enlaçado mais do que os outros, manifestou-se, como se sabe, contra este ziguezague do aniversário. É que Tomski pressente que os trabalhadores pedirão contas aos Sindicatos. E é ele que terá de responder. Amanhã, os operários exigirão de Tomski que suspenda a orientação à direita, baptizada no manifesto de «orientação à esquerda», o que tornará inevitável a luita dentro do bloco dirigente. Na ala direita do nosso Partido coabitam uma linha do administrador e uma do sindicalista. Formam um bloco, como aconteceu mais duma vez na história do movimento obreiro internacional. Mas, o ziguezague à esquerda, do aniversário, levantará uma barreira entre o administrador e o sindicalista. O homem do aparelho, que oscila entre os dous, perderá o seu ponto de apoio. O ziguezague do aniversário é a confissão mais inegável e mais clara e solene de que a oposição tem razão em todas as questões essenciais da vida interior da cidade e do campo. Significa, por outro lado, a desaprovação política da fracção dirigente, o seu certificado de indigência. Uma reprovação verbal visto ser incapaz de lhe dar seguimento depois nos factos. O ziguezague do aniversário não retardará, polo contrário, acelerará a bancarrota política do rumo actual da direcção.

O regime actual de repressão no Partido decorre de toda a política da direcção. Por detrás dos extremistas do aparelho acha-se a burguesia interna que renasce. E por detrás desta, a burguesia mundial. Todas estas forças pesam sobre a vanguarda do proletariado, impedem-no de erguer a cabeça ou de abrir a boca. E quanto mais se afasta a política do Comitê Central da linha de classe, mais se vê obrigado a impor, de cima, esta política à vanguarda do proletariado, por meio de medidas de coerção. Está aí a origem do intolerável regime que impera no Partido. Quando Martinov, Smeral, Rafès e Pepper dirigem a Revolução chinesa, e que Mratchkovski, Serebriakov, Preobrajenski, Charov e Sarkis são excluídos do Partido por terem imprimido e difundido uma plataforma bolchevique destinada ao Congresso. Estes factos não são apenas de ordem interna do Partido. Não: nestes factos encontra já a sua expressão a activa influência política das classes.

É algo certo que a burguesia interna pratica uma pressão sobre a ditadura do proletariado e sobre a sua vanguarda proletária, menos atrevidamente, menos habilmente e menos astuciosamente do que a burguesia mundial. Mas estas duas pressões vão a par, simultaneamente. Os elementos da classe obreira e do nosso Partido, que primeiro que ninguém pressentiram a aproximação do perigo, que foram os primeiros a referir-se-lhe; isto é, os representantes da classe operária mais revolucionários, mais audazes, mais perspicazes, mais irredutíveis, formam hoje os quadros da oposição. Estes quadros desenvolvem-se tanto no interior do nosso Partido como na Internacional.

Os acontecimentos mais importantes e os factos dão-nos razão. A vossa repressão reforça os nossos quadros, reúne nas nossas fileiras os melhores dos «velhos» do Partido, tempera os novos, agrupando à volta da oposição os verdadeiros bolcheviques da nova geração. Excluídos do Partido, os oposicionistas constituem os melhores homens do Partido. Aqueles que os excluem são — sem darem-se conta ainda disso — o instrumento de pressão das outras classes sobre o proletariado. Ao tentar espezinhar a nossa plataforma, a fracção dirigente executa uma ordem social dada por Ustrialov, isto é, pola pequena e média burguesia que volta a erguer a cabeça. Ao contrário da política da velha burguesia emigrada e em decadência, Ustrialov, com a política inteligente e clarividente da nova burguesia, não aspira à revolução, aos grandes abalos, não pretende também «saltar os degraus». A etapa ustrialovista actual é o rumo estalinista. Ustrialov aposta abertamente em Estaline. Exige de Estaline o castigo da oposição. Excluindo e prendendo os oposicionistas, lançando contra nós uma acusação essencialmente termidoriana a propósito do oficial de Wrangel e do complot militar, Estaline executa a ordem social de Ustrialov.

O objectivo imediato de Estaline é: dividir o Partido, dividir a oposição, habituar o Partido aos métodos de esgotamento físico. Polo de agora o regime de Estaline suspendeu o sistema de constituir equipas de provocadores fascistas, de homens que trabalham por punhadas ou a pedradas; meter pessoas na prisão, etc. Nestes métodos momentâneos pararam os rumos estalinistas, antes de ir mais longe. Mas o seu caminho está traçado. Porque razão os Iaroslavski, os Chvernik, os Golochekine e outros, teriam de discutir a respeito dos números de controle, uma vez que podem lançar à cabeça dum oposicionista um volumoso anuário de algarismos que os contêm?(3*) O estalinismo encontra a sua expressão desenfreada ao deixar-se arrastar para verdadeiros actos velhacos. Ora, repetimos: estes métodos não passam dum cego cumprimento – inconsciente - duma ordem social que emana das outras classes. O seu objectivo? Amputar a oposição do Partido e consumi-la fisicamente.

Há já quem di: «Excluiremos um milhar, fuzilaremos uma centena e a calma voltará ao Partido». Assim falam esses infelizes cegos, amedrontados e encadeados a um tempo. É a voz do Termidor. Os piores burocratas, corrompidos polo poder, cegos polo ódio, preparam essa política com todas as suas forças. Precisam para tanto de dous partidos. Mas a violência quebrar-se-á contra uma linha política justa que tem, para servi-la, a coragem revolucionária dos quadros da oposição. Estaline não criará dous partidos. Nós dizemos francamente ao Partido: a ditadura do proletariado está em perigo. E acreditamos firmemente que o Partido — o seu núcleo proletário — escuitará, compreenderá e rectificará. O Partido está já profundamente agitado, amanhã será revolvido em profundidade.

Atrás dos poucos milhares de oposicionistas que pertencem aos quadros do Partido está uma dupla, uma tripla camada de aderentes à oposição, e depois uma camada mais ampla ainda de obreiros membros do Partido que começaram já a escuitar atentamente a oposição e a aproximar-se dela. Este processo não se pode aniquilar. O trabalhador sem partido não se deixou apanhar na rede polas falsidades e calúnias dirigidas contra nós. O seu legítimo descontentamento perante o incremento do burocratismo e do regime da mordaça foi expresso pola classe obreira de Leninegrado na sua eloqüente manifestação do 17 de Outubro. O proletariado é polo poder dos Sovietes de forma inabalável, mas quer outra política. Todos estas cousas são inevitáveis. O aparelho é impotente para combatê-las. E quanto mais violentas forem as repressões, mais se fortalecerá a autoridade dos quadros da oposição aos olhos dos comunistas de base e do conjunto da classe operária. Por cada centena de oposicionistas expulsos do Partido, haverá um novo milhar de oposicionistas. O oposicionista expulso sente-se e sentir-se-á membro do Partido e continuará a sê-lo. É possível arrancar pola violência o cartão do Partido ao verdadeiro bolchevique-leninista; é possível retirar-lhe, momentaneamente, os seus direitos de membro do Partido, mas ele não abandonará nunca as suas obrigações com o Partido. Quando Jansson perguntou ao camarada Mrachkovski, na sessão da Comissão Central de Controle, o que faria se fosse excluído do Partido, o camarada respondeu: «Continuarei como no passado».

Isso é o que dirá todo o oposicionista, qualquer que seja o lugar de onde tenha sido expulso: do Comitê Executivo da Internacional Comunista, do Comitê Central, do Partido Comunista da União... Cada um de nós di como Mrachkovski: «Continuarei como no passado».

Nós detemos o leme do bolchevismo; não poderão arrancar-no-lo. Fá-la-emos funcionar e aproveitar com firmeza. Não nos amputarão do Partido, não nos separarão da classe trabalhadora. Conhecemos as repressões e estamos afeitos aos golpes. Não abandonaremos a Revolução de Outubro à política de Estaline, cuja essência se pode explicar em poucas palavras: amordaçamento do núcleo proletário, fraternização com os conciliadores de todos os países, capitulação perante a burguesia mundial.

Excluam-nos, pois, do Comitê Central um mês antes do Congresso que já transformaram numa selecção da gente da fracção de Estaline. O XV Congresso será, visto de fora, uma espécie de triunfo definitivo da mecânica do aparelho. Mas na realidade, assinalará o seu completo afundamento político. As vitórias da fracção de Estaline são as vitórias das forças de classes estranhas sobre a vanguarda proletária. As derrotas do Partido, sob a direcção de Estaline, são as derrotas da ditadura do proletariado. O Partido já sente isso. Nós iremos à sua ajuda. A plataforma da oposição está exposta na mesa do Partido. Após o XV Congresso, a oposição será, no Partido, incomparavelmente mais forte do que neste momento. O calendário da classe obreira e o calendário do Partido não coincidem com o calendário burocrático de Estaline. O proletariado pensa lenta, mas seguramente. A nossa plataforma acelerará esse processo. Em última análise, será a linha política que decidirá e não a mão de ferro burocrática.

A oposição é invencível. Excluam-nos hoje do Comitê Central, como ontem excluíram Serebriakov e Preobrajenski do Partido, como prenderam Fichelev e tantos outros. A nossa plataforma abrirá caminho. Os obreiros de todos os países interrogam-se já, com a maior inquietação, por que razões se expulsam e prendem, na altura do X aniversário da Revolução de Outubro, os melhores combatentes dessa Revolução. De quem é a culpa? De que classe? Da que venceu em Outubro ou da que intensifica a sua pressão para minar a vitória de Outubro? Mesmo os operários atrasados de todos os países, despertados polas vossas repressões, tomarão em mão a nossa plataforma para verificar a ignóbil calúnia lançada e espalhada a respeito do oficial de Wrangel e do complot militar.

As perseguições, as expulsões, as prisões, converterão a nossa plataforma no documento mais popular, mais perto do coração do movimento operário internacional. Excluam-nos, que não impedirão as vitórias da oposição. Estas vitórias serão as da unidade revolucionária do nosso Partido e da Internacional Comunista.


Notas:

(1*) A Oposição de Esquerda apresentou ao Buró Político e ao Comitê Central, por causa do aprazamento do XV Congresso, uma queixa e uma petição para que o Partido imprimisse e propagasse a sua Plataforma antes do Congresso. A resposta não apenas foi negativa, pois na noite do 12 ao 13 de Setembro de 1927 a GPU assaltou o lugar onde membros da oposição dactilografavam a Plataforma prendendo diferentes pessoas, entre elas um antigo oficial de Wrangel. A GPU espalhou por toda parte que descobrira uma conjuração internacional de reaccionários para demolir a Revolução e o Estado Soviético, da que fazia parte a Oposição. Menjinski, director da GPU manifestou, tempo depois ao Comitê Central, que a GPU aproveitara o oficial de Wrangel como provocador (O profeta desarmado, I. Deustcher, Edições Era, p. 331). Estaline, no seu discurso ante Sessão Plenária conjunta do Comitê Central e da Comissão Central de Controlo (23 de Outubro de 1927) declarou: “A comunicação do camarada Menjinski, com as declarações dos detidos, não deixa lugar a dúvidas de que uma parte dos «funcionários» da imprensa ilegal anti-partido dos trotskistas está enlaçada, indubitàvelmente unida, com guardas brancos contra-revolucionários. Que a oposição prove refutar estes feitos e estes documentos” (A oposição trotskista antes e agora, Obras de Estaline, Vol. X, pág. 193. Edições em línguas estrangeiras, Moscovo, 1954. Edição em espanhol). Mas, um pouco mais adiante dize: “Fala-se dum ex-oficial de Wrangel que trabalha para a OGPU no descobrimento de organizações contra-revolucionárias. A oposição brinca e berra alvorotando porque um ex-oficial de Wrangel, a quem se dirigiram os aliados da oposição, todos estes Sherbakov e Tverskoi, resultara ser um agente da OGPU mas, que tem de mau que um ex-oficial de Wrangel ajude ao Poder Soviético a descobrir conspirações contra-revolucionárias? Alguém pode negar ao Poder Soviético o direito de atrair a seu lado a ex-oficiais para aproveitá-los no descobrimento de organizações contra-revolucionárias”? (Op. cit., pág. 197). Além que o assunto fosse aclarado, Preobrajenski e Serebriakov foram afastados do Partido e Mratchkovski, não apenas expulso, mas ainda preso. (retornar ao texto)

(2*) Trotski fala do “Testamento de Lenine” onde, logo de caracterizar os principais membros do Comitê Central, recomenda ao Partido retirar Estaline do posto de Secretário-Geral (Veja-se: Carta ao Congresso [acta estenografada em 23. XII. 22] e o Suplemento à Carta de 24 de Dezembro de 1922 [acta estenografada em 4 de Janeiro de 1923]. (Obras Escogidas, de Lenin en tres tomos, Vol. 3, págs. 765- 769. Ed. Progreso, Moscovo, 1979. Edição em espanhol). (retornar ao texto)

(3*) No decurso duma discussão, Iaroslavski, alporiçado, lançara à cabeça de Trotski um grosso anuário do Gosplan (Pano do Estado). (retornar ao texto)

Inclusão 25/10/2007
Última alteração 15/12/2010